Janaína Mara Soares Ferreira*
Centro Universitário UNA, Brasil
jana@drh.ufmg.br
RESUMO
Artigo resultante da dissertação de mestrado “Gestão do trabalho e assédio moral em uma instituição pública de ensino superior”, buscou verificar se o modelo de organização e gestão do trabalho de uma universidade pública federal em Minas Gerais contribuiu para a ocorrência do fenômeno conceituado como assédio moral. A pesquisa buscou identificar se a gestão social e a ergogestão podem se constituir como fatores relevantes para a prevenção de práticas de assédio moral. Para alcançar os objetivos propostos, realizou-se pesquisa bibliográfica, documental e empírica, qualitativa e quantitativa. Os principais resultados apontam para a confirmação de que a maioria dos indivíduos pesquisados alega ter sofrido algum tipo de assédio. Apontaram, ainda, para a existência de problemas na organização do trabalho como fator de existência da prática de assédio moral, o que levou a autora a pensar em proposições de intervenções a partir da ergologia como forma de minimizar o problema na instituição.
Palavras-chave: Assédio moral. Ergologia. Gestão do trabalho. Práticas de gestão.
ABSTRACT:
The article is a result from the master's thesis "Work management and moral harassment in an institution of higher education," which sought to verify whether the model of organization and management of a federal public university in Minas Gerais contributed to the occurrence of the phenomenon defined as moral harassment. The research sought to identify whether social management and ergomanagement can be considered as relevant factors for the prevention of practices of moral harassment. To achieve the proposed objectives, bibliographical, documentary and empirical, qualitative and quantitative research was pursued. The main results confirm that most of the individuals surveyed claim to have suffered some form of harassment. They also pointed to the existence of problems in the organization of work as a factor for the practice of moral harassment, which led the author to propose interventions from ergology as a way of minimizing the problem in the institution.
Keywords: Moral harassment. Ergology. Work management. Management practices.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Janaína Mara Soares Ferreira (2018): “Gestão do trabalho e assédio moral em uma Instituição Pública de Ensino Superior”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (marzo 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/03/ensino-superior.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1803ensino-superior
1 INTRODUÇÃO
O debate em torno do fenômeno assédio moral no mundo do trabalho é recente, embora a prática esteja presente desde os primórdios nas relações de trabalho, segundo Heloani (2004). A discussão da temática tomou corpo ao final do século XX, a partir dos estudos de Hans Leymann, na Suécia, e de Marie-France Hirigoyen, na França. No Brasil, a abordagem relativa aos temas relacionados ao assédio moral sobre os trabalhadores tornou-se mais frequente a partir do ano de 2003, com a publicação de um livro que é referência no país para os interessados no debate: Violência, saúde, trabalho: uma jornada de humilhações, resultante da dissertação de mestrado da médica paulista Margarida Barreto.1
De forma geral, o assédio moral tem sido conceituado como uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida que ocorre no ambiente de trabalho, e visa humilhar, desqualificar e constranger o trabalhador, costumando impactar a sua vida, por atingir a sua saúde mental. Autores como Freitas (2001); Guedes (2003); Aguiar (2006); Guimarães; Rimoli (2006); Vieira (2010); Freitas; Heloani; Barreto (2008); Soboll (2008), dentre outros, têm se dedicado ao estudo da temática, por percebê-la como importante fator para a compreensão das relações de trabalho nas organizações como motivo de adoecimento e absenteísmo.
Por ser uma temática multidisciplinar, que pode ser analisada a partir de abordagens em aspectos na vida profissional, familiar, pessoal, social, saúde psicossocial dos indivíduos, dentre outros, o assédio moral tem sido objeto de estudo em áreas que têm como foco a administração de empresas, recursos humanos, direito, saúde, comunicação, movimento social organizado e trabalhadores em geral, de acordo com Barreto e Venco (2011).
Todavia, entre os pesquisadores é recorrente o reconhecimento de que as causas do assédio moral se encontram, principalmente, na organização do trabalho, especialmente porque as empresas passam a exigir, cada vez mais, uma maior produção, com um menor número de trabalhadores. Barreto (2012)2 exemplifica:
O mundo do trabalho, em geral, é um ambiente que causa sofrimento psíquico, adoece e mata as pessoas. Não há garantias de permanência no emprego, existe uma elevada tensão para se produzir mais e gerar lucros. Essa exigência constante por maiores metas pode levar a transtornos mentais. Exigir metas faz parte da política de gestão das empresas, mas isto não pode ser desculpa para tratar o trabalhador de forma desumana, como se fosse objeto, extensão da máquina. Por isto, os que adoecem são vistos como gente que não quer trabalhar (BARRETO, 2012).
Na administração pública, os casos de assédio moral têm se multiplicado, segundo dados do Departamento de Saúde, Previdência e Benefícios do Servidor (DESAP), vinculado à Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH/MPOG), do ano de 2009. Sobre isto, Daian e Moreira (2010, p.5) informam:
No II Encontro Nacional de Atenção à Saúde do Servidor (Brasília/2009) houve indicativo da necessidade de se pesquisar mais sobre os agravos psíquicos advindos das pressões de trabalho, tais como exigência de desenvolvimento de novas competências, assédio moral, riscos ocupacionais, trabalho penoso e desprazeroso, abuso de drogas licitas e ilícitas. Sabe-se que as doenças decorrentes das condições de trabalho, associadas às pressões do mundo moderno, representam claros prejuízos para os recursos goveridntais e da iniciativa privada.
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), importante instituição integrante do sistema federal de educação superior brasileiro, com 90 anos de existência, é o ambiente de estudos da dissertação que deu origem a este artigo, por ser o local de atuação profissional desta autora, como também por reproduzir as mesmas condições da prática de assédio moral presentes em outras organizações públicas e privadas, em maior ou menor escala. Assim, a UFMG também se mostrou um local apropriado para se conhecer e identificar práticas de assédio, como também buscar a construção de soluções alternativas para a superação deste aspecto nefasto da gestão do trabalho.
Dessa forma, além de analisar as implicações das práticas de gestão do trabalho na UFMG na ocorrência do assédio moral, partiu-se da hipótese de que a introdução de práticas democráticas e participativas de gestão, com base nos princípios da Gestão Social e da Ergologia, poderia levar ao enfrentamento do problema e à construção de relações de trabalho e ambientes inovadores, apropriados ao bem-estar e à promoção da saúde do trabalhador.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Gestão do trabalho no setor público
A partir da década de 1930, duas lógicas de gestão podem ser identificadas no Estado brasileiro. A primeira, o patrimonialismo, marca original do desenvolvimento estatal no país, em que “o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real” (BRASIL, 1995, p.14). A segunda, de acordo com Secchi (2009), é um modelo burocrático weberiano em que imperam as ações de controle, as normatizações, a formalidade e a impessoalidade, que servem para controlar os agentes públicos, as comunicações, as realizações intraorganizacionais e da organização com o ambiente. Este modelo se distingue do patrimonialismo porque busca trazer para a gestão o ‘profissionalismo’, além de uma distinção rígida entre quem planeja e aquele que executa.
Desde os anos 1980, passa a ocorrer, na administração pública brasileira, uma reforma em que são introduzidas novas práticas e valores nas políticas de gestão pública, com origem nas políticas do setor privado, às voltas com a substituição do modelo taylorista-fordista pelos modelos integrados e flexíveis. Segundo Paula (2005a), novos modelos de administração pública são apresentados em substituição ao modelo burocrático então predominante.
A partir de 1990, outra vertente incorpora uma dimensão relacional e se configura no chamado movimento de governança pública que, de acordo com Secchi (2009), propõe um resgate da política dentro da administração pública, o que diminui a importância de critérios técnicos nos processos de decisão, além de reforço de mecanismos participativos de deliberação na esfera pública. As propostas de reforma da administração pública do período são simbólicas, em que “políticos e burocratas tentam manipular a percepção do público em relação ao desempenho do governo” (SECCHI, 2009, p. 348).
O discurso de reforma democrática do Estado, com ênfase na participação cidadã e em políticas públicas, visa conquistar a simpatia da população, mas na maioria das vezes não é colocado em prática. Destacam-se no período a vertente gerencial instituída na reforma do Estado brasileiro em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, e o modelo societal, implantado após 2005 no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para Paula (2005b), a administração gerencial e a societal são formas de organizar e administrar fundamentadas, respectivamente, no gerencialismo e na gestão social, que não se destinam a ‘organizar o Estado’, pois são tipos de regime político e de governo e não estão exatamente no campo da gestão pública.
A administração pública gerencial trata-se de um modelo normativo pós-burocrático para a estruturação e a gestão da administração pública, baseado em valores de eficiência, eficácia e competividade (PAULA, 2005a; 2005b; SECCHI, 2009; MACHADO, 2001).
Já a gestão social é uma inovação recente que corresponde aos processos baseados nas exigências da cidadania e da democracia. A introdução da participação como instrumento de governança cria oportunidades para se redefinir os significados de democracia e canais de interações entre sociedade civil e reforma goveridntal. Em linhas gerais, a gestão social abrange uma grande área de atividades que intervém em ações públicas, em resposta às necessidades e demandas dos cidadãos (BARROS; CASTRO, 2011; CARVALHO, 1999; MAIA, 2005; SCHOMMER; FRANÇA FILHO, 2010; SINGER, 1999; TENÓRIO, 2008; VASCONCELLOS; VASCONCELLOS, 2010).
De acordo com as análises de Paula (2005a, 2005b) e Secchi (2009), mesmo com as novas propostas de modelos de administração pública que vieram com a redemocratização do Estado brasileiro, seja na vertente gerencial ou societal, a função de controle continua sendo um elemento presente. Ainda que se identifique nos mesmos avanços em relação aos modelos tradicionais de caráter burocrático e patrimonialista, o autoritarismo permanece nas práticas de gestão nas várias instituições públicas.
2.2 Ergologia
A Ergologia é considerada pelos estudiosos como uma abordagem teórico-metodológica pluridisciplinar, por se apropriar do conhecimento de várias áreas, com o objetivo de compreender o trabalho no seu local de execução e, assim, poder intervir de forma a torná-lo melhor e mais adequado às pessoas que nele atuam.
Segundo Barone (2012, p.64), “a Ergologia entende que o sentido de conhecer o trabalho está na possibilidade de transformá-lo, e o meio para que isso seja possível é considerar o trabalho como atividade humana”. Para essa autora, a atividade do trabalho deve ser compreendida como espaço de gestão do trabalhador, em que ele deve atuar no sentido de trazer benefícios para si e para o outro. Na perspectiva de Barone (2012), o trabalho é compreendido pela Ergologia a partir de práticas sociais que se modificam e se atualizam constantemente, permeadas por fatores econômicos, políticos e sociais.
Na mesma perspectiva, Schwartz (2002, p.135) defende:
Toda atividade humana é sempre, e em todos os graus imagináveis entre o explícito e o não formulado, entre o verbo e o corpo, entre a história coletiva e o itinerário singular, o lugar de um debate incessantemente restaurado entre normas antecedentes a serem definidas a cada vez, em função das circunstâncias e processos parciais de renormalizações, centradas na entidade atuante e que remetem ao que chamamos de “lógicas a montante”.
Neste sentido, os estudos de Ergologia relacionados à questão do assédio moral foram peças importantes nesta pesquisa e na discussão posterior, uma vez que a Ergologia propicia uma análise do trabalho por meio da efetiva atividade, além de situar o trabalhador como protagonista na execução das tarefas que lhe são destinadas no ambiente laboral.
Em seus estudos, Schwartz (1996) expressa uma inquietação que, de certa forma, relaciona a importância do debate sobre os danos que o assédio moral pode causar à vida do trabalhador, em todos os seus aspectos. Ao apresentar uma discussão relacionada ao valor do trabalho e as pressões do mercado, ele alerta:
Mas onde se cultiva a saúde do corpo, a memória, onde se combate o descuido? Não temos dois corpos, um para “o trabalho” e outro para o “fora do trabalho”; é o mesmo corpo que enfrenta, experimenta-se, forma-se, gasta-se em todas as situações da vida social. (SCHWARTZ, 1996, p.152).
Para Alonso (2007), não há proteção para a saúde dos trabalhadores se não houver consciência precisa dos mesmos sobre a importância e o significado da saúde, como ela deve ser preservada e quais os equipamentos ou ações devem ocorrer para a sua proteção em seu local de trabalho.
Da década de 1960, segundo Vieira Júnior e Santos (2012), os trabalhos de Ivar Oddone, que buscava, junto ao Movimento Operário Italiano (MOI), estabelecer relações entre saúde e trabalho, influenciaram os atuais estudos de Ergologia. De acordo com o médico e ergonomista Alan Wisner, que se debruçou sobre o tema ‘trabalho prescrito e trabalho real’ e o conceito de atividade que deu bases para as atuais teorias da Ergologia, elas sofreram influência dos estudos de Canguilhem (2002 apud SAFATLE, 2011) sobre a filosofia das normas. Segundo esse autor, a doença é a produção de novas normas de ajustamento entre o organismo e o meio ambiente, apresentando a saúde e a doença diretamente relacionadas à possibilidade de o sujeito reconstruir as normas que lhe antecedem para enfrentar as adversidades do meio (CANGUILHEM, 2002 apud SAFATLE, 2011).
Para os ergologistas, o trabalho prescrito se distancia do trabalho real e é nesse intervalo que se produzem as renormalizações do trabalhador. Nelas, o trabalhador vive sua experiência singular, mobiliza seus conhecimentos para realizar sua atividade, reelaborando estratégias para atingir suas metas. De acordo com Rocha e Santos (2013), a ergogestão é uma proposta de Ergologia oriunda da problematização que esta abordagem faz do conceito e da experiência de trabalho e da atividade humana.
Assim, a perspectiva ergológica permite contribuir para desenvolver novas formas de gestão de trabalho para todos os envolvidos, contribuindo para ocupar as lacunas existentes em um ambiente que a cada dia se torna mais complexo e competitivo (BORGES, 2004; CUNHA, 2006; DURRIVE, 2007; SCHWARTZ, 2006; 2007; SOUZA, 2009).
2.3 Assédio moral
O assédio moral sempre esteve presente nas relações de trabalho, mas somente no final do século XX e início do século XXI foi nomeado e caracterizado como um problema articulado às relações que se estabelecem no trabalho. O progresso social, econômico e tecnológico e a consequente transformação do mundo do trabalho, por meio da reestruturação produtiva com adoção do modelo de acumulação flexível, flexibilização dos direitos trabalhistas, competitividade extremada e diminuição da representatividade dos sindicatos, dentre outros, contribuíram para o aumento da violência invisível e suas consequências, tais como o adoecimento do trabalhador e seus impactos na vida pessoal, profissional e na sociedade (BARRETO, 2011a; FREITAS; HELOANI, BARRETO, 2008; HELOANI, 2004; HIRIGOYEN, 2002; KEMMELMEIER, 2008).
A partir dos anos 1980, Heinz Leymann 3 foi o primeiro pesquisador a estudar o sofrimento no ambiente de trabalho e suas relações com a saúde. Para nomeá-lo, Leymann preocupou-se em caracterizá-lo e torná-lo passível de julgamento, segundo Freitas, Heloani e Barreto (2008, p.20), para quem “nomear o fenômeno era o primeiro passo para o seu conhecimento e intervenção”, e por isto a necessidade em qualificar essa prática violenta e nociva.
Para as autoras, os estudos de Leymann propiciaram a definição do mobbing ou, na denominação em português, assédio moral:
[...] um processo no qual um indivíduo é selecionado como alvo e marcado para ser excluído, agredido e perseguido sem cessar por um indivíduo ou um grupo no ambiente de trabalho. Essa perseguição pode vir de um colega, um subordinado ou de um chefe. Ela é geralmente iniciada por algum desacordo não expresso com a vítima, que passa a ser objeto de preconceito, classificada como ‘uma pessoa difícil’, incômoda e com quem é impossível conviver, portanto, sendo necessário livrar-se dela (LEYMANN, 1996 apud FREITAS; HELOANI; BARRETO, 2008, p.19).
O assédio moral é caracterizado também por Hirigoyen (2002, p.17) como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude), que “atente por sua repetição ou sistematização contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”. A autora é uma pesquisadora francesa que, na década de 1990, destacou-se em produzir trabalhos que associavam o assédio moral aos adoecimentos físicos e psíquicos decorrentes da violência nas relações de trabalho.
De acordo com Hirigoyen (2002), há diferentes tipos de assédio moral, que pode se manifestar como ‘assédio vertical descendente’, praticado pela chefia ou pelo gestor para com o subordinado ou contra um coletivo; ‘assédio vertical ascendente’, praticado por um subordinado ou mais de um para com a chefia; ‘assédio horizontal’, aquele que ocorre entre colegas de trabalho no mesmo cargo ou função. Existe, ainda, conforme Hirigoyen (2002, p.114), o ‘assédio misto’, uma forma bem particular: “é raro um assédio horizontal duradouro não ser vivido, depois de algum tempo, como assédio vertical descendente, em virtude da omissão da chefia ou superior hierárquico, que é ou se torna cúmplice”.
No Brasil, somente no ano de 2000 iniciou-se o debate mais aprofundado sobre a temática, a partir dos trabalhos realizados pela médica e professora da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) Margarida Barreto. Para Barreto (2011a), o assédio moral é definido como sendo a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. Segundo a autora, tais situações são mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes, dirigidas ao subordinado, e que desestabilizam a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-a a desistir do emprego.
Corroboram, ainda, tais conceitos, as caracterizações do termo que definem o assédio moral como perseguição deliberada, explicável, em última instância, por aspectos estritamente individuais (TEIXEIRA, 2011; ZIMMERMANN, SANTOS, LIMA, 2011).
É no ambiente organizacional, de grandes e rápidas mudanças, que o assédio moral aflora e atinge não só o indivíduo, mas também as organizações, a sociedade e o Estado (FREITAS, HELOANI e BARRETO, 2008). Ele relaciona-se, portanto, aos modelos implementados, à transformação no mundo do trabalho e à reestruturação produtiva, em que são exigidas metas a serem alcançadas e regulamentos e normas a serem seguidos. Qualquer quebra nesse protocolo pode gerar perseguição, humilhação, vexação e demissão.
Assim, tendo em vista o caráter subjetivo do assédio, os pesquisadores tentam objetivá-lo para que tanto o indivíduo assediado quanto a organização possam lidar com esse fenômeno caracterizado como violência. De acordo com Ferraz (2009), para ser caracterizado o assédio moral é preciso haver intencionalidade, direcionalidade, repetitividade, temporalidade e degradação deliberada das condições de trabalho.
Gritar, insultar ou subjugar a vítima quando se encontra sozinha ou em presença de outras pessoas.
Delegar objetivos, tarefas ou projetos com prazos inalcançáveis ou impossíveis de cumprir.
Deslocar a vítima de suas responsabilidades para tarefas rotineiras e desinteressantes, ou mesmo não lhe delegar nenhum trabalho.
Ignorar ou excluir a vítima, falando somente com uma terceira pessoa presente, simulando a não existência dela ou sua ausência física.
Reter informações cruciais para o trabalho ou manipular para induzir a vítima ao erro no desempenho de suas tarefas, e posteriormente acusá-la de negligência ou faltas profissionais.
Espalhar pela empresa rumores maliciosos ou caluniosos que menosprezam a reputação da vítima, sua imagem e seu profissionalismo.
Desvalorizar ou não valorizar o esforço realizado, mediante a negativa de reconhecer que um trabalho está bem feito ou a renúncia em avaliar periodicamente o trabalho da vítima.
Ignorar os êxitos profissionais ou atribuí-los maliciosamente a outras pessoas ou a elementos externos à vítima, como a causalidade, a sorte, a situação do mercado etc.
Criticar continuamente o trabalho da vítima, suas ideias, suas propostas, suas soluções etc., por meio de piadas, caricaturas ou paródias.
Criticar duramente qualquer tomada de decisão ou iniciativa pessoal no desempenho do trabalho como uma falta grave ao dever de obediência hierárquica.
Ridicularizar o trabalho da vítima, suas ideias e os resultados obtidos diante dos demais trabalhadores.
Contagiar outros companheiros a participar de qualquer das ações acima mencionadas mediante persuasão, coação ou abuso de autoridade.
Invadir a privacidade da vítima intervindo em seu correio, seu telefone, revisando seus documentos, armários, arquivos etc., subtraindo maliciosamente elementos-chave para seu trabalho.
4
2.4 Gestão do trabalho e adoecimento
De acordo com Barreto (2012), as causas do assédio moral se encontram na organização do trabalho, em que as empresas passam a exigir cada vez mais produção, com menor número de trabalhadores, podendo causar sérios danos à saúde do trabalhador. Para essa autora, de forma geral, este ambiente de trabalho opressor favorece o aparecimento de sofrimento psíquico e transtornos mentais. Como não há garantia de permanência no emprego, existe uma elevada tensão para se produzir mais e gerar mais lucros, levando a um acúmulo que origina descompensações na saúde ou mobiliza as estratégias defensivas, que têm a função de evitar a doença (SOBOL, 2008).
Segundo esse autor, o processo de adoecimento está ligado à dinâmica intersubjetiva da identidade no trabalho. Existe uma sutileza por trás do assédio moral que, no início, parece ser inofensivo, mas vai se intensificando até que o trabalhador entra em processo de adoecimento e em crise de identidade, uma vez que o outro já não o identifica como sujeito e ele não mais consegue se enxergar em suas tarefas. O sentido do trabalho se perde e a realização de si mesmo passa a dar lugar ao sofrimento (SOBOL, 2008).
Segundo Lucca (2017) a falta de suporte social, como o apoio e solidariedade dos colegas de trabalho, o esgotamento dos recursos individuais de resistência e defesa ao sofrimento, na ausência de instrumentos de defesa coletiva poderá desencadear o adoecimento, manifestado em quadros psicopatológicos diversos, desde os chamados transtornos de ajustamento ou reações ao estresse, transtornos pós-traumáticos e até depressões graves e incapacitantes, variando segundo as características do contexto da situação e do modo do indivíduo responder a elas.
Freitas, Heloani e Barreto (2008) afirmam que um dos grandes vilões no ambiente laboral é o formato em que se encontram, hoje, as organizações, pois na medida em que se fundamentam exclusivamente no aspecto econômico, quebram as relações e o contrato de trabalho.
De acordo com Lucca (2017), a conjunção de contextos locais e internacionais da economia, no capitalismo globalizado e neoliberal, pressiona os governos locais a reduzir a oferta de empregos e precarizar os postos de trabalho na forma de flexibilização dos contratos de trabalho em relação aos direitos trabalhistas, e na redução da proteção social para a força de trabalho, além de aumentar o desemprego e a insegurança.
Ainda, com a forma de gerir do Estado, das organizações e das empresas de um lado, e do outro os trabalhadores amedrontados com a ameaça de perda do emprego, a desumanização no ambiente do trabalho, a violência e o individualismo devido à competição acirrada, define-se uma nova organização do trabalho em que a luta pelo emprego e pelo reconhecimento pode favorecer todos os tipos de comportamentos reprováveis que, em escala ampliada, podem atingir o comportamento organizacional como um todo.
De acordo com as autoras, as novas formas de gestão cobram o aumento da produtividade e da jornada de trabalho, a dedicação integral, o acúmulo de funções e de responsabilidades no ambiente laboral. Ao mesmo tempo, observa-se a redução do diálogo e da cooperação individual ou coletiva, a precarização na condição de trabalho, a violência nas relações e, com isso, a intensificação do assédio moral.
Esse novo modelo de gestão do trabalho, presente em grande parte das organizações, na iniciativa pública ou privada, acaba deixando de lado a preocupação com os valores humanos e sociais. As empresas privadas passaram a ser vistas como o modelo organizacional por excelência, a ser seguido por outros tipos e formatos organizacionais, independentemente de sua finalidade última (FREITAS; HELOANI, BARRETO, 2008).
Tendo em vista o caráter subjetivo do assédio, de ordem psicossocial, muitas vezes é difícil de ser evidenciado, só sendo percebido quando se transforma em doença. E, não raro, isso demora a acontecer. Por isto, pesquisadores como Ferraz (2009) tentam objetivá-lo para que tanto o indivíduo assediado quanto a organização possam lidar com esse fenômeno caracterizado como violência.
De acordo com esse autor, a gravidade e as consequências do assédio moral vão depender do tempo que o trabalhador ficará exposto ao sofrimento e da vulnerabilidade de cada indivíduo na sua singularidade. E como as práticas de assédio costumam ser prolongadas, o organismo se esgota e as doenças psicofísicas e sociais se manifestam.
Constata-se, dessa forma, que o assédio moral e, em consequência, o adoecimento do trabalhador, tem como causa a condição de trabalho e a forma de organizar e administrar uma empresa, especialmente naquelas em que imperam as competições desleais, invejas, ciúmes, exclusões, intrigas, zombarias, entre outros aspectos do mundo do trabalho contemporâneo.
4 METODOLOGIA
Resultante de uma pesquisa exploratório-descritiva, os estudos desenvolvidos neste trabalho deram uma visão geral do fato ou fenômeno abordado, segundo Oliveira (2007). Foi apresentado o perfil de grupos específicos de trabalhadores, buscando a descrição das características do fenômeno estudado e o estabelecimento de relações entre variáveis, de acordo com Gil (2010).
No estudo, buscaram-se as manifestações de trabalhadores da Unidade Y da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a respeito do fenômeno do assédio moral na sua articulação com as práticas de gestão do trabalho, compondo-se de pesquisa bibliográfica, documental e empírica.
Documentos variados foram utilizados na pesquisa documental, entre eles os referentes aos seminários como: Relatório Final da Conferência Nacional de Recursos Humanos da Administração Pública Federal; Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal; Catálogo de Experiência em Vigilância e Promoção à Saúde na Administração Pública Federal; Documento de Princípios, Diretrizes e Ações em Saúde Mental na Administração Pública Federal, e, ainda, atas de reuniões de congregação e processos administrativos.
O cenário da pesquisa foi a Unidade Acadêmica Y da UFMG, instituição pública de ensino superior, mantida pela União. Essa instituição, quase centenária, é considerada referência para o país e possui em torno de 7 mil servidores efetivos e ativos, sendo cerca de 2.800 docentes e 4.300 técnico-administrativos. A Unidade Acadêmica Y originou-se em 1969 e é bem conceitua, tanto no âmbito nacional como internacional. Possui 400 trabalhadores ativos em seu quadro funcional, entre técnico-administrativos, docentes e terceirizados, com grande diversidade de cargos e funções.
A pesquisa empírica permitiu coletar dados diretamente com os trabalhadores da UFMG, com vistas a se conseguir informações e/ou conhecimento acerca do problema, procurando-se uma resposta e/ou a descoberta de novos fenômenos e as relações entre eles.
Os sujeitos da pesquisa foram os trabalhadores técnico-administrativos da Unidade Y, da UFMG. Eles constituem uma diversidade funcional composta, aproximadamente, de 150 trabalhadores em várias funções e cargos, distribuídos em diversos departamentos, recém-admitidos ou não, encontrando-se distribuídos em cargos do nível fundamental até o superior, dentre eles jardineiro, copeiro, porteiro, telefonista, auxiliar de laboratório, auxiliar administrativo, técnico de laboratório, técnico em química, técnico em informática, assistente administrativo, administrador, biólogo, químico, analista de sistema, bibliotecário, jornalista. Importa informar que existem, na Unidade Y, três categorias de chefias: a categoria de técnico-administrativos, a dos docentes e a terceirizada.
A Unidade possui, ainda, em sua estrutura grande número de departamentos, colegiados, laboratórios, além de núcleos de pesquisa, biblioteca, centro de extensão e vários setores administrativos. Essa estrutura e composição, representativas do perfil geral da UFMG, foram os critérios observados para a sua escolha como unidade empírica da pesquisa.
O instrumento de pesquisa utilizado para coletar os dados foi o Negative Acts Questionnaire – NAQ –, aplicado a todos os trabalhadores que desejaram participar da pesquisa, composto de dados sociodemográficos e outras duas questões.
O questionário foi traduzido e adaptado para a língua portuguesa. O NAQ apresenta 22 atos negativos para os entrevistados responderem com que frequência foram submetidos, nos últimos 6 meses, fazendo uso de escala Likert (nunca, de vez em quando, mensalmente, semanalmente, diariamente) (GONÇALVES, 2006, p. 47).
O questionário, que possui questões fechadas e abertas, tem sido usado nas pesquisas de assédio moral por possibilitar a identificação de comportamentos negativos diretos (explícitos) e indiretos (sutis), sem se referir, num primeiro momento, ao termo assédio moral. Depois das perguntas fechadas, o questionário apresenta uma definição de assédio moral. As pessoas que afirmaram ter sofrido assédio moral responderam no final do NAQ às questões nº 24 e nº 255 , que dizem respeito a quem assediou, a frequência, a quantidade de agressores e outros atos negativos que o respondente queira completar e/ou que não foram contemplados no questionário.
Os questionários foram distribuídos para 150 trabalhadores da Unidade Y, e foram devolvidos 52 questionários. Os dados coletados foram analisados no software SPSS versão 15.0. Iniciou-se pela descrição dos dados por meio de frequências absolutas e porcentagens na etapa de caracterização para as variáveis qualitativas nominais e ordinais. Para as variáveis quantitativas, calcularam-se média e desvio-padrão. Os dados finais foram apresentados em tabelas-resumo.
5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
A pesquisa revelou a existência de trabalhadores que se sentiram assediados moralmente tanto na frequência ocasional, quanto na regular, em porcentagens que variam de acordo com cada comportamento negativo.
Quanto aos comportamentos negativos relativos aos problemas vivenciados pelos trabalhadores, os assinalados com maior frequência pelos participantes da pesquisa foram: retenção de informação; ser obrigado a realizar trabalho abaixo do seu nível de competência; ser alvo de gritos e agressividade; ter seu ponto de vista ignorado; ser solicitado a executar tarefas despropositadas; e, ainda, ser exposto à carga de trabalho excessiva.
No que se refere às principais causas que configuram o assédio moral na instituição pesquisada, não se pode ter uma conclusão definitiva. Uma das possíveis causas foi a existência de um problema estrutural no estilo de organização do trabalho.
Ao realizar a análise dos dados, foi possível aferir que, apesar de o questionário NAQ não permitir dizer que há práticas de assédio constante, uma vez que 22 perguntas 15 tiveram respostas “nunca” para mais de 60% dos respondentes, algumas respostas foram mais destacadas, confirmando o assédio moral, para alguns comportamentos negativos específicos.
Para se verificar os comportamentos negativos, dividiram-se as frequências em dois grupos: os que corresponderam ao assédio ocasional, quando era assinalada a frequência “de vez em quando” e “mensalmente”, e os que eram assediados regularmente, o que correspondia às frequências “semanalmente” e “diariamente”.
As perguntas mais assinaladas na frequência ocasional foram em relação à retenção de informação; realização de trabalho abaixo do nível de competência; serem alvos de gritos e agressividade; e pontos de vista e opiniões ignorados. Já os que se sentiram assediados regularmente apontaram, com maior frequência: terem sido obrigados a realizar trabalhos abaixo do nível de competência; serem ignorados, excluídos ou “colocados na geladeira”; terem tido sua opinião e ponto de vista ignorados; serem solicitados a executar tarefas despropositadas; e serem expostos a carga excessiva de trabalho.
Outro dado obtido, e que pode indicar, inclusive, que há um problema na organização do trabalho, foi que 51,8% dos respondentes se sentiram assediados pelas chefias e, na maioria dos casos, por dois a três agressores. Ainda chamam a atenção àqueles que foram assediados por mais de cinco agressores.
Percebem-se, também, diferenças nos respondentes quando consideradas escolaridade e função de liderança ou participação política sindical. Aqueles que possuíam especialização ou stricto sensu se sentiram mais assediados do que os com menor escolarização. Já os que não exerciam função de liderança foram mais assediados se comparados aos que exerciam.
No que se refere à questão da gestão do trabalho, que correspondeu à questão aberta, verifica-se que na Unidade Y há um problema estrutural na organização do trabalho e que também existe abuso de poder, mas não se pode confirmar que se trata de um comportamento generalizado.
5.1 A perspectiva ergológica no combate às práticas de assédio moral
Os dados apresentam a existência de assédio tanto ocasional, quanto regular, bem como o sutil e o escancarado na atividade de trabalho na Unidade Y, fatores estes que necessitam ser solucionados. E, tratando-se de assédio moral, que é justamente, inferiorizar, humilhar e vexar o outro, a melhor forma de combatê-lo pode ser na gestão social participativa, baseada na perspectiva ergológica. Entende-se ser necessário permitir que o trabalhador participe do processo de elaboração de tarefas e nas decisões, privilegiando-se o diálogo constante e, ainda, o respeito ao saber e à subjetividade do outro.
Do ponto de vista da Ergologia, o trabalhador não participa do processo de elaboração de atividades, já que o conceito ergológico de atividade significa a manifestação do sujeito no seu fazer. Ele pode participar da elaboração de tarefas, do prescrito. Pode-se dizer que na Unidade Y, de certa maneira, tem sido utilizado por alguns o poder por meio dos atos negativos como instrumento de coerção. O efeito que esse tipo de ação causa é negativo, não apenas para a vida pessoal e laboral daquele que se sente vítima, mas também para a vida da própria instituição. Além dos prejuízos sociais e econômicos que podem ocorrer na organização, de acordo com a gravidade e a frequência do abuso do poder, também pode contribuir com a degradação tanto da imagem da instituição quanto dela própria, se não houver um olhar diferenciado para o fenômeno.
Pode-se dizer, portanto, que há um problema estrutural no tipo de organização do trabalho na UFMG, de acordo com a amostra. Esse problema se reflete nos relatos dos trabalhadores que se sentem agredidos, tanto de maneiras mais sutis quanto escancaradamente e vem corroborar a necessidade urgente de mudanças políticas organizacionais que a UFMG deve discutir e incorporar em sua gestão.
A gestão social com a perspectiva ergológica é uma abordagem que se sugere nesta pesquisa, mas buscar uma aproximação entre a gestão social e ergogestão depende de toda uma conjuntura capaz de efetivar o potencial desta aproximação.
Tenório (2008) argumenta que a gestão social pode ocorrer em qualquer sistema social, desde que adotados alguns de seus pressupostos. Ou seja:
[...] o processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não-goveridntais). O adjetivo social qualificando o substantivo gestão será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação. (TENÓRIO, 2008, p.49, grifos do autor).
Considerando, então, que “todos têm o direito à fala”, pode-se pensar que a gestão social conectada a uma metodologia de ergogestão, na qual o trabalhador é o protagonista da ação, reforça o que seria uma adequada administração pública com a incorporação dos pressupostos da ergologia.
A gestão social, considerando-se a intersubjetividade e a dialogicidade necessárias ao desenvolvimento da cidadania no espaço público (TENÓRIO, 1998), contribuiria para que o gestor de uma instituição pública de ensino superior fosse capaz de reconhecer, de forma mais precisa, como ocorre o desenvolvimento do trabalho e as necessidades de interação entre os sujeitos, interações estas que precisam ser objetos de debates, políticas e decisões mais colegiadas.
Reconhece-se, porém, que esta conexão não ocorre de maneira fácil na prática do dia a dia, pois percebe-se que muito ainda deve ser feito para uma gestão dialógica e deliberativa de decisões na definição, no planejamento e na execução do trabalho, em especial, nas universidades, posto que as regras e normas que norteiam a administração pública muitas vezes apresentam caráter próprio, específico e limitador.
Entretanto, vale ressaltar as dificuldades da adoção de uma concepção de gestão social, pois significa quebra de paradigmas, tendo como um de seus fundamentos a ergogestão. Compreende-se que não haverá, num primeiro momento, avanços efetivos e rápidos no que diz respeito às ações comunicativas e dialógicas, bem como às relacionadas aos debates críticos e intersubjetivos, apesar de, inicialmente, poder-se contribuir para uma ampliação da relevância das dimensões individuais no processo gerencial público, pois a mudança de cultura requer tempo e persistência.
Reconhece-se, portanto, o potencial positivo e benéfico que representaria a adoção de uma gestão social dentro de uma perspectiva ergológica, em que tanto os saberes constituídos quanto os da experiência poderiam ser considerados na atividade humana do trabalho. E é na atividade do trabalho que se colocam questões como a saúde, a comunicação, a competitividade e, também, o fenômeno do assédio moral. A universidade é um espaço no qual as crises fazem parte do seu cotidiano e não é possível entender crises apenas como fatos negativos.
Para gerenciar essas crises, faz-se necessário, em primeiro lugar, que haja condições mínimas para a realização do trabalho, conhecimento da atividade e busca pela sua transformação. Com base nos pressupostos da ergogestão, entende-se que o gestor ou chefe tem que saber mais sobre as tarefas que são executadas e solicitadas, bem como estimular e participar de debates e discussões sobre o serviço que é feito em seu local de trabalho e na instituição como um todo.
Reportando-nos a Tenório (2008, p. 49, grifos do autor), temos uma confluência entre o que o autor diz sobre gestão social e ergogestão, pois ele afirma a necessidade de uma gestão que se preocupe com um “fazer com e não um fazer para”.
A ergogestão exige uma aproximação do gestor com a atividade, compreendendo-a como um debate sobre as normas e valores, um contínuo renormalizar, renormatizar (fazer com e não apenas fazer para). Dessa forma, talvez a maior dificuldade seja a ausência de uma sistematização de como pôr em prática tanto a gestão social, quanto a ergogestão, especialmente em uma instituição ainda tão fechada para o diálogo.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo é resultante de uma dissertação de mestrado que teve como objetivo verificar se o modelo de organização e gestão do trabalho de uma universidade pública federal em Minas Gerais contribui para a ocorrência do assédio moral no ambiente laboral, e se uma das consequências do assédio seria o aumento do adoecimento e absenteísmo dos trabalhadores. O estudo verificou também se a gestão social e a ergogestão podem se constituir como fatores relevantes para a prevenção de práticas de assédio moral.
Os dados apontaram que que 38,5% dos respondentes à pesquisa são assediados. A amostra também indica que a maioria dos entrevistados foram assediados pelas chefias (51%) e por colegas de mesma hierarquia (21%). Constatou-se também que homens e mulheres igualmente se declararam assediados. Em relação à escolaridade, inferiu-se que os que mais se sentem assediados são os que possuem maior escolarização (especialização ou stricto sensu). De maneira geral, demonstrou-se que aqueles que não exercem função de liderança são mais assediados, se comparados aos que a exercem.
Entre os fatores revelados na dinâmica do assédio, é possível identificar a influência da cultura organizacional nas práticas de ações agressivas contra subordinados, colegas ou superiores. As políticas de gestão são, também, alguns dos componentes organizacionais que possibilitam a incidência de tais práticas. Assim, é importante ressaltar a gestão social e a ergogestão como alternativas possíveis para diagnosticar, prevenir e combater o assédio moral no trabalho. A constatação é de que, no âmbito da unidade estudada, há poucas propostas de diagnóstico organizacional, e pouco destaque à identificação de riscos psicossociais e outras doenças. Tais percepções vêm ao encontro das conclusões de outros estudos, que apontam situações semelhantes em grande parte das organizações brasileiras, públicas e privadas.
No estudo foi possível identificar variáveis organizacionais que propiciam práticas de assédio. Nas propostas de prevenção, a gestão social e a ergogestão são algumas das sugestões de intervenção para modificar a cultura organizacional e coibir práticas de assédio, evitando assim sua naturalização no ambiente de trabalho. Ainda, é possível afirmar a necessidade de um maior número de investigações a respeito do assédio moral, como objeto de pesquisas em instituições públicas, em especial em organizações públicas educacionais, tendo em vista sua repercussão nas relações de trabalho e na sociedade em geral.
A gestão do trabalho e o assédio moral possuem suas complexidades e apresentam divergências entre os estudiosos em alguns aspectos, inclusive na concepção, indicando que existem muitas maneiras de explorar a questão com os dados aqui apresentados. Pelo limite de tempo para elaboração da pesquisa da dissertação que deu origem a este artigo, não foi possível alcançar integralmente o objetivo específico, qual seja, “identificar as principais causas que configuram o assédio moral na instituição estudada”. Entretanto, pretende-se não perder de vista a possibilidade da continuidade desta pesquisa, buscando-se levantar dados sobre como a organização de trabalho na instituição influencia as práticas de assédio moral e como são enfrentados os comportamentos negativos que levam ao adoecimento e ao afastamento temporário ou definitivo do trabalhador.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, A.L.S. Assédio Moral: o direito à indenização pelos maus tratos e humilhações sofridos no ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2006.
ALONSO, A. C. (Org.). El modelo obrero. In: La salud no se vende ni se delega, se defiende. Madrid: GPS, 2007. Disponível em: <http://bit.ly/1f29vUa>. Acesso em: 10 ago. 2013.
BARONE, A. M. V. B. A inserção do psicólogo na política de assistência social: uma análise da atividade de trabalho do psicólogo nos centros de referência da assistência social. 2012. 156f. Dissertação (Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local) – Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, 2012.
BARRETO, M. Assédio moral: violência psicológica que põe em risco a sua vida. 3. ed. São Paulo: Sindicato dos Químicos de São Paulo, 2011a.
BARRETO, M. Entrevista dada a UNICIDADE CTB SINDICAL – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. Disponível em: <http://www.portalctb.org.br/unicidadesindical/index.php/2012-02-27-12-54-21/39-assedio-moral-a-origem-esta-na-organizacao-do-trabalho>. Acesso em: 13 mar. 2012.
BARRETO, M.; VENCO, S. Da violência ao suicídio no trabalho. In: BARRETO, M.; BERENCHETEIN NETTO, N.; PEREIRA, L. B, (Orgs.). Do assédio moral à morte de si: significados sociais do suicídio no trabalho. São Paulo: Matsunaga, 2011. p. 221-248.
BARROS, A. A.; CASTRO, C. H. S. Gestão social e gestão pública no desenvolvimento local. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL, 5., 2011, Florianópolis. Anais...Florianópolis: ENAPEGS, 2011.
BORGES, M. E. S. Trabalho e gestão de si: para além dos “recursos humanos”. Caderno de Psicologia Social do Trabalho, v. 7, p. 41-49, 2004.
BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CÂMARA DA REFORMA DO ESTADO. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: novembro de 1995. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 15 set. 2012.
CARVALHO, M. do C. B. Alguns apontamentos para o debate. In: RICO, E. de M.; RAICHELIS, R. (Orgs.). Gestão social:uma questão em debate. São Paulo: Educ/IEE/PUCSP, 1999. p. 19-29.
CUNHA, D. M. A atividade humana e a produção de saberes no trabalho docente. Belo Horizonte: FaE/UFMG, 2006. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/6898497/CUNHAAtividade-humana-e-producao-de-saberes-no-trabalho-docente>. Acesso em: 1 set. 2013.
DAIAN, M. R.; MOREIRA, M. S. G. Reflexões psicossociais sobre a saúde do servidor público. Revista Circuito da Saúde no CEFET-MG: debate sobre o bem estar do servidor. 2010. Disponível em: <http://www.cgdrh.cefetmg.br/noticias/2010/08/Circuito_da_Saxde_Nx_1-_2010.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011.
DURRIVE, L. Trabalho e ergologia. In: SCHWARTZ, Y.; DURRIVE, L. (Orgs.). Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói: EduFF, 2007. p. 25-46.
FERRAZ, A. M. S. Assédio moral no trabalho: relações com bases de poder do supervisor, autoconceito profissional, e satisfação no trabalho. 2009. 151 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Aplicada) – Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2009.
FREITAS, M. E. de. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. Revista de Administração de Empresas,São Paulo, v.41, n.2, p.8-19, abr/jun. 2001.
FREITAS, M. E. de; HELOANI, R.; BARRETO, M. Assédio moral no trabalho. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
GONÇALVES, R. C. O assédio moral no Ceará: naturalização dos atos injustos no trabalho. 2006. 109 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Centro de Ciências Humanas, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2006. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/GONCALVES_R.C._O_assedio_moral_no_Ceara.pdf>. Aceso em: 10 dez. 2017.
GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
GUIMARÃES, L.A.M.; RIMOLI, A. O. “Mobbing” (assédio psicológico) no trabalho: uma síndrome psicossocial multidimensional. Pscicologia: teoria e pesquisa, v.22, p.183-192, maio/ago. 2002.
HELOANI, J. R. M. Assédio moral: um ensaio sobre a expropriação da dignidade no trabalho. RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, art. 10, jan./jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/raeel/v3n1/v3n1a12.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2011.
HIRIGOYEN, MF. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
KEMMELMEIER, C. S. Assédio moral na atividade docente em instituições de ensino superior: uma abordagem jurídica. In: SEMINÁRIO DA REDESTRADO: NOVAS REGULAÇÕES NA AMÉRICA LATINA, 7., 2008, Buenos Aires. Anais... Buenos Aires: Redestrado, 2008. CD-ROM.
LUCCA, S. R. de. Saúde, saúde mental, trabalho e subjetividade. R. Laborativa, v. 6, n. 1 (especial), p. 147-159, abr./2017. Disponível em: < http://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa.>. Acesso em: 20 dez. 2017.
MACHADO, G. et al. A gestão pública: desafios e perspectivas. In: VALENTE, A. Governo empreendedor e Estado: rede na gestão pública brasileira. Salvador: FLEM, 2001.
MAIA, M. Gestão social: reconhecendo e construindo referenciais. Revista Virtual Textos & Contextos, n. 4, dez. 2005.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
OLIVEIRA, M. M. de. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis: Vozes, 2007.
PAULA, A. P. P. de. Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão social. Revista de Administração de Empresas-ERA, São Paulo, v. 45, n. 1, jan./mar. 2005a.
PAULA, A. P. P. de. Tréplica: comparação possível. Revista de Administração de Empresas-RAE, São Paulo, v. 45, n. 1, jan./mar. 2005b.
ROCHA, C. A. R.; SANTOS, H. H. Uma perspectiva de gestão social e ergogestão: pontos de interseção. In: GESTÃO social, educação e desenvolvimento local: instrumentos para a transformação social. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
SAFATLE, V. O que é uma normatividade vital? Saúde e doença a partir de Georges Canguilhem. Sci. stud., São Paulo, v. 9, n. 1, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1678-31662011000100002&script=sci_arttext>. Acesso em: 10 ago. 2013.
SCHOMMER, P. C.; FRANÇA FILHO, G. C. A metodologia da residência social e a aprendizagem em comunidades de prática. NAU - Revista Eletrônica da Residência Social do CIAGS/UFBA, Salvador, v. 1, n. 1, p. 203-226, jun./nov. 2010.
SCHWARTZ, Y. Entrevista: Yves Schwartz. Trabalho, Educação e Saúde, v. 4, n. 2, p. 457-466, 2006.
SCHWARTZ, Y.; DURRIVE, L. Trabalho e ergologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2007.
SECCHI, L. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de Administração Pública-RAP, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, p. 347-369, mar./abr. 2009.
SINGER, P. Alternativas de gestão social diante da crise do trabalho. In: RAICHELIS, R. Gestão social: uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1999. p. 55-66.
SOBOLL, L.A.P. Assédio Moral Organizacional: uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa do Psicológo, 2008.
SOUZA, W. F. de. Gestão em Saúde, uma perspectiva ergológica: com quantos gestos se faz uma gestão. 2009. 306 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – UFRJ, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=154791>. Acesso em: 25 out. 2013.
TEIXEIRA, R. Assédio moral nas organizações. Dísponível em: <http:www.assediomoral.net/publicações/Assedio%20Moral%20nas%20Organizacoes%(Rodilon%20Teixeira).pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017.
TENÓRIO, F. G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. Revista de Administração Pública-RAP, Rio de Janeiro, v. 32, n. 5, p. 7-23, set./out. 1998.
TENÓRIO, F. G. (Re)Visitando o conceito de gestão social. In: SILVA, J. et al. (Orgs.). Gestão social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2008.
VASCONCELLOS, M.; VASCONCELLOS, A. M. A. Gestão participativa, parceria e conflitos por poder no contexto de programas para o desenvolvimento local na Amazônia. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL, 4., 2010, Lavras. Anais...Lavras: ENAPEGS, 2010.
VIEIRA JÚNIOR, P. R.; SANTOS, H. H. A gênese da perspectiva ergológica: cenário de construção e conceitos derivados. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 21, n. 1, p. 83-100, jan./abr. 2012.
VIEIRA, C.E.C. Assédio: do moral ao psicossocial – desvendando os enigmas da organização do trabalho. Curitiba: Juruá, 2010.
ZIMMERMANN, S. M.; SANTOS, T.C.D.R. dos; LIMA, W.C. de. O assédio moral e o mundo do trabalho. Disponível em: <http://www.prt12.mpt.gov.br/prt/ambiente/arquivo/assedio_moral_texto.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2017.
*Possui mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UNA; especialização em História da Ciência pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG; pós-graduação lato sensu Modalidade aperfeiçoamento, em MBA – Administração Acadêmica e Universitária, realizado pelo Centro de Pós-graduação das Faculdades Intergradas Pedro Leopoldo e bacharelado e licenciatura em História pelo Centro Universitário de Belo Horizonte – UNIBH. Possui experiência na área de saúde/Hospital das Clínicas da UFMG como técnica em enfermagem; em recurso humanos/UFMG e como dirigente sindical na área de Qualidade de vida e Saúde do trabalhador/SINDIFES. Atualmente é trabalhadora técnico- administrativo em educação na UFMG, atuando na área de Saúde Mental dos servidores na escuta, acolhimento e diálogo. É membro da Comissão Interna de Supervisão da Carreira do PCCTAE/UFMG.