Candisse Schirmer *
Antonella Pichinin **
FFEVALE, Brasil
candisseschirmer@gmail.com
RESUMO
O presente artigo terá como eixo norteador a reflexão acerca de metodologias realizada na disciplina de Direito e Teatro da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA, com fito no desenvolvimento de habilidades e competências dos discentes, a partir de prática pedagógica interdisciplinar, dialética e extramuros como integrante do processo de ensino-aprendizagem. Buscar-se-á verificar, em um primeiro momento, o princípio da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, trazendo o tripé constitucional como elementar no Plano de Ensino da disciplina de Direito e Teatro. Posteriormente, analisar-se-á a experiência de transpor as quatro paredes da sala de aula, de forma desruptiva, na qual os discentes possuem a oportunidade de conhecer e atuar no Centro de Mediação e Práticas Restaurativas - CEMPRE da FADISMA. Trata-se de uma investigação empírica traduzida por relato de experiência de discente da disciplina de Direito e Teatro e a trans(formação) na aproximação do conhecimento com a realidade social.
Palavras-chave: Concretização de experiências, Direito, Ensino-aprendizagem, Prática pedagógica interdisciplinar, Teatro.
ABSTRACT
The present article will have as a guiding axis the reflection about methodologies carried out in the Law and Theater discipline of the Faculty of Law of Santa Maria - FADISMA aiming at the development of skills and competences of the students, holding the extension as an integral practice of the teaching- learning. It will seek to verify, at first, the principle of indissociability teaching, research and extension, bringing the extension as elementary in the Teaching Plan of the discipline of Law and Theater. Later, the experience of transposing the four walls of the classroom will be analyzed, in a disruptive way, in which the students have the opportunity to know and act in the Center for Mediation and Restorative Practices - CEMPRE of FADISMA, combining a pedagogical practice interdisciplinary, dialectic and extramural. It is an empirical investigation translated by experience report of a student of Law and Theater discipline and trans (formation) in the approximation of knowledge with social reality.
Keywords: Experimentation, Law, Teaching-learning, Interdisciplinary pedagogical practice, Theater.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Candisse Schirmer y Antonella Pichinin (2018): “A disciplina de “Direito e Teatro” e o “Centro de Mediação e Práticas Restaurativas – CEMPRE” da fadisma: o desenvolvimento de prática pedagógica interdisciplinar, dialética e extramuros”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (septiembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/09/pratica-pedagogica-interdisciplinar.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1809pratica-pedagogica-interdisciplinar
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os debates em torno da temática do ensino jurídico permeiam fóruns, grupos de pesquisa, associações. Uma das razões se dá em virtude da preocupação com a qualidade do ensino, haja vista que segundo o Ministério da Educação, o Brasil possui 1.266 (mil duzentos e sessenta e seis) cursos de Direito.
Nesse ínterim, os instrumentos de avaliação de cursos presenciais, com parâmetros meramente subjetivos, permeiam a consolidação do conceito de curso, refletindo, por conseguinte, acerca de como as instituições de Direito estão consolidando a trans(formação) dos discentes, futuros bacharéis.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos aduz sobre elementos que necessitam existir para que se faça menção ao conceito universidade. Na ausência de um deles, estar-se-á a referir ao ensino superior, tão somente. A extensão, a prática extramuros, precisa estar presente nas estruturas curriculares dos Cursos de Direito, pois o discente deve ter contato com a realidade existente na sua comunidade, cidade, estado, país.
Com tal fundamento, na disciplina de Direito e Teatro da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA idealiza-se práticas didático-pedagógicas para proporcionar aos discentes a possibilidade de compreender que o conhecimento pode ser encontrado além das quatro paredes da sala de aula, aliado ao fato de que a teoria, por si só, não proporciona experiência. Para o alcance do desiderato almejado, o Centro de Mediação e Práticas Restaurativas – CEMPRE da FADISMA será sede das primeiras ações dos discentes da disciplina de Direito e Teatro por meio da realização de mediação e círculo restaurativo.
1 REFLEXÕES ACERCA DO ENSINO JURÍDICO
Recentemente, no mês de março de 2018, o Ministério da Educação divulgou quantitativo de cursos jurídicos por estado. No Rio Grande do Sul são 90 (noventa) cursos de Direito. Ao analisar o total de cursos por região, tem-se: 139 (cento e trinta e nove) na Região Centro-Oeste, 247 (duzentos e quarenta e sete) na Região Nordeste, 84 (oitenta e quatro) na Região Norte, 546 (quinhentos e quarenta e seis) na Região Sudeste e 250 (duzentos e cinquenta) na Região Sul. Esse somatório equivale a 1.266 (mil duzentos e sessenta e seis) cursos de Direito no Brasil. Tais dados são significativos, uma vez que há mais instituições de Direito no país do que a soma de todos os outros países do mundo (MEC, 2018).
Nessa senda, Jessé Souza (2015, p. 40) abaliza que “a vida cotidiana, ainda que não percebamos por já estarmos “desde sempre” dentro de certo horizonte institucional que “naturalizamos” [...] é comandada por instituições”. Para Sílvio Paulo Botomé (1996, p. 25), “constituir uma instituição é organizar pessoas em torno de um esforço coletivo de interesse do conjunto da sociedade”. Cabe perquerir acerca da maneira como as instituições de Direito estão consolidando a trans(formação) dos discentes, futuros bacharéis.
Constituir uma instituição é organizar pessoas em torno de um esforço coletivo de interesse do conjunto da sociedade. E isso é um contrato social firmado entre os que constituem a instituição e aqueles que a criam, aceitam ou mantêm, em função do que é necessário e importante ser realizado pela instituição para o todo onde ela está inserida. As atividades básicas, atividades-fim, atividades-meio ou de apoio que uma instituição realiza através das ações dos componentes de seus órgãos constituintes, em uma estrutura organizacional, são passíveis de definição à luz do que define a instituição onde estão localizados (BOTOMÉ, 1996, p. 25).
No contexto pormenorizado, faz-se necessário identificar a identidade da universidade e, por conseguinte, quais são os elementos peculiares que a diferenciam das demais instituições. Acerca da universidade, Botomé (1996, p. 20-21) aduz que é privilegiada, uma vez que é a “instituição na sociedade com mais condições de fazer a síntese entre conhecimento e comportamento. Resta aprender a fazê-la, realizá-la no seu trabalho, desenvolver isso em escala e administrar os processos que a constroem”.
Para Boaventura de Souza Santos (2004, p. 64) os elementos que permitem atribuir à universidade caráter integral estão associados à congruência da formação graduada e pós-graduada, pesquisa e extensão. Inexistindo algum desses pressupostos, há ensino superior, porém não há universidade. Nos ditames de Botomé (1996, p. 38), “pesquisa, ensino e extensão são atividades (instrumentos, condições ou meios) através das quais (ou nas quais) se realizam os objetivos (funções, atribuições) da Universidade”.
Pode-se indicar que os conceitos abordados por Santos e Botomé vêm ao encontro da salvaguarda da Constituição da República Federativa do Brasil. À evidência dos preceitos constitucionais, o artigo 207 dispõe sobre o princípio da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão, encontrando sustentação para a propagação de programas, projetos e ações, de forma integrada e complementar, na troca de saberes para promoção da cidadania.
Contudo, ao fazer uma análise do ensino jurídico em sua visão tradicional, tem-se que o mesmo ignora a extensão como prática integrante do processo de ensino-aprendizagem, entendendo que a sala de aula é local onde se desenvolve e reproduz a teoria. Assinala-se que os instrumentos de avaliação presencial de cursos de graduação trazem um arcabouço respaldando a extensão universitária enquanto o desenvolvimento de programas, projetos e ações.
A partir dessa evidência cabe também introduzir a extensão como elementar nos Planos de Ensino das disciplinas que compõe a estrutura curricular dos cursos de Direito. Ao mesmo passo, com base nos eixos de formação (específica, geral, complementar e prática) da estrutura curricular dos Cursos de Direito, faz-se necessária à criação do processo de ensino-aprendizagem que reúna elementos capazes de desenvolver habilidades e competências e, por conseguinte, analisar a (trans)formação dos discentes.
Assim, a universidade comprometida com o seu tempo e com o seu lugar, depende mais do ambiente público em que existe do que do ambiente pedagógico artificialmente criado dentro de seus muros (SANTOS, 2007, p. 9). Nesse limiar, é o que Santos descreve como conhecimento pluriversitário:
É um conhecimento contextual na medida em que o princípio organizador da sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada. Como essa aplicação ocorre extra-muros, a iniciativa da formulação dos problemas que se pretende resolver e a determinação dos critérios da relevância destes é o resultado de uma partilha entre pesquisadores e utilizadores (SANTOS, 2004, p. 41-42).
Nessa senda, acentua-se que Malinowski foi propagador de uma revolução que detinha três propósitos: 1) substituir a antropologia de gabinete pela experiência de campo; 2) no campo da religião e da magia, substituir a atenção de fazer às crenças pelo estudo da ação social (o rito); e 3) substituir as falsas sequências evolutivas por um entendimento da sociedade contemporânea (STHARTEN, 2014. p. 167-168).
Diante das elucidações realizadas até o presente momento, indica-se que uma analogia da revolução pensada por Malinowski pode ser idealizada para o ensino jurídico. Refere-se, sobretudo, “às propostas de entendimento do Direito como prática social e o compromisso com formas alternativas do direito” (CANOTILHO, 1998, p. 23).
Sob essa nova vertente, traz-se à baila a disciplina de Direito e Teatro da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Trata-se de disciplina que compõe a estrutura curricular ao lado de outras 42 (quarenta e duas) disciplinas optativas. O objetivo da disciplina, extraído do Plano de Ensino da mesma aduz:
promover o aperfeiçoamento da formação humanística dos juristas por intermédio do teatro, estimulando o diálogo entre o pensamento jurídico e a prática teatral. Além disso, visa reunir os estudantes de direito para o fortalecimento da consciência da cidadania (PLANO DE ENSINO, 2017/2).
Nesse sentido, as práticas didáticas pensadas para a disciplina contemplam como pano de fundo, o tripé constitucional, qual seja, da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. Atinente a extensão universitária, Botomé (1996, p. 58) ressalta que o seu surgimento pode ser associado a “uma “compensação” pelo ensino alienado e pela pesquisa descomprometida com a realidade social” (1996, p. 58).
Em verdade, busca-se a complementariedade ensino-pesquisa; ensino-extensão; pesquisa-extensão no sentido da existência de uma contribuição social, traduzida na dinâmica pedagógica curricular, em que docentes e discentes detém expectativas acerca do que é produzido na e pela sociedade e estabelecem uma relação de reciprocidade, ou seja, uma via de mão dupla. Nesse contexto:
o cenário de deslocamento também é o contexto de mudanças advindas das práticas culturais do grupo, aderindo aos impactos de novas situações e de novas complexidades, sobretudo pela interface de sua cultura com a educação formal (LIMA FILHO, BELTRÃO E ECKERT, 2006, p. 13).
As intervenções didático-pedagógicas que consideram a criatividade humana em lidar com os artefatos e com as paisagens engendrados pela própria cultura em seu lugar de pertença devem tomar esse ato consciente como um saber acerca de si e do mundo (ARANTES, 2006, p. 87).
Tendo como inspiração o conhecimento pluriversitário (SANTOS, 2004), uma das práticas didático-pedagógicas idealizadas para a disciplina de Direito e Teatro busca o ensinamento extramuros, ou seja, além das quatro paredes da sala de aula, proporcionando aos discentes o desenvolvimento de processos de autonomia.
Para que a metodologia obtivesse êxito, buscou-se o desenvolvimento de atividades junto ao Centro de Mediação e Práticas Restaurativas - CEMPRE da FADISMA, haja vista que tal experiência procura denotar “um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais heterogéneo e mais adequado a ser produzido em sistemas abertos menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica” (SANTOS, 2004, p. 41-42). No próximo tópico será explorada, por meio do relato de experiência, a interdisciplinaridade da disciplina de Direito e Teatro junto ao Centro de Mediação e Práticas Restaurativas – CEMPRE.
2 RELATO DE EXPERIÊNCIA DA INTERDISCIPLINARIDADE DA DISCIPLINA DE DIREITO E TEATRO JUNTO AO CENTRO DE MEDIAÇÃO E PRÁTICAS RESTAURATIVAS - CEMPRE
A disciplina de Direito e Teatro é uma disciplina optativa oferecida pela Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA. Tendo em vista a política cultural da FADISMA, que adota uma metodologia inovadora no ensino do Direito, visando à reflexão sobre a formação não somente técnica, mas também humanista dos acadêmicos de Direito, bem como do seu papel na sociedade, torna-se pertinente o ensino jurídico apoiado na Arte, através do teatro (PLANO DE ENSINO, 2017/2).
A disciplina leva em consideração que, supostamente, os alunos interessados não possuem contato com o teatro. Em virtude desse fato, é coerente a inserção da linguagem teatral através de atividades que priorizem a improvisação e o jogo, elementos indispensáveis a esta prática, uma vez que são inerentes à arte teatral, a qual não é estanque, mas, ao contrário, é viva, pois se dá no aqui/agora, na relação ator-espectador.
A par dessas ponderações, o ensino do Direito através da prática teatral auxilia no aprendizado do discente, colocando-o em contato com discussões que enfrentará ao longo de sua vida acadêmica e profissional. Além das atividades praticadas em sala de aula, o Plano de Ensino ainda estipula 4 (quatro) aulas extraclasse, ou seja, indo além das quatro paredes da sala de aula, proporcionando ao discente um olhar da realidade social. Para tanto, os instrumentos utilizados na disciplina, inicialmente são: aulas expositivas, dialogadas e práticas; trabalhos em grupo e individuais; leituras, resenhas e fichamentos dirigidos; debate constante acerca de fatos, imagens e vídeos; e exercícios de interpretação.
Exercícios como: caminhadas, declamações de poesia, leituras, debates, interpretações de texto, desenvolvimento de imagens e personagens, simulação de audiências, são alguns exemplos praticados pelos discentes com fulcro no desenvolvimento de habilidades e competências. Desde o início do semestre letivo foi pactuado o respeito e tempo de cada um, tendo em vista as individualidades e especificidades do grupo, a fim de proporcionar uma aprendizagem repleta de significado.
As atividades aplicadas na mencionada disciplina abordaram a desinibição como elemento expressivo na comunicação e a reflexão da oralidade como uma prática jurídica que por muitas vezes é negligenciada por grande parcela da coletividade acadêmica. Através de tais atividades, foi se construindo uma cumplicidade entre o grupo, assim como a docente passou a perceber dificuldades e aptidões de cada discente, no intuito de trabalhá-las e explorá-las, visando o desenvolvimento de habilidades e competências.
Após as práticas didático-pedagógicas realizadas, era chegado o momento dos discentes da disciplina de Direito e Teatro conhecerem e atuarem no Centro de Mediação e Práticas Restaurativas – CEMPRE da FADISMA. Desse modo, foram desafiados ao enfrentamento de situações de conflito, uma vez que se fará presente de forma constante na vida profissional dos futuros bacharéis de Direito. Importante ainda que a abordagem fosse avaliada a partir de conflitos associados à seara da família, do trabalho, de instituições diversas. Nesse ínterim, destaca-se que a análise de processos judiciais denota a ausência de celeridade, assim como o ganho de causa de uma das partes do litígio pode ocasionar ruptura nas relações interpessoais.
A partir do exposto traduz-se na necessidade de apresentação do CEMPRE, criado no ano 2014, com a finalidade de proporcionar a seus discentes e egressos a oportunidade de aplicar, na prática, o conhecimento teórico apresentado em disciplinas previstas na estrutura curricular da instituição. Ainda, o Centro tem como objetivo estimular aos indivíduos a autonomia para solucionar da melhor maneira possível os conflitos, sempre com base no diálogo, respeito e cultura de paz (FACULDADE DE DIREITO DE SANTA MARIA, 2015).
Desde o seu surgimento, o CEMPRE vem ganhando destaque com os métodos de resolução de conflitos, na aspiração da busca de uma sociedade mais harmônica e colaborativa, seja por meio da Mediação ou da Justiça Restaurativa no âmbito extrajudicial. Os membros do CEMPRE1 trabalham com afinco nas sessões de mediação e de círculos restaurativos (FACULDADE DE DIREITO DE SANTA MARIA, 2015).
Através da prática pedagógica interdisciplinar, dialética e extramuros proporcionada pela disciplina de Direito e Teatro, os discentes tiveram a oportunidade de desenvolver a criatividade e a improvisação a partir de situações hipotéticas elaboradas pelo próprio grupo em sala de aula. A metodologia utilizada possui como pano de fundo, a aprendizagem baseada em problemas, em que o discente adquire o conhecimento acerca da temática proposta.
A primeira situação problema trabalhada contou com a presença dos membros do CEMPRE, da professora da disciplina e dos alunos, que tiveram a oportunidade de interpretar a simulação de um conflito por meio da prática da mediação. Sobre a mediação, se aduz que é um meio transversal através do diálogo para a solução ou transformação de conflitos interpessoais, sendo composta por mediandos e mediadores. Os mediandos são as partes dos conflitos, já os mediadores são as pessoas escolhidas e aptas a conduzirem o processo de solução de conflitos e facilitar o diálogo (VASCONCELOS, 2017).
A prática inicia-se com as apresentações, explicações e compromissos iniciais. Na sequência os mediandos, alternadamente, narram os fatos, e em seguida os mediadores fazem uma recontextualização, um resumo, com o intuito de compreender as vivências, disputas, necessidades e sobre as alternativas consistentes para a resolução do conflito, de forma que havendo o consenso, o acordo seja concretizado (VASCONCELOS, 2017).
Nesse viés, o enfrentamento do primeiro caso hipotético está atrelado a de um pai rico que havia falecido, deixando 4 (quatro) herdeiros registrados. Todavia, quando da elaboração do inventário, surgiram mais 2 (dois) filhos com o intuito de participarem da partilha dos bens da família. O conflito de fato surgiu quando os filhos havidos durante o casamento optaram em abrir mão de um dos bens, a fazenda, uma vez que falavam que não queriam os irmãos unilaterais envolvidos na empresa da família. No entanto, esses tinham interesse na empresa.
No decorrer da mediação, foi possível perceber que as agressões verbais realizadas inicialmente, a partir da intervenção dos mediadores do CEMPRE haviam cessado. Sendo assim, ficou acordado que os filhos havidos fora do casamento teriam direito a uma quota da empresa, mas não teriam o poder diretivo, uma vez que os filhos havidos durante o casamento foram conduzidos para assumir o controle da empresa. A atuação do grupo, bem como o comprometimento em encarar cada personagem foi de relevância ímpar para que obtivesse um bom resultado na mediação. Percebeu-se ao final da mediação que não houve ganhador versus perdedor, mas sim, vencedor versus vencedor (WARAT, 2004).
A segunda situação problema trabalhada novamente foi a mediação. O caso hipotético criado foi a de um casal que teve 3 (três) filhos, um menino e um casal de gêmeos, e a relação dos mesmos findou-se devido a traição do pai. O pai acabou relacionando-se com uma nova mulher e a mãe resolveu dar vazão a sua opção sexual, relacionando-se com uma companheira, assumindo assim o homossexualismo. As crianças residiam com a mãe, no entanto havia muita discussão em relação aos encontros com o pai.
Uma das discussões abordada vinculava-se a vergonha que os gêmeos tinham em relação a opção sexual da sua mãe e a outra, relacionava-se a negação da separação dos pais propriamente dita. Em relação ao casal de gêmeos, especifica-se que atravessavam a fase da adolescência. A menina, que acabara de se enturmar no colégio, estava disposta a morar com o pai com a finalidade de omitir das amigas sobre a opção sexual da mãe, além de indicar a preferência pelo conforto que poderia ser proporcionada por ele. Ao mesmo passo, denotava indecisão, uma vez que relatava a importância da figura materna nessa fase da vida. O menino era mais tranquilo, porém apresentava fortes características de manipulação por parte da irmã gêmea. Atinente ao irmão mais velho, o mesmo não possuía uma relação amigável com o pai, pois as lembranças de agressão ainda faziam parte de suas lembranças. Assim, era a favor da mãe, inclusive defendendo a mesma e sua companheira. Tendo em vista as atividades trabalhadas em sala de aula, foi visível o quanto cada um dos discentes sentiu-se à vontade para interpretar o personagem.
Na mediação, contou-se com os mediadores do CEMPRE que deixaram todos muito à vontade para atuar no caso, permitindo às partes trabalhar a sensibilidade, pois faz-se necessário esvaziar espaços negativos, para que a energia circule, brote e transforme (WARAT, 2004, p. 32). Nota-se que na mediação há uma proposta singular: inscrever a todos na trama de uma educação da sensibilidade e da ternura, uma proposta que está afetando todos os modos de entender tanto as ações públicas como os vínculos privados e, sobretudo, as relações amorosas (WARAT, 2004).
Em outra ocasião foi oportunizado aos discentes da disciplina de Direito e Teatro a participação de um círculo restaurativo de paz realizado no CEMPRE. O círculo de paz é um método de acolhimento através da comunicação, contribuindo para que as pessoas sintam-se confortáveis em um processo de autoafirmação dos mediandos e interlocutores, ainda ampliando as oportunidades de interação, empatia e da formação dos consensos (VASCONCELOS, 2017).
Em um primeiro momento foi feito um cerimonial de abertura de círculo diferenciado. Cada aluno deveria falar “eu me amo e eu danço assim...”, criando um passo e apresentando para o grupo. Em seguida houve um momento de roda de conversa, onde cada discente relatou sobre o contato com a mediação ou justiça restaurativa, bem como sobre a primeira experiência com o CEMPRE. A maioria dos alunos compartilhou que teve contato com as práticas de mediação e justiça restaurativa durante o curso, na disciplina obrigatória de Práticas de Negociação, encontrada na grade curricular do 3º semestre, e ainda nas disciplinas optativas de “Mediação e Arbitragem” e de “Justiça Restaurativa”.
A interdisciplinaridade entre a disciplina de Direito e Teatro com o CEMPRE é de grande valia, uma vez que há a possiblidade de trabalhar 2 (duas) práticas extremamente importantes no mundo acadêmico, jurídico e social. Sobre tal experiência, Arantes (2006, p. 88) indica tratar-se de uma aventura do conhecimento que “impõe uma espécie de deslocamento de nossa posição em um campo específico do saber, ampliando os horizontes de atuação, uma vez que nos coloca como agentes na construção de um saber novo e, por isso mesmo, complexo e instável”.
É importante mencionar que a aplicação das atividades em sala de aula pela docente no decorrer do semestre tanto com o grupo, quanto individualmente, foram primordiais para alcançar o resultado obtido no CEMPRE. Cada indivíduo possui limitações e o olhar atento a cada um dos discentes é essencial para o desenvolvimento de habilidades e competências, haja vista que o objetivo é sempre o de aperfeiçoar a prática dos operadores do direito.
A evolução não só individual, mas também dos demais membros do grupo, foi visível na construção das atividades finais do CEMPRE, de forma específica, e da disciplina de Direito e Teatro, de maneira geral, uma vez que se fez necessário não só a criação de situações hipotéticas, como também a interpretação de personagens e atuação juntamente com o grupo e com mediadores capacitados pelo Centro de Mediações e Práticas Restaurativas da FADISMA.
A partir do relato de experiências, é possível perceber o quanto no cenário atual é importante que as disciplinas sejam pensadas e trabalhadas interdisciplinarmente, visando a extensão, com a finalidade de formar profissionais cada vez mais capacitados e experientes para colocar em prática com êxito os conhecimentos vividos e adquiridos durante a graduação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo estudar as metodologias realizadas na disciplina de Direito e Teatro da Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA visando o desenvolvimento de habilidades e competências dos discentes, destacando a prática didática interdisciplinar, dialética e extramuros como parte integrante do processo de ensino-aprendizagem.
Acerca do ensino jurídico, tem-se como precípua elementar a transmissão do conhecimento de forma eminentemente teórica. Assim, buscou-se, em um primeiro momento, analisar o princípio da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, trazendo a importância do tripé constitucional como integrante no Plano de Ensino da disciplina de Direito e Teatro da FADISMA.
Ainda, as atividades da disciplina de Direito e Teatro foram idealizadas contemplando a experiência proporcionada para além das quatro paredes da sala de aula, resultando uma simbiose entre o saber científico e o saber popular, para dessa forma atingir a essência no ramo do conhecimento: a ciência humana.
Ademais, através de um relato de experiência, foi possível elucidar sobre as práticas trabalhadas além das quatro paredes da sala de aula, no qual os discentes da disciplina de Direito e Teatro tiveram a oportunidade de conhecer e atuar no Centro de Mediação e Práticas Restaurativas - CEMPRE da FADISMA, no intuito de verificados os conflitos de interesses das partes nas situações hipotéticas criadas pelos próprios discentes, identificar como podem ser resolvidos.
Por fim, elucida-se que assim como as disciplinas da estrutura curricular do Curso de Direito não são tratadas com apenas um enquadramento, possuindo cada uma as suas particularidades, é preciso refletir acerca das práticas realizadas, uma vez que experiências extramuros que aliam teoria-prática são valiosas e enriquecedoras para os discentes, pois os inserem na realidade social.
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*Mestre em Direito pela UNISC. Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela FFEVALE. Coordenadora e docente do Curso de Direito da FADISMA. Endereço eletrônico: candisseschirmer@gmail.com