Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS SOBRE DESERTO, DESERTIFICAÇÃO, E O PROCESSO DE ARENIZAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL, BRASIL

Autores e infomación del artículo

Karinne Wendy Santos de Menezes *

Danilo da Silva Dutra**

UFRGS, Brasil

karinnewendy@gmail.com


Resumo: Esta pesquisa tem como finalidade discutir as concepções teóricas e metodológicas dos conceitos de deserto e desertificação, para compreender o processo de arenização que ocorre na região sudoeste do Rio Grande do Sul, Brasil. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica acerca do tema, a partir de trabalhos acadêmicos, técnicos e de conferências ambientais. Observou-se que não existe um consenso no meio científico para a utilização dos conceitos, havendo divergências teóricas. Com base na construção desta pesquisa, constatou-se que o processo que ocorre no estado do Rio Grande do Sul não pode ser definido como desertificação, pois refere-se a outro processo, à arenização, pelo fato destas áreas não estarem inseridas no trópico semiárido.

Palavras-Chaves: Deserto, Desertificação, Arenização, Rio Grande do Sul, Brasil.

Abstract: This research aims to discuss the theoretical and methodological conceptions of the concepts of desert and desertification, to understand the process of sandization that occurs in the southeast of Rio Grande do Sul, Brazil. To do so, it was made a literature review about the theme, from works of academic, technical, and environmental conferences. It was observed that there isn’t a consensus in the scientific environment for the usage of concepts, having theoretical divergences. Based on the construction of this research, it was agreed that the process that occurs in the state of Rio Grande do Sul can’t be defined as desertification since it relates to another process, the sandization, due to the fact that the areas aren’t inserted in the semiarid tropic.  

Keywords: Desert, Desertification, Sandization, Rio Grande do Sul, Brazil.

Resumen: Esta investigación tiene como finalidad discutir las concepciones teóricas y metodológicas de los conceptos de desierto y desertificación, para comprender el proceso de arenización que ocurre en la región suroeste de Rio Grande do Sul, Brasil. Para ello, se realizó una revisión bibliográfica acerca del tema, a partir de trabajos académicos, técnicos y de conferencias ambientales. Se observó que no existe un consenso en el medio científico para la utilización de los conceptos, habiendo divergencias teóricas. Con base en la construcción de esta investigación, se constató que el proceso que ocurre en el estado de Rio Grande do Sul no puede ser definido como desertificación, pues se refiere a otro proceso, a la arenización, por el hecho de que estas áreas no están insertadas en el trópico semiárido.

Palabras-Clave: Desierto, Desertificación, Arenización, Río Grande do Sul, Brasil.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Karinne Wendy Santos de Menezes y Danilo da Silva Dutra (2018): “Considerações teóricas e metodológicas sobre deserto, desertificação, e o processo de arenização no rio grande do sul, Brasil”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/07/consideracoes-deserto-brasil.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1807consideracoes-deserto-brasil

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho foi pensado a partir das discussões e abordagens temáticas realizadas na disciplina “Desertificação: questão ambiental” do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Neste primeiro momento destaca-se a necessidade de diferenciar os conceitos, como os de aridez e seca.
De acordo com Verdum (2017) para definirmos os critérios utilizados para a aridez é preciso compreender que a aridez é um estado que resulta a partir de uma deficiência hídrica. Contudo, a pluviometria total anual não é suficiente para definir a aridez, pois é necessário um déficit pluviométrico permanente, capaz de ser identificado e quantificado em diferentes escalas de tempo: horária, diária, mensal e anual, sendo fundamental a compreensão de outros parâmetros climáticos, por isso o total anual das precipitações não é satisfatório para definir a aridez.
A questão da seca pode ser entendida, por exemplo, como um déficit pluviométrico temporário, no qual existe um déficit em relação à média pluviométrica anual, nas zonas climáticas. Na visão de Cerqueira (1990) a questão da seca não se relaciona somente a falta de chuva, mas a sua irregularidade.
Assim, Verdum (2017) enfatiza que a insolação, a evaporação, a dinâmica dos ventos, a cobertura da terra, a evapotranspiração, o contexto pedológico e litológico, e as reservas hídricas, são critérios importantes que também podem ser considerados para analisar a aridez, que necessita, sobretudo, de um índice de aridez, para que seja possível definir espacialmente as regiões afetadas.
A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação nos países afetados por seca grave e/ou desertificação, particularmente na África (UNCCD), destaca que a desertificação é consequência da interação complexa, de aspectos físicos, biológicos, políticos, culturais, sociais e econômicos, principalmente na África, pelo fato de ser o continente mais afetado pela seca e/ou pelo processo de desertificação.
Conforme Suertegaray (2011, p. 62) “há na literatura científica um número expressivo de conceitos sobre desertificação. Estes associam, de maneira geral, desertificação ao processo de degradação de terras decorrentes das atividades humanas”. Deste modo, esta pesquisa visa discutir, com base nos fundamentos teóricos e metodológicos, os conceitos de deserto, desertificação e o processo de arenização na região sudoeste do estado do Rio Grande do Sul.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Para a construção desta pesquisa foi realizada uma revisão bibliográfica com o intuito de buscar definições para os conceitos de deserto e desertificação, na busca de compreender se o processo que ocorre nos areais da região sudoeste do Rio Grande do Sul pode ser definido ou não como desertificação, para isso foram consultados trabalhos acadêmicos, conferências e instituições públicas.
Realizou-se também uma atividade de campo para a região sudoeste do estado do Rio Grande do Sul, especificamente, nos municípios São Francisco de Assis e Manoel Viana, com a finalidade de analisar e fazer o reconhecimento de áreas com a predominância de areais, e visualizar a prática das atividades de silvicultura presente nos municípios, para entender o processo que ocorre na região.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Deserto e Desertificação – questão ambiental

Ressalta-se a importância de diferenciar os conceitos de deserto e desertificação, e entender que são processos distintos. Baseado na Conferência das Nações Unidas sobre desertificação de 1977 em Nairobi, no Quênia, entende-se que o processo que ocorre nos ambientes desérticos, que resulta na perda total ou parcial do potencial biológico da terra, pode ser denominado irreversível, enquanto existem discussões que buscam compreender se o processo de desertificação pode ou não ser constatado como irreversível.
Mainguet (1995, apud Verdum 2002) na busca de entender o processo de desertificação como questão ambiental analisa as definições e considerações existentes sobre o processo.

A análise não se limita apenas ao conceito, mas o interesse de avaliar a (ir)reversibilidade do processo na escala humana, isto é no tempo de uma geração (25 anos). Além disso, preocupa-se com a dimensão física, a implicação econômica, o exame de localização das áreas e as prováveis relações entre a desertificação, os níveis dedesenvolvimento e a fome. Desta forma, a autora enfoca a desertificação a partir de reflexões e observações para avaliar que, mesmo sendo um processo que tem uma amplitude espacial, as causas humanas determinantes, são locais (VERDUM, 2002:05).

O artigo 1º da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação nos países afetados por seca grave e/ou desertificação, particularmente na África explica como alguns termos são utilizados no documento. Deste modo destacamos alguns termos que foram considerados essenciais para esta abordagem.
Assim, entende-se o processo de desertificação como a degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, ocasionada pelas variações climáticas e atividades humanas, ou seja, suas causas podem ser tanto naturais quanto sociais. Todavia o termo “seca” é entendido como um fenômeno natural, no qual a precipitação registrada é significativamente inferior aos valores considerados normais, o que resulta em um sério desequilíbrio hídrico que afeta os sistemas produtivos.
Já a “degradação das terras” refere-se à diminuição ou perda da produtividade biológica ou econômica e da complexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das pastagens naturais, das pastagens semeadas, das florestas e das matas nativas, nas zonas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas.
Considera-se assim, duas concepções, com base em Verdum et. al (2002) para o estudo da desertificação, na qual os autores esclarecem que não existe um consenso em relação a estas formulações, a primeira traz a evolução bioclimática, que contribui para transformar uma região em deserto, e a segunda enfatiza as intervenções sociais, pois favorecem a substituição da paisagem vegetal por outra abiótica que apresenta uma geodinâmica nova.

3.2 Desertificação – concepções teóricas e metodológicas

Com base em Verdum (2004) o processo de desertificação é concebido nos fóruns internacionais por meio de três documentos considerados fundamentais para discutir o processo, a Agenda 21, em seu capítulo 12, que resulta da Convenção do Rio de Janeiro, ocorrida em 1992, a Convenção de Luta Contra a Desertificação da ONU, em 1994, que remete a Conferência Internacional sobre a Desertificação em Nairobi, no Quênia, em 1977 e a Resolução 238/97, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Esses documentos são importantes, até porque percebe-se claramente, a ligação entre eles, não só do ponto de vista conceitual, mas das ações, das especulações, das abordagens científicas e do não consenso que se estabelece num enorme debate. Assim, esses documentos apresentam-se polêmicos, tanto do ponto de vista conceitual como, também, das proposições de envolvimento da sociedade em relação à problemática (VERDUM, 2004:79-80).

É importante ressaltar que esses documentos permitem discutir o processo de desertificação em diferentes âmbitos, pois essa discussão é bastante ampla e perpassa a questão ambiental, e estende-se para o campo político, social e econômico.
Segundo Verdum (2004), neste capítulo da Agenda 21 destaca-se a escala espacial e a temporal como critérios de análise, o conceito mostra a noção de espacialização da desertificação atrelada ao dado climático.

Não é por acaso que ao sobrepormos um mapa das zonas climáticas do mundo sobre o mapa da Conferência Internacional sobre a Desertificação de 1977, há quase que uma sobreposição entre as zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas e aquelas definidas como atingidas pela desertificação, em seus diferentes graus de intensidade. Isto é, o conceito de desertificação apresentado na Agenda 21 incorpora essa concepção, assim como, o especificado na Convenção de Luta Contra a Desertificação, efetivada em 1994, que a defini como sendo: a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas (VERDUM, 2004:79-80).

O capítulo 12 da Agenda 21, mostra que a desertificação atinge 75% de todas as terras secas, e contribui para intensificar a vulnerabilidade social de parcelas da população que se utilizam da terra para seu sustento, chegando, segundo estimativas, a impactar cerca de 3,3 bilhões de hectares de terras em todo o globo.
No que condiz a Convenção de Luta Contra a Desertificação em 1977, as modificações ocorreram primeiramente no seu título. A convenção foi intitulada de Convenção de Luta Contra a Desertificação nos Países Afetados pela Seca Grave, com Prioridade à África. Segundo Verdum (2004, p. 81) “destacamos que em 1977, a Conferência das Nações Unidas buscou sobretudo, mostrar e trazer uma reflexão, exatamente pelos problemas que ocorreram de secas graves entre as décadas de 1950 e 1970, no continente africano”.
Em 1991 constata-se que em uma escala global, pouco foi feito em relação as áreas afetadas pela desertificação. Verdum (2004) destaca que:

Em 1991, ao ser feita uma avaliação nesse espaço de tempo, para se verificar a efetividade das ações dos programas se chega a conclusão que pouca coisa foi feita no mundo inteiro em relação à luta ou ao combate da desertificação. Isto é, apesar dos exemplos locais de êxito, no contexto geral há um aspecto bastante depreciativo em relação aos programas. Assim, destacamos que a prioridade à África, pode ser tanto pelo fato da gravidade e da dimensão do processo neste continente, como pela incapacidade de desenvolvimento de programas de combate a desertificação em escala global. Contraditoriamente, observando a mesma Convenção de 1994, na qual se considera que a desertificação tem suas origens nas inter-relações de fatores físicos, biológicos, políticos, sociais, culturais e econômicos, salientamos a amplitude como é tratado o processo [...] (VERDUM, 2004:81).

Em relação a essa Convenção, um fato interessante é salientado por Verdum (2004), como o processo de desertificação em sua origem, apresenta um leque de possibilidades, alguns países, como por exemplo, o Uruguai se fundamentou na Convenção, com intuito de se beneficiar de recursos para solucionar os seus problemas, para explicar que os problemas de degradação dos solos existentes em seu território são resultantes do processo de desertificação.
Já no Brasil a Resolução 238/97 do CONAMA, considera que a partir da Conferência de Nairobi foi criado o Plano de Ação de Combate à Desertificação, no entanto, os resultados esperados não foram atingidos, pois os recursos necessários não foram investidos e os países não desenvolveram programas consistentes de capacitação e formação de recursos humanos.
Associando os conceitos de desertificação que aparecem nestes documentos na resolução do CONAMA evidencia-se que eles são concebidos pelas mesmas bases, destaca-se também que existe um longo caminho de pesquisa a ser percorrido, pois as bases existentes ainda são insuficientes, principalmente quando se referem ao que é desertificação.
Em seu estudo sobre a desertificação, Mainguet (1994) indica cinco fases para determinar as variações conceituais utilizadas para identificar o processo em diferentes escalas espaciais e temporais. A primeira é a fase da conscientização (década de 1940), pois assinala a deterioração do solo e da vegetação principalmente pelas atividades humanas. A segunda fase é a percepção exagerada do processo (década de 1970), na qual mostra a necessidade da elaboração de um conceito que seja além de único, seja aceito internacionalmente e especializado como um fenômeno na escala mundial, por meio dos produtos de sensoriamento remoto e dos dados climáticos, neste período a seca, a desertificação e a fome são consideradas diretamente ligadas (MAINGUET, 1994, apud VERDUM et. al 2002).
A terceira fase identificada pela autora supracitada refere-se a dúvida sobre o processo (final da década de 1980), indica problemas sobre a caracterização do processo de desertificação, neste período surgem várias dúvidas, principalmente no que se refere a sua extensão, causas e soluções, a irreversibilidade ou não do processo, e a dinâmica complexa das areias no tocante as áreas com concentrações populacional, assim como a rentabilidade das tecnologias aplicadas. A quarta fase é a do crescimento do deserto, nota-se que a desertificação se configura, sobretudo, na degradação ambiental de forma pontual, assim surgem especulações que os desertos estariam aumentando. Por final, a quinta fase é a do novo realismo, pois a ideia do crescimento dos desertos é rejeitada, busca-se bases tecnológicas para identificar a extensão da degradação e a sua capacidade de regeneração, o processo de desertificação passa ser compreendido de forma singular. (MAINGUET, 1994, apud VERDUM et. al 2002).
Observa-se, com base nestes autores, que o conceito de desertificação apresenta uma heterogeneidade de interpretações, ele pode ser conceituado a partir do tempo histórico e geológico, e em diferentes escalas, seja lugar, área, zona e/ou região, ou seja, não existe um conceito único. Alguns autores associam o fenômeno, por exemplo, a diminuição e destruição do potencial biológico da terra, ou da vegetação, ou com base nas precipitações médias anuais, enfim, depende do critério e do fundamento teórico e metodológico adotado por cada pesquisador.

3.3 Breves considerações do processo de desertificação no Brasil

No Brasil, em consonância com a resolução nº 238 de 1997 do CONAMA, as áreas identificadas como susceptíveis à desertificação estão enquadradas no trópico semiárido, com a abrangência de 980.711 km². Os efeitos da desertificação são concentrados em uma pequena parcela do território, a partir disso foram estabelecidos núcleos de desertificação.
O Conselho identificou quatro núcleos onde o processo é considerado extremamente grave, o Gilbués-PI, Irauçuba-CE, Seridó-RN/PB, Cabrobó-PE, cuja área total é de cerca de 15.000 km², os impactos configurados nos núcleos são ambientais, sociais e econômicos.
A Política Nacional de Controle da Desertificação propõe as seguintes diretrizes em contraposição a problemática ambiental, com base no capítulo 12 da Agenda 21:

a) fortalecimento da base de conhecimentos e desenvolvimento de sistemas de informação e monitoramento para as regiões susceptíveis à desertificação e à seca, incluindo os aspectos econômicos e sociais desses ecossistemas;
b) combater a degradação da terra através da conservação de solo e atividades de florestamento e reflorestamento;
c) desenvolver e fortalecer programas de desenvolvimento integrados para a erradicação da pobreza e promoção de sistemas alternativos de vida nas áreas susceptíveis à desertificação;
d) desenvolver programas compreensivos anti-desertificação e integrá-los no planejamento nacional e no planejamento ambiental;
e) desenvolver esquemas de preparação e compensação contra a seca, incluindo esquemas de auto-ajuda para as áreas sujeitas à seca e desenhar programas para atender aos refugiados ambientais;
f) incentivar e promover a participação popular e a educação ambiental, com ênfase no controle da desertificação e no gerenciamento dos efeitos das secas. (BRASIL, 2017).

A região nordeste do Brasil, para Monteiro (1988, p. 02), é “uma região de muitos problemas onde a ação das estiagens periódicas infortunas tem sido tomada como um “Leitmotif” (motivo principal)”. Ele salienta que é preciso relembrar a ausência de grandes desertos na América do Sul, pois entre os continentes inter-tropicais, a América do Sul é oposta à Austrália e totalmente diferenciada da África, que tem os desertos do Sahara e Kalahari. E explica que:

[...] As células atmosféricas continentais tipicamente mais secas, associadas às elevações subtropicais, são encontradas apenas no pequeno Atacama, localizado nos Andes. A patagônia argentina, sendo uma ocorrência extra-tropical e o Nordeste Brasileiro sub-equatorial são ambos áreas sub-úmidas ou semi-áridas de maior significância, situado entre vários locais pequenos e manchas espalhadas ou zonas costeiras estreitas (MONTEIRO, 1988:02).

Ao comparar os parâmetros básicos da região nordeste do Brasil com os do Sahel africano, o autor observa uma diferença notória, na qual a irregularidade pluviométrica é a principal característica do Nordeste, e que o estudo da desertificação no nordeste brasileiro tona-se um grande desafio se as implicações climáticas e antropogênicas não forem trabalhadas separadamente.
Conforme a resolução do CONAMA nº 238/1997, o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal identificou outras áreas no território nacional, além do trópico semiárido, que necessitam de atenção especial por apresentarem acentuada degradação ambiental, como Alegrete, RS, e na micro-região do Jalapão, TO.

3.4 O processo de arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul

No Brasil, as áreas consideradas em processo de desertificação, de acordo com o conceito aceito pelas Nações Unidas são aquelas englobadas pelo trópico semiárido, ou seja, oito Estados do Nordeste e no norte de Minas Gerais. Assim, as áreas identificadas em outras áreas do país, como em Alegrete, no Rio Grande do Sul, não se enquadram como áreas em desertificação, mas que estão submetidas a fortes processos erosivos e apresentam um contexto grave de deterioração ambiental. (BRASIL, 2017). O processo de arenização, de acordo com Verdum e Suertegaray (2008) refere-se ao:

retrabalhamento de depósitos areníticos (pouco consolidados) ou arenosos (não consolidados) que promove nessas áreas dificuldade de fixar a vegetação, devido à constante mobilidade dos sedimentos. O retrabalhamento desses depósitos, no caso de formações superficiais, provavelmente quaternárias, resultou de uma dinâmica morfogenética onde os processos hídricos superficiais, particularmente o escoamento concentrado do tipo ravina ou voçoroca, associados a chuvas torrenciais, expõe, transporta e deposita areia, dando origem à formação de areais que, em contato com o vento, tendem a uma constante remoção (VERDUM e SUERTEGARAY, 2008, apud SUERTEGARAY 2011).

A Agenda 21, a Convenção de Luta Contra a Desertificação da ONU, a Resolução 238/97, do Conselho Nacional do Meio Ambiente são documentos imprescindíveis para compreender que o processo que ocorre do Rio Grande do Sul não corresponde à desertificação.
No sudoeste do Rio Grande do Sul (figura 01), existem áreas de solo exposto, com a ausência de cobertura vegetal que são denominadas de areais. Segundo Suertegaray et. al. (2005) para compreendermos a formação dos areais é necessário não os relacionar aos conceitos de deserto e desertificação.

Parte-se do princípio, como hipótese, que os areais possuem origem associada às dinâmicas naturais e que foram ou podem ser originados, também, a partir das intervenções humanas. O termo arenização é uma derivação de areal, o processo de arenização é entendido como o retrabalhamento de depósitos poucos ou não consolidados, onde os processos hídricos superficiais como ravinas ou voçorocas contribuem para a origem dos areais, que quando entram em contato com o vento transportam e depositam a areia. (SUERTEGARAY, et. al 2005).
Observa-se com base nos municípios de São Francisco de Assis e em Manuel Viana, que foram visitados em recente trabalho de campo (julho/2017), que os solos da região sudoeste do estado são bastante arenosos, com baixa aglutinação entre partículas e apresenta uma vegetação esparsa e rala com baixa fertilidade natural, com ação hídrica e eólica consideravelmente intensa. A seguir a figura 02, que mostra o solo exposto da região.

As espécies vegetacionais existentes na região são adaptadas as condições ambientais locais, e existe um mito bastante propagado, no qual afirma que o reflorestamento, principalmente com bosques de eucaliptos, contribuiria para reduzir os processos erosivos e que corroboraria com a recuperação dos areais, fato este que desconsidera as pesquisas realizadas ao longo das décadas nesta região. A figura 03 exemplifica este contexto.

De acordo com Suertegaray et. al (2005) é realizada a seguinte interpretação sobre a gênese da arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul, a formação dos areais inicialmente é associada às condições estruturais da área, a segunda fase diz respeito à intensificação da dinâmica hídrica superficial e subsuperficial, a terceira fase refere-se ao encadeamento dos processos hídricos com intensificação de escoamento concentrado e formação de ravinas e voçorocas, e aos depósitos de areia em suas bases, por fim a última fase resulta na evolução erosiva de ravinas e voçorocas, o que ocasiona a coalescência de depósitos arenosos e origina os areais.
Os areais são considerados decorrentes da natureza em sua origem, mas a intervenção humana pode intensificar este processo. Deste modo, a arenização refere-se a uma área de degradação de clima úmido, a dinâmica dos processos implicados decorre da abundância de água no solo. Assim, a explicação desta dinâmica interpreta a dinâmica natural dos areais, no qual os estudos históricos e arqueológicos relatam a antiguidade do processo, relaciona o clima com os processos hídricos em relação com o uso da terra e a dinâmica geomorfológica local com a morfoestrutura, que desencadeia o inicio da dinâmica da arenização. (SUERTEGARAY, et. al 2005).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos a necessidade de discutir as bases conceituais sobre deserto, desertificação e arenização, tanto a partir de aspectos naturais, quanto por meio das intervenções da sociedade. Assim constatamos que não existe um conceito universal, mas que cada campo do conhecimento científico interpreta de forma diferenciada, e estas interpretações apresentam intencionalidades, tendo em vista que esta discussão é ampla e abrange questões sociais, políticas e econômicas.
Em relação as concepções sobre o processo de desertificação vimos que ela é resultado de uma construção histórica, perpassando várias fases, como a da conscientização da existência do fenômeno, da percepção exagerada e da dúvida sobre o processo, dos mitos e a necessidade de desmitificação por meio de um novo realismo. Analisar a Política Nacional de Controle da Desertificação e suas implicações, além de outros documentos legais foi essencial para o entendimento dos processos.
Assim, viu-se que o processo de desertificação ocorre em diferentes áreas do globo, e a partir disso foi possível construir referenciais teóricos básicos para entender que o processo que ocorre no Rio Grande do Sul é diferenciado, por isso não pode ser caracterizado como desertificação, mas como arenização.
O trabalho de campo realizado nos municípios de São Francisco de Assis e Manuel Viana, na região sudoeste do Rio Grande do Sul, permitiu visualizar não apenas os processos geológicos, geomorfológicos, fitoecológicos, pedológicos, climáticos e as intervenções humanas na região, propiciou também compreender aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos, e sobretudo, a importância de avançarmos nos estudos geomorfológicos, e sobretudo, ambientais.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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*Bacharela em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2014). Mestre em Geografia pela Programa de Pós-Graduação em Geografia - ProPGeo/UECE. Atualmente é Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PosGea) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e integra o Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente (NEGA). Atua na área de Geografia, com ênfase em análise ambiental, com interesse principalmente nos seguintes temas: epistemologia da geografia, problemas ambientais urbanos, unidades de conservação e estudos sobre ambiente e cidade.
** Graduado em Geografia, licenciatura Plena pela Universidade Federal de Pelotas- UFPEL (2013). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) da Universidade Federal de Pelotas- UFPEL (2016). Tem experiência na área de Geografia, atuando nos seguintes temas: Questão Ambiental, Geomorfologia e Mapeamento Geomorfológico.

Recibido: 17/04/2018 Aceptado: 05/07/2018 Publicado: Julio de 2018

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