Raynon Joel Monteiro Alves *
Janaina Pinheiro Gonçalves**
Carmem Helena Ferreira Alves***
Universidade do Estado do Pará, Brasil
raynon_alves@yahoo.com.br
RESUMO
As comunidades humanas amazônicas mantêm relações de dependência com os recursos naturais, como para a atividade pesqueira, que é de suma importância para a socioeconomia dos povos. Este estudo objetivou realizar um diagnóstico socioeconômico e ambiental na comunidade pesqueira de Mutucal, município de Curuçá-PA, por meio da aplicação de questionários a 20 trabalhadores. Os entrevistados foram homens, de diferentes faixas etárias, principalmente nativos da comunidade, de baixa escolaridade e que tem na pesca a única atividade econômica. Foram registradas 20 espécies de plantas, sendo as principais: inajá, bambu e caripé. Já é notada a escassez no local de recursos vegetais para a fabricação do curral, diante da falta de cuidados dos próprios pescadores e da mínima atuação do Poder Público, neste aspecto. Ações de Educação Ambiental, o maior envolvimento dos Órgãos Públicos e da população são ideais para a promoção da sustentabilidade socioeconômica e ambiental in loco e da Resex como um todo.
Palavras-chave: Amazônia, extrativismo vegetal, percepção ambiental, pesca artesanal, Reserva Extrativista Marinha.
RESUMEN
Las comunidades humanas amazónicas mantienen relaciones de dependencia con los recursos naturales, como para la actividad pesquera, que es de suma importancia para la socioeconomía de los pueblos. Esta investigación tuvo como objetivo realizar un diagnóstico socioeconómico y ambiental en la comunidad de Mutucal, municipio de Curuçá-PA, a través de la aplicación de cuestionarios a 20 trabajadores. Los entrevistados fueron hombres, de diferentes grupos de edad, principalmente nativos de la comunidad, de baja escolaridad y que tienen en la pesca la única actividad económica. Se registraron 20 especies de plantas, siendo las principales: inajá, bambú y caripé. Se observa la escasez de recursos vegetales en el lugar, para la fabricación del corral, ante la falta de cuidados de los propios pescadores y de la mínima actuación del Poder Público, en este aspecto. Acciones de Educación Ambiental, la mayor participación de los Órganos Públicos y de la población, son ideales para la promoción de la sostenibilidad socioeconómica y ambiental in situ y de la Resex como un todo.
Palabras clave: Amazonia, extractivismo vegetal, percepción ambiental, pesca artesanal, Reserva Extractivista Marina.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato: 
Raynon Joel Monteiro Alves, Janaina Pinheiro Gonçalves y Carmem Helena Ferreira Alves (2018): “Pescadores curralistas e sua relação com os recursos vegetais: um estudo socioeconômico-ambiental na comunidade de Mutucal, Município de Curuçá, Pará, Brasil”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (marzo  2018). En línea: 
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/03/pescadores-curralistas-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1803pescadores-curralistas-brasil
              Desde os  primórdios, o uso de recursos pesqueiros decorre de uma  atividade extrativista bastante difundida em toda a costa brasileira: a pesca  artesanal, que gera alimento, trabalho e renda (BRASIL, 2011). Esta modalidade  de pesca apresenta características marcantes, como: a utilização de apetrechos  simples, embarcações de madeira com pouca autonomia e, normalmente, o produto é  comercializado para intermediários, possibilitando a geração de emprego e  rendimento (LIMA; DORIA; FREITAS, 2012; ZACARDI; PASSOS; SILVA, 2014; ZACARDI; PONTE;  SILVA, 2014; ZACARDI, 2015).
       O pescador artesanal, ao se  apropriar dos modos da natureza (dinâmica biótica e abiótica), desenvolve  conhecimentos e habilidades, oriundas de uma convivência social e histórica, em  que as transmissões orais e as tradições artesanais são predominantes (SILVA,  2001), o que garante a prática da atividade e a reprodução social dos  pescadores. Deste modo, a pesca artesanal representa uma forte ligação entre a  sociedade pesqueira e a natureza, sendo responsável pela economia e  sustentabilidade de inúmeras comunidades ribeirinhas amazônicas (BATISTA et al.  2012; NASCIMENTO et al. 2016).
       Na  Amazônia, os povos locais mantêm uma forma particular de convívio com a  natureza, criando uma relação de dependência com o meio em que vivem (BALICK;  COX, 1997), principalmente para o desenvolvimento do extrativismo animal e  vegetal. Esta interação é muito importante para a socioeconomia dos povos  tradicionais em relação aos recursos pesqueiros, já que a pesca é uma atividade  de grande potencial na região (VIEIRA, 2002), e à flora, que é rica e abundante,  a qual serve para diferentes usos, como para as pescarias.
       Tratando-se do Estado do Pará, a  pesca continental alcançou cerca de 53.175 toneladas de pescados desembarcados,  entre os anos de 2010 e 2011, onde a pesca artesanal representou mais de 80%  deste total (MPA, 2013). A microrregião do Salgado Paraense, no nordeste do  Pará, contribui com cerca de 25% da produção estadual de pescado (SANTOS, 2004),  onde o município de Curuçá se notabiliza pela comercialização de peixes e  também de mariscos, tornando-se um tradicional e importante centro pesqueiro da  região (SOUZA, 2010). 
       Curuçá assemelha-se ao espaço  vivido em diversas localidades ribeirinhas da Amazônia, onde as relações são  produtos de um cotidiano marcado pela apropriação da natureza pelo homem,  principalmente quando se trata dos rios (Ibidem), pois é onde ocorre grande  parte da pesca, com diferentes metodologias pesqueiras, geralmente, com  instrumentos fabricados com materiais lenhosos e não-lenhosos, como o curral, o  que caracteriza o forte extrativismo. Conforme Pinheiro (2014), as comunidades pesqueiras do município de Curuçá contribuem  com o fluxo econômico, abastecimento alimentar e caracterização cultural local,  como as de Ipomonga, Pacamurema e Mutucal, sendo esta última caracterizada pela  predominância da pesca artesanal de curral.
       A  pesca de curral na comunidade de Mutucal  se estende por basicamente toda a porção litorânea da ilha, durante o  ano todo, contabilizando cerca de 100  unidades (SANTOS, 2006). Esta técnica era utilizada pelos indígenas e  foi modificada pelos colonizadores e imigrantes portugueses, e consiste em  armadilhas fixas, geralmente de esteiras, tecidas com varas e cipós [ou outros  materiais] estrategicamente fixados no solo de estuários, rios ou recifes, com  a intenção de aprisionar o peixe dentro de um cercado, sendo removidos durante  a maré vazante (PIORSKI; SERPA; NUNES, 2009; NASCIMENTO et al., 2016).
       Desde  2002, a ideia de manutenção desta atividade, dentre muitas outras, deu-se por  meio da implantação da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande de Curuçá  (BRASIL, 2002), com finalidade de sustentabilidade socioeconômica e ambiental das  populações humanas que nela habitam. Para tanto, torna-se importante conhecer in loco os atores envolvidos na pesca artesanal  para entender o modo de vida e gerar subsídios para efetivar os objetivos  propostos com a criação dessa Unidade de Conservação.  
       Neste contexto,  estudos pertinentes à questão se tornam importantes diante da precariedade das  estatísticas da pesca artesanal no mundo inteiro, em particular, no Brasil, onde  a pesca artesanal sofre de uma carência generalizada, de informações biológicas  e, especialmente, socioeconômicas (ALVES DA SILVA et al., 2009).  Concomitantemente, estudar o etnoconhecimento acerca do uso dos recursos  naturais e a relação do homem com a natureza é imprescindível para conhecer a  complexidade do funcionamento de diferentes ambientes naturais, além de  oportunizar mecanismos de discussão de etnoconservação ambiental como garantia  de um ambiente saudável para a população (SILVA; GUARIN-NETO, 2017). 
       Diante  do exposto, o objetivo deste estudo foi realizar um diagnóstico socioeconômico  e ambiental na comunidade pesqueira de Mutucal, município de Curuçá, Pará. Para  tanto, buscou-se caracterizar a tipologia socioeconômica e tecnológica de  pescadores curralistas; identificar as formas de uso dos recursos vegetais e as  espécies botânicas utilizadas por eles para a prática pesqueira; analisar a  percepção dos mesmos acerca dos impactos da atividade sobre à flora e as ações  de cuidado com os recursos florísticos locais.
              O  município de Curuçá foi criado em 14 de maio de 1895 e está situado na  Mesorregião do Nordeste Paraense, na Microrregião do Salgado, com limites ao  norte com o Oceano Atlântico, ao sul com Castanhal, a leste com Marapanim e a  oeste com São Caetano de Odivelas (IBGE, 2017). Este município é um importante  e tradicional centro comercial de peixes e mariscos do Nordeste Paraense, cujo centro  urbano tem sua orla voltada para o rio Curuçá, criando um espaço geográfico  típico das localidades ribeirinhas da Amazônia, com porções litorâneas ocupadas  por manguezais (SOUZA, 2010). 
       Em  2002, sob a vigência do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC),  ficou legalmente estabelecida a Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, que  protege igarapés, restingas, ilhas, furos, rios, praias e os manguezais, em  consonância com a manutenção do modo de vida das populações humanas que ali  residem. De acordo com Sousa (2008), esta Resex tem área  aproximada de 37.064,23 hectares com cerca de 52 comunidades de pescadores e  agricultores vivendo nela. 
       Dentre  estas comunidades, a comunidade de Mutucal (0°41’4.0” S 47º55’48.0” W) – alvo desse  estudo (Figura 1), teve origem na origem a partir da migração populacional dos  municípios de Vigia e Curuçá em locais favoráveis para a pesca e trabalho com o  pescado, e, ainda nos dias atuais, é uma das principais atividades econômicas  do povoado, principalmente, por causa da proximidade com a Vila do Abade,  distrito de Curuçá, e à famosa Praia da Romana, que atrai muitos turistas  (SANTOS, 2006). Por ser uma ilha, o acesso à comunidade ocorre por meio de  embarcações; a vegetação é secundária, em terra firme, e a parte litorânea é composta  por espécies de mangue.  
              
       Este  estudo teve como amostra 20 pescadores da referida comunidade (do total de 22),  associados da Colônia dos Pescadores de Curuçá, durante a coleta de dados que  ocorreu em fevereiro de 2015. Foram aplicados questionários estruturados sobre:  a) o perfil socioeconômico e laboral desses pescadores (gênero, idade,  naturalidade, tempo de moradia no local, escolaridade, fonte de renda; aparatos  pesqueiros com ênfase no curral; renda mensal familiar) e b) o uso e gestão de  recursos vegetais (formas de uso e as etnoespécies das plantas utilizadas na  confecção de currais – respostas não excludentes, isto é, todas foram  consideradas; percepção sobre a falta desses recursos, medidas de  conservação/preservação, atuação do poder público na problemática). Da mesma  forma, buscou-se entre eles informações pertinentes sobre a confecção dos  currais na comunidade.
       A  identificação das espécies vegetais foi feita por meio de fotografias, utilizando  trabalhos acadêmico-científicos e bases de dados, como: a Lista de Espécies da  Flora do Brasil (2015) (http://floradobrasil.jbrj.gov.br/)  e do Missouri Botanical Garden (2015) (http://www.tropicos.org/). 
       A  análise de dados foi realizada, posteriormente ao tratamento das informações em  planilhas do Software Excel 2010, por meio da estatística  descritiva para a determinação de frequências, e subsidiar a elaboração de  gráficos e tabelas. Os dados de caráter qualitativo foram analisados e  discutidos no corpo do manuscrito, considerando, inclusive, as falas dos  informantes.
     
              Os  pescadores entrevistados foram homens, visto que as mulheres são responsáveis  por outras tarefas, como o gerenciamento do ambiente doméstico, a agricultura, a  mariscagem e o beneficiamento da bexiga natatória (grude) dos peixes, embora  não se descarte a possibilidade de as mesmas participarem das pescarias. Em  comunidades agroextrativistas, do ponto de vista histórico, o homem é  encarregado da pesca, enquanto a mulher pelo cuidado do pescado e da  domesticidade, isto é, cuidar da casa, filhos, quintal, pequena agropecuária e  extrativismo (VIEIRA et al., 2013), o que caracteriza a divisão social do  trabalho por gênero nesses grupamentos pesqueiros (FIGUEIREDO; PROST, 2014) e ressalta,  em particular, a importância das mulheres na atividade pesqueira. 
       Em  relação à idade, esses profissionais pertenciam a diferentes faixas etárias, de  20 a 69 anos, sendo que os de 30 a 39 anos foram os mais representativos  (35,0%) (Tabela 1). Este fato evidenciou a importância socioeconômica da pesca  artesanal para muitos habitantes locais, de jovens aos idosos, quanto à  aquisição de alimento e de renda. Estes pescadores, em sua fase adulta,  praticam a pesca como alternativa de trabalho, cujos conhecimentos para tal podem  ser repassados quando crianças. Na comunidade em estudo, foi verificado que a  maior parte desses trabalhadores iniciaram essa atividade quando adultos (45,0%)  e nos demais casos, na adolescência (30,0%) e na infância (25,0%), quando  acompanhavam ou ajudavam seus pais e/ou responsáveis na atividade. 
              Neste sentido, pode-se afirmar que  o conhecimento pesqueiro é aprendido na família e é inerente à cultura local, o  que corresponde à manutenção de grande parte dos saberes tradicionais por meio  da prática e da transmissão dos mesmos às gerações presentes e futuras. Nestas  condições, foi verificado que os pescadores entrevistados, em sua maioria, são  naturais de Curuçá (90,0%) e somente alguns são de Santo Antônio do Tauá (5,0%)  e de Belém (5,0%), e residem na comunidade de Mutucal há mais de uma década,  com predominância de 40 a 49 anos (30,0%) (Tabela 1), o que, de certa forma,  permite o desenvolvimento da atividade artesanal e a reprodução social dos  pescadores locais.
       Tratando-se  do grau de instrução, os resultados indicaram que o grupo de pescadores  entrevistados, predominantemente, tinha o ensino fundamental incompleto  (65,0%), enquanto que alguns concluíram o ensino básico (5,0%) (Tabela 1).  Notou-se que o analfabetismo não foi aparente entre os informantes, o que pode  ser resultado do processo de escolarização rural, oferecendo oportunidades de  estudo, de ao menos ler e escrever, aos moradores rurícolas, visto que a  comunidade de Mutucal possui uma escola de Ensino Fundamental e acesso a  transporte escolar (ônibus e lancha), com destino às escolas da cidade de Curuçá.  No entanto, conforme Anjos, Niederle e Carlos (2004), deve-se considerar que,  em muitos casos, o baixo nível de escolaridade das pessoas é o que condiciona à  pesca, pois não possuem outro tipo de qualificação profissional.
       Quanto  à baixa escolaridade, caracterizada principalmente pelo ensino fundamental  incompleto, esta é resultado de inúmeros problemas que acometeram ou acometem  as comunidades rurais. Neste contexto, em Mutucal, verificou-se principalmente a  falta de interesse pessoal (35,0%), a opção por trabalhar ao invés de estudar (30,0%)  e a baixa renda da família (15,0%), entre outros (Tabela 1), sendo que esses  problemas estão relacionados às condições socioeconômicas dos pescadores,  principalmente em tempos passados. De acordo com Alves, Pontes e Gutjahr  (2015), a necessidade de trabalhar nas atividades agroextrativistas dificulta a  compatibilidade de horário entre o trabalho e o estudo, além da dificuldade  financeira dos pais para manter os filhos na escola, assim como outros  problemas familiares, desinteresse particular e desmotivação para continuar os  estudos.
       Em relação às fontes geradoras de  renda familiar, a pesca artesanal é a principal atividade econômica dos  entrevistados e, em geral, é a única fonte de renda (60,0%), enquanto que 40,0%  deles também desenvolvem outros trabalhos, como agricultores, comerciante de  gêneros alimentícios/domésticos e de madeira, auxiliar de encanador, padeiro,  pedreiro, barqueiros – fazem transporte de pessoas da ilha de Mutucal à Abade e  vice-versa. Mesmo diante de outras alternativas de trabalho – embora de baixa  remuneração – e da grande atuação da pesca industrial, Piorski, Serpa e Nunes (2009) ressaltaram que ainda a pesca  artesanal continua sendo responsável por um elevado número de empregos nas comunidades  pesqueiras [provendo a sobrevivência de muitas famílias].  
       Sobre os aparatos pesqueiros, os  principais utilizados foram o curral (90,0%) e a rede (85,0%), em seguida, o anzol  (55,0%), a linha (45,0%) e o espinhel (35,0%). Sobre isso, na comunidade é  frequente a pesca de curral e de rede (malhadeira), as quais permitem a maior  captura de pescado. Porém, de modo geral, essas várias metodologias pesqueiras  podem ser utilizadas por um mesmo pescador, o que depende do tipo de pescado  que se deseja capturar, da sazonalidade das espécies e a necessidade de  aumentar a produção. De acordo com Capelesso e Cazela (2011), a diversidade de  artes de pesca decorre da adequação dos equipamentos às várias espécies-alvo,  favorecido pela presença de espécies migratórias e de grande importância socioeconômica  na região. 
       Em  Mutucal, os currais são fabricados de um a três por pescador, podendo ser de  três tipos: coração, enfia e cachimbo, com portes pequeno, médio e grande,  durante o ano todo, e sobretudo em períodos sazonais, sendo preparados na  entressafra de peixes mais visados pelo público consumidor justamente para  capturá-los durante a safra. Furtado et al. (2006), caracterizaram esta  atividade pesqueira em toda a Zona Fisiográfica do Salgado Paraense como: pesca  de beira, juntamente com as pequenas redes, puçás, tarrafas e linhas de mão, a  qual visa principalmente à subsistência; e como pesca de alto – também inclui  malhadeiras e espinheis -, ao se tratar dos currais de fora, localizados nas barras  arenosas (bancos) e cuja produção diversificada se destina à comercialização.
       Quanto  à produção das pescarias de currais, esta é destinada ao atravessador (70,0%), ao  comércio no mercado no Abade, em Curuçá, ou aos moradores da própria comunidade  (15,0%) e ao autoconsumo (15,0%), conforme os entrevistados. O que determina  o(s) destino(s) do pescado é principalmente a abundância das espécies,  caracterizando as diferentes formas de escoamento da produção; e quando a  quantidade capturada é diminuta, esta é direcionada apenas ao consumo da  família. Independentemente de o pescado ser repassado aos intermediários ou  vendido diretamente aos consumidores, de acordo com Alves, Gutjahr e Silva  (2015), é comum entre os pescadores da Amazônia a retirada de uma quantidade de  pescado - quinhão de boia – para a alimentação da unidade familiar.
       Em  relação à renda mensal dos pescadores entrevistados com base na comercialização  do pescado, verificou-se que o rendimento pode variar de uma quantia inferior a  um salário mínimo até aproximadamente 11 salários, mas a predominância foi de  indivíduos que obtêm ao mês R$ 5.000,00 (30,0%) e, em seguida, R$ 3.000,00  (20,0%) (Figura 2). Com base nisso, entendeu-se que o lucro da comercialização  do produto da pesca é bastante variável, o que depende principalmente da safra  de peixes de maior interesse econômico para os consumidores. Esta renda obtida  pode ser considerável para alguns e insuficiente para outros e, conforme  Furtado (1993), o lucro obtido pelos pescadores por meio deste tipo de comércio  é usado para a compra de produtos que necessitam e que não podem produzir.
              Para  este grupo de pescadores, o principal e mais comum uso de recursos vegetais,  neste caso, lenhosos e não-lenhosos, é a manufatura de currais. No entanto,  essas matérias-primas também podem ser utilizadas simultaneamente para outros  objetivos, conforme 45,0% dos informantes, como: confecção de cercados para os  quintais (n = 7), madeiramento de casas (n = 5) e construção de canoas (n = 1).  Em muitas populações tradicionais litorâneas os recursos vegetais são  utilizados para suprir necessidades, como: apetrechos agrícolas, pesqueiros e  para a caça, medicina caseira, construção de moradias (OLIVEIRA; POTIGUARA; LOBATO,  2006), o que consiste em estratégias de sobrevivência a partir da apropriação e  uso dos recursos disponíveis no ambiente.
       No que se  refere aos vegetais utilizados pelos informantes para a confecção dos currais,  registraram-se 20 espécies, sendo que as mais citadas foram: inajá (Attalea  maripa (Aubl.) Mart.) e bambu (Bambusa  vulgaris Schrad. ex J.C. Wendl),  ambos com 17 citações; caripé (Hirtella  racemosa Lam.) (n = 15); goiabinha (espécie não identificada) (n = 10); aracapuri  (Pogonophora schomburgkiana Miers ex  Benth.) e farinha seca (Lindackeria  paraensis Kuhlm.), ambos com sete citações, enquanto que as demais tiveram  frequência ≤5 (Tabela 2). O uso mais frequente de alguns vegetais pode ser em  razão da maior disponibilidade das referidas espécies ou por serem as mais  tradicionais para a produção do aparato. Em estudo na comunidade de Camará, em  Marapanim-PA, Furtado et al. (2006) ressaltaram a grande importância de  espécies vegetais para o cotidiano das comunidades, em particular, quanto às  madeiras utilizadas para os moirões, varas e cintas [estruturas do curral],  sendo que a tinteira (Laguncularia  racemosa), a siriúba (Avicencia germinas)  e o mangue vermelho (Rizophora mangle)  foram as mais usadas. No entanto, no presente estudo, verificou-se que em  Mutucal, somente um pescador citou a tinteira (Tabela 2).  
              Em  relação à percepção dos pescadores entrevistados sobre a falta desses recursos  vegetais para as atividades laborais, a maioria (90,0%) ressaltou o difícil  acesso às plantas nos dias atuais, conforme as falas: “está difícil encontrar esses recursos”, “tem que ir buscar mais longe na  ilha mesmo”, “...a gente consegue em outras comunidades”, “tem que comprar em  outras comunidades...tá mais complicado do que há quatro anos atrás”, “...já  não se encontra o tipo de vegetal próprio [para o curral], “algumas espécies já não se encontram mais”. Entretanto, alguns (10,0%) informantes afirmaram que ainda há recursos, pois “tem um limite para corte [da vegetação]”  e “...cresci vendo esse trabalho e ainda  não acabou a madeira”. Neste sentido, pode-se considerar que as percepções  sobre o meio e as consequências decorrentes de atividades antrópicas podem  variar de acordo com o grau de envolvimento do indivíduo com o ambiente onde  vive e atua.
       Quanto  ao problema supracitado, isto pode estar relacionado, principalmente, à falta  de medidas conservacionistas/preservacionistas, visto que a maioria desses  pescadores (75,0%) não tem o devido cuidado com os recursos manejados, o que,  entretanto, diferente dos demais (25,0%), tem-se as seguintes preocupações,  conforme suas falas: “deixamos crescer  por dois anos a área para tirar novamente”, “temos um limite de corte dos vegetais” e “esses vegetais só são  retirados quando estão maduros”. No entanto, vale ressaltar que entre os  primeiros informantes supramencionados, um deles afirmou: “temos a preocupação que possa se esgotar esse material”. Sobre  isso, nota-se que alguns indivíduos cuidam da natureza com pequenos atos,  embora seja indispensável uma ampla conscientização e ações mais incisivas do  Poder Público para a proteção e a preservação dos recursos naturais locais  (EVANGELISTA-BARRETO; DALTRO; PAIM, 2014).
       Ao  se tratar do Poder Público, em particular, sobre a problemática estudada, a  maioria dos entrevistados (65,0%) afirmou que o mesmo não é atuante no local,  mas mencionou ações esporádicas do Instituto Chico Mendes de Conservação da  Biodiversidade (ICMBIO), e 35,0% da amostra ressaltou o trabalho do ICMBIO: “...veio com a ideia de acabar com a atividade”,  “...já tentou intervir, mas não conseguiu”, “...já orientou os curralistas para  fazerem no máximo dois currais”, “...ele até fiscaliza, mas não traz  nenhuma medida de proteção”, “...fez o alerta  para não tirar mais [vegetação] ou  então vai acabar”. 
       Na  Resex-Mar Mãe Grande de Curuçá existem problemas que requerem um plano de  manejo, a fim de solucionar questões, como: o advento de novas atividades  pesqueiras, com a alocação de currais no meio do rio, de cercas e da pesca de  arraste, que tendem a diminuir o estoque natural, assim como o desmatamento da  mata ripária para a construção desses currais, causando erosão e assoreamento  (SOUZA, 2010). A comunidade local, com a fiscalização do IBAMA, é a principal  responsável pelo gerenciamento dos recursos naturais por meio desse plano de  manejo (Ibidem) e, para tanto, devem se articular e mobilizar para sanar tais problemas  vigentes.
       É  evidente que a prática predatória que vem extinguindo os recursos vegetais para  a atividade pesqueira decorre principalmente da falta de informação aos  pescadores, no que se refere à sensibilização quanto às consequências desses  atos e a disseminação de alternativas sustentáveis, pois se deve considerar que  as pessoas da comunidade têm na pesca artesanal a atividade que prover a  sobrevivência familiar, cujo impedimento deverá gerar problemas sociais. Dentre  eles, alterações ao modo de vida das comunidades humanas e a perda de muitos  conhecimentos tradicionais, se houver a substituição dessa atividade por outra. 
       Nesse  cenário, ações de Educação Ambiental (EA) que buscam equilibrar a relação  homem-ambiente estão intimamente ligadas a programas e projetos  (ZILLMER-OLIVEIRA; MANFRINATO, 2011). A EA induz à compreensão e desperta a  percepção do indivíduo para a importância de atos e costumes inerentes à  conservação e preservação ambiental (TEIXEIRA, 2007), além de ser uma forma de  manter o modo e o estilo de vida, principalmente de grupos extrativistas. Para  tanto, necessita-se, sobretudo, do maior envolvimento dos Órgãos Públicos quanto  à gestão e à fiscalização, em especial, à promoção da EA como instrumento  metodológico para a promoção da sustentabilidade socioeconômica e ambiental na  comunidade de Mutucal e na RESEX como um todo. 
              O  grupo de pescadores, alvo desse estudo, tem na pesca artesanal, de curral, a  principal atividade para prover o sustento da unidade familiar, por meio de  conhecimentos e habilidades assimilados no ambiente doméstico e de trabalho –  que é o rio/estuário. Da mesma forma, esses profissionais são importantes  componentes da cadeia produtiva pesqueira, cuja atividade gera trabalho, renda  e alimento, contribuindo com o abastecimento alimentar dos grupamentos humanos  e o fluxo econômico local e extralocal. 
       Estes  pescadores formam uma comunidade historicamente pesqueira, cuja maioria é nativa  de Curuçá, e que ali construiu suas famílias, em diferentes períodos de tempo,  apropriando-se e utilizando o território e os recursos naturais disponíveis,  com base em saberes e técnicas repassadas entre as gerações. Por esta razão,  merecem atenção especial do Poder Público e Gestores da Resex-Mar Mãe Grande,  uma vez que a escassez dos recursos vegetais utilizados no desenvolvimento da  pesca de curral afeta, e gradativamente interfere de forma negativa, o  cotidiano familiar e laboral dos pescadores, além das implicações ambientais  quanto à extinção local das espécies vegetais nativas.  
       Ações de Educação Ambiental precisam ser frequentes e  contundentes, visto que, em geral, os pescadores têm baixo grau de instrução  formal, poucos percebem as alterações do ambiente decorrentes de suas  atividades e as consequências decorrentes, tampouco estão preocupados em cuidar  do ambiente onde vivem e trabalham, principalmente por meio de manejo  sustentável. Sugerem-se estudos mais detalhados e aprofundados sobre a dinâmica  e impactos da pesca de curral e do uso da flora, a fim de subsidiar a gestão  socioambiental e a elaboração do plano de manejo da Resex, em consonância com a  população local.    
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*Biólogo, Mestre em Ciências Ambientais, Universidade do Estado do Pará. E-mail: raynon_alves@yahoo.com.br