Zaqueu Luiz Bobato *
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Brasil
zaqueudegeo@gmail.com
Resumo: Este artigo discute a proposta de “desenvolvimento territorial” que a partir dos anos 1970 passou a ser debatida no meio acadêmico e político do Estado brasileiro. Destaca-se que a discussão visa estimular o pensamento reflexivo do leitor, pois, acredita-se que refletir os mecanismos que permitem o desenvolvimento econômico e social de diversos espaços territoriais existentes no país é uma atitude necessária, assim, julga-se ser importante compreender as teorizações em torno das concepções que visam o desenvolvimento de um dado território. Portanto, o objetivo deste artigo é abordar as concepções de desenvolvimento dando maior ênfase para a concepção denominada de “Renovada”. No que tange a metodologia, elucida-se que este estudo de cunho exploratório fez uso do procedimento Qualitativo, já que foi necessário realizar levantamentos bibliográficos da temática sobre o desenvolvimento.
Palavras-Chave: Concepção de Desenvolvimento Renovada; Território; Controle Social.
TERRITORIAL DEVELOPMENT IN BRAZIL: PARTICIPATION AND GOVERNANCE
Abstract: This article discusses the proposal of “territorial development” that since the seventies has become debated on political and academic fields of the Brazilian State. It is noteworthy that the discussion aims to stimulate the reflexive thinking of the reader, thus, it is believed that reflecting the mechanisms that permit the economic and social development of different territorial spaces within the country is a necessary measure, hence, it is judged important to comprehend the theorizations around the conceptions which intend the development of a certain territory. Therefore, the objective of this article is to approach the conceptions of development by giving a bigger emphasis to the conception of “Renewal” (Renovada). Concerning the methodology, it is elucidating that this study, of exploratory nature, made use of the Qualitative Research method, since it was necessary to realize bibliographical surveys of the theme about the development.
Key words: Renewal (Renovada) Development Concepcion; Territory; Social Control.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Zaqueu Luiz Bobato (2018): “Desenvolvimento territorial no Brasil: participação e governança”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (noviembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/11/desenvolvimento-territorial-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1811desenvolvimento-territorial-brasil
Introdução
No Brasil o conceito de desenvolvimento é discutido fortemente nos círculos de debates acadêmicos dentro das universidades, assim como nas pautas de discussões políticas em vários espaços de democratização existentes no país. Nos estudos, sobretudo, geográficos e econômicos, o processo de desenvolver econômica e socialmente uma dada coletividade é para muitos pensadores uma incessante aspiração.
Compreender, bem como, buscar alternativas para o desenvolvimento dos povos habitantes nas escalas territoriais em meio ao todo territorial do Brasil é uma atitude necessária, pois, as disparidades construídas histórica e geograficamente no país que condicionam a vida de milhares de pessoas submetendo-as a pobreza ao descaso, estas devem ser compreendidas pelos pesquisadores e dirigentes políticos. Portanto, a partir da compreensão das fragilidades territoriais tem-se a necessidade de haver projetos para serem efetivados na prática, projetos que possam ser estabelecidos com êxito, que realmente possam transformar as realidades desiguais existentes no país. País este que é tão significativo ao possuir uma grande diversidade sociocultural e também de recursos naturais, no entanto, às vezes tão marginalizado devido o descaso recebido dos incumbidos de efetivarem o seu processo de desenvolvimento.
É importante frisar que nos escritos deste artigo, realizar-se-á um enfoque acerca do desenvolvimento a partir do período histórico e geográfico contextualizado pelo pós-segunda guerra mundial, pois, a partir de tal contexto é que se presencia uma busca incessante por industrialização, crescimento, almejando assim, o desenvolvimento econômico. Quanto aos escritos deste artigo, os mesmos estão estruturados da seguinte maneira: num primeiro momento, aborda-se a discussão sobre desenvolvimento diferenciando-o do processo de crescimento, em meio ao debate evidenciam-se as diferenças entre as concepções tradicionais e as renovadas. Em seguida, dá-se enfoque na prática da participação e governança da sociedade civil, destacando que estas necessitam serem estabelecidas quando se pensa o desenvolvimento territorial em uma perspectiva renovada. Por fim, são tecidas as considerações finais.
A discussão sobre desenvolvimento e a concepção renovada do desenvolvimento territorial: participação e governança
De acordo com Sachs (2004, p. 30):
(...) a reflexão sobre o desenvolvimento, tal como se conhece hoje, começou nos anos 40, no contexto da preparação dos anteprojetos para a reconstrução da periferia devastada da Europa no pós guerra. Refugiados antifascistas húngaros, poloneses e alemães, residentes na Grã-Bretanha, foram mobilizados para esta tarefa, na suposição de que o Leste Europeu não cairia sob a influência soviética – a Conferência de Yalta não tinha acontecido ainda.
Em meio ao contexto pós-guerra, o objetivo pelo desenvolvimento dos países arrasados econômico e socialmente, impulsionou-os a lutarem pelo alcance de crescimento pensado, num primeiro momento, como sendo sinônimo do desenvolvimento. Porém, a promoção do crescimento econômico nos países não permitiu necessariamente que seus povos conquistassem qualidade de vida, que é fundamental para desenvolver uma dada nação. Para Sachs (2004, p. 14) “o crescimento, mesmo que acelerado, não é sinônimo de desenvolvimento se ele não amplia o emprego, se não reduz a pobreza e se não atenua as desigualdades (...)”. O crescimento precisa estar atrelado à melhoria da qualidade de vida das pessoas para que de fato se tenha desenvolvimento.
O autor Maluf (2000) também esclarece tal equívoco que muitas vezes se manifesta no pensar acadêmico/científico e político de conceber o crescimento econômico sendo sinônimo do desenvolvimento. Ressalta-se que ambos não são sinônimos, ou seja, o crescimento por si só, sem “equidade social” não gera processos que permitam desenvolver um dado território. Nas palavras de Souza (1997, p. 15) “o desenvolvimento estritamente econômico só pode ser, na melhor das hipóteses, um meio, e jamais um fim, não sendo razoável, por conseguinte, “economizar” o conceito de desenvolvimento em geral”.
Na sociedade atual, marcada pela intensa globalização da economia da política da cultura, o debate em torno do desenvolvimento, principalmente nos meios acadêmicos, vem sendo realçado por ideias que apontam as carências contidas nas propostas elaboradas e disseminadas pelo mundo que dizem respeito aos projetos de desenvolvimento. No caso do Brasil os projetos que almejam o seu desenvolvimento, este são elaborados levando em consideração determinadas “concepções de desenvolvimento”. Desta maneira, acredita-se ser importante refletir as concepções de desenvolvimento que permeiam o debate e as propostas dentro do país.
Mediante estudos exploratórios identifica-se haver no Brasil a existência de duas concepções que norteiam os projetos, sendo elas: as concepções “tradicionais” e as “renovadas”. As concepções tradicionais se sustentam pelo caráter economicista, historicista e etapista, já as concepções renovadas se ancoram pela ordem social, sendo uma crítica a primeira.
Segundo Souza (1996) a palavra desenvolvimento, faz pensar que o processo existiu já nas sociedades tribais, porém, não se tinha uma construção reflexiva, elaborada com critérios. Souza (1996, p. 5) evidencia que:
Desenvolvimento pressupõe mudança, transformação - e uma transformação positiva, desejada e desejável. Clamar por desenvolvimento (seja a partir de que ângulo for) só é concebível, portanto, no seio de uma cultura que busque a mudança ou que esteja conscientemente aberta a essa possibilidade de um valor social.
Acredita-se que o desenvolvimento ocorre de fato a partir do momento em que a sociedade como num todo passa a se beneficiar dos resultantes de seu processo, ou seja, é necessário o desenvolvimento enquanto um “valor social”. O autor Maluf (2000) afirma que a partir da década de 1970 as ideias acerca dos planos, projetos que visam o desenvolvimento, começam a ser questionados dados os reconhecimentos dos limites das políticas estabelecidas nos projetos. Sendo assim, começa a haver impasses teóricos e práticos em meio às concepções.
Souza (1996) alerta em seus escritos que as ideias de desenvolvimento ao serem questionadas, incitam a pensar que:
(...) o desenvolvimento só tem servido à ocidentalização do mundo, à exploração capitalista em escala mundial, à destruição da etnodiversidade em nome de uma pasteurização cultural; falar em desenvolvimento significa defender os interesses capitalistas ou, mais amplamente, os valores do Ocidente e do modelo civilizatório capitalista.
Percebe-se nos debates que os questionamentos em torno do desenvolvimento, apontam críticas a maneira como as concepções são na maioria das vezes elaboradas, assim como a forma em que o ato de desenvolver foi, ainda vem sendo implantado, ou seja, pela lógica de países que são centro do sistema capitalista, que disseminam um modelo de desenvolver que não respeita as diferenças, as realidades locais, tentando assim, homogeneizar.
Como já apontou-se anteriormente, os projetos de desenvolvimento pautados em concepções ditas tradicionais possuem um viés setorializado, negligenciando a coletividade habitante do território onde se almeja desenvolver. As características dos modelos setoriais, por abarcarem traços economicistas, etapistas, historicistas, dificultam o êxito do desenvolvimento.
Chama a atenção os escritos de Sachs (2004), Maluf (2000), Cunha (2006), onde estes explicitam que por muito tempo o desenvolvimento nas economias subdesenvolvidas passou a ser buscado de forma constante levando-se em conta os modelos de produção de países do centro do sistema capitalista, que, de forma hegemônica, disseminaram para os países periféricos modelos que passaram a ser incorporados com o objetivo de fomentar o desenvolvimento para suas populações.
Sachs (2004), Maluf (2000) e Cunha (2006), ao revelarem as carências existentes nos modelos de desenvolvimento que se impõem sobre as sociedades, tecem suas críticas à aquilo que chamam de “concepções tradicionais”, concepções estas que muitos governantes aderem, e, que desta, forma ainda veem sendo incorporadas pelas políticas públicas no Brasil. Nas concepções tradicionais os modelos veem de “cima para baixo”, não levando em consideração as especificidades do local, restringindo a participação dos atores sociais, almejando apenas setores da economia, da sociedade. Todavia, rompendo com o tradicional modelo, alguns autores propõem uma perspectiva renovada, sendo, a do “desenvolvimento territorial”.
No que concerne a essa concepção de cunho renovada, os autores Saquet e Sposito (2008) evidenciam em seus escritos que os estudos, debates e controvérsias relacionados às lógicas do desenvolvimento se acentuaram no cenário acadêmico a partir dos anos de 1990 em virtude de vários fatores, sobretudo, dado o agravamento da crise ambiental. Tal conjuntura levou o surgimento de propostas em torno do “desenvolvimento territorial”, contudo, há de se conceber que tal temática se originou em países como a França, Suíça e Itália.
Os autores Reis (2005) e Dallabrida; Siedenberg e Fernández (2004) destacam que o desenvolvimento de perspectiva territorial começou ser difundido a partir da segunda metade do século XX. Dallabrida; Siedenberg e Fernández (2004, p. 101) esclarecem que:
Desde o final dos anos 70, acompanha-se em algumas regiões, européias principalmente, o incremento do número de pequenas e médias empresas imersas em meios sociais que demonstraram criatividade e um caráter inovador, revitalizando o debate sobre novas formas de organização da produção e explicação dos fatores que têm contribuído para o desenvolvimento de âmbitos espaciais distantes dos grandes centros urbano-industriais, tradicionalmente dinâmicos economicamente.
Segundo os autores, em meio ao contexto acima evidenciado, é que se tem o território como protagonista do desenvolvimento, sendo assim, os padrões de organização da produção de forma aglomerada adquirem importância se constituindo meios de geração do desenvolvimento territorial. Os autores Beduschi Filho e Abramovay (2004, p. 57) ressaltando a perspectiva do desenvolvimento territorial apontam que:
(...), o enfoque territorial aplicado ao planejamento permite que determinadas características locais sejam valorizadas, como, por exemplo, os atributos naturais (ou amenidades) e a herança cultural de determinada localidade, e se transformem em vantagens competitivas dos territórios.
Percebe-se que as concepções renovadas de desenvolvimento com o enfoque no território, buscam essa operacionalização, pois, levam em consideração as singularidades de um determinado constructo territorial, não negligenciam o cotidiano, o vivido dos agentes sociais que o habitam. É oportuno trazer aqui os escritos de Cunha, um defensor das lógicas do desenvolvimento territorializado, pois para ele:
As concepções renovadas de desenvolvimento que incorporam variáveis espaciais permitem superar alguns entraves observados nas concepções tipicamente setoriais tanto no que se refere as possibilidades de revisão de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento regionalmente localizado como para fundamentar análises melhor construídas das características sócio-espaciais de regiões e territórios para os quais estarão voltadas estas políticas (CUNHA 2006, p. 279).
Cunha deixa claro em seus escritos que além de respeitar as ideias de uma dada coletividade, é de extrema importância que os projetos de desenvolvimento rompam com a primazia da visão setorial, sendo assim, o desenvolvimento necessita de uma visão “territorial”. É desta forma que se obterá equidade social, pois, o setorial não garante ganhos para toda a coletividade, já que é uma visão fragmentada.
Percebe-se que Cunha fomenta em seus escritos a perspectiva renovada do desenvolvimento. Para tanto, este autor rompe com o pensar fragmentado, setorializado, propondo um caráter “territorializado”, onde os diferentes atores sociais que habitam um dado território adquiram progressivamente o papel de indutores ativos do desenvolvimento, sendo que este deve resultar na geração da equidade social.
Todavia, Cunha (2007) adverte que o êxito de projetos de desenvolvimento dentro da perspectiva territorial não podem ser objetivados sem uma espécie de “governança” que envolva o maior número de atores possíveis, como por exemplo, a política e demais instituições que representam os interesses de um dado local. O autor ainda acrescenta que:
(...), a dimensão territorial do desenvolvimento dependeria de um fenômeno que é intrínseco aos territórios, que é a proximidade social dos atores, a qual, por sua vez, define as possibilidades de dinamização de processos de desenvolvimento regionais e locais. A proximidade facilita a difusão de idéias, métodos e inovações entre os atores, incentivando a dinamização dos processos de desenvolvimento, quando e aonde os atores tenham condições de criar idéias, métodos e inovações animadoras destes processos. Nesses termos, o território apresenta-se como um elemento fundamental no processo de desenvolvimento (CUNHA 2007, p. 166).
Os escritos de Cunha evidenciam a importância, não só do entrelaçamento de organizações políticas e institucionais, como também, da importância de articulação dos atores locais, ou seja, o “capital social” que para ele reflete no grau de desenvolvimento em um dado território. Desta maneira, é condição elementar que práticas de participação e governança prevaleçam sobre o tecido territorial onde o desenvolvimento está sendo almejado.
No que tange a prática da participação e governança, Nogueira (2011) esclarece que estas passam a ocorrer no Brasil dadas as transformações resultadas do processo de globalização da economia, pois num contexto globalizado e competitivo as pessoas sentem a necessidade de uma maior articulação prezando pela coletividade, logo, estabelecendo formas de governança. Em meio ao contexto da globalidade tem-se no Brasil a emergência da descentralização política, sendo que esta passou a ocorrer no país a partir da aprovação da carta constitucional de 1988. Portanto, a década de 1990 assistiu a uma espécie de entronização da ideia de sociedade civil nos projetos de reforma do Estado (NOGUEIRA 2011, p. 62). Ainda em relação à participação, Bandeira (2000, p. 35) esclarece que:
A falta de participação da comunidade é apontada, na literatura produzida pelas principais instituições internacionais da área de fomento do desenvolvimento, como uma das principais causas de fracasso de políticas, programas e projetos de diferentes tipos. (...), a ausência de uma interação suficiente com os segmentos relevantes da sociedade tende a fazer com que muitas das ações públicas sejam mal calibradas, tornando-se incapazes de alcançar integralmente os objetivos propostos.
Acredita-se que a articulação entre os agentes que vivem no território local é de grande importância para o êxito de propostas de desenvolvimento dentro da perspectiva territorializada. Entende-se que a participação gera contribuições na medida em que possibilita o estreitamento entre a sociedade civil e seus representantes públicos, assim como com instituições inseridas dentro e fora do território.
Nas palavras de Gohn (2011, p. 47) “(...) a participação dos cidadãos provê informações e diagnósticos sobre os problemas públicos, gerando conhecimentos e subsídios à elaboração de estratégias para resolução dos problemas e conflitos envolvidos”. Silveira (2008) também destaca o papel da participação afirmando que o tema se faz presente no campo temático do desenvolvimento local. O mencionado autor ressalta que ampliar a democracia significa produzir um intercâmbio entre o máximo de agentes locais, ou seja, através da participação tem-se a ampliação da distribuição do poder no território local.
É fato que quando a participação se dá de forma intensa em um dado contexto territorial, têm-se maiores chances de se presenciar um forte grau de governança. Gohn (2011, p. 41) afirma que o conceito de governança “se insere nos marcos referenciais de um novo paradigma da ação pública estatal, em que o foco central das ações não se restringem aos órgãos e aparatos estatais, mas incorpora também, via interações múltiplas, a relação governo e sociedade”. Tal relação de interação que fomenta a governança, certamente se deve a graus elevados de participação da sociedade. Destaca-se que a ideia de governança passa a ocorrer no Brasil dados os processos que as políticas de globalização impuseram. Para Silveira (2008) governança pode ser entendida como exercício do poder de forma partilhada.
Nas palavras de Gohn (2011, p. 41) o conceito de governança:
Alterou o padrão e o modo de pensar a gestão de bens públicos, antes restrita aos atores presentes na esfera pública estatal. A esfera pública não estatal é incorporada via novos atores, que entraram em cena nas décadas de 1970/1980, pressionando para obter equipamentos coletivos públicos, melhores condições materiais e ambientais de vida, direitos sociais, cidadania, identidade de raça, etnia, gênero, gerencial etc.
Percebe-se que governança e participação estão estritamente relacionadas, e, estas podem resultar em êxito para a prática do desenvolvimento territorializado, assim sendo, é condição sine qua non a existência de uma forte governança local que para Gohn (2011, p. 44) é um sistema de governo em que:
A inclusão de novos atores sociais é fundamental, por meio do envolvimento conjunto de organizações, públicas (estatais e não estatais) e privadas. Ou seja, trata-se de um sistema que poderá envolver, entre outros, as ONGs, os movimentos sociais, o terceiro setor de uma forma geral, assim como entidades privadas e órgãos públicos estatais. A governança local diz respeito ao universo das parcerias, a gestão compartilhada entre diferentes agentes e atores, tanto da sociedade civil como da sociedade política, a exemplo do Orçamento Participativo.
Concebe-se que a participação e a governança são fatores importantes, sendo necessário se fazerem presentes nos projetos de políticas públicas, no entanto, tais mecanismos dependem muito da “cultura política” de um dado território. No caso do Brasil, muitos espaços territoriais contemplam uma cultura envolvida nos moldes do clientelismo, do coronelismo do exercício tirânico do poder. Estes fatores inviabilizam, tornando tímidas as práticas democráticas de participação e governança em prol do desenvolvimento territorial.
Mas, se a organização dos agentes sociais é fundamental, logo, é necessário que os mesmos participem das tomadas de decisões ao se elaborar e efetivar projetos de desenvolvimento. Neste sentido é que a ideia de autonomia e de propostas reformadoras ganham notoriedade e se concretizam. Souza (1997) esclarece que na busca da efetivação do desenvolvimento é preciso levar em consideração a autonomia da coletividade, pois, estes é que irão usufruir das benesses do desenvolvimento, para tanto, necessitam participar, seus interesses precisam ser respeitados. Neste sentido, Souza (1997, p. 21) explicita que:
(...), a autonomia é um princípio que exige a consideração do plano interno (a igualdade de chances de participação na tomada de decisões relevantes para a vida social), mas igualmente que se leve em conta o plano externo (os interesses legítimos e a autonomia do outro, não importando o quanto ele seja diferente de nós mesmos), (...).
Tal perspectiva descrita por Souza abarca um propósito “renovado” de desenvolvimento, isso por que, a partir do momento que os projetos abrem a possibilidade de participação dos habitantes de um dado território, os mesmos se diferem dos tradicionais modelos que emanam dos países de centro e que restringem a participação da sociedade. Ainda de acordo com Souza (1996) o desenvolvimento é sócio-espacial, ou seja, da sociedade e do espaço, entretanto, não se pode intervir num dado espaço sem considerar a circularidade das relações sociais que o permeia.
Em síntese, enfatiza-se nestes escritos a ideia de que para poder atingir o desenvolvimento, as políticas públicas de fomento devem ser levadas a cabo com o intuito de propiciarem benefícios sociais “coletivos”. No que tange as políticas, elas precisam respeitar a autonomia, as vocações que emergem dos territórios em suas diferentes escalas de abordagem. No pensar de Maluf (2000), quando se fala em desenvolvimento com equidade social, não se pode ignorar o fato de que as políticas públicas que visam gerar desenvolvimento, essas precisam romper com visões homogeneizadoras, eurocentristas, e, desta forma, devem levar em consideração as potencialidades do território, o vivido, o cotidiano das pessoas.
Considerações finais
O desenvolvimento é um processo que remonta as sociedades tribais, porém, não abarcando estruturas “conceituais/reflexivas”. Paulatinamente o processo de desenvolvimento vai sendo pensado e elaborado dentro de molduras filosóficas que contemplam interesses coletivos, assim como, particulares.
No decorrer da sistematização do pensamento acerca do desenvolvimento, tem-se a emergência das concepções chamadas por Maluf (2000) de tradicionais, sendo que, nestas o enfoque é fragmentado, setorializado, logo, nem todos os habitantes de um dado território se sentem abastecidos, beneficiados pelo processo.
No caso do Brasil as fragilidades sociais geradas em meio as políticas públicas que se ancoravam nas concepções tradicionais passam a ser refletidas e questionadas a partir dos anos de 1970, fato que possibilitou a emergência de concepções denominadas de “renovadas”. A proposta de desenvolvimento de cunho renovador tem como foco a coletividade social de um dado território, ou seja, todos precisam usufruir dos benefícios do desenvolvimento, e não apenas parcelas, setores da população.
Destaca-se que ao ser abordado neste artigo o conceito de desenvolvimento em uma via propositiva de caráter renovado, acredita-se que no caso do Brasil faz-se necessário haver maior envolvimento da sociedade civil nas propostas de políticas públicas, logo, participação e governança precisam ser estimuladas e consolidadas na prática. Isso tudo para que seja possível romper com os quadros de desigualdades sociais construídos histórica e geograficamente no seu “todo” territorial.
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