Adilso de Campos Garcia*
Maria Augusta de Castilho**
Waldete Alves de Paula Salineiro***
UFMS, Brasil
adilso.garcia@ifms.edu.br.
Resumo: O estudo em tela apresenta aspectos culturais de Mato Grosso do Sul via Casa do Artesão, tombada pelo Patrimônio Histórico Estadual, objetivando sua preservação para as gerações futuras. A pesquisa teve como aporte o método indutivo e foi desenvolvida por meio de consultas bibliográficas em livros, artigos científicos, jornais e documentos, além de observações in loco. O lugar possui edificação de arquitetura eclética relativo a um período de transição predominante na construção civil do século XIX, com elementos arquitetônicos aparentes como: platibanda, arco, bandeira e pináculos. O espaço previlegia uma exposição que mostra a cultura e tradições que identificam a variação de povos e etnias que formam a população de Mato Grosso do Sul, revelando suas representações identitárias. O artesanato existente no local tem como premissa divulgar e comercializar a produção artesanal sul-mato-grossense, além da participação em feiras, mostras, exposições que os artesãos frequentam, com a intenção de mostrar seus produtos as outras comunidades (internas e externas).
Palavras-chave: Casa do Artesão. Patrimônio. Cultura. Artesanato. Arquitetura.
Abstract: The screen study presents cultural aspects of Mato Grosso do Sul via Casa do Artesão, listed by the State Historic Patrimony, aiming its preservation for future generations. The research had as input the inductive method and was developed through bibliographic consultations in books, scientific articles, newspapers and documents, as well as in loco observations. The place has an eclectic architecture building related to a period of transition predominant in the nineteenth century civil construction, with apparent architectural elements such as: platibanda, arch, flag and pinnacles. The space provides an exhibition that shows the culture and traditions that identify the variation of peoples and ethnicities that make up the population of Mato Grosso do Sul, revealing their identity representations. The existing local craftsmanship has as premise to disseminate and commercialize artisanal production in south-mato-grossense, as well as participation, in exhibitions, exhibitions that artisans attend with the intention of showing their products to other communities (internal and external).
Keywords: Craftsman's House. Patrimony. Culture. Crafts. Architecture.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Adilso de Campos Garcia, Á Maria Augusta de Castilho y Waldete Alves de Paula Salineiro (2018): “A casa do artesão: arquitetura, artesanato e cultura”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/04/arquitetura-artesanato-cultura.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1804arquitetura-artesanato-cultura
1 Introdução
A Casa do Artesão localiza-se no cruzamento da Avenida Afonso Pena, com a Rua Calógeras (antiga Rua Santo Antônio, com referência à Igreja Santo Antônio, 1ª Igreja de Campo Grande), no centro da capital Campo Grande. Foi construída entre 1918 e 1923 para ser residência e comércio, sob as ordens de Francisco Cetraro e Pasquele Cândida, com projeto do engenheiro Camilo Boni, teve sua inauguração em 1º de setembro de 1975, sendo reinaugurada em 20 de setembro de 1990, após restauração e revitalização, no governo de Garcia Neto. Em 1924, o local foi transformado na primeira agência do Banco do Brasil no Estado e de1938 a 1974, foi ocupado pela Recebedoria de Rendas do Estado (FCMS, 2016).
A edificação foi tombada como patrimônio histórico estadual pelo Decreto n. 7863 de 13 de julho de 1994, durante o Governo de Pedro Pedrossian (FCMS, 2016).
A Casa do Artesão de Campo Grande, segundo dados da Fundação de Cultura (2016), é uma unidade regional, subordinada à Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul - FCMS, órgão da administração indireta do governo estadual, tendo como objetivo desenvolver e apresentar serviços públicos que auxiliem e fomentem as atividades de artesanato no Estado de Mato Grosso do Sul, atuando como:
- Canais de escoamento da produção artesanal através da comercialização;
- Promotora da absorção dos produtos artesanais pelo mercado consumidor, evitando a ação de intermediários na comercialização;
- Divulgadora da produção artesanal sul-mato-grossense nos mercados consumidores locais, regionais, nacionais e internacionais, através da participação em feiras mostras, exposições e demais eventos;
- Incentivadora do aprimoramento técnico artístico dos produtos artesanais, objetivando a elevação dos padrões qualitativos da produção artesanal;
- Estimuladora da formação e aprimoramento da mão de obra artesanal através de cursos, simpósios e workshop.
- Qualificadora das peças artesanais, de acordo com as especificações da Gerência para o Desenvolvimento das Atividades Artesanais - GDAA;
- Cadastro dos Artesãos do Estado.
O presente artigo apresenta aspectos culturais de Mato Grosso do Sul via Casa do Artesão, tombada pelo Patrimônio Histórico Estadual, objetivando sua preservação para as gerações futuras.
2 Aspectos históricos e culturais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul
A gênese de miscigenação do povo brasileiro revelou inicialmente o contato físico e cultural de europeus, ameríndios, e posteriormente, africanos, formando, uma tríade de culturas distintas. Estas etnias difundiram-se no Mato Grosso uno, com tradições culturais que lhe são imanentes, bem como a afirmação de suas identidades.
O processo de expansão e colonização da Província de Mato Grosso, foi em grande parte, devido às atividades dos bandeirantes, que singraram os rios, partindo de São Paulo, indo a busca de ouro, pois, a “[...] história das monções do Cuiabá é, de certa forma, um prolongamento da história das bandeiras paulistas, em sua expansão para o Brasil Central” (HOLANDA, 2000, p. 43).
Em 1834, ocorreu em Cuiabá capital de Mato Grosso, o episódio denominado de Rusga, que de acordo com Siqueira (2002), foi uma luta ocorrida no interior das elites. Em virtude da repressão violenta referendada pelo governo, parte desses revoltosos se deslocou para o sul de Mato Grosso.
Eram majoritariamente pecuaristas vieram se internar em áreas rurais, nas imediações das cidades de Miranda e Aquidauana, promovendo a expansão pastoril no Pantanal, e mantendo suas tradições. A maior quantidade do artesanato exposto e comercializado atualmente na Casa do Artesão refere-se à fauna pantaneira.
Ao abordar a questão da invenção das tradições, Hobsbawm e Ranger (1994), as entendem por um conjunto de práticas normalmente reguladas por regras tácitas, ou abertamente aceitas, chamando a atenção para que não se possa confundir com costumes, sendo estes um processo de ritualização e formalização, geralmente se referindo ao passado, e que por sua vez exterioriza uma repetição por imposição.
Conforme assevera Bittar (2009, p. 315), “[...] o presidente Geisel sancionou, no dia 11 de outubro de 1977, via Lei Complementar nº 31 criou o Estado de Mato Grosso do Sul”, estabelecendo como capital a cidade de Campo Grande.
De acordo com Campestrini e Guimarães (1995), o arraial dos Pereiras foi o embrião da cidade de Campo Grande, sendo esta fundada pelo mineiro José Antônio Pereira, em 1899, já na condição de município. No perpassar do seu povoamento até a atualidade, o local foi acometido por diversos traços culturais, que retratam a diversidade dos habitantes e seus descendentes.
Essas pessoas que eram oriundos de outros rincões do Brasil, de diversos países, e diferentes continentes, escolheram Mato Grosso do Sul, e alguns, a cidade morena (Campo Grande), para fincar sua morada.
Pode-se inferir que a Capital de Mato Grosso do Sul não tem uma identidade cultural definida e sacramentada, pois a mesma acolheu uma série de povos de diferentes paragens, e com olhares diversificados, cada qual, desvelando suas representações identitárias, e mantendo suas tradições culturais.
Todavia, Canclini (1998) aponta que as culturas se misturam, não tendo uma pureza entre elas, mas sim uma integração, ante o fato de que todas as culturas são de fronteira. A cultura é dinâmica, estando, por conseguinte, sujeita à incorporação de elementos novos.
Quando ocorre um empreendimento de se separar as culturas, paradoxalmente, corre-se o risco de unificá-la, deixando-se de perceber a hibridização que ocorre entre o popular e o erudito, o antigo e moderno, o rural e o urbano. Não obstante, no Mato Grosso do Sul, devido ao mosaico cultural que permeou essa população, alguns grupos apresentam fatores identitários bem distintos e particularizados.
Dessa forma, os habitantes de Mato Grosso do Sul são formados por vários povos e etnias, que reafirmam suas identidades, com olhares e culturas díspares. Dentre eles destacam-se:
- Mineiros - foram os responsáveis pelo processo de colonização do Sul de Mato Grosso e trabalharam nas comitivas tangendo gado para ser engordado nas invernadas de Minas. Os estudos de Cardoso de Oliveira (1968) apontam que a primeira onda de segmento pastoril, oriunda do triângulo mineiro, rumo aos campos de vacaria, deu-se por volta de l830. Na gastronomia, deixaram como legado, o queijo e o feijão tropeiro, entre outros.
- Paulistas - no século XX, houve uma verdadeira invasão de paulistas no sul de Mato Grosso, em busca de empregos, local para aplicação de capital em serviços urbanos, e procura por terras mais baratas para a atividade pecuária, sobretudo após a conclusão da Ferrovia Noroeste do Brasil (NOB). Para Weingärtner (1995), essa ferrovia proporcionou um grande desenvolvimento para o sul de Mato Grosso.
Houve um recrudescimento na vinda dessas pessoas para essa região, em face da inauguração da NOB, inaugurada em 1914, ligando o Oceano Atlântico, as margens do rio Paraguai, próximo à divisa com a Bolívia.
- Japoneses – com famílias que migram para o sul de Mato Grosso, atraídas pelas terras férteis, dedicando-se à produção de hortifrutigranjeiros, eram formados em sua maioria, por trabalhadores pobres da ilha de Okinawa (Japão).
Laboraram na construção da NOB e desenvolveram uma gastronomia peculiar vinculada as suas origens orientais. A visita à feira central faz parte da rota cultural gastronômica de Campo Grande. Em tributo a esse povo, na capital, “[...] na Praça da República, há um monumento erigido em homenagem aos 70 anos da imigração japonesa [...]” (MARQUES; MACIEL; LE BOURLEGAT, 2014, p. 50).
- Bolivianos - entraram no Estado via Corumbá. Esses procuram reforçar a sua identidade, divulgando em feiras os seus artesanatos, suas danças, vestimentas, para que suas tradições não caiam no esmaecimento da memória. Mediante o que anunciou Luca (2015), as manifestações culturais realizados na Praça da Bolívia, passaram a fazer parte do calendário oficial do município de Campo Grande.
- Sírio-libaneses-penetraram no sul de Mato Grosso, em grande parte por Corumbá, e posteriormente pela Ferrovia Noroeste do Brasil, espalhando-se por várias cidades do sul de Mato Grosso, que foram em busca de locais de comércio, principalmente para o trabalho como mascate1 (MARQUES, MACIEL; LE BOURLEGAT, 2014).
Na capital há um grande número de descendentes, principalmente na rua Calógeras, na rua 14 de julho, e na rua 13 de maio. A colônia libanesa é expressiva em termos numéricos, e de importância ímpar na sociedade campo-grandense.
- Paraguaios - atravessaram a fronteira geralmente em busca de empregos. O elo identitário entre eles é muito forte e por meio de diversos mecanismos de amizade, mantém e influenciam sua cultura junto a população da capital e do interior, com suas músicas, danças, comidas, tereré, etc.
- Gaúchos - vindos principalmente em 1970 e seguintes, cuja população era formada principalmente por produtores rurais do Rio Grande do Sul, que trocaram o seu torrão natal, para se embrenhar na região de Dourados, com o intuito de praticar a agricultura.
Na capital e em outras cidades interioranas, esses gaúchos preservam suas memórias e suas tradições criando o Centro de Tradições Gaúcha (CTG), local em que confraternizam a música, o churrasco, o chimarrão, as danças, as vestimentas, a literatura e outros saberes culturais.
- Indígenas - dentre as várias etnias que compõem a população indígena do Estado, e que expõem para venda os seus artesanatos na Casa do Artesão, destacam-se os Terena, majoritariamente residentes nos municípios de Miranda e Aquidauana. Existem ainda as aldeias urbanas Terena na cidade de Campo Grande como a Marçal de Souza. Já os indígenas Kadiwéu, possuem terra (Reserva indígena),localizada no município de Porto Murtinho.
- Afrodescendentes - na zona urbana da capital, encontra-se a comunidade quilombola denominada Tia Eva, que procura manter suas tradições culturais, por meio da vizinhança, proximidade entre as famílias, e festas como a de São Benedito, onde as identidades negras são expostas e realçadas.
No decorrer de 1977, quando se concretizou o processo de criação do Estado de Mato Grosso do Sul, a capital Campo Grande já descortinava uma vasta miscelânea cultural. Ao se analisar as tradições desses povos, pode-se apreender que o “[...] patrimônio pode ser conceituado como a herança de uma sociedade no conjunto das realizações construídas ao longo de sua história, no que se refere à sua cultura” (CASTILHO, 2013, p. 4).
3 Casa do Artesão
A Casa do Artesão de Campo Grande tem como finalidade a divulgação e comercialização do artesanato regional, desde licores de diversos sabores até peças indígenas feitas pelos próprios índios da região, peças em argila retratando a fauna/flora pantaneira, imagens sacras e artefatos produzidos pelos índios do estado (FCMS, 2016).
A acessibilidade baseia-se no conceito de Desenho Universal, fazendo parte dos requerimentos para intervenção no ambiente, construído de modo a possibilitar a todos o acesso tanto ao espaço urbano quanto ao espaço do edifício. Portanto, a acessibilidade está relacionada às exigências das normas técnicas e documentos legais com vistas ao acesso universal (FERREIRA, 2009).
3.1 Acesso a Casa do Artesão
Tornou-se um assunto de suma importância a dedicação a resolução de problemas no quesito acessibilidade, principalmente em Patrimônios Históricos que são edificações de acesso ao público, sem distinção de mobilidade ou qualquer tipo de deficiência.
Os obstáculos encontrados por pessoas com restrições permanentes ou temporárias no acesso a Casa do Artesão é preocupante, pois a entradaprincipal destinada ao público se faz por meio de degraus na porta e não possui rampa. Quanto ao acesso ao mezanino é feito por uma escada, impossibilitando um cadeirante de visitar o acervo que se encontra no piso superior. Os sanitários não são adaptados conforme a Norma Brasileira (NBR 9050) e os artesanatos expostos não possuem identificação especial para deficintes visuais. O balcão de atendimento está fora da altura, recomendada a acessibilidade.
Ao se referir às intervenções para a acessibilidade sugerem-se ações de adaptação dos bens dentro do âmbito de conservação, tais como: restauro, reconstrução e valorização. Toda e qualquer intervenção para acessibilidade no patrimônio cultural deverá obedecer aos critérios impostos pelo conceito da adaptação, ou seja, realizar danos mínimos ou nenhum aos valores e à consistência material do bem e avaliação de alternativas diversas de modo a selecionar-se aquela de impacto nulo ou mínimo. A acessibilidade, em alguns casos, exigirá a inserção de novos usos ou serviços, como, por exemplo, a instalação de equipamentos de áudio e vídeo, elevadores, sinalização visual e tátil, entre outros (PEREIRA; LIMA, 2016).
Há uma grande preocupação em relação ao patrimônio cultural e a acessibilidade havendo uma necessidade de adaptação dos espaços para a reabilitação e a realização dos objetivos de igualdade e participação plena das pessoas deficientes na vida social e no desenvolvimento individual de cada um. Isto significa oportunidades iguais de toda a população e uma participação equitativa na melhoria das condições de vida resultante do desenvolvimento social e econômico.
Aspectos que deverão ser analisados além da acessibilidade serão os de atratividade, uma vez que no contexto do Desenvolvimento Local, a comunidade deve fazer parte da vida social dos cidadãos. Promover a apresentação de artistas locais como em 1990, seria uma proposta bastante interessante para atração do público nos locais onde estão expostos acervos patrimoniais de Campo Grande - MS.
Permitir o acesso universal ao patrimônio cultural, em especial, ao patrimônio arquitetônico (Casa do Artesão), bem como, garantir sua plena compreensão e, ao mesmo tempo, preservar as edificações em sua integridade e autenticidade, além de respeitar o caráter de obra de arte é o paradoxo que se interpõe a arquitetos, urbanistas e profissionais que atuam no setor.
Deve-se exigir dos órgãos goveridntais, em especial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a quem cabe a fiscalização das propostas e intervenções, que ofereça aos profissionais requisitos mínimos específicos para intervenção, bem como, os critérios de avaliação utilizados para a aprovação de propostas e obras no patrimônio cultural (FERREIRA, 2009).
3.2 Arquitetura: estilo eclético
O ecletismo chegou ao Brasil em meados do sécilo XIX, como mistura de estilos do neoclássico com o gótico. Essa miscelânea estilística invadiu as cidades brasileiras. Assim, identificou-se que com o progresso, com a abastança, com a liberdade de escolha, ocorresse uma obediência a um só estilo, sinal de atraso próprio de outras épocas (LEMOS, 1979).
Quase todas as capitais brasileiras em expansão no início do século XX foram atingidas pelo ecletismo arquitetônico. Esse período foi utilizado pelas elites, havendo uma mistura de estilos, e possuindo simetria e proporção.
Esse impulso desenvovimentista verificado em 1920 atraía migrantes construtores e a cidade cresceu com as suas participações profissionais. Os construtores eram profissionais que tiveram aprendizado prático, geralmente em família. A arte de construir era seu grande ofício; a técnica vinha com a prática e muitos deles, chamados "frentistas" - responsáveis pela construção dos elementos clássicos das fachadas, participavam da construção apenas na sua fase final, para adornar as fachadas e transformar uma simples construção de alvenaria de tijolos em uma obra de arquitetura de estilo eclético (ARRUDA, 2002).
As residências foram marcadas pelo surgimento dos porões, gerando privacidade e verticalidade a edificação, elementos arquitetônicos aparecem como, platibanda, arco, bandeira e pináculos. A utilização de cores claras, tons pastel. Neste período surge a infraestrutura trazendo rede de água, esgoto, iluminação e transporte coletivo. Trabalha com a valorização da esquina chanfrada, conservação do alinhamento da via das edificações, mas com o recuo lateral como entrada da edificação (pátio).
A Casa do Artesão possui embasamento em soco com degrau de acesso e corpo com ressaltos em rusticação, apresentando coberturas retangulares, moldura contínua de padieira (parte superior dos marcos de portas e janelas que firma as duas ombreiras). O coroamento (Remate da fachada sobre o entablamento) está representado com arquitrave, friso e cornija (Figura1).
Muro de ático (é um elemento superior da fachada situado acima das cornijas) com platibandas e molduras encimadas, por frontões triangulares e abatidos interrompidos no vértice. Inspiração no ecletismo. Antes do restauro, as paredes encontravam-se instáveis e sem fundação. Atualmente, a fundação é de estaca manual e blocos, com acréscimo de estrutura metálica para a instalação dos mezaninos. As paredes são revestidas de argamassa. As aberturas originais possuíam quadros e vedos de madeira e vidro; as atuais são de metal e vidro. A cobertura tem uma estrutura de madeira e telhamento cerâmico (MARQUES, 2007).
3.3 O acervo cultural
Ao se fazer esse estudo sobre a Casa do Artesão, verificou-se que a sobrevivência da cultura de uma determinada população, está relacionada ao processo de preservação de sua memória.
Por meio de documentos pretéritos escritos, de depoimentos orais do presente, e do seu artesanato, foi possível apreender e analisar como viveu uma determinada comunidade histórica.
[...] viveu e vive o seu passado, como constituiu a sua memória coletiva e como esta memória lhe permite fazer face aos acontecimentos muito diferentes daqueles que fundam sua memória, numa mesma linha, e encontrar ainda hoje a sua identidade (LE GOFF, 2003, p.469).
Mediante exposição e comercialização de artesanatos que retratam múltiplas tradições, esse referido Patrimônio Histórico Cultural que tem o apoio do Governo do Estado de MS, propicia aos turistas e à população de um modo geral, a possibilidade de conhecer e apreender diferentes culturas, por meio dos trabalhos dos artesãos expostos na Casa do Artesão.
Se considerarmos que o artesanato é uma manifestação de vida comunitária, o trabalho se orienta no sentido de produzir bens que tenham a função utilitária, lúdica, decorativa ou religiosa. Nesse sentido, o produto artesanal passa ser um testemunho vivo de uma determinada cultura por meio de símbolos e crenças que ficam marcadas em suas peças (GABOARDI; GONÇALVES; OLIVEIRA, 2011, p. 9).
A Casa do Artesão tem como princípio desenvolver serviços públicos que possam auxiliar e fomentar as atividades artesanais no Estado de Mato Grosso do Sul, e, por conseguinte, propiciar o processo de Desenvolvimento Local, nos aspectos econômicos e sociais.
O local apresenta uma variedade de artesanatos, que retratam a fauna/flora, sobretudo de Mato Grosso do Sul, com utensílios, tapetes, panos de prato, tecidos, CDs, colares, brincos, bolsas, camisetas, estatuetas, pinturas em telhas, quadros religiosos de madeira e gesso, vasos de cerâmica indígena, bebidas, doces, livros (poesia, receitas, cultura, pantanal, literatura), entre outros itens.
Constatou-se que alguns artesanatos estão expostos para serem comercializados no local, que contando atualmente com 500 artesãos cadastrados. Dentre eles destacam-se:
- Artesanato indígena Terena: produzem cerâmica de vasos, jarros e animais. A pintura é mais prática, a coloração do barro (matéria prima), é vermelha, e pintam com detalhes brancos. De acordo com Costa (2003), esses produtos são valorizados pelos turistas, e mantém um caráter utilitário.
- Artesanato indígena Kadiwéu: a cerâmica Kadiwéu, apresenta a mesma matéria prima. Entretanto, as pinturas desses objetos são bem oridntadas e trabalhadas, utilizando variadas cores (Figura 3). Os pigmentos usados na pintura são provenientes de areia dos mais variados tons, sendo alguns dos detalhes envernizados com a resina do pau-santo2 (GABOARDI; GONÇALVES; OLIVEIRA, 2011).
- Artesanato indígena Guató:a etnia Guató habita a área indígena localizada na Ilha Insua, no município de Corumbá, e parte desses índios, vivem na periferia desta cidade. Produzem cestos feitos de camalote 3, para comercializarem na Casa do Artesão.
- Travessas de madeira: as madeiras utilizadas são: o ipê, o jacarandá, o faveiro e o angico. Esse artesanato tem um fino acabamento, pois como pontua Gaboardi, Gonçalves e Oliveira (2011), as travessas são lixadas à mão e polidas com cera de abelha.
- Cestos de fibras: alguns artesãos usavam inicialmente a palha de Buriti 4, posteriormente utilizaram a taboa5 . Esses cestos têm fins oridntais e de uso prático no cotidiano.
- Bugrinhos de madeira: este artesanato foi criado há décadas pela artesã Conceição dos Bugres, sendo reconhecido como um símbolo de Campo Grande e conhecido mundialmente (Figura 4). Para a confecção desse artesanato, usa-se o serrote, o formão, a lixa e o facão e no acabamento da obra, são utilizados “[...] cera de abelha, cola, pó de serra e tinta esmaltada preta” (GABOARDI; GONÇALVES; OLIVEIRA, 2011, p. 57).
- Imagens sacras: o que chama atenção na Casa do Artesão são as dezenas de imagens religiosas, de Jesus, de Nossa Senhora, de Santos feitos de gesso, madeira, ou pintadas sobre as telhas.
- Rosa Pantaneira: foi com referência as flores perenes do Pantanal sul-mato-grossense que a artesã Claudia Castelão se inspirou na lenda do amor, divulgada no pantanal, para criar as rosas de madeira, também conhecida como Flor de Xaraés. Essa flor “[...] é exportada para várias regiões do mundo e é vendida em mais de 40 pontos do Brasil, entre eles na Feira Central de Campo Grande e em lojas na cidade de Bonito, [...]” (MESQUITA, 2011, p. 90).
- A Lenda do Juca: artesanato de um menino, que teve o seu corpo transformado à imagem da fauna e flora pantaneira. Adaptação folclórica em homenagem ao amor pelo Pantanal sul-mato-grossense de Izulina Gomes Xavier, piauiense, defensora da natureza, que adotou como berço a cidade de Corumbá.
- Bordados: encontram-se também nesse espaço cultural tapetes, panos de prato, toalhas, com desenhos de animais, aves, plantas, flores, e outros. Os bordados ganham novas cores nas mãos dos artesãos de Campo Grande (COSTA, 2003).
- Fauna pantaneira: são as peças artesanais que as pessoas mais procuram, geralmente para dar de presente a um familiar ou amigo. Essas peças são produzidas geralmente em argila, madeira, tendo também, peças empalhadas.
- Carro de boi: representados em miniaturas esculpidos em madeira, nos remete aos tempos do início da povoação do sul de Mato Grosso, reafirmando as identidades dos pioneiros colonizadores mineiros.
Há que se destacar no processo de produção de artesanato na Casa do Artesão que alguns trabalhos de madeira têm a sua nobreza manifestada e justificada, por meio da criação de importantes peças que enfocam a cultura e as tradições de Mato Grosso do Sul.
Vale ressaltar nesse contexto que a memória é um elemento muito importante do que se costuma chamar identidade, seja ela de forma individual ou coletiva (LE GOFF, 2003).
De acordo com informações obtidas junto à Casa do Artesão (novembro, 2016), a administração privilegia artesãos de Mato Grosso do Sul, mas atualmente existem peças artesanais de origem japonesa, que são comercializadas, especificamente, como algumas mandalas, e bandejas de bambu.
O artesanato exposto está na condição de consignação, sendo o próprio artesão quem defini o preço do seu produto. A administração da Casa do Artesão fomenta e dinamiza a logística de venda, propondo um trabalho de intermediação entre o empresário e o artesão, com o propósito de escoar a produção, para que o mesmo possa auferir lucros com o comércio dos seus produtos e dessa maneira melhorar sua qualidade de vida.
Nesse aporte Ávila (2000) sinaliza que no processo de desenvolvimento, o alvo central é o ser humano. No presente estudo é o artesão que com seu êxito ou fracasso, torna-se responsável pelo seu próprio progresso e influenciando o seu entorno como fonte irradiadora de mudanças, de evolução cultural, dinamização tecnológica e equilíbrio do meio ambiente.
Considerações finais
O estudo realizado na Casa do Artesão em Campo Grande - MS proporcionou um olhar mais apurado sobre o ser humano e à luz da hierarquia de valores, a integridade como pessoa humana, como membro construtivo de sua comunidade e agente de equilíbrio em seu meio geofísico.
Evidenciou-se na pesquisa, uma série de aspectos referentes ao Desenvolvimento Local, que abrange questões humanas (acessibilidade), territoriais, religiosas, de memória, de cultura, de identidade patrimonial, de tradição, entre outras, que perfazem o ambiente.
A visita à Casa do Artesão é de suma importância tanto para a população local e como a de outros estados e países, que por meio de sua edificação arquitetônica e do artesanato produzido, valoriza a riqueza cultural de Mato Grosso do Sul, guardando a arte e a história cultural via artesanato.
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