Cláudio Bezerra Leopoldino
Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal do Ceará – UFC, Brasil
claudio.leopoldino@ufc.brRESUMO
O associativismo direciona as ações dos indivíduos e seus recursos, de forma sinérgica, no sentido de atingir objetivos mais abrangentes. Populações em situação de risco social e exclusão encontram no associativismo uma possibilidade de melhoria na sua situação. No caso das famílias de portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA), existem vários fatores que contribuem para a exclusão social e econômica, descritos na literatura: alto custo e duração dos tratamentos; restrições no acesso à escola; restrições de acesso ao mercado de trabalho e falta de políticas públicas de auxílio. O objetivo deste artigo é descrever o primeiro ano da Associação Fortaleza Azul (FAZ), grupo de caráter associativista que congrega famílias de pessoas com autismo na cidade de Fortaleza. O estudo de caso foi feito com base em dados coletados através de questionário enviado por e-mail, análise do estatuto da organização e das informações disponibilizadas pela mesma em rede social. A Associação Fortaleza Azul, em seu primeiro ano de existência, avançou significativamente em busca de suas metas. Esse movimento se deu sem que a autonomia dos seus integrantes fosse atingida, utilizando o mínimo de recursos. Ao mesmo tempo, foram constatados diversos benefícios aos associados, tangíveis e intangíveis, financeiros e não financeiros. Em paralelo, foi construída uma rede de conexões com outras entidades que apresentam interesses comuns.
PALAVRAS-CHAVE: Associativismo, Coletivismo, Redes de Cooperação, Autismo, Associação Fortaleza Azul.
ABSTRACT
The collectivism directs the individual's actions and resources, synergistically in order to achieve broader goals. Populations in social risk and exclusion find in associations the possibility of improvement in their situation. In the case of families with Autistic Spectrum Disorder (ASD), there are several factors that contribute to social and economic exclusion, described in the literature: high cost and duration of treatment; restrictions on access to school; restrictions on access to the labor market and lack of public policies of aid. The purpose of this article is to describe the first year of the Associação Fortaleza Azul (FAZ), group with associativist character that brings together families of people with autism in the city of Fortaleza. The case study was based on data collected through a questionnaire sent by e-mail, organization's statute analysis and information available in the association's social networking. The Associação Fortaleza Azul in its first year of existence, advanced significantly in the pursuit of their goals. This movement took place without loss of the autonomy of its members, using minimal resources. At the same time, several benefits were found to members, tangible and intangible, financial and non-financial. In parallel, a network of connections with other entities that have common interests was built.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Cláudio Bezerra Leopoldino (2016): “Associativismo em famílias de autistas: a gênese da Associação Fortaleza Azul”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/02/autistas.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-02-autistas
1. Introdução
O associativismo direciona as ações dos indivíduos e seus recursos, de forma sinérgica, no sentido de atingir objetivos mais abrangentes. O termo associativismo está relacionado à "livre organização de pessoas, sem fins lucrativos, com o intuito de buscar o preenchimento de necessidades coletivas ou o cumprimento de objetivos comuns, por meio da cooperação" (CNI, 2013). O associativismo também pode ser observado tanto na integração de organizações produtivas e comerciais em rede, o chamado associativismo empresarial, possibilitando maior chance do atingimento sustentável das metas comuns das organizações (SOUZA et al., 2015; CNI, 2013; ZAGO et al., 2007).
Populações em situação de risco social e exclusão encontram no associativismo uma possibilidade de melhoria na sua situação (MAGALHÃES; SCHEMES, 2014; PERES, 2011; JESUS, 2007; DE FRANÇA FILHO, 2003). A literatura registra casos de indígenas, escravos libertos, imigrantes, entre outros grupos, que se beneficiam de empreendimentos associativistas rurais ou urbanos (SOUZA, 2015; MAGALHÃES; SCHEMES, 2014; PERES, 2011). Os benefícios obtidos com a ação conjunta podem ser classificados como financeiros e não financeiros, ou ainda com tangíveis e intangíveis, com potencial para contemplar um amplo espectro das necessidades dos indivíduos envolvidos.
No caso das famílias de portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA), existem vários fatores que contribuem para a exclusão social e econômica, descritos na literatura: alto custo e duração dos tratamentos; restrições no acesso à escola; restrições de acesso ao mercado de trabalho e falta de políticas públicas de auxílio (LEOPOLDINO, 2015; WEHMAN et al., 2014; GRACIOLI; BIANCHI, 2014; PARR; HUNTER, 2013; ROUX et al., 2013; SHIMABUKURO; GROSSE; RICE, 2008). O impacto do autismo sobre as famílias é intenso, duradouro e multidimensional, atuando como fator de estímulo à busca por soluções para os problemas comuns. Entretanto, pouco foi escrito sobre o associativismo de famílias de autistas, o que motivou a construção desta pesquisa.
O objetivo deste artigo é descrever o primeiro ano da Associação Fortaleza Azul (FAZ), grupo de caráter associativista que congrega famílias de pessoas com autismo na cidade de Fortaleza. No texto são detalhados os objetivos, a forma de organização e os resultados obtidos. A esta introdução segue-se breve referencial sobre o associativismo e suas características, e sobre o autismo e seus impactos sobre as famílias. Em seguida é descrito o método empregado, apresentada a discussão a respeito do caso investigado e explicitadas as conclusões obtidas.
2. O Associativismo e Suas Características
As promessas do associativismo envolvem a livre conciliação de interesses e recursos em torno de problemas comuns aos associados, sejam pessoas físicas ou organizações, visando o lucro ou outras formas de benefício (SOUZA et al., 2015; CNI, 2013; ZAGO et al., 2007, LABRA; FIGUEIREDO, 2002). Associações podem atuar não só pela construção cooperativa de alguma coisa, mas também na confrontação de algo considerado adverso (LOPES; BAUER, 2015; DA GLÓRIA GOHN, 2008). Salienta-se que o alcance das metas de uma associação não ocorre em detrimento dos objetivos e da autonomia dos seus integrantes (CNI, 2013).
A literatura aponta as associações como pontos de congregação de relações de igualdade, frutos da confiança, de normas e de redes de solidariedade, indutoras de relações cívicas virtuosas, conduzindo a um elevado grau de engajamento cívico e auto-organização (LABRA; FIGUEIREDO, 2002). No entanto, nem sempre o potencial apresentado pelo associativismo é concretizado, por falta de confiança entre os membros, inação ou outros fatores (SANGALLI et al., 2015).
O associativismo não é um fenômeno recente. No Brasil, iniciativas associativistas podem ser observadas desde o século XIX, reguladas pelo estado e controladas firmemente pelo aparato repressor policial (JESUS, 2007). Nesta época, as sociedades englobavam entidades beneficentes, religiosas, literárias, desportivas, cooperativas, entre outras modalidades de associação (JESUS, 2007). Escravos libertos e imigrantes estão entre os principais grupos auxiliados pelo associativismo da época. Atualmente, o associativismo brasileiro conta com numerosos exemplos de atuação conjunta envolvendo diversos setores da sociedade urbana e rural (SOUZA et al., 2015; MAGALHÃES; SCHEMES, 2014; PERES, 2011; DA GLÓRIA GOHN, 2008). Atualmente, a facilidade de associação é amplificada pela internet, que oferece ferramentas para a troca de informações entre os associados e com a sociedade, permitindo o acesso a dados como os das prestações de contas (MAIA, 2007).
Dependendo da necessidade, quando há metas em comum ou complementares, o associativismo atinge um nível mais abstrato de conexão, em que não são pessoas que se integram, e sim associações que se agregam em rede (DE SOUZA LUCHESI et al., 2014). A criação de redes associativistas envolvendo indivíduos e organizações favorece a atuação sinérgica ou complementar, sem a perda de sua autonomia, como nos casos das centrais sindicais brasileiras, que agregam os sindicatos regionais (LOPES; BAUER, 2015).
Vários estudos apontam benefícios proporcionados pela associação dos indivíduos, e suas conquistas, abrangendo aspectos econômicos e não econômicos. A literatura registra casos envolvendo sindicatos de trabalhadores, pequenos produtores, o movimento negro, o dos indígenas e as lutas das mulheres por melhores condições de vida (LOPES; BAUER, 2015; SOUZA et al., 2015; MAGALHÃES; SCHEMES, 2014; PERES, 2011; JESUS, 2007; LAVALLE; CASTELLO, 2004). A exploração do potencial do associativismo consiste em possibilidade real de melhoria de vida para os envolvidos.
3. Impactos do Autismo para as Famílias
Os impactos do autismo para as famílias dos seus portadores são multidimensionais, apresentando aspectos de difícil superação, resultando em forte isolamento social (ORSMOND et al., 2013; SILVA, 2013). O autismo causa dificuldades na comunicação, socialização e comportamentos estereotipados repetitivos que acompanham os indivíduos por toda a vida (CAMARGO; BOSA, 2009; TAMANAHA, PERISSINOTO; CHIARI, 2008). Problemas de funcionamento sensorial como intolerância a sons e texturas e a dificuldade em sair de rotinas preestabelecidas dificultam ainda mais a sua inclusão social (BONTEMPO, 2010). A realidade brasileira apresenta no momento um quadro de restrições de acesso a tratamentos, à escola e ao mercado de trabalho para os indivíduos com TEA.
Os tratamentos dos autistas são caros, exigem equipe multidisciplinar nem sempre disponível nos serviços de saúde públicos e nos planos de saúde, e são necessários durante anos, possivelmente durante toda a vida dos pacientes (FILIPE, 2013; CIMERA; COWAN, 2009; SHIMABUKURO; GROSSE; RICE, 2008; JÄRBRINK; FOMBONNE; KNAPP, 2003). O tratamento de apenas um indivíduo pode demandar a atuação conjunta e coordenada de fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, neuropediatria, psicopedagocia, entre outras possibilidades terapêuticas.
O acesso à escola é dificultado não apenas pelas dificuldades dos indivíduos, mas também pela falta de ambientes propícios, revelando-se desafiador (RODRÍGUEZ; SALDAÑA; MORENO, 2012). A existência de taxas adicionais para pessoas com TEA, rejeições veladas e em muitos casos a não aceitação de autistas sob a alegação de não haver preparação para se lidar com o autismo são ocorrências relatadas com frequência na literatura sobre inclusão escolar (GRACIOLI; BIANCHI, 2014; DE MATTOS; NUERNBERG, 2011; CAMARGO; BOSA, 2009).
A inclusão laboral é prejudicada pela falta de pressupostos essenciais como a conscientização dos empregadores e colegas de trabalho, a falta de políticas públicas de incentivo e o pouco conhecimento a respeito do desempenho potencial apresentado por autistas que passem por tratamento, treinamento e suporte adequado (LEOPOLDINO, 2015; ROUX et al., 2013; SILVA, 2013; BURKE et al., 2010). Pessoas com autismo relatam dificuldade em obter emprego, em mantê-lo e em obter uma colocação profissional de acordo com sua formação e expectativas pessoais (LEOPOLDINO, 2015; ROUX et al., 2013; SCHALL et al., 2012; BURKE et al., 2010).
O enfrentamento de todo este conjunto de obstáculos faz com que as famílias arquem com custos elevados, sofrendo sobrecarga financeira (FILIPE, 2013; CIMERA; COWAN, 2009; SHIMABUKURO; GROSSE; RICE, 2008; JÄRBRINK; FOMBONNE; KNAPP, 2003). A questão monetária se agrava pelo fato de que em muitos casos as mães de autistas se sentem compelidas a deixar o trabalho para poder se dedicar ao cuidado dos seus filhos, o que pode afetar a estabilidade familiar. Neste cenário de dificuldades, empreendimentos associativistas apresentam-se como opções relevantes para a busca de alternativas de enfrentamento desta situação.
4. Metodologia
A pesquisa pode ser classificada como qualitativa e descritiva, utilizando como método o estudo de caso. A opção pelo qualitativismo foi feita pelo fato de se estar estudando um fenômeno recente e em andamento, o surgimento de uma associação de famílias de autistas, sobre o qual pouco foi devidamente publicado (HAIR JR et al., 2005). O fato da abordagem ser descritiva permite a reprodução do fenômeno apresentado por grupos que visem os mesmos objetivos (MARCONI; LAKATOS, 2010).
A coleta de dados foi feita por meio de entrevista por e-mail com as gestoras da associação. O roteiro da entrevista foi definido com base nos objetivos da pesquisa e contou com 25 questões.
Além das informações obtidas na entrevista, dados complementares foram levantados na comunidade da associação na rede social Facebook, e no estatuto da associação, que foi disponibilizado (FAZ, 2016; FAZ, 2015). As informações do estatuto social foram importantes para triangular os dados obtidos com as perguntas realizadas. As informações na rede social foram relevantes para mostrar o grau de atividade, e os projetos apoiados e realizados pela associação.
As gestoras da associação colaboraram com a pesquisa ativamente e tempestivamente, não impondo quaisquer óbices à sua realização.
5. A Associação Fortaleza Azul
A Associação Fortaleza Azul congrega famílias de pessoas com autismo na cidade de Fortaleza. Está em processo de formalização, não contando no momento com sede própria. Mantém-se com recursos próprios, através de uma mensalidade emitida aos seus associados. Apresenta estatuto já consolidado, com as normas vigentes no escopo da organização, e possui cerca de 100 famílias de associados ao fim do seu primeiro ano.
Este artigo descreve o primeiro ano de existência da FAZ aborda o histórico do seu surgimento, os objetivos que visa atingir, a organização interna utilizada, as principais atividades realizadas, os resultados obtidos e os próximos passos a serem
5.1 Surgimento e Objetivos
A ideia de fundar a associação existe desde final de 2013, surgida das conversas de pais e mães de crianças com transtorno do espectro autista, frequentadores das clínicas particulares de Fortaleza, sendo amadurecida e compartilhada com outras pessoas paulatinamente. A utilização de software de comunicação para a criação de grupo de pais intensificou os laços e as trocas de informações entre os que hoje são os fundadores do grupo. O processo culminou com a fundação da FAZ. A data oficial de fundação é 02 de abril de 2015, data registrada no estatuto da associação (FAZ, 2015), mas a primeira postagem no Facebook é do dia 12 de março do mesmo ano (FAZ, 2016).
A necessidade de buscar condições iguais para os filhos na educação, saúde e lazer foi o principal objetivo comum aos membros da associação, atuando como motivador da sua fundação. Os impactos do autismo são diferentes para cada família, mas afetam a todos os membros:
“A vida que idealizamos para a família se dissolve, mas outros horizontes surgem e chegamos à conclusão que somos felizes assim mesmo.”
Atualmente, os objetivos buscados pela associação compreendem (FAZ, 2015): garantir o cumprimento das leis existentes para pessoas com deficiência, assim como sugerir novas matérias; conscientizar sobre o transtorno do espectro autista, para diminuir o preconceito e alertar para a busca de diagnóstico e intervenção precoce; divulgar instituições, profissionais e pessoas que têm postura inclusiva e apoiem a causa do autismo; promover grupo de apoio às famílias de crianças com autismo; promover discussões, estudos e trocas de informações sobre pesquisa, abordagens terapêuticas, medicamentos e outros assuntos relacionados à melhoria na qualidade de vida das crianças com autismo; manter um canal de comunicação com órgãos competentes para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência; firmar parcerias com outras associações e fundações afins.
Não há um padrão desejado de sócio. Segundo as gestoras da FAZ, todas as famílias que apresentem indivíduos com TEA podem se associar:
“Não existe perfil, temos associados de todas as classes sociais, religiões, raças... As únicas exigências são: ter um parente com autismo (até o primeiro grau: pais, avós, irmãos ou tios), morar no estado do Ceará, ter idoneidade em sua vida civil e maioridade.”
As principais dificuldades vivenciadas no atingimento dos objetivos compreendem o enfrentamento do preconceito sobre os autistas e da falta de conhecimento a respeito do transtorno do espectro do autismo, o que mostra que a aceitação do autismo na sociedade ainda é um desafio. O não atendimento de direitos assegurados na legislação, principalmente por parte de escolas, governo e planos de saúde, salienta-se como principal obstáculo.
“O preconceito e a intolerância. A principal dificuldade é em relação ao primeiro objetivo, a garantia de direitos, devido à falta de fiscalização e o “costume” de alguns setores em não respeitar os direitos das minorias.”
A associação estruturou-se em busca de melhores condições de atingir seus objetivos desde o princípio, e encontra-se em fase adiantada de formalização da sua existência nos órgãos competentes.
5.2 Organização Interna
As decisões da asociação são tomadas por meio de uma assembleia geral, por meio da diretoria, a qual tem como subordinadas a secretaria e a tesouraria, e por meio de um conselho fiscal (FAZ, 2015). O conselho fiscal auxilia a tesouraria em suas rotinas e a compra de bens só é feita após aprovação dos conselheiros. As principais despesas compreendem material de divulgação, como banners e folders.
Os projetos do planejamento anual e as ideias de ações propostas pelos associados são discutidas nas reuniões mensais, podendo receber adesão espontânea de membros e apoio formal da associação, quando consideradas factíveis. A diretoria acompanha as atividades, participando de sua execução, registrando e fazendo a sua divulgação por meio da rede social Facebook, e de seu grupo interno no Whatsapp. Em virtude da falta de uma sede, os membros se reunem em espaços cedidos por associados.
Membros que não tenham suas ideias aceitas, ou que não desejem o apoio da associação, podem livremente executar seus projetos relacionados ao autismo, desde que não utilizem o nome da FAZ. Desta forma mantém-se a autonomia de ação individual.
5.3 Principais Atividades Realizadas
As principais atividades realizadas são a divulgação de informações nas redes sociais Facebook e Whatsapp, a realização das reuniões mensais e o controle financeiro. Em paralelo às atividades cotidianas, são executados projetos de curta duração, como a realização de eventos, e ações eventuais, como a participação em audiências públicas e projetos envolvendo as famílias dos associados, que podem ser de natureza lúdica, educativa, de integração ou de mobilização.
Os membros da associação e seus filhos podem ser beneficiários das ações ou atuar como voluntários nos projetos, muitas vezes trajados com a camisa azul da FAZ. A participação dos membros é alta e intensa, e certos eventos podem contar com dezenas de associados. Muitos dos perfis de membros da FAZ nas redes sociais apresentam fotos com a camisa da associação, indicando forte senso de pertencimento ao grupo. Em muitos casos a associação torna-se uma extensão da família dos seus integrantes, e isso transparece nos depoimentos de suas gestoras.
“Meu ideal de vida. Tudo, força, amizade, luta, companheirismo, alegria, responsabilidade ...”
“Junte-se a essa grande família e seja feliz.”
As primeiras ações realizadas pela FAZ foram: divulgação no Shopping RioMar da associação e de informações sobre o transtorno do espectro autista; encontro com políticos da região; participação em jogos de times locais, com a divulgação de informações e foto das crianças autistas com os jogadores; campanhas educativas em redes sociais e participações em audiências públicas. O conjunto de realizações foi ampliado aos poucos, resultando em diversos tipos de ações. O quadro 1 apresenta as principais atividades realizadas no primeiro ano, extraídas do histórico do Facebook (FAZ, 2016).
O principal resultado obtido pela FAZ, segundo as suas gestoras, é a divulgação do autismo. Os próximos passos a serem tomados envolvem a continuação da realização de ações, sem fugir aos objetivos do estatuto, para que no futuro a associação se torne uma "referência para outros estados".
5.5 Relações com Outras Entidades
Merece destaque, neste primeiro ano da associação, a facilidade com que foi estabelecida uma rede de contatos e de ajuda mútua com diversas entidades da sociedade. As conexões foram cultivadas aos poucos, durante a realização de ações, pelos contatos dos associados e pelas trocas de informação via rede social com outras entidades. As relações em rede da FAZ foram dinamizadas pela facilidade oferecida pelas ferramentas de comunicação e pelo encontro de objetivos comuns com os parceiros, de acordo com situações já relatadas na literatura (MAIA, 2007).
As gestoras destacaram como importantes os vínculos com políticos, entidades do sistema judiciário, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABRAÇA (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo). Estas conexões potencializam a ação da FAZ no sentido de atingir os seus objetivos.
“Mantemos relacionamento com órgãos e gestores que defendem/protegem pessoas com deficiência (deputados, vereadores, secretários, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, ABRAÇA). Esses relacionamentos surgiram naturalmente, pois temos objetivos afins.”
As parcerias não se deram apenas no campo da militância política por direitos. Diversos profissionais, empresas e clínicas de tratamento passaram a oferecer descontos, projetos voltados aos associados da FAZ entre outras vantagens financeiras. A tendência é que este tipo de conexão se amplifique com o crescimento do número de associados, e o feedback positivo dos envolvidos.
Temos parcerias com clínicas e profissionais que atendem indivíduos com TEA. Esses relacionamentos surgiram naturalmente com profissionais que já atendiam os filhos dos associados e são cultivados com respeito mútuo.
As conexões da associação foram construídas em pouco tempo, e têm se manifestado benéficas para os envolvidos, corroborando referências da literatura sobre redes associativistas (DE SOUZA LUCHESI et al., 2014).
5.6 Discussão do Caso
Observa-se que desde a gênese, a associação buscou a obtenção de benefícios não apenas para as pessoas com TEA, mas também para todos os que apresentem deficiências. Salienta-se ainda que a busca de parcerias é buscada desde o princípio do funcionamento da associação. Os objetivos definidos abrangem não apenas o atendimento das necessidades dos associados, mas a própria transformação da sociedade, através da conscientização e defesa dos direitos das pessoas com autismo.
A organização interna é simples e contribui para uma maior agilidade. O fato das comunicações serem frequentes e auxiliadas pela tecnologia da informação fez com que um número significativo de atividades fosse realizado em pouco tempo. Ao mesmo tempo, a tecnologia fez com que a associação crescesse em número de membros mantendo a coesão interna. A gestão financeira dos recursos ocorre em consonância com mecanismos de controle regidos pelo estatuto social, o que facilita a utilização de boas práticas.
Os membros da FAZ auferiram benefícios financeiros e não financeiros, situação desejável em empreendimentos associativistas (SOUZA et al., 2015; CNI, 2013; ZAGO et al., 2007). O grupo proporciona um ambiente de acolhimento, em que se encontram pessoas com os mesmos problemas para a troca de experiências, ideias e para a mobilização conjunta. A associação criou uma identidade própria e apresenta-se como entidade em ascensão, podendo assumir maior protagonismo na sociedade, inspirando novas empreitadas associativistas.
A atuação em rede com outras entidades ajuda a dar visibilidade ao trabalho realizado, e potencializa as contribuições da associação para a causa do autismo.
A gênese desta associação revela potencial para a mobilização coletiva bem sucedida, embora a FAZ ainda esteja em processo de estruturação. Mesmo sem sede própria e com poucos recursos, a associação atuou proativamente no sentido de atingir suas metas.
Existem boas perspectivas para a atuação coletiva de famílias de autistas, mas os obstáculos permanecem. Ausência de políticas públicas mais efetivas, estrutura, preconceito e ignorância, dificuldades financeiras, restrições de acesso à escola, ao trabalho, à saúde e a tratamentos adequados exigirão esforço contínuo das famílias, e das associações que as representam, por muitos anos.
6. Conclusão
A Associação Fortaleza Azul, em seu primeiro ano de existência, avançou em busca dos seus objetivos estatutários. Este movimento se deu sem que a autonomia dos seus integrantes fosse atingida, utilizando o mínimo de recursos. Ao mesmo tempo, foram constatados diversos benefícios aos associados, tangíveis e intangíveis, financeiros e não financeiros. Em paralelo ao seu crescimento, foi construída uma rede de conexões com outras entidades que apresentam interesses comuns.
Como principal limitação deste estudo evidencia-se o foco na posição das gestoras da associação. Pesquisas futuras podem abordar como recorte mais amplo os demais associados e suas famílias, trazendo elementos adicionais à caracterização da FAZ.
Existem várias possibilidades de pesquisas futuras relacionadas ao tema, dentre as quais evidenciam-se: pesquisa longitudinal sobre a associação Fortaleza Azul; análise comparativa com outras associações de famílias de autistas e o aprofundamento do estudo sobre a rede de relacionamentos construída pela FAZ.
O auxílio na luta pela superação de obstáculos como a inclusão escolar e o encontro de pessoas que vivem os mesmos problemas são apenas algumas das vantagens do associativismo para famílias de pessoas com transtorno do espectro autista. Neste sentido, a busca coletiva por soluções de problemas comuns tem grande contribuição a dar para o enfrentamento da problemática vivenciada por estes indivíduos.
Referências
BONTEMPO, T. Sensory Processing Patterns in High-Ability Adults with Autism Spectrum Disorders in the Workplace. Dissertação (Mestrado em Ciência da Reabilitação) – Kingston, Ontario, Queen's College, 2010.
BURKE, R. V. et al. Evaluation of two instruction methods to increase employment options for young adults with autism spectrum disorders. Research in developmental disabilities, v. 31, n. 6, p. 1223-1233, 2010.
CAMARGO, S. P. H.; BOSA, C. A. Competência social, inclusão escolar e autismo: revisão crítica da literatura. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 21, n. 1, p. 65-74, 2009.
CIMERA, R. E.; COWAN, R. J. The costs of services and employment outcomes achieved by adults with autism in the US. Autism, v. 13, n. 3, p. 285-302, 2009.
CNI - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Referenciais do Desenvolvimento Associativo no Sistema de Representação da Indústria. Brasília: 2013.
DA GLÓRIA GOHN, M. et al. Abordagens teóricas no estudo dos movimentos sociais na América Latina. Caderno CRH, v. 21, n. 54, 2008.
DE FRANÇA FILHO, G. C. A Temática da Economia solidária e suas implicações originais para o campo dos studos organizacionais. Revista de Administração Pública, v. 37, n. 1, p. 11-32, 2003.
DE MATTOS, L. K.; NUERNBERG, A. H. Reflexões sobre a inclusão escolar de uma criança com diagnósticos de autismo na Educação Infantil. Revista Educação Especial, v. 1, n. 1, p. 129-141, 2011.
DE SOUZA LUCHESI, J. R. et al. A formação de capital social a partir do associativismo em redes de cooperação no Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Administração Científica, v. 5, n. 1, p. 333-343, 2014.
FAZ. Estatuto da Associação Fortaleza Azul – FAZ. Fortaleza, 2015.
FAZ. Associação Fortaleza Azul – FAZ. Disponível em: <www.facebook.com/fazbrasil>. 2016.
FILIPE, T. M. G. As especificidades da orientação profissional em clientes com perturbações do espectro do autismo/síndrome de Asperger. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Lisboa, UL – Universidade de Lisboa, 2013.
GRACIOLI, M. M.; BIANCHI, R. C. Educação do Autista no Ensino Regular: Um Desafio à Prática Pedagógica. Nucleus, v. 11, n. 2, p. 125-138, 2014.
HAIR JR, J. F. et al. Fundamentos de métodos de pesquisa em administração. Porto Alegre: Bookman, 2005.
JÄRBRINK, K.; FOMBONNE, E.; KNAPP, M. Measuring the parental, service and cost impacts of children with autistic spectrum disorder: A pilot study. Journal of autism and developmental disorders, v. 33, n. 4, p. 395-402, 2003.
JESUS, Ronaldo Pereira de. Associativismo no Brasil do Século XIX: repertório crítico dos registros de sociedades no Conselho de Estado (1860-1889). Locus, v. 13, n. 1, p. 63-96, 2007
LABRA, M. E.; FIGUEIREDO, J. S. A. de. Associativismo, participação e cultura cívica. O potencial dos conselhos de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n. 3, p. 537-547, 2002.
LAVALLE, A. G.; CASTELLO, G. As benesses desse mundo: associativismo religioso e inclusão socioeconômica. Novos Estudos, v. 68, p. 73-93, 2004.
LEOPOLDINO, C. B. Inclusão de Autistas no Mercado de Trabalho: Uma Nova Questão de Pesquisa. Revista Eletrônica Gestão & Sociedade, v.9, n.22, p. 853-868, Janeiro/Abril - 2015
LOPES, S. F.; BAUER, C. Presença do associativismo das universidades estaduais paulistas na história do sindicalismo educacional latinoamericano. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 10, n. 4, 2015.
MAGALHÃES, M. L.; SCHEMES, C. Mulheres e o associativismo negro em Novo Hamburgo (RS). Revista Latino-Americana de História, v. 2, n. 9, p. 217-232, 2014.
MAIA, R. CM. Redes cívicas e internet: efeitos democráticos do associativismo. Logos, v. 14, n. 2, p. 43-62, 2007.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. In: Fundamentos de metodologia científica. Atlas, 2010.
ORSMOND, G. I. et al. Social participation among young adults with an autism spectrum disorder. Journal of autism and developmental disorders, v. 43, n. 11, p. 2710-2719, 2013.
PARR, A. D.; HUNTER, S. T. Enhancing work outcomes of employees with autism spectrum disorder through leadership: Leadership for employees with autism spectrum disorder. Autism, v. 18, n. 5, p. 545-554, 2013.
RODRÍGUEZ, I. R.; SALDAÑA, D.; MORENO, F. J. Support, inclusion, and special education teachers’ attitudes toward the education of students with autism spectrum disorders. Autism research and treatment, v. 2012, 2012.
ROUX, A. M. et al. Postsecondary employment experiences among young adults with an autism spectrum disorder. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, v. 52, n. 9, p. 931-939, 2013.
PERES, S. Cultura, política e identidade na Amazônia: o associativismo indígena no Baixo Rio Negro. Revista Anthropológicas, v. 14, n. 1+ 2, 2011.
SANGALLI, Adriana Rita et al. Associativismo na Agricultura Familiar: Contribuições para O Estudo do Desenvolvimento no Assentamento Rural Lagoa Grande, em Dourados (MS), Brasil. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 17, n. 2, 2015.
SCHALL, C.; WEHMAN, P.; MCDONOUGH, J. L. Transition from school to work for students with autism spectrum disorders: understanding the process and achieving better outcomes. Pediatric Clinics of North America, v. 59, n. 1, p. 189-202, 2012.
SHIMABUKURO, Tom T.; GROSSE, Scott D.; RICE, Catherine. Medical expenditures for children with an autism spectrum disorder in a privately insured population. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 38, n. 3, p. 546-552, 2008.
SILVA, A. C. M. da. Autismo: o acesso ao trabalho como efetivação dos direitos humanos. Dissertação (Mestrado em Direito) – Recife, UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco, 2013.
SOUZA, José Thyago Aires et al. Associativismo, assistência técnica e extensão rural como políticas públicas para a geração de desenvolvimento sustentável na agricultura familiar em Taperoá-PB. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 8, n. 2, p. 303-308, 2015.
TAMANAHA, Ana Carina; PERISSINOTO, Jacy; CHIARI, Brasilia Maria. Uma breve revisão histórica sobre a construção dos conceitos do Autismo Infantil e da Síndrome de Asperger. Revista da Associação Brasileira de Fonoaudiologia. Vol. 13. N. 3. P. 296-299. 2008.
WEHMAN, P. H. et al. Competitive employment for youth with autism spectrum disorders: Early results from a randomized clinical trial. Journal of autism and developmental disorders, v. 44, n. 3, p. 487-500, 2014.
ZAGO, C. A. et al. Redes Associativas Como Inovação Organizacional: Estudo De Caso De Uma Rede Supermercadista. RAI - Revista de Administração e Inovação, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 57-70, 2007.
Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor,pulse aqui.