Claudia Toffano Benevento *
Luci Faria Pinheiro **
Universidade Federal Fluminense, Brasil
claudiabenevento@gmail.com
Resumo
Sob o ponto de vista do feminismo entendemos que o funk carioca é um fenômeno que surge de algumas mulheres, como resultado de experiências comuns que articulam seus interesses reivindicando melhores direitos e condições sociais, econômicas e culturais iguais ao gênero masculino. Pretende-se neste trabalho caracterizar a expressão das mulheres como uma forma de feminismo, apontando os traços deste movimento cultural como forma de contestação social, que ao mesmo tempo em que explora um discurso originalmente popular, se submete às regras do mercado e neste processo conquista um espaço objetivo no campo musical e divulga novos valores na contramão da sociedade conservadora, moldada pela moral masculina para a qual a mulher tem um lugar pré-definido e profissionalmente inferior na lógica capitalista.
Palavras chave: Mulher de Favela; Gênero; Cultura; Funk Carioca; Feminismo.
Mujer, Femenino y Funk Carioca
Resumen
En el punto de vista del feminismo entendemos que el funk carioca es un fenómeno que surge de algunas mujeres, como resultado de experiencias comunes que articulan sus intereses reivindicando mejores derechos y condiciones sociales, económicas y culturales iguales al género masculino. Se pretende en este trabajo caracterizar la expresión de las mujeres como una forma de feminismo, apuntando los rasgos de este movimiento cultural como forma de contestación social, que al mismo tiempo en que explora un discurso originalmente popular, se somete a las reglas del mercado y en este proceso conquista un espacio objetivo en el campo musical y divulga nuevos valores en contra de la sociedad conservadora, moldeada por la moral masculina para la cual la mujer tiene un lugar predefinido y profesionalmente inferior en la lógica capitalista.
Palabras clave: Mujer de Favela; género; la cultura; Funk Carioca; El feminismo.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Claudia Toffano Benevento y Luci Faria Pinheiro (2018): “Mulher, feminismo e funk carioca”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (junio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/06/mulher-feminismo.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1806mulher-feminismo
Introdução
Este artigo tem como tema as mulheres de favelas trabalhadoras do Rio de Janeiro, com o objetivo de refletir sobre a exploração/dominação de gênero da mulher trabalhadora e a relação da divisão sexual do mundo do trabalho. Objetiva-se mostrar como e até que ponto a dominação sexual é a base e o fundamento da dominação de classes no Brasil.
Pode-se observar, ao longo deste estudo, que a desigualdade de gênero é visto como uma peça fundamental para a formação econômica e social para a sociedade capitalista moderna e funcional aos modos de produção. Que segundo Soares (2013) “com relação aos índices de gênero disponíveis, a noção de equidade e de redução das brechas entre homens e mulheres se tornou um aspecto fundamental”. (p.52)
Pode-se assim, dizer, que nesse contexto, sobre esta mulher que mora na favela e se depara com exploração/dominação de gênero, a apreensão da totalidade da vida social reforça a tendência universalizante presente nas relações sociais contemporâneas. Dessa forma, a singularidade do ser está sujeita a um padrão predeterminado na sociabilidade e a subjetividade é limitada por fatores objetivos. Conforme buscamos em Lukács (1979),
Não basta possuir uma idéia genérica da estrutura do ser social. É indispensável as abstrações e as generalizações, mas também a especificação dos complexos e das conexões concretas: examinar a incidência de determinadas leis, de sua concretização, modificação, tendencialidade, de sua atuação concreta em concretas situações determinadas, em determinados complexos concretos. O conhecimento só pode abrir caminho para esses objetivos investigando os traços particulares de cada complexo objetivo (LUKÁCS, 1979, p. 111)
O cerceamento desta exploração/dominação de gênero da mulher, é expresso nas relações sociais capitalistas, configuradas no desrespeito às diversidades e nas limitações quanto ao desenvolvimento da singularidade e da subjetividade. Assim, a divisão sexual do trabalho pode ser visto na ordem burguesa como lugar de discriminação, reconhece se, assim, as suas limitações, quer dizer, a padrões sociais preestabelecidos e limitada a fatores objetivos.
Nota-se que não é apenas o surgimento das favelas que está relacionado às questões referentes ao mercado de trabalho, mas também seu crescimento, com a multiplicação do número de indústrias e sua expansão para os subúrbios, dada a atração gerada pela oferta de empregos. Dessa forma, a favela comporia o cenário urbano e seria um dos elementos principais de sua diversidade. Segundo dados do IBGE (censo 2010), os moradores de favelas o Rio de Janeiro, somam se em 19,1%. Em toda a região sudeste, são mais de 5,580 milhões de pessoas vivendo nesses aglomerados subnormais.
Com vistas a alcançar os objetivos propostos, utilizamos como metodologia a abordagem qualitativa, uma vez que esta nos proporciona respostas a questões muito particulares e subjetivas. Os itens deste trabalho estão organizados de modo a tornar possível a compreensão do tema estudado. Ao longo do artigo busca se refletir a posição da mulher e a divisão sexual do trabalho, além de discutir o trabalho das mulheres moradoras de favelas do Rio de Janeiro. Toma-se como base de estudo as obras do marxista Lukács (1979) – (2007), autor da ontologia do ser social. Utilizamos outros autores que seguem a mesma perspectiva teórica e relacionados ao tema da mulher, trabalho e pobreza, como Cisne (2012), Soares (2013), Stotz (2005), Abdalla (2014), Yasbek (2012), Melo e Bandeira (2005), entre outros.
Refletindo sobre a posição social da mulher e a divisão sexual do trabalho
Inicialmente vê-se a necessidade de iniciar este artigo recorrendo a uma das questões que envolvem o debate sobre o trabalho das mulheres, a partir do advento do capitalismo. Quanto a esta análise sinaliza se em Cisne (2012) uma discussão sobre a divisão sexual do trabalho como forma de exploração do capital. Divisão esta, que, segmenta os trabalhos de homens e mulheres e hierarquiza e subalterniza os que são considerados naturalmente femininos em relação aos masculinos. Visto que “uma prova que a divisão sexual do trabalho não resulta da existência de uma essência feminina ou masculina, é saber que uma atividade especificamente masculina em uma sociedade pode ser especificamente feminina em outra”. (CISNE, 2012, p.109). Deve-se levar em conta que, a verdadeira emancipação das mulheres só pode ser alcançada com a ruptura do modo de produção capitalista. Que conforme Muraro (1983),
O crescimento populacional aconteceu dentro de um sistema socioeconômico baseado na exploração de alguns seres humanos sobre outros: o capitalismo. É dentro deste conceito de exploração capitalista que o problema populacional torna-se, a nosso ver, o mais grave na época atual. Isto porque ele é de fundamental importância para a conservação ou perda da hegemonia das economias dominantes, para o sucesso ou fracasso dos planejamentos econômicos das economias a nível nacional e também para a resolução da polêmica questão: desenvolvimento econômico x crescimento populacional. (MURARO, 1983, p.19).
Em Wood (2006)
(...) o capitalismo nos países capitalistas avançados usa a opressão de gênero de duas formas: a primeira é comum a outras identidades extra-econômicas, como raça e idade, e é até certo ponto intercambiável com elas como meio de constituir subclasses e oferecer cobertura ideológica. A segunda é específica ao gênero: serve como meio de organizar a reprodução social no que pensou (talvez incorretamente) ser a forma menos dispendiosa. (WOOD, 2006, p.231).
Mesmo o capitalismo podendo fazer uso ideológico e econômico da opressão de gênero, para Wood (2006) esta opressão não possui um “status privilegiado na estrutura do capitalismo”. (p.232)
A categoria gênero deve ser percebida, segundo Cisne (2012) para além de uma construção cultural, uma vez que a cultura não é natural, não só o gênero deve ser historiado, mas a cultura e a sociedade também. Assim, mediante o nosso objeto, tornasse necessário analisar o gênero no bojo das contradições entre capital e trabalho e das forças sociais.
A nossa sociedade tem como característica a troca, que se realiza para satisfazer as necessidades e a força de trabalho como mercadoria, que é parte de uma inclinação de troca que, é a base para acumulação capitalista. Conforme Marx (1982) em “O capital” analisa se uma sociedade de mercado, em que tudo se torna mercadoria, porque tudo passa a ser utilizado por outros. O que Stotz (2005) vai questionar que “o capitalismo transforma tudo em mercadoria, pouco importando sua origem e natureza” (p.67), isto pode ser observado, principalmente quando tratamos de moradores de favelas, que encontram no crime organizado uma forma de sobrevivência.
A partir deste momento defende se a ideia de que o homem é livre por natureza, e essa liberdade fica localizada na esfera de produção, em que a mulher e o homem são livres para o mercado de trabalho. Como meio de produção, a implementação do capitalismo rompe a dominação feudal, onde o indivíduo precisa aceitar a condição com a qual veio ao mundo sustentando assim, a defesa da igualdade. A partir do momento em que homem e mulher vendem a sua força de trabalho a liberdade é informal, não efetivando para todos os membros da sociedade.
Todos estes fatores são apontados de ordem natural, como etnia e sexo, determinando neste ponto de vista a posição social do indivíduo na sociedade capitalista que independe de suas oportunidades e potencialidades. Podemos, neste modo, observar a naturalização da dependência feminina em relação à masculina, cabendo apenas integrar como fonte reprodutora a esse sistema capitalista onde o trabalho se reduz e pode ser trocado pelo mercado.
Precisamos fazer uma análise, mais profunda, deste indivíduo, onde Lukács ressalta o caráter ontológico da teoria e da análise desenvolvida por Marx. A ontologia é considerada a parte da filosofia que trata da existência, da essência, da natureza e da realidade do ser. Teoria desenvolvida por Lukács, a ontologia do ser social, pode ser interpretada como uma determinação recíproca das categorias que compõem o complexo do ser, sinalizada pela intervenção da história no processo de tranformações da totalidade da vida social.
O que efetivamente configura a teoria social de Marx como uma ontologia do ser social é que invariavelmente os seus enunciados estão se colocando em face de um certo tipo de ser. Ou seja, sempre buscam apoio no movimento próprio das categorias do real e no próprio movimento da história em última análise (PONTES, 2002, p. 58).
Ao analisarmos a divisão sexual do trabalho, Cisne (2012) retrata que a mesma “resulta de um sistema patriarcal capitalista que por meio da divisão sexual do trabalho confere às mulheres um baixo prestígio social e as submete aos trabalhos mais preconizados e desvalorizados”. (p.109).
Com isto, conforme a autora, as relações sociais de sexo decorrem da emergência do feminismo, como forma de demostrar que a posição que cada um assume, é construída socialmente, fazendo com que os papéis sociais de homens e mulheres sejam produtos de um destino biológico.
Na visão de Engels (apud CISNE, 2012) a educação sexista não educa homens e mulheres só de forma diferente, mas também, de forma desigual, tornando as aptas para determinados trabalhos. Para fazer uma análise da exploração do capital sobre a força de trabalho exige uma particularidade da exploração do trabalho da mulher, e se dá de forma acentuada com relação à exploração do homem. Ainda em Cisne (2012), a divisão sexual do trabalho é indispensável para desvelar o antagonismo de classe pressão das mulheres. Segundo suas considerações, as análises de gênero não descreve classificação/categorização (ser homem/ser mulher), mas identificam os significados que interferem na construção do mundo do trabalho.
A raiz do problema através da divisão entre homens e mulheres, quando estabelecimento de cargos, categorias, tarefas ou serviços, são tachados em origem feminina e masculina, como postos e ocupações que é especificado como tal. Assim, que surgiram as sociedades patriarcais fundadas no poder do homem. Para Cisne (2012) a subordinação da mulher e, nos dons ou habilidades ditas femininas, são apropriadas pelo capital para a exploração da força de trabalho. A não valorização do trabalho faz com que as mulheres não se percebam como trabalhadoras, assim não constituindo a identidade de classe.
Para a autora “entendesse que a subordinação da mulher no mundo do trabalho está vinculada à naturalização de papéis e ao desenvolvimento de habilidades ditas femininas voltadas a atender os interesses do capital.” (CISNE, 2012, p.117). Mesmo com as sucessivas crises econômicas que tem assolado o país, a partir da década de 1980, a presença das mulheres no mercado de trabalho está cada vez mais intensa e diversificada. Assim, esse raciocínio motiva da desigualdade entre homens e mulheres como a divisão sexual do trabalho.
Constata se em Soares (2013);
Com a queda da desigualdade e o aumento da classe média no País, isto é, o processo de distribuição de renda levou a uma redução do percentual de pessoas com os maiores rendimentos no mercado de trabalho. A queda no percentual de pessoas com rendimento de cinco salários mínimos ou mais foi mais acentuada para os homens, reduzindo assim a lacuna entre homens e mulheres quanto a esse aspecto. (p.63)
Diante desta realidade Wood (2003) sugere o gênero de duas formas, com o capitalismo nos países capitalistas. A primeira é destinada a raça ou idade, comum a outras identidade extra econômicas, intercambiáveis e meios de se constituir “subclasses e oferecer cobertura ideológica” (p.231). A segunda é específica de gênero servindo como meio de organizar a reprodução social no que pensou em ser a forma menos dispendiosa.
Deste modo, seguindo o raciocínio de Cisne (2013) mesmo diante de diferentes concepções existentes na divisão sexual do trabalho e abordagem que se limita em diferenciar os sexos nas atividades sociais, tratar esta divisão significa ultrapassar/passar a diante da compreensão e reconstruir conceitos que as separações entre homens e mulheres não são redutíveis à exploração e submissão de um perante o outro, mas, que se trata de modo contraditório, segundo o sexo.
Em Abdalla (2014),
A questão da divisão sexual do trabalho está presente desde o princípio dos movimentos feministas, seja como o direito ao trabalho assalariado ou analisando clivagens sociais que impediam as mulheres de alcançar o mesmo status social que os homens. (p.2).
Portanto, falar na divisão sexual de trabalho é articular a descrição do real com uma reflexão em que a sociedade diferencia para hierarquizar as atividades. Assim, só se compreende esta divisão a partir de perspectivas de análise articulada ao contexto amplo das relações sociais e das mudanças da sociedade, fazendo com que nos permitam perceber o poder que esta divisão tem para diferenciar os sexos e sem fazer com que esta relação fortaleça o traço da sociedade patriarcal.
O trabalho feminino das mulheres de favela do Rio de Janeiro
Quando o trabalhador se sente obrigado a vender a sua força de trabalho, em decorrência da Revolução Industrial, surgem novas mudanças nas formas de trabalho, que deixa de ser doméstico, com o assalariamento das massas humanas. Na sociedade Capitalista, leva a mulher, com a venda da força de trabalho como condição a atender a sua subsistência, desempenha um papel econômico fundamental no momento inicial do capitalismo. Pode se analisar este processo em dois ângulos: O trabalho feminino se torna alvo da intensificação da exploração, visto que a mais valia que é extraída da força de trabalho é fundamental na formação da sociedade capitalista. O outro ângulo pode ser analisado com a marginalização do trabalho feminino, visto que o mesmo não é valorizado como o trabalho masculino, apesar de que no início do capitalismo industrial a força de trabalho feminino, foi mais importante que a masculina. Não podemos esquecer que, “há um número expressivo de lares comandados por mulheres jovens, mães solteiras, principalmente nas periferias das grandes cidades, estas mulheres são a principal clientela dos programas de combate à pobreza”. (MELLO e BANDEIRA, 2005, p.19)
A importância da mulher neste período tinha a máquina como a sua maior empregadora, devendo este fato à submissão da mulher, em vista as reinvindicações sociais, passíveis de exploração. O emprego da mulher não nasceu da exigência do trabalho das mulheres nem por necessidade, mas dos desejos dos empregadores de utilizar trabalho barato e principalmente por não exercer funções de lideranças, mas de comandos, assim, o trabalho da mulher é colocado em condição de sobrevivência da própria sociedade. Visto isto, porque as mulheres constituem metade da humanidade, sendo assim, a que atende pela sua condição de reprodutora, conservadora da sociedade. Podemos sustentar estes escritos, quando falamos em mulher moradora de favela, conforme Yasbek (2012) que “na contemporaneidade, é bom lembrar ainda que a pobreza é uma face do descarte de mão de obra barata, que faz parte da expansão capitalista”. (p.5)
Desta forma, nem a feminina, nem a masculina são inerentes a natureza resultantes ao longo da história com diferentes formas distintas nas relações do ser humano com a natureza no processo social de produção. Assim, o trabalho é uma necessidade do homem que se expressa em diferentes momentos históricos. Sobre isto, Lukács analisa o trabalho, como a principal mediação entre o homem e a natureza e entre o homem e a própria sociedade, é uma condição ineliminável do ser social e se encontra presente em todas as formações sociais, independentemente do período histórico. Portanto, é uma categoria essencial para a gênese das condições pioneiras da particularidade da vida humana. (LUKÁCS, 1979).
Assim, o que vai determinar as suas relações sociais é o modo como o homem se organiza para transformar a natureza. Em que cada sociabilidade tem uma determinada forma de trabalho como fundamento. O trabalho sempre vai existir para qualquer sociedade, mas em cada momento histórico, com formas diferenciadas. Nesta maneira, a sociedade capitalista que tem como base a exploração da força de trabalho, se destaca nas relações sociais conforme essa forma em que o trabalho se expressa. Resta o trabalhador vender sua força de trabalho, sob forma de salário, como único meio de sobrevivência.
Para Mello e Bandeira (2005),
No mercado de trabalho, apesar da diminuição da desigualdade de gênero acontecida na década de 1990, não foram superados os obstáculos de acesso a cargos de chefia, bem como permanecem ainda diferenciais de rendimentos entre os dois sexos. Há uma nítida relação entre a divisão do trabalho e a pobreza das mulheres; a inserção feminina aconteceu em paralelo com o crescimento das atividades informais, das atividades sem remuneração e aumento das taxas de desemprego. Assim, as mulheres continuam ainda concentradas em segmentos menos organizados da atividade econômica, são mais submetidas a contratos informais e tem menor presença sindical e desta maneira encontram-se mais expostas ao desemprego. (p.14).
Outra análise relevante é o de Lukács (1979, p. 87) que relata “o trabalho é antes de mais nada, em termos genéticos, o ponto de partida da humanização do homem, do refinamento das suas faculdades, processo do qual não se deve esquecer o domínio sobre si mesmo”.Em sentido ontológico, refere-se à categoria central para o processo de constituição e desenvolvimento do ser social. Considera-se como uma forma de mediação e de diferenciação entre o trabalho realizado pelo ser social e o trabalho executado pelo ser natural. É a realização de transformações naturais em produtos que atendem as necessidades do ser. (LUKÁCS, 1979).
Todo trabalho é um momento de reprodução de uma dada formação social a qual, por sua vez, tem no padrão do intercâmbio orgânico que desdobra com a natureza seu momento fundante. Ao mesmo tempo, por meio da conversão da natureza nos meios de produção e de subsistência, fundam-se também todos os outros complexos sociais. Sobre este ponto de vista, observa se, hoje, que a violência no Rio de Janeiro, que são frequentemente divulgados na imprensa traduz uma situação de alarme. E com o alto índice de desempregos ocasiona o trabalho informalizado, por uma grande parcela da comunidade das favelas do Rio de Janeiro.
Netto e Braz (2006, p. 30) afirmam que “trata-se de uma categoria que, além de indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade”.
Dessa forma, quanto mais o ser social se desenvolve, mais as suas objetivações transcendem a questão trabalhista, consequentemente, inter-relaciona com a dinâmica social. E essa inter-relação advém das novas descobertas e realizações oriundas do trabalho. Criam-se novas possibilidades imanentes nos elementos naturais, que seriam irrealizáveis sem a atuação humana. E assim, o trabalho só se efetiva por meio de finalidades. (NETTO e BRAZ, 2006).
Netto e Braz (2006, p. 32) afirmam que “o trabalho é uma atividade projetada, teleologicamente direcionada, ou seja: conduzida a partir do fim proposto pelo sujeito. A realização do trabalho se dá quando essa prefiguração ideal se objetiva (...)”. Dessa forma, a unidade entre a ideação e a objetivação voltada para a realização de uma finalidade compreende a especificidade do complexo do trabalho.
Simultaneamente ao processo de transformação da natureza, o trabalho exerce influência nas transformações no ser e nas relações sociais, visivelmente, no processo de auto formação do ser social, do seu mundo objetivo e de si mesmo. Este processo pode ser percebido nas mulheres de favelas que faz do seu trabalho informal, como uma forma de sobrevivência.
Barroco (2008, p. 26) relaciona o trabalho “ao pressuposto da existência humana e forma privilegiada de práxis”. A afirmação do homem enquanto ser social está explícito no desenvolvimento da práxis social envolvida pelo trabalho. O ser social se projeta e se realiza objetivamente por meio das transformações executadas por ele na natureza. Trata-se de compreender a práxis enquanto processo teleológico.
O ser social, de forma autônoma, no processo de criação e recriação, de modo a satisfazer as necessidades, faz as próprias escolhas orientadas pelas reflexões a partir das suas ações e atividades e pela relação direta com o conhecimento. (BARROCO, 2008).
É importante destacar que a práxis social não se restringe somente ao âmbito entre objeto e sujeito, mas, inclusive, substancialmente, na relação interativa entre sujeitos, influenciando os comportamentos e as ações. Conforme Barroco (2008),
A práxis não tem como objetivo somente a matéria; também supõe formas de interação cultural entre os homens. Para transformar a realidade produzindo um mundo histórico-social, os homens interagem entre si e tendem a influir uns sobre os outros, buscando produzir finalidades coletivas (BARROCO, 2008, p. 30).
Assim, compreende se que a práxis está imbricamente relacionada com a consciência, pois, entendemos que ela funciona como guia para os pensamentos e ações no alcance da finalidade. O aspecto novo do ser social está na forma da transformação material da realidade, que é produzida por uma fundamentação consciente. “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência” (LUKÁCS, 1979, p. 41).
Assim, o homem desenvolve as suas capacidades e as possibilidades de intervenção na realidade por meio da efetivação da consciência, que pode ser entendida como a condição de possibilidade do domínio do homem sobre a natureza e sobre si mesmo, se fazendo construtor de si e da história.
Considera-se a relevância do trabalho na instauração da gênese e do desenvolvimento do ser social, ao tornar referência na estrutura das práticas sociais e na demarcação das conexões e interações entre os seres. Porém, a compreensão desse processo propõe uma interlocução com diversas categorias sociais, determinando a dinâmica de um complexo social e um distanciamento da base originária - a relação insuprimível entre homem e natureza -, embora não a negue. (LUKÁCS, 1979).
Neste sentido a mulher da favela e sua forma de trabalho se apropriam de uma menor parcela dos produtos do que o faz o homem (SAFIOTTI, 1967). Nesta realidade, a mulher no mercado de trabalho resulta de um contexto histórico, onde o homem a percebe como concorrente, porém prefere a mantê-la em casa. A situação da mulher analisa se neste ângulo, como determinada pela configuração histórico-social capitalista, abstrai não apenas a mulher, mas também da conjuntura alienante que a envolve. Safioti (1967) implica em chamar a atenção para que “liberar a mulher de sua alienação e, ao mesmo tempo, liberar o homem de seus fetiches”. (p.42). Se tratando da mulher pobre da favela,
A pobreza é parte de nossa experiência diária. Os impactos destrutivos das transformações em andamento no capitalismo contemporâneo vão deixando suas marcas sobre a população empobrecida: o aviltamento do trabalho, o desemprego, os empregados de modo precário e intermitente, os que se tornaram não empregáveis e supérfluos, a debilidade da saúde, o desconforto da moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a fome, a fadiga, a ignorância, a resignação, a revolta, a tensão e o medo são sinais que muitas vezes anunciam os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados na sociedade. (YASBEK, 2012, p.3).
Uma importante questão na luta pelo reconhecimento feminino no mercado de trabalho para que seja igualada ao homem, implica em uma sociedade direcionada pelo processo democrático, processo este que venha a promover o pensar numa emancipação que é apontada em outro modelo de sociedade. Engels (1987) relaciona esta questão ao aumento de riquezas dos meios de produção, aumentando a importância do homem em relação à mulher, pela troca e o consumo objeto dessa troca, aumentando a riqueza.
Considerações finais
Pode-se concluir conforme o que Netto e Braz (2006) citado ao longo do artigo o que contrapõe o homem/ a mulher e a sociedade, numa relação de desigualdades e diferenças. Todos os seres humanos têm iguais possibilidades de se desenvolver e de se sociabilizar. E para que haja respeito às particularidades de cada ser, faz-se necessário o respeito as diferenças. Dessa forma, considera-se importante que todas as pessoas tenham as mesmas condições de sociabilização, a fim de que haja oportunidades de concretização do ser singular e subjetivo.
Este trabalho propôs compreender a gênese e o desenvolvimento do ser social e a preponderância do trabalho na determinação deste processo, considerando que o trabalho como categoria ontológica e reflexiva seja o pressuposto dos variados desdobramentos atingidos nas fases posteriores do processo de desenvolvimento do ser social, no caso, referente as mulheres trabalhadoras moradoras de favelas cariocas.
Finaliza-se com a citação de Lukács (2007, p. 230), que diz que “o homem traz a tona a existência de um processo de desenvolvimento das próprias capacidades”. Considera-se que o processo evolutivo do ser é marcado pela passagem do ser inorgânico para ser orgânico, ou ainda, ser natural para ser social, expresso na relação estabelecida entre homem e natureza. Resulta em intervenções humanas sobre as formas naturais para satisfazer suas necessidades e também agir sobre os outros homens no sentido de conduzi-los a atingir determinada finalidade.
Compreende-se em Lukács (2007) que a comunicação é considerada uma atividade mediadora entre o trabalho e a sociedade, uma vez que produz uma troca expressiva de informações e representações. Assim, é dada uma importância significativa para essa mediação, no sentido de se influenciar o outro, constituindo a estrutura sobre a qual se move e dinamiza o processo de socialização do homem. Pressupõe-se que o acúmulo do conhecimento possibilita a concretização de determinadas formas de sociabilidade.
Neste contexto, analisou-se em Lukács (1979) que foi demarcado pelas mediações, que o homem necessita compreender seu mundo para transformá-lo e desse modo reproduzir sua própria existência. As tranformações nas esferas naturais incidem em transformações no indivíduo e na sociedade. Novas situações sócio-históricas fazem com que o homem elabore novas respostas para dar conta às novas necessidades. Portanto, com o desenvolvimento das potencialidades o homem passa a produzir a si mesmo e a sua própria história.
Considera-se que a compreensão da subjetividade perpassa as objetivações capitalistas, pois, segundo Lukács (1979, p. 144), “os indivíduos não ‘constroem’ a sociedade, mas, ao contrário, surgem da sociedade, do desenvolvimento da sociedade”. Desta forma, percebemos como que a individualidade de cada ser humano é influenciada pelas relações e contradições sociais, ou seja, o homem está em constante mutação sobre influência das próprias vivências sociais e pessoais.
Referências
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