Tássio Ricelly Pinto de Farias
Jean Henrique Costa
FACEP, RN, Brasil
tassioricelly@gmail.comResumo
Neste escrito o leitor encontrará um breve relato sobre a história social do reggae. Objetiva-se discutir um pouco sobre sua origem (entendida como uma fusão de elementos das culturas africana, caribenha, inglesa e norte-americana) e sua significativa relação com os movimentos sociais e religiosos da Jamaica. Analisa-se também, à guisa de conclusão, a chegada desse som ao Brasil, destacando-se alguns dos processos de apropriação e ressignificação locais, bem como a forma como os mercados fonográficos de cada região o recepcionaram. As palavras que seguem consistem, pois, em um esforço teórico que teve como finalidade apreender (considerando-se as limitações) o percurso histórico do reggae: da Jamaica ao Brasil.
Palavras-chave: Música, Cultura, Jamaica, Reggae, Reggae brasileiro.
FROM JAMAICA TO BRAZIL: FOR A SOCIAL HISTORY OF REGGAE
Abstract
This writing presents a brief account of the social history of reggae. The objective is to do a brief discuss about its origin (understood as a fusion of elements from African, Caribbean, English and American cultures) and its significant relationship with the social and religious movements of Jamaica. Analyzes also, by way of conclusion, the arrival of the sound to Brazil, highlighting some processes of appropriation and reinterpretation local and how this sound was welcome to phonographic markets of each Brazilian region. The words that follow consist therefore in a theoretical effort that aimed to learn (considering the limitations) the history of reggae route: from Jamaica to Brazil.
Keywords: Music; Culture; Jamaica; Reggae; Brazilian Reggae.
Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:
Tássio Ricelly Pinto de Farias y Jean Henrique Costa (2016): “Da Jamaica ao Brasil: por uma história social do Reggae”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (enero-marzo 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/01/reggae.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CCCSS-2016-01-reggae
1. Apresentação
Neste escrito o leitor verá um breve (e bibliográfico) relato sobre a história social do reggae. O foco será discutir um pouco sobre sua origem (entendida como uma fusão de elementos das culturas africana, caribenha, inglesa e norte-americana) e sua relativa relação com os movimentos sociais e religiosos da Jamaica. Analisar-se-á também a chegada desse som ao Brasil, destacando-se alguns dos processos de apropriação e ressignificação locais, bem como a forma como os mercados fonográficos de cada região o recepcionaram.
As palavras que seguem consistem, pois, em um esforço teórico que teve como finalidade apreender (considerando-se as limitações) o percurso histórico do reggae: da Jamaica ao Brasil. O leitor deparar-se-á também com uma tentativa – pontual e assistemática – de compreender a consolidação do gênero reggae em terras brasileiras.
2. As raízes do Reggae...
A África possui os próprios estilos de reggae, e centenas de bandas. Clubes de reggae são encontrados na Europa, na Austrália e nos Estados Unidos. O reggae partilha as ondas latino-americanas com o merengue, a salsa e o rock. Todos, de Erick Clapton a Caetano Veloso, já realizaram suas incursões ao reggae. A fonte desse som é a Jamaica, a terceira maior ilha do Caribe. Habitada originalmente por índios aravaques, exterminados quando os espanhóis ocuparam a ilha, foi repopulada com escravos africanos. Quando os ingleses invadiram o local [...] os negros fugiram para as colinas, onde formaram comunidades independentes que se mantiveram até a abolição da escravatura. Os ingleses [...] governaram a Jamaica até 1962. A proclamação da independência naquele ano viu nascer uma nação com uma economia em ruínas, controlada por brancos e mulatos, embora o país tivesse uma porcentagem de 75% negros. Jovens negros perambulavam pela capital, onde engrossavam filas de desempregados. Muitos tornaram-se “rude boys” ou “rudies”, frequentemente armados de pistolas e canivetes de molas. A violência atingiu seu pico durante as eleições de 1980, quando os membros do Partido Trabalhista Jamaicano e do Partido Nacional do Povo lutaram uns contra os outros e a polícia, utilizando rifles M-16 abertamente nas ruas, deixando um saldo de pelo menos 700 pessoas mortas, muitas das quais expectadores inocentes. Entretanto, essa violência política é apenas um dos extremos da cultura jamaicana que deu origem ao reggae. A outra é o amor incondicional das pessoas pela música... qualquer tipo de música, sem preconceitos [...] (BERGMAN, 1997, p. 122).
A Jamaica é uma ilha do Mar do Caribe, situada na América Central acerca de 150 quilômetros ao sul de Cuba, e 160 quilômetros do Haiti. Ela conta com um território total de quase 11.500 quilômetros quadrados, o que a caracteriza como terceira maior ilha das Grandes Antilhas (ALBUQUERQUE, 1997; PENHA, 2003; PACHECO & BRANCO, 2008). No período das Grandes Navegações a ilha foi colonizada por espanhóis.
Grande parte da população da ilha é negra. Esses indivíduos – de origem africana – trouxeram consigo elementos culturais da terra-mãe África. Daí o equívoco de muitos até hoje pensarem que o reggae surgiu na África; e outros, pensarem que a Jamaica é um país situado no continente africano. Ledo engano. São associações automáticas que relacionam o reggae ao negro, e o negro à África. Entretanto, o fato do reggae ter surgido na América não faz dele algo não-africano.
Conforme afirma Carlos Albuquerque (1997, p. 13):
O reggae chegou de navio à Jamaica. Mas não foi uma viagem de primeira classe. Longe disso. Foi uma odisséia de medo, terror e sofrimento vivida por milhões de integrantes de diversas nações africanas, capturados e enviados ao outro lado do mundo. Os escravos foram as sementes do reggae, transportados em porões, amontoados uns em cima dos outros, como palitos em uma caixa de fósforo.
Uma análise superficial do reggae direcionará qualquer leitor à história da Jamaica. Ora, apenas por ter o título de ‘Capital brasileira do reggae’, São Luís/MA é conhecida como ‘Jamaica brasileira1 ’. Daí que, reggae, Jamaica e África são temas comuns. Não haveria como tratá-los sem – minimamente – relacioná-los.
Diz a história, como lembra Albuquerque (1997), que quando a caravana de Cristóvão Colombo chegou à ‘terra das primaveras’2 (Xaymaca na língua nativa) em 1494, os arauaques 3 (índios locais) os receberam ao som de tambores e flautas feitas de madeira. A história da Jamaica tem, portanto, uma ‘trilha sonora’ desde o seu descobrimento (pelos espanhóis). Só que os europeus não estavam ali a procura de música, mas sim de ouro.
Foi na suposição de que na ilha houvessem metais preciosos que os espanhóis resolveram colonizá-la. No período mercantilista essa política de mercado (acúmulo de metais preciosos) chamava-se metalismo4 . Ao se estabelecerem no local, os espanhóis escravizaram os nativos, e os forçaram a trabalhar nas minas; vale lembrar também que trouxeram da Europa doenças que não eram comuns entre os nativos, e que por isso os levavam à morte. Estes acontecimentos foram aos poucos dizimando o povo daquela localidade.
Por volta de 1512, ao perceberem que na Xaymaca não havia ouro, os espanhóis passaram a procurá-lo na ilha vizinha, Cuba (ALBUQUERQUE, 1997; PIMENTA, 2012). Entretanto, entre o povo arauaque as baixas haviam sido gigantescas. Muitos haviam morrido doentes, ou em trabalhos exaustivos nas minas. A terra das primaveras agora seria explorada (predominantemente) através da agricultura e, para tanto, far-se-ia necessário mão de obra barata (escravizada). É nesse momento que entra em cena o ‘tráfico negreiro’, responsável por um capítulo inteiro da história moderna conhecido como ‘Diáspora Negra’ (ou ‘Diáspora Africana’). O povo escolhido pelos espanhóis – nesse momento específico – foram os angolanos.
Entre 1660 e 1665, período de conflito entre espanhóis e ingleses, os escravos foram libertados. O episódio aconteceu da seguinte forma: antes de perderem completamente o domínio sobre o território da Xaymaca, os espanhóis libertaram todos os seus escravos (os remanescentes arauaques e angolanos). Este acontecimento foi – a longo prazo – de suma importância para a fusão de elementos culturais africanos e indo-americanos, pois estes remanescentes após serem libertados foram para as montanhas e formaram juntos o núcleo dos maroons5 (ALBUQUERQUE, 1997). Neste momento a cultura jamaicana começava a ser forjada, claro, de elementos ‘xaymacanos’, africanos e europeus.
Através do Tratado de Madri de 1670, a Espanha reconhecia as possessões da Inglaterra no Mar do Caribe. Com este tratado, a Inglaterra tomava posse (formal) da Jamaica e das Ilhas Cayman. Conforme Albuquerque (1997, p. 15):
Novos senhores da terra, os ingleses, cientes da ausência do ouro em sua colônia, mudaram o curso exploratório e introduziram uma nova espécie de cana-de-açúcar na ilha, trazida de Barbados. O açúcar passou a ser, daí em diante, a principal atividade econômica da Jamaica. Para trabalhar nas plantações, os ingleses trouxeram escravos da África Ocidental, a maior parte formada por integrantes dos povos ashanti, ioruba e akan, todos da tribo dos coramanti.
Formava-se na ilha, portanto, uma população demasiadamente heterogênea e diversificada. Percebe-se, pois, que já no final século XVII viviam ali remanescentes de arauaques e angolanos, ingleses (e talvez alguns espanhóis que permaneceram após os conflitos), e africanos de povos diversos da tribo coramanti.
Nas montanhas, onde viviam os maroons, aglomeravam-se os escravos fugitivos. Cada vez que os exércitos ingleses tentavam intervir, sofriam enormes baixas, pois a vegetação dificultava a locomoção e favorecia os ataques surpresas dos maroons, que resistiram por mais de oitenta anos. As condições forçaram os ingleses a um acordo de paz que cedia direito aos ‘selvagens’ sobre aquela região e, em troca, eles (os maroons/selvagens) seriam a partir daquele momento ‘caçadores de escravos’. O tratado foi assinado em 1739, e, na interpretação de Albuquerque (1997, p. 15), este feito teria sido possível “pelo sentimento de superioridade que os maroons sentiam em relação aos negros que se mantinham escravizados”.
Certamente as chicotadas não fizeram os escravos africanos trazidos por espanhóis e ingleses esquecerem suas raízes culturais. Como bem lembra Cardoso (1997, p. 8), “[...] mesmo aprisionados e roubados da sua pátria-mãe, África, [os negros] ainda possuíam uma vasta inspiração para cantar e dançar para aliviar os sofrimentos”. Nesse sentido, a cultura jamaicana foi sendo cunhada ‘aos moldes’ da cultura africana, tendo esta como sua base. De regiões e etnias diferentes, mas unidos por força das circunstâncias, os africanos foram resgatando aos poucos os seus principais cultos. Claro, isso foi se tornando possível gradativamente, principalmente após a abolição da escravatura na década de 1830. As danças, os cultos, os rituais, os cantos e, principalmente, os ritmos trazidos da África foram aos poucos sendo resgatados e misturados aos elementos da cultura local e da cultura europeia. Penha (2003, p. 32) facilita a compreensão ao afirmar que, “durante a escravidão africana na Jamaica, era comum a predominância de orquestras formadas por escravos, usados como animadores das festas promovidas pelos fazendeiros mais ricos, durante as férias”. O resultado de toda essa mistura foi a cultura jamaicana. Uma espécie de ‘mosaico’ ou ‘bricolagem’.
Nesse ‘caldeirão’ cultural jamaicano muitos ‘ingredientes’ foram sendo misturados. “[...] as primeiras combinações misturavam em partes iguais música inglesa e africana. Os cultos afro-cristãos não apenas combinavam a Trindade com deuses africanos, mas também justapunham harmonias religiosas com os ritmos compostos dos tambores” (BERGMAN, 1997, p. 123). Acompanhando toda essa multiplicidade de expressões culturais (danças, cultos, rituais, cantos e etc.) veio o ritmo.
Na Jamaica, o batuque número um sempre veio dos burru drums, presença constante na maior parte dos cultos. Geralmente, era composto por três tambores. Um, mais grave, fazia o papel do baixo. O segundo, o repetidor, de som mais agudo. E, por fim, o terceiro, feito com pele mais esticada, um surdo, destinado a marcar o ritmo (ALBUQUERQUE, 1997, p. 16).
Não seria difícil afirmar que foi nesta forma musical – apresentada na citação acima – que o reggae encontrou sua inspiração inicial. White (1997) corrobora com a visão de Albuquerque (1997) sobre a grande importância que teve o encontro entre as culturas rasta e burru para o desenvolvimento da música jamaicana, principalmente por causa da incorporação dos instrumentos de percussão.
O tempo foi passando e outros elementos culturais caribenhos foram chegando à Jamaica, como a ‘rumba’ cubana, e o calipso de Trinidad (PENHA, 2003). Enfim, a força da tradição cultural negra, que muito valoriza o canto, juntamente com a diversidade presente na ilha, fez surgir o primeiro ritmo genuinamente jamaicano: o mento. Nas décadas de 1920 e 1930, o mento prevaleceu. Conforme Bergman (1997, p. 123): “a forma dominante para dançar [na Jamaica], desde o final do século XIX até a década de 50, era chamada mento”. Penha (2003, p. 32) concorda e complementa ao afirmar que na época o ritmo era “[...] considerado pela Igreja rude e indecente”. O mento caracterizava-se por um estilo musical até certo ponto ‘primitivo’ e rural, uma espécie de ‘polca pesada’ onde havia um som de baixo que vinha de um músico soprando em um tronco oco.
Conforme Carvalho e Braga (2008, p. 3), “nessa mistura de ritmos e costumes, ia nascendo uma cultura musical, os gêneros mais populares na época eram o Mento e o Calypso, ritmos basicamente caribenhos. O Mento era chamado de “folk jamaicano” e considerado um som mais rural”. O calypso tinha um pouco da influência espanhola, já que vinha de Trinidad e Tobago. Dentre outras influências, o mento contribui principalmente para a formação da indústria fonográfica jamaicana, visto que os primeiros discos da ilha eram de mento (CARVALHO & BRAGA, 2008).
O fim da Segunda Guerra Mundial (1945) marcou o tempo do swing das big bands americanas, que dominou a cena musical jamaicana por curtíssimo prazo. Em meados de 1950, quando o processo de industrialização da ilha impactou algumas cidades (principalmente Kingston, a capital), a Jamaica foi marcada pelo êxodo rural. Multidões deixavam o campo e dirigiam-se à capital em busca de emprego. Foi nesse contexto que o mento e o swing ficam para trás, visto que representavam ainda uma cultura demasiadamente rural. As massas urbanizadas precisavam de música urbana. Destaca-se o fato de que nesta época, principalmente em Kingston, os radiotransmissores6 (que possivelmente tenham chegado a ilha através das bases militares americanas) possibilitavam a sintonia de algumas estações de rádio estadunidenses. Foi quando entrou em cena o rhythm and blues7 de New Orleans (PENHA, 2003).
Na ótica de White (1997), é natural que os jamaicanos gostassem naquela época de músicas com swing, visto que este ritmo originário de bandas negras americanas se tornou demasiado popular após a Segunda Guerra Mundial.
O swing chegava à Jamaica pelo rádio. Algumas das estações serviam exclusivamente a um público de classe média. Outras bandas se apresentavam em locais mais populares, a que os negros tinham acesso. Puderam escutar o swing, o jazz, a rumba e as baladas compostas por Tim Pan Alley, o beco dos compositores, junto com o mento local [...] Considerando que o mento é proveniente da área rural, trata-se de um gênero sobrevivente de música tradicional. Porém nem o mento, tampouco o swing das bandas de sociedade eram o som adequado às necessidades dos jamaicanos urbanos. Preferiram o rhythm & blues (R&B) da cultura negra dos Estados Unidos (WHITE, 1997, p. 24-25).
A música negra americana foi bem recepcionada pelo povo jamaicano. Talvez este fato se explique pela semelhança entre os problemas enfrentados pelos negros das duas nacionalidades. Ou então, houve aí uma espécie de (re)unificação através do sentimento de pertencimento (seja à uma classe social específica, ou a um grupo étnico).
Possuindo as características que possui, possivelmente o reggae não poderia ter surgido em outra localidade. Não se trata somente de mais um ritmo da música negra, mas sim de um fenômeno social oriundo da fusão de elementos culturais africanos; cosmovisões cristã, rastafári e burru; contradições sociais explícitas e um povo que gostava muito de música. Há quem diga que até mesmo a localidade geográfica favoreceu o surgimento do reggae na Jamaica, pois na época as ondas sonoras de algumas rádios estadunidenses chegavam cortadas, dando às músicas norte-americanas – especialmente ao R&B – um ritmo entrecortado. Talvez esta explicação não passe de uma lenda, ou mito.
No entanto, para Bergman (1997, p. 123) o rádio foi de fato “[...] o responsável pela maior transformação da música jamaicana”. O autor afirma ainda que, no fim da década de 1950, duas estações de rádio americanas que tocavam clássicos da música estadunidense podiam ser sintonizadas da Jamaica. Nos dias de boas condições meteorológicas podia-se captar ondas de radiotransmissoras “[...] que executavam as grandes orquestras de swing, R&B, e toda a variedade de ritmos de New Orleans” (BERGMAN, 1997, p. 123-124).
Retornando à história, na década de 1950, apesar de embalada pelo blues americano e pelo calipso local, a Jamaica fez surgir o ska (CARDOSO, 1997). Para Carvalho e Braga (2008, p. 3), “o Ska é um estilo que nasceu ligado ao período de grande entusiasmo e afirmação dos valores culturais locais, numa época em que a Jamaica fervilhava de talentos musicais”. Este novo ritmo misturava elementos africanos (locais) com o R&B estadunidense.
Inicialmente, o ska foi recebido pelo público do mento com certo receio (leia-se preconceito), pois vinha diretamente dos guetos (CARVALHO & BRAGA, 2008). Mas alguns anos depois ele ganharia ouvintes não somente na ilha, mas também na Europa. Como lembra Bergman (1997, p. 125):
[...] por volta de 1962, uma sede dessa música [ska] desenvolveu-se na Inglaterra, e os clubes de ska espalharam-se por Londres. Um jovem branco criado na Jamaica, chamado Chris Blackwell, fundou a Island Records, que começou a produzir discos na Inglaterra a partir de originais jamaicanos.
A Island Record revelou ao mundo artistas como Derrick Morgan, Jimmy Cliff e, posteriormente, o próprio Bob Marley. Logo, como os europeus agora escutavam o ska (e gostavam!), os jamaicanos resolveram começar a tocá-lo nas rádios. Vale lembrar que o reinado do ska também duraria pouco tempo.
“O rádio, com o tempo, demonstrou ter uma influência grande na formação musical dos jamaicanos e em troca a música da ilha ganhou espaço e popularidade na mídia” (WHITE, 1997, p. 26). Em meados de 1950 o R&B e o mentojá podiam ser ouvidos – graças às estações de rádio – em muitos locais da ilha tropical. Para White (1997) foi justamente a mistura do mento com o R&B, nesse contexto, que deu origem ao ska8 . Este último fez surgir o rock steady, o qual ‘abriu alas’ para o reggae. O reggae não surgiu, portanto, como uma ‘batida’ genuinamente nova. As influências do calipso, do mento, do ska, do swing, e até mesmo do blues americano deixam claro sua herança negra.
Mas uma coisa é certa, o ska dos anos 1950, embora muito relacionado à música americana, já mostrava algo de genuinamente jamaicano. Não era somente uma imitação do jazz ou blues dos estadunidenses. Muito embora, como a situação social dos negros era semelhante em ambos os países, percebia-se nas letras a fusão do romantismo com a abordagem das injustiças sociais.
O ska havia reunido na sua formação diversos elementos da cultura negra estadunidense e caribenha. Sua base havia sido constituída na cultura local: o mento (made in Jamaica), o calipso e a filosofia rastafári. Contudo, ele contou também com influências americanas: a estrutura do R&B e o ritmo dançante do swing. Nas palavras de Albuquerque (1997, p. 20): “O ska era o mento submetido ao rhythm and blues”.
Guerras, ditaduras, sangue, terror, enfim... crise. Esses momentos foram profícuos à literatura e à filosofia. Não seria diferente com a música! As lutas pela independência jamaicana acirraram-se nos anos cinquenta e início dos anos sessenta. Foi nesse contexto que “[...] os novos cantores jamaicanos concentraram-se na situação econômica e na injustiça social sofrida pelo povo. As letras ainda abordavam o romance, mas também cobriam temas sociais” (WHITE, 1997, p. 36-37). Foi quando o ska deu lugar ao rock steady e a música se tornou mais ameaçadora (politizada). Mas o que seria esse ‘tal’ rock steady? Para Carvalho e Braga (2008, p. 4), seria “[...] o ritmo que dominou as paradas jamaicanas entre o Ska e o surgimento do Reggae, mais exatamente entre o fim de 1966 e a metade de 1968. Sua principal diferença para o Ska é a de ter um ritmo mais lento”.
Se houvesse a possibilidade de traçar uma sequência cronológica, talvez ela se configurasse da seguinte forma: mento (Jamaica) e calipso (Trinidad e Tobago), somados à influência do swing e R&B (Estados Unidos), dão origem ao ska, por volta da década de 1950. Em meados da década de 1960, a redução do tempo no metrônomo fez surgir o rock steady, que durou pouquíssimo tempo. Coincidentemente, o ano de 1968, conhecido como ‘o ano que não terminou’ (principalmente devido à Revolução de Maio de 68 iniciada por estudantes da Universidade de Paris, culminando em uma greve geral na França) foi também “[...] conclamado como o ano do Reggae” (MAGNO & FARIA, 2008, p. 7), com a música Do the reggay, de Toots and Mayatalls.
3. Os sound-systems... o surgimento da indústria fonográfica jamaicana
No cardápio constava, inicialmente, o rhythm and blues americano, e depois música à moda da casa, ska e rock-steady. Um sound-system padrão era constituído por uma caminhonete “envenenada”, coberta de caixas de som e amplificadores. Ali trabalhavam o deejay [DJ] (que poderia ser o próprio dono do SS [sound-system]) e o seletor. O deejay era o responsável pela animação dos eventos, o mestre de cerimônia, inspirado nos disck-jockeys americanos dos anos 50 (ALBUQUERQUE, 1997, p. 47).
Os sound-systems surgiram na Jamaica durante os anos quarenta (1940), mas somente ganhariam impulso pouco antes da independência jamaicana, que ocorreu em 1962 (ALBUQUERQUE, 1997). Na ilha, a música encontrava um grande desafio: alcançar as periferias (grande parte da população). Os discos eram caros e de difícil acesso. Foi assim que surgiram – no intuito de levar a músicas às periferias – as primeiras camionetes equipadas com alto-falantes potentes. Esses carros carregavam consigo as músicas, as festas (bailes) e o ‘sucesso’. Nas palavras de Albuquerque (1997, p. 17): “parentes caribenhos dos trios elétricos, os sound-systems são a espinha dorsal da música jamaicana” 9.
Segundo Bergman (1997), os sound-systems haviam surgido para ocasiões de mau tempo meteorológico, quando sintonizar as estações de rádio estadunidenses era impossível. Penha (2003, p. 33) complementa o entendimento desta questão ao afirmar que haviam
[...] problemas para conseguirem-se discos daqueles artistas ouvidos pelas ondas de rádio. Além de caros, eram raros. Para o povo, além da falta de dinheiro, não existiam lojas que pudessem oferecer algum disco. Criou-se, então, mediante a necessidade, uma solução original. Como o povo não poderia ir até os discos, os discos foram até eles, usando-se as primeiras sound-systems, caminhonetes ou caminhões equipados com alto falante de muita potência, que levavam a música até a massa, embalando o gosto musical do povo, transformando as ruas de Kingston em um verdadeiro baile ao ar livre.
Entende-se, portanto, que as causas do surgimento desses equipamentos de som são diversas. O que de fato importa observar é que o surgimento destes equipamentos de som trouxe consigo a semente da indústria fonográfica jamaicana, pois os donos dos principais sound-systems tornar-se-iam posteriormente agentes da música naquela ilha. Os ‘caras’ que começaram promovendo bailes, seriam – em um futuro próximo – donos de gravadoras, a exemplo de Clemente Seymor Dodd (Sir Coxsone Dodd), que em 1958 fundou a World Disc (seu primeiro selo), e em 1962 abriu em Kingston o Jamaica Recording and Publishing Studio, que mais tarde passou a ser chamado de Studio One. Entre 1963-64, Dodd produziria Simmer Down, apresentando ao mundo o primeiro sucesso de Bob Marley, que já havia gravado com Leslie Kong, mas sem tanta repercussão (MILES, 1997; ALBUQUERQUE, 1997; CARVALHO & BRAGA, 2008; TORRES & PONTES, 2008).
Retomando a história dos sound-systems, a confecção de tais equipamentos demandava um investimento relativamente baixo para um empresário, se comparado ao lucro (garantido) que ele iria gerar. Embora funcionassem ao ar livre, estes equipamentos levavam a música até o público e, em troca, os seus proprietários recebiam – ‘por baixo dos panos’ – incentivos dos donos dos estabelecimentos. Segundo Albuquerque (1997), não havia qualquer sentimento de ‘classe’ entre os donos destes aparelhos de som. O que existia era desunião e concorrência. “Para ganhar o ouro das multidões, valia qualquer coisa. Os reis das ruas compravam discos [direto dos Estados Unidos] e riscavam o rótulo para que ninguém soubesse que música era aquela” (ALBUQUERQUE, 1997, p. 48). Fato semelhante acontecia em São Luís (MA), quando os DJs e/ou magnatas rebatizavam as músicas importadas que faziam sucesso, para que assim nenhuma outra radiola soubesse do que se tratava. Tudo acontecia em nome da exclusividade. Assim surgiram os ‘melôs’ e as ‘pedras’10 .
Os sound-systems jamaicanos tinham a capacidade de reproduzir música em alto volume, já que eram equipados em carros e/ou caminhões. Na década de 1960, antes mesmo da explosão do reggae, já existiam diversos equipamentos de som como estes em Kingston. Essas aparelhagens tocavam em bailes os sucessos da música negra americana (R&B, Swing, Jazz, Blues etc.). A demanda por música era grande e muita coisa que estava vindo na década de 1950 dos Estados Unidos já não animava os caribenhos. A exigência era: música jamaicana para jamaicanos.
Nos bailes dos sistemas de som, a música tornava-se cada vez mais dançável. Nestes momentos, o alvo da atenção eram os DJs (disc-jóqueis), aos moldes do rock and roll da década de 1950 nos Estados Unidos. Mais uma vez retoma-se Santos (2009), que em seu estudo sobre o reggae das radiolas em São Luís/MA, destaca o papel das radiolas11 no circuito reggae daquela cidade. Lembra também do capital simbólico que tinham os DJs nas festas de reggae. Assim como na Jamaica, em São Luís os DJs gozaram – por certo período – do privilégio de serem vistos como as ‘estrelas do reggae’. Eles marcaram uma época de forte interação entre público e artista.
Em meados do século XX, a música (em si) começava a diminuir de ritmo. Nos Estados Unidos, o R&B abria espaço para o soul que, misturado ao jazz originaria uma nova forma de música rítmica e dançante, o funk music. Estes gêneros musicais começavam a ganhar espaço radiofônico no mundo inteiro. A década de 1960 foi, portanto, um período de muita fertilidade para a música no mundo todo. Surgiram estilos mais lentos, porém, com letras mais densas (leia-se ricas, em termos de ‘reflexão’, ‘crítica social’). É neste contexto que surge na Jamaica o rock steady.
Conforme Miles (1997, p. 235-236):
O ska perde seu ritmo rápido e entrecortado durante o verão quente e causticante em 1966. O resultado é um ritmo mais temperado, com uma nova dança chamada rock steady, que se concentrava no contrabaixo, guitarra rítmica, órgão e bateria, com mais ênfase para a parte vocal, interpretando letras substanciais.
Ao entrar em cena na segunda metade da década de 1960, o rock steady passa a predominar em detrimento do ska e de outros ritmos. O tempo era bom e o solo era fértil. A Jamaica – assim como o mundo todo – estava prestes a vivenciar um período de grande fertilidade musical. Foi quando surgiu Bob Marley, o rei do reggae.
4. Bob Marley and The Wailers
Robert Nesta Marley, filho do capitão Noval Marley (homem branco, inglês) e Cedella Booker, nasceu em 1945, em Nine Miles, Jamaica. Como a gravidez de Cedella não estava nos planos do capitão, este a deixaria pouco depois, mesmo ela carregando em seu ventre um filho. Marley foi, portanto, criado sem maiores contatos com o pai biológico. A figura mais próxima que o astro do reggae teve de um pai foi o seu avô, Omeriah Malcom, homem profundamente conhecedor das crenças da ilha e espécie de “autoridade espiritual” (ALBUQUERQUE, 1997).
Como fora dito, naquela época a Jamaica se industrializava. A situação no campo não era das melhores. Daí que, a mãe de Marley decide mudar-se para Kingston, acompanhando as massas que migravam para a capital em busca de melhores condições de vida. Chegando na capital, Cedella e Marley passaram a viver em conjuntos habitacionais de Trench Town, “[...] a área menos nobre da cidade” (ALBUQUERQUE, 1997, p. 62). Ali cresceu Bob Marley (como passou a ser chamado), juntamente com seu amigo Neville O’Riley Livingston (mais tarde conhecido como Bunny Livingston, e posteriormente Bunny Wailer) (TORRES & PONTES, 2008).
A situação financeira dos Marley não era das melhores, fato que fez Bob largar muito jovem os estudos para trabalhar e ajudar (mesmo com pouco) no orçamento familiar. A música, porém, nunca deixou de ser um sonho. Desde criança Bob e Bunny cantavam pelas calçadas de Trench Town, sonhando tornarem-se astros da música jamaicana. Certo dia, Bob foi ao estúdio Musik City, de Coxsone Dodd (proprietário de um dos sound-systems mais famosos da ilha, e mais tarde grande empresário do ramo da música) “disposto a mostrar algumas das suas composições” (ALBUQUERQUE, 1997, p. 63). Dodd não estava lá, e na oportunidade Bob conheceu Leslie Kong, produtor que havia revelado o jovem garoto Jimmy Cliff. O ano era 1962, e conforme narram Torres e Pontes (2008, p. 22):
Bob Marley foi ouvido por [...] Leslie Kong que, impressionado pelo talento do jovem cantor, o levou a um estúdio para gravar algumas músicas. A primeira delas, Judge Not, logo foi lançada pelo selo Beverley’s. No ano seguinte, Bob decidiu que o melhor caminho para alcançar o sucesso era fazer parte de um grupo, chamando para isso Bunny e Peter para formar os Wailing Wailers.
Bergman (1997, p. 128) complementa a narrativa deste episódio ao afirmar que “[...] Bob Marley aventurou-se a fazer uma gravação solo, depois de encontrar Jimmy Cliff, que com idade de quatorze anos já conseguira dois sucessos”. Na época, Bob trabalhava como soldador e quase havia perdido um olho. Este evento fez sua mãe tirá-lo do emprego. Daí em diante, o futuro astro dedicar-se-ia somente à música, juntamente com seus amigos Bunny e, posteriormente, Peter.
Os frutos dessa primeira experiência musical (solo) não saíram como Bob sonhara. Suas músicas tocaram poucas vezes nos sound-systems, e isso – naquele contexto – era o mesmo que ‘não fazer sucesso’. De imediato, o que importava para Bob Marley é que ele havia ao menos tentado realizar o seu sonho, mesmo não havendo logrado êxito num primeiro momento.
Frustrado com a experiência que havia tido com seu primeiro produtor, Leslie Kong, achando até mesmo que havia sido explorado por ele, Bob Marley não desistiu. Muito pelo contrário, resolveu aperfeiçoar sua técnica. Foi quando “[...] resolveu entrar em um curso informal de canto ministrado por Joe Higgs” (ALBUQUERQUE, 1997, p. 63), músico muito respeitado naquela época que logo se interessou pelo trio (Bob, Bunny e Tosh), e passou a ensinar-lhes blues e jazz, bem como os princípios rastafári. Segundo Albuquerque (1997), foi neste curso de canto ministrado por Joe Higgs, em Trench Town, que Marley e Bunny conheceram Peter McIntosh (que logo abreviaria seu nome para Peter Tosh). O primeiro nome que os três jovens amigos deram a banda foi The Teenagers, que logo depois seria mudado para The Wailing Rude Boys12 (BERGMAN, 1997, p. 128).
Definir exatamente o nome que a banda utilizou neste ou naquele momento é de fato uma questão complicada, visto que este é um dos motivos de tantas brigas e, alguns dizem, da saída do próprio Peter Tosh do grupo. Entretanto, sabe-se que, quando surgiu o The Wailers (em 1962) o grupo tocava ska, rock steady e outros ritmos badalados naquela ilha. Era o período de ‘gestação’ do reggae.
Em 1963, The Wailers juntamente com o supergrupo de ska The Skatalites, sob produção de Clement Coxsone Dodd – o próprio –, alcança reconhecimento com a música Simmer Down, primeiro grande sucesso de Bob Marley. Era uma espécie de mensagem aos rude boys dos guetos jamaicanos (MILES, 1997). A música de Bob virou um hit e passou a tocar em todos os sound-systems da ilha, o que a fez chegar ao primeiro lugar entre os compactos mais vendidos da Jamaica em fevereiro de 1964 (ALBUQUERQUE, 1997).
Dodd tinha uma visão muito comercial e uma das suas exigências para que continuasse produzindo o grupo era afastá-lo do movimento rude boys, já que neste momento o grupo estava tão engajado à causa que até parecia um ‘porta voz’ do gueto. Na visão de Albuquerque (1997, p. 64), ficava, portanto, “evidente a diferença entre o que os Wailers queriam fazer e o que Dodd queria que eles fizessem”. A indústria cultural tem dessas coisas: tira-se o potencial crítico do artista a fim de aumentar seu público. Esta e outras coisas enfraqueceram a relação Bob-Dood.
Cedella, mãe de Bob, havia casado novamente e, em meados da década de 1960, estava morando nos Estados Unidos. As coisas não iam muito bem para Bob, visto que os produtores jamaicanos eram conhecidos por perpetuarem a condição de miséria dos seus artistas (inclusive seus ídolos!). Foi então que, em fevereiro de 1966, Bob resolveu passar uma temporada na casa da mãe em Delaware/EUA (BERGMAN, 1997; ALBUQUERQUE, 1997; TORRES & PONTES, 2008). O intuito era conseguir dinheiro para montar sua própria gravadora. Este empreendimento só se concretizou no início da década 197013 .
Bob permaneceu somente cerca de oito meses nos Estados Unidos. Ao voltar para a ilha percebeu que, embora estivesse se afastado por pouco tempo, algumas coisas haviam mudado bastante: o rastafarismo não mais se restringia ao campo e ganhava cada vez mais seguidores nas ruas de Kingston, especificamente após a visita de Selassié à ilha; o rock steady havia dominado a cena musical em detrimento do ska; e a situação política na Jamaica estava de mau à pior. Pouco tempo após sua chegada, Bob “[...] convidou Peter e Bunny para novamente formarem um grupo, agora chamado The Wailers” (TORRES & PONTES, 2008, p. 22). Seria mais uma reformulação do grupo, seguida de uma mudança de nome.
De volta à ilha, e ao grupo, Bob Marley percebera – depois de mais uns trabalhos – que a parceria Wailers-Dodd se esgotara. Coxsone Dodd agora tinha uma variedade de artistas para produzir, havia deixado de ser um aspirante à produtor, e tornara-se propriamente um agente da música (seu negócio havia crescido). O grupo ainda tentou um retorno à parceria com Leslie Kong (primeiro produtor de Marley), que também não deu certo. Conforme Bergman (1997, p. 129):
A essa altura Lee Perry, o engenheiro de Coxsone, adquirira seu próprio equipamento de gravação e refinava no estúdio os elementos que iriam compor o reggae, adicionando efeitos e ecos. Na música dos Wailers colocou a voz de Marley à frente, ressaltando o timbre queixoso que lembra um oboé. As músicas que Perry e os Wailers fizeram seriam o cerne do estilo que impressionou o mundo em 1973...
A associação Wailers-Perry foi bom para ambos os lados. Rendeu ao grupo grandes produções, como Small Axe, Soul Rebel e Duppy Conqueror, além dos Wailers terem incorporado a banda de estúdio de Perry (ALBUQUERQUE, 1997; TORRES & PONTES, 2008). Bergman (1997) corrobora com esta visão, e adiciona entre as produções de destaque Trenchtown Rock. Os Wailers teriam acabado de conhecer o ‘cara’ que revolucionaria as técnicas de gravação em estúdio.
No início da década de 1970, mais especificamente em 1973, a ilha apresenta ao mundo Bob Marley and The Wailers. Essa ‘mudança de nome’ geraria mais confusão entre os integrantes dos Wailers. Peter Tosh, já enciumado pelo destaque que Bob Marley tinha na mídia – sendo apresentado como uma espécie de líder da banda – se irritaria, e por esta e outras questões se separaria do grupo meses depois. Entretanto, o episódio não se resume a isso. O fato é que, após irem até o Reino Unido para se apresentarem com Johnny Nash, os Wailers ficaram sem dinheiro para voltar para a Jamaica. Foi então que eles procuraram o produtor Chris Blackwell e o convenceram a adiantar dinheiro para a banda voltar à Jamaica e gravar um álbum. Pouco tempo depois este álbum fora lançado, incluindo nove canções, duas delas escritas por Peter Tosh e as demais por Bob Marley. A questão é, vinte mil copias do disco tiveram uma capa especial, e o restante da triagem recebeu na capa uma foto de Bob Marley com um ‘baseado’ (leia-se, cigarro de maconha) gigante, por isso o álbum passou a ser creditado na Europa a “Bob Marley and The Wailers”. Tosh se irritara profundamente com o destaque que a gravadora havia dado à figura de Marley.
Lançado em abril de 1973, Catch a Fire foi o primeiro álbum gravado pela Island Records, e trouxe fama internacional para o grupo. As letras de caráter social e militante atraíram muitos ouvintes, além dos temas controversos e uma visão otimista em relação a um futuro livre de opressões, influenciadas pelo movimento rastafári. Na ótica de Albuquerque (1997, p. 66), esta nova parceria com Chris Blackwell marcou o nascimento de uma nova era “[...] para os Wailers e para o reggae em geral”. Foi a passagem definitiva do rock steady para um novo som. Nas palavras de Torres e Pontes (2008, p. 24), antes de Catch a Fire “[...] as gravadoras achavam que um grupo de Reggae só vendia em singles ou compilações com várias bandas”. Ou seja, a aposta de Blackwell ao lançar um disco com músicas somente de uma banda quebrou as regras do mercado.
De saldo, a parceria Wailers-Perry rendeu à banda, no mínimo, a entrada no Velho Mundo, e a separação do grupo. Bunny, e principalmente Peter, não se agradavam muito do fato da Island ter tornado Bob Marley o pivô da banda. Unidos, os Wailers lançaram – ainda no ano de 1973 – outro disco de sucesso: Burning. A aceitação do público foi praticamente instantânea, pois neste disco estavam Get Up, Stand Up (talvez a última parceria Marley-Tosh), e I Shot the Sheriff, música que mais tarde seria gravada por Eric Clapton (ALBUQUERQUE, 1997; PONTES & TOREES, 2008). Na visão de Miles (1997), o ano de 1973 marcou definitivamente a estreia de Bob Marley e os Wailers no mercado americano (e europeu), sob aplausos de grandes críticos da música. E, ainda conforme Miles (1997), em 1974, Eric Clapton sobe ao topo das paradas de sucesso com I Shot the Sheriff. Era a Jamaica (Bob Marley) sendo cantada agora na voz dos britânicos, e o reggae ganhando audiência entre os ouvintes do rock.
Apesar de todo o sucesso alcançado com Catch a Fire e Burning, em 1973, o trio (Marley, Bunny e Tosh) se desfaz. “Quando o disco Natty Dread viu as ruas, nem Peter Tosh nem Bunny (que adotaria, a partir daí o sobrenome Wailer) estavam mais ao lado de Bob Marley, os dois tendo seguido as respectivas carreiras solo” (ALBUQUERQUE, 1997, p. 67). Na lacuna, foi adicionado à banda um trio vocal feminino que se chamou I-Threes, e era composto por Rita Marley (esposa de Bob) e duas outras cantoras. Daí em diante, o sucesso de Bob Marley se internacionalizaria cada vez mais. Segundo Albuquerque (1997, p. 67), Live e Rastaman Vibration marcam a definitiva aproximação de Bob Marley ao mainstream (o grande mercado). Miles (1997, p. 238) corrobora com esta visão, e complementa afirmando que, com estes discos,“[...] em 1976, os Wailers [que na verdade se resumia agora a figura de Bob Marley] tocavam para uma audiência internacional cada vez maior”.
Portanto, em meados da década de 1970 Bob Marley já era uma figura emblemática na Jamaica. Suas letras, que já haviam sido “[...] a própria linguagem da revolução” (MANLEY, 1997, p. 19), agora eram mais espiritualizadas, revelando fortemente a influência rasta. Em Rastaman, por exemplo,Bob musicou um dos discursos do próprio Selassié (imperador da Etiópia), em uma música intitulada War. Entretanto, a violência política na ilha já havia chegado ao extremo, ao ponto de afetar até mesmo ele (Bob). A paz tanto pregada pelo reggae, e a espiritualidade rastafári, não mais conseguiam acalmar as massas.
Nessa altura do campeonato, Bob Marley já portava um certo volume de capital social. Foi, portanto, considerando o volume de capital social (representação simbólica) que tinha Bob ante os jovens jamaicanos que, conforme relata Bergman (1997, p. 130), as autoridades da ilha o convidaram para se apresentar em um evento realizado “no ano de 1976, em pleno caos político na Jamaica”. Bob concordou em dar suas contribuições, tendo em vista que o evento estava sendo promovido no intuito de “diminuir as tensões eleitorais”14 . Pouco antes de subir ao palco, revoltosos invadiram a casa de Bob (em Kingston) e machucaram-no, agredindo também seu empresário e sua esposa, Rita. Mesmo com o braço ferido (em uma tipoia), Bob Marley realizou o seu show.
Torres e Pontes (2008, p. 25) proporcionam uma leitura diversa da de Bergman (1997) sobre o acontecimento, quando dizem em sua narrativa que “Bob decidiu dar um concerto aberto no Parque dos Heróis Nacionais de Kingston, em cinco de dezembro de 1976”. Entretanto, se o concerto foi oferecido por Bob, ou se ele foi convidado pelas autoridades apenas para participar dele não é aqui o foco. A questão é: a imagem de Bob já tinha uma forte representação entre os jamaicanos, embora isso não tenha impedido que alguns indivíduos tenham tentado agredi-lo. Albuquerque (1997, p. 67-68) narra o episódio da seguinte forma:
Um pouco antes do show, enquanto ensaiava no estúdio que montara em sua própria residência no número 56 da Hope Road, no centro de Kingston – e que se transformara em uma casa-de-mão-joana rasta, onde era intenso e descontrolado o vai-e-vem de pessoas – Marley viu a morte de perto. Alguns dias antes, ele havia sido ameaçado por pistoleiros de Concrete Jungle – uma das áreas mais barra-pesadas do próprio gueto – que cobraram dele uma aposta não paga por um amigo seu [...] Eles queriam que Marley honrasse a aposta e ficaram de passar, diariamente, na sua casa parra pegar dinheiro, até que a dívida fosse paga. Durante 25 dias, isso foi feito religiosamente pelos marginais. No sexto dia, eles não apareceram, possivelmente assustados com a segurança que o PNP, o partido de Marley, havia colocado em frente à casa. À noite, porém, os seguranças sumiram na fumaça. Seis pistoleiros aproveitaram-se disso e invadiram a casa, disparando em todas as direções onde algo se mexesse. Quando o fogo cessou, entre os feridos, estavam Rita, atingida na cabeça, e Bob, no braço.
Devido ao acontecimento, Chris Backwell, produtor de Marley, resolveu que ele deveria passar a residir em Londres. A partir de então, Bob não somente se estabeleceria na Europa, bem como se afastaria um pouco dos guetos de Kingston (o que não significa que tenha ficado indiferente quanto à situação dos jamaicanos). Os novos ares proporcionaram à sua música um toque mais poético, com letras mais românticas como Is This Love, do disco Exodus, primeiro fruto do seu exílio na Europa.
No final da década de 1970, Bob Marley já era um superstar, um grande astro do terceiro mundo. Foi quando ele aproveitou a cena para lançar Survival, no qual mostrava-se atento aos movimentos de libertação na África. Seu próximo disco, Uprising, lançado em 1980, acabou sendo seu último disco oficial. Em setembro do mesmo ano, durante um concerto em Nova York, Bob desmaiou no palco no meio de uma música. Dias depois, médicos descobriram que ele tinha câncer no cérebro.
“No dia 11 de maio de 1981 [com apenas trinta e seis anos de idade], em um hospital em Miami, Bob Marley morreu” (ALBUQUERQUE, 1997, p. 70). A doença tinha sido descoberta às vésperas de uma grande excursão pelos Estados Unidos, o que o obrigou a desistir. Morreria alguns meses depois. Entretanto, esses eventos não impediram que a sua música viesse a garantir o seu lugar entre os astros afro-americanos. Muito pelo contrário, sua morte o tornou símbolo do movimento reggae no mundo inteiro (SCHWARTZ, 1997).
Albuquerque (1997) e Torres e Pontes (2008) destacam que, três anos antes de morrer, Bob havia se machucado em uma partida de futebol (uma de suas paixões). O machucado infeccionou o seu dedo, revelando problemas imunológicos. Os médicos sugeriram amputar o dedão, na tentativa de prevenir que a infecção se espalhasse pelo corpo. “Bob recusou, baseado em suas crenças rasta. Segundo ele, nenhum pedaço do corpo de um rasta poderia ser cortado” (ALBUQUERQUE, 1997, p. 70).
5. Reggae e ‘rastafarismo’
Assim como o punk, o reggae surgiu como uma espécie de movimento contracultura que veiculava críticas ao sistema estabelecido. Era música de protesto! Como afirmou Pimenta (2012, p. 19), “uma das características encontradas na música [reggae] é a crítica social”. O gênero destacou-se por cantar “[...] a desigualdade, o preconceito, a fome e muitos outros problemas sociais” (PIMENTA, 2012, p. 19). Logo, não se poderia analisá-lo sem tocar em um ponto como este. Outrossim, a espiritualidade rastafári é questão imprescindível em um trabalho sobre o reggae. Esta crença representava o povo do gueto tão quanto a música; sem contar a forte influência que ela teve nas próprias composições dos artistas ‘reggaeiros’.
Em síntese,
O reggae surgiu na Jamaica, em meados dos anos sessenta, como conseqüência de uma evolução rítmica e musical, desde as tradições negro-africanas, passando pelo mento, pelo rock-steady, rhythm and blues, além das influências marcantes do rastafarianismo. Desde o seu início, e ao longo dos anos setenta do século XX, o reggae concentrou todas as expressões sociais, culturais e políticas da Jamaica, por meio de compositores e cantores, adeptos do rastafarianismo, que se tornaram profetas, críticos sociais ou líderes espirituais, atribuindo-lhe uma característica de movimento messiânico. Inspirado em interpretações bíblicas, o rastafarianismo constituiu-se numa alternativa de construção da nacionalidade para milhares de jovens jamaicanos, que viviam no desemprego e na marginalidade, especialmente a partir da industrialização da Jamaica, nos idos de 1950, por isso tornou-se um amplo movimento popular na Jamaica, refletindo uma identidade cultural de oprimidos que adotavam o reggae como o símbolo da expressão de suas angústias (SILVA, 2007, p. 22).
Portanto, “o comprometimento com a denúncia e com as transformações sociais, aliadas à mensagem religiosa, se tornaram os fundamentos do Reggae” (CARVALHO & BRAGA, 2008, p. 4-5, grifo nosso), fatos que se evidenciam na sua forte relação com a crença e o modo de vida rastafári.
Os rastafáris veneravam Haïlé Selassié (imperador da Etiópia entre 1930 e 1974) como uma espécie de Messias, e identificavam-no como o rei da redenção africana. Pregavam o retorno do povo negro à África (terra-mãe), a utilização de maconha em rituais e a proibição do corte de cabelo. Estes indivíduos (fiéis) já ocupavam os guetos de Kingston e St. Andrew em meados da década de 1920, e por volta de 1930 se misturaram ao povo Burru, que conservavam (da cultura africana) em seus rituais a utilização de instrumentos de percussão. Para Manley (1997, p. 18), ao se escutar os ritmos jamaicanos, “[...] desde mento até reggae, percebe-se a exposição do problema da identidade. A raiz africana está presente, particularmente na utilização da percussão”. Essa união rasta-burru foi profundamente benéfica para a música jamaicana e, principalmente, para o reggae (WHITE, 1997), como já foi comentado anteriormente.
Segundo Bergman (1997, p. 126), “o rastafarismo é o nacionalismo negro misturado às crenças cristãs e das seitas afro-cristãs [... que] começou com uma profecia realizada [...] por volta de 1912”, por um pregador 15 que declarou que o seu povo deveria se voltar para um acontecimento na Etiópia, marcado pela coroação de um rei negro. Este seria o Redentor. Em 1930 Haïle Selassié I 16 foi coroado rei da Etiópia, recebendo o título de ‘Negus Ras Tafari’. Alguns jamaicanos passaram a vê-lo como ‘Aquele’ que salvaria o mundo e declararam-se ‘rastafáris’.
Inicialmente, os ‘rastas’ viviam no campo, plantando maconha (‘ganja’) e fumando-a em seus rituais17 . Não cortavam os cabelos (‘dreadlocks’), que permaneciam em estado natural (sujos e torcidos), em alusão à pessoa de Sansão 18. Observa-se aí, portanto, a mistura de elementos das culturas africana e cristã. Ousa-se dizer que o estigma que ainda hoje é dado ao reggae, fazendo com que muitas pessoas o associem ao uso excessivo de maconha é proveniente da ignorância quanto ao uso desta erva nos rituais rastafáris. Certamente, faz parte da cultura ‘rasta’ que está plenamente associada ao reggae. Sendo necessário, desse modo, enxerga-la como ‘elemento simbólico’, abstendo-se de possíveis analises pejorativas e/ou moralizantes.
Quanto à natureza do fenômeno, é importante destacar no reggae dois aspectos fundamentais. A priori, a influência folclórica da cultura africana. Uma das coisas que os opressores que realizaram o tráfico negreiro não puderam tirar dos africanos. A posteriori, o efeito causado por este ritmo jamaicano que rompeu – no início da década de 1970 – as fronteiras da América Central, ganhando ligeiramente um público expressivo nos Estados Unidos, no Brasil e, principalmente, em Londres (onde estavam as grandes gravadoras da época).
Se a pena foi considerada uma arma perigosa em países de grandes pensadores, incitando movimentos como o Iluminismo, na Jamaica certamente isso pode ser dito da música. Com estrutura educacional deficitária, o reggae assumiu também o papel de educador e/ou denunciador dos problemas sociais. Nas palavras de Penha (2003, p. 35), o reggae tornou-se – a partir de meados dos anos 1970 – uma “bandeira de luta contra a opressão social”.
Neste ínterim (1940-1970), muita coisa aconteceu. Não somente a industrialização jamaicana, bem como seu processo de independência. A urbanização provocou também uma certa ruptura rural-urbana, muito embora os negros do campo trouxessem paras as cidades a chamada ‘cultura crioula’, de forte influência africana.
No início da década de 1960 os Wailers convidam os jovens caribenhos a ‘abrandar a fervura’ (Simmer Down – música do Bob Marley). Esta música representou a significativa entrada dos Wailers no cenário musical jamaicano. Cantando o amor a Deus, a (in)justiça social, a revolução e a união dos negros, esses jovens incitaram o movimento ‘rudie’. O termo rude boy referia-se àqueles contra o sistema e que viviam de forma marginal. “Descreve os jovens anarquistas e revolucionários das classes mais pobres, [...] e também os inspirados na cultura rasta, como os Wailers, que rejeitavam os padrões dos brancos” (WHITE, 1997, p. 39).
Os anos entre 1950 e 1970 foram de grande representatividade para a cultura negra, especificamente a música. Marcaram essas três décadas artistas como Aretha Franklin, Ray Charles, Marvin Gaye, Otis Redding, Steve Wonder, James Brown, Bob Marley, Gilberto Gil, Tim Maia, entre outros. Nos guetos dos EUA questionava-se a legitimidade da democracia. Em muitos países africanos e sul-americanos o cenário era de guerras civis pela independência. Estas turbulências sempre foram profícuas às expressões artísticas. No Brasil, por exemplo, não foi diferente. A ditadura militar (1964-1985) fez aflorar o imaginário de muitos compositores hoje considerados grandes nomes da música brasileira.
Em resposta ao aumento da militância nas ruas de Kingston (e das grandes cidades) – por volta de 1965 – o governo jamaicano intensificou a repressão policial. Neste momento, música popular e filosofia rasta se fundiam em um único grito, pois os rastafáris aguardavam a visita da sua majestade imperial, Haïle Selassié I da Etiópia. A visita aconteceu em abril de 1966, fato que marcou profundamente os movimentos rasta e reggae. O aumento da brutalidade contra os pobres e negros fez a população se unir, intensificando ainda mais o conflito e ressaltando as divisões da sociedade. “O pré-reggae tornou-se [neste contexto] um barômetro social, o meio principal de protestar pacificamente contra condições intoleráveis” (WHITE, 1997, p. 40). Como bem disse White (1997, p. 42), “apesar do conteúdo, algo mais se desenvolveu [no reggae]: moralidade, protesto sem medo e transcendência da música. Tais qualidades, evidentes no reggae atual, já existiam quando o rock steady se transformou no reggae, ao final da década de 1960”.
O reggae não caiu do céu! Também não foi uma invenção genuinamente ‘original’. Diz uma lenda que ele nasceu em algum dia de 1968, “[...] quando Toots and the Maytals gravaram um pequeno número chamado “Do the Reggay”. Mas [...] “reggae” era apenas uma expressão circulando nas ruas, equivalente a “gasto, coisa de todo dia” (raggedy)” (GRASS, 1997, p. 43). Com a popularidade de Do the Reggay, gravada em vinil e circulando por toda a Jamaica, o termo Reggay se popularizou, também associado a outras pronúncias, como reggae, que viria depois ser tomado como um novo ritmo.
Há um certo desencontro entre as concepções acerca do sentido do termo. Silva (2007), diferente de Grass (1997), por exemplo, afirma que “não existe um significado específico para a palavra reggae. Alguns a consideram originária das misturas de línguas afrocaribenha e inglesa, presentes na Jamaica, significando “raiva”, ou “desigualdade” [...]” (SILVA, 2007, p. 23).
Grass (1997, p. 44), que além de escritor foi também músico, ao analisar a música Do the Reggay diz: “conservava muitos maneirismos típicos do rock steady, mas novos aspectos de ritmo foram introduzidos. O baixo tornou-se mais forte e enfático [...] A guitarra era tocada de forma mais cíclica [...] O pulso da Jamaica diminuíra outra vez...”. Embora a análise de Grass acima se tenha voltado para os aspectos sonoros e melódicos da música, a diferença entre rock steady e reggae também é patente quanto às letras. Enquanto aquele fora exageradamente romântico, o reggae exprimia sem censura a vida no gueto, além de cantar o sofrimento, a desigualdade social e as metáforas apocalípticas da bíblia e do movimento rastafári.
No final da década de 1960, segundo Grass (1997), o proto-reggae já era produzido em uma infinidade de estúdios que iam surgindo na Jamaica. Nessa época, destacavam-se Coxsone Dodd, Lee Scratch Perry e Leslie Kong. Ainda nesse período, um avanço técnico proporcionou ao reggae certo desenvolvimento. Dodd retornava da Inglaterra com um gravador de dois canais, câmaras de eco e outros equipamentos, o que proporcionaria uma melhor mixagem após a gravação. “Lee Perry começou a trabalhar no estúdio de Dodd como arranjador autônomo e assistente de produção [...] Quando os Wailers chegaram até ele em 1969, Lee estava pronto para liberar seu sentido rítmico e realizar algumas das melhores gravações da época” (GRASS, 1997, p. 48-49).
Com a contribuição dos equipamentos de gravação do final da década de 1960, o reggae pôde desenvolver suas principais características sonoras: um estilo mais lento (se comparado ao ska e ao rock steady), com compassos acentuados pelo contrabaixo na segunda e na quarta batida. A gravação em linhas diversas proporcionou a divisão dos instrumentos. Ou melhor, entre aquilo que sai nos woofers (o som pesado e grave do contrabaixo) e o que sai nos médios e agudos (a voz do cantor, a guitarra e alguns outros instrumentos). As partes eram gravadas em canais diferentes, o que possibilitou um som mais limpo após a mixagem. Entretanto, na visão de Ehrlich (1997, p. 66),
Foi durante o rock steady que o baixo assumiu por completo sua importância única na música jamaicana. O baixo no reggae é apenas a última e mais forte expressão de uma predisposição cultural para os sons graves que data de uma época anterior à chegada dos instrumentos elétricos norte-americanos à Jamaica. Esse gosto se faz sentir nos grupos de mento, em que um galho oco era utilizado para produzir padrões de tuba ritmados com uma melodia solta, geralmente fora de tom, mas dentro do ritmo.
Ainda em 1969, com a volta de Bob Marley dos Estados Unidos, a retomada da parceria entre Wailers e Dodd, e a participação de Lee, são produzidos dois discos que colocaram a banda no cenário internacional: Soul Rebels volumes I e II, batizados na Inglaterra de African Herbsman e Rasta Revolution, respectivamente. Para Grass (1997), o reggae tinha de fato nascido, e Lee Perry tinha inserido ritmos africanos em sua batida.
Falou-se muito em protesto. Outrossim, não seria prudente ignorar o entretenimento! Os mais românticos dirão que o reggae era, mais do que qualquer outra coisa, revolução19 . Não se entrará nesta questão. O certo é que, em meio ao mal-estar causado pelas desigualdades sociais (latentes até) o reggae foi também diversão. Na década de 1970 ele não somente já havia nascido, como também partia para o ‘ataque’ (mercado). Desde os guetos de Kingston até às capitais europeias, o reggae já contava com um certo público. Surgia assim um mercado característico, com bandas formadas por percursionistas (em detrimentos dos artistas que tocavam somente com um violão e/ou um teclado).
Para Cheyney (1997), o momento em que Bob Marley e os Wailers tocaram em Zimbabué em 1980, nas comemorações da independência, representa a libertação de uma nação do jugo colonial e o fim da primeira era de ouro do reggae, que se estendeu de 1968 até 1980. Após a morte de Bob Marley “[...] a profundidade do talento dos anos 60 e 70 nunca mais se repetiu” (CHEYNEY, 1997, p. 106). Alguns artistas de grande renome continuaram sua carreira, claro! Entre eles, Rita Marley, Bunny Wailer, Jimmy Cliff, Joe Higgs, Peter Tosh, Gregory Isaacs, entre outros. Entretanto, a onda de cortes abateu muitos artistas, e somente os grandes nomes resistiram. O reggae entrava em um momento de crise, e esta crise era dupla. Por um lado, o vigor das composições de Bob (e sua morte) garantira sua consagração como “rei do reggae” e, ao mesmo tempo, dificultava a entrada de outros artistas no mercado. Por outro lado, os investimentos financeiros que as produtoras faziam nos artistas agora eram bem menores. Mas essa crise foi passageira.
Henry (1997) afirma que, como de imediato ninguém ocupou o espaço de Marley nos palcos, os DJs voltaram à cena com seus sistemas de sons. Os bailes desta vez eram diferentes. “No passado, os primeiros apresentadores [...] apresentavam as músicas e deixavam tocar. Mas os da nova safra eram menos modestos: queriam ser vistos e ouvidos, tanto quanto os cantores e músicos nas gravações” (HENRY, 1997, p. 112). Vale lembrar que, já no final da década de 1970, por saírem muito para tocar no exterior, os regueiros acabaram permitindo que a cultura musical dos DJs voltasse à cena. Embora houvesse ressurgido, essa cultura somente se fortaleceu com a morte de Bob Marley.
Em meados de 1980, DJs como King Jammy’s, Stur-Gav, Yellowman, entre outros, ocupavam o cenário não apenas na ilha, bem como no mundo inteiro. Este último chegou a fechar contrato com a CBS (Columbia Broadcasting System) em 1983, o que o elevou a DJ número um do reggae, tanto na Jamaica quanto no exterior (HENRY, 1997). Em 1985 outro acontecimento impulsionou o reggae: sua inserção no prêmio Grammy. Entre os artistas que chegaram a vencer o prêmio destacam-se Black Uhuru (1985), Jimmy Cliff (1986) e Peter Tosh (1989). O reggae entrava em sua “segunda fase de ouro”. Nesta fase, o legado de Bob Marley volta à cena com os Melody Makers, banda composta por quatro filhos de Bob (Ziggy, Stephen, Cedella e Sharon).
Portanto, o reggae foi, no conturbado contexto da independência jamaicana, arte, espiritualidade, protesto, diversão e muito mais. Esta forma de expressão não tardou a ganhar espaço na vida de muitos jovens europeus e americanos, por isso, é comum afirmar que se tornou mais que simples música. Virou estilo de vida. E no Brasil?
6. Concluindo (e reconstruindo)... Alguns caminhos do reggae no Brasil
Como foi dito, nos anos 1960 surge na Jamaica uma nova geração de músicos que tentavam reinventar o rock steady (ou criar um novo estilo). Essa geração estava atenta aos cânticos (e ideais) rastafáris e tinha forte influência dos ritos africanos, fato que se evidencia na repetição rítmica dos instrumentos de percussão. Na época, devido os motins que levaram à independência jamaicana (1962), havia uma forte pressão social nas ruas de Kingston, o que favoreceu a aceitação do rastafarismo, que aos poucos foi ganhando corpo na ilha caribenha. Assim, essa massa de pessoas – descontente com determinadas injustiças sociais – fez do rastafarismo sua fé, e do reggae uma forma de manifestar publicamente sua ira (MAIA; CAPDEVILLE, 2008). A junção parecia perfeita, o que resultou em músicas que cantavam o retorno à África, a união dos negros (marginalizados), o amor incondicional, o repúdio à ‘babilônia’, e o ativismo. Nas palavras de Moraes e Souza (2009, p. 2), “o reggae surgiu com um propósito de poder revolucionário e, por isso, desde o princípio não se resume à música simplesmente”.
Nesse sentido, o reggae caiu como uma luva no conturbado contexto das décadas de 1960 e 1970. Houve uma boa adesão por parte da classe estudantil. Quando a figura de Bob Marley se internacionalizou, foi de imediato transformada em símbolo de muitos movimentos de ‘contracultura’ nos guetos das grandes cidades. Na época o Brasil vivia o obscuro período da Ditadura Militar (1964-85), fato que culminou no exílio de alguns artistas que através da música veiculavam críticas ao autoritarismo do regime vigente. Caetano Veloso, por exemplo, se encontrava exilado em Londres, e por isso foi um dos primeiros nomes da Música Popular Brasileira a ter contato com o reggae, cantando-o depois em terras brasileiras. Maia e Capdeville (2008, p. 18-19) narram a chegada e a trajetória do reggae no Brasil da seguinte forma:
No fim dos anos 1960, Caetano Veloso cantaria que desceu a Portobello Road, em Londres, ao som do Reggae, o que foi estabelecido como a primeira menção à palavra “Reggae” na música brasileira. Experiências com o ritmo foram tentadas por Jards Macalé, Luís Melodia e outros, mas foi Gilberto Gil quem levou tal influência mais a sério, vendendo mais de 500 mil cópias do compacto de Não chores mais, a versão brasileira de No woman no Cry de Bob Marley. Enquanto isso, no Pará, Maranhão e na Bahia o Reggae também começava a conquistar certo espaço, o que pode ser explicado pela semelhança dos ritmos locais com o da ilha caribenha, que afinal veio da mesma raiz: a África. Apresentado ao ritmo por um vendedor de discos paraense, o dono de radiola Riba Macedo começou a apresentar o Reggae entre os forrós e merengues que tocava em São Luís. Logo o som caiu nas graças dos maranhenses.
Freire (2008, p. 3) corrobora com o que foi expresso na citação acima ao afirmar que “a maioria dos donos de radiola em São Luís reconhece o DJ José Ribamar da Conceição Macedo [Riba Macedo] como o pioneiro a tocar o ritmo jamaicano [reggae] nas festas da capital”. No início da década de 1970 Riba teria conhecido um vendedor de discos chamado Carlos Santos, no Pará, e este provavelmente teria sido seu primeiro contato com o reggae jamaicano. Certamente, após gostar do ritmo o DJ decidiu tocá-lo em seus bailes. Freire destaca ainda que, inicialmente, o reggae era tocado nos intervalos entre músicas agitadas, em festas onde predominavam o merengue, a lambada, o forró e o bolero, ritmos dançados à dois. Daí que, “desconhecendo a religião Rastafari, a filosofia do reggae e o contexto social jamaicano, que faziam com que o povo de lá dançasse demonstrando força, os maranhenses “ressignificaram” a dança, tornando-a mais sensual” (FREIRE, 2008, p. 3).
Acredita-se em várias das versões que narram a história da chegada do ritmo ao Brasil. Não se trata de definir se o reggae chegou primeiro pelas ondas do rádio, na Região Norte; se foi através dos discos jamaicanos trazidos por viajantes; e/ou por meio de artistas nacionais exilados fora do país. Nas palavras de Silva (2007, p. 27), “a existência de várias versões explicativas indica que é muito difícil precisar qual o caminho de introdução de determinados elementos culturais em um novo contexto, como é o caso do reggae jamaicano em São Luís”. Morais (2008, p. 133), por exemplo, explica que a década de 1970 foi um período em que a música internacional invadiu o Brasil, e o reggae, consequentemente, veio juntamente com outros estilos importados, e se destacou pela forte identificação rítmica com a cultura local, assim como outros ritmos caribenhos. Afinal de contas, como bem observou Albuquerque (1997), samba, xote e baião, assim como calipso, salsa e família, são ritmos que remontam – em suas raízes – à cultura africana. Nas palavras do próprio Albuquerque (1997, p. 147), são “bifurcações de uma mesma estrada”. Silva (2007) complementa esta compreensão na citação baixo quando afirma que,
[...] mesmo considerando as especificidades, existem fortes aproximações culturais seja entre os povos do Caribe, da Amazônia, ou da América Latina. Isto nos leva a afirmar que samba de roda, merengue, maracatu, bumba-meu-boi, capoeira ou reggae, entre tantos outros, são vertentes rítmicas produzidas na diáspora africana (SILVA, 2007, p. 37).
Não havendo como precisar os caminhos percorridos pelo reggae da Jamaica ao Brasil, é mister, pois, observar a forma como ele se fixou aqui, e mais fortemente no estado do Maranhão. Silva (2007), em consonância com Albuquerque (1997), traz a ideia de que houve certa identificação étnico-racial entre jamaicanos e maranhenses, visto que Jamaica e São Luís além de possuírem população predominantemente negra têm “[...] características culturais semelhantes, herdadas dos africanos escravizados. Isto revela que raízes culturais africanas teriam sido transplantadas para as duas regiões pelo processo de escravização e permanecido ali com algumas [ressignificações]” (SILVA, 2007, p. 24). Assim como a cultura jamaicana, a cultura brasileira herdou inúmeros elementos da cultura africana, sendo profundamente influenciada por ela. Como lembra Sauimbo (2007, p. 43),
A cultura africana e de seus descendentes constitui importante legado para o Brasil pelas festas de bumba-meu-boi, tambor-de-crioula, tambor-de-mina, cacuriá, lili, demonstrando a transição da ‘usança africana’ como instituição tão presente entre nós. Do mesmo modo outras festas dos negros brasileiros tornaram-se equivalentes às de origem africana, adicionando ou integrando a si lembranças e sentimentos.
Se para alguns o reggae chegou ao Brasil via rádio, repetindo o episódio da chegada de alguns estilos musicais estadunidenses à Jamaica, para Fernandes (2007, p. 474) também merece destaque “[...] o filme estrelado por Jimmy Cliff, “The Harder They Come” (traduzido como “Balada Sangrenta” no Brasil) [...] A trilha sonora do filme é a chave para o sucesso internacional do reggae em torno de 1973”. Maia e Capdeville (2008), bem como Albuquerque (1997) e Fernandes (2008), lembram também a importância do período em que Caetano Veloso esteve na Europa, pois, “[...] ao retornar do exílio em Londres, local onde o reggae fez muito sucesso fora da terra natal, [Caetano] trouxe na bagagem alguns exemplos de reggae como “Nine out of ten”” (FERNANDES, 2007, p. 474). Os referidos autores destacam ainda que Gilberto Gil atraiu mais olhares para o reggae do que qualquer outro artista brasileiro, especificamente quando em 1978 gravou Não chores mais, uma versão de No Woman, No Cry, grande sucesso de Bob Marley (MAIA & CAPDEVILLE, 2008; FERNANDES, 2007; ALBUQUERQUE, 1997). Gil fez também, tempos depois, uma turnê pelo Brasil acompanhado pelo próprio Jimmy Cliff, um dos artistas responsáveis por popularizar a cultura jamaicana mundialmente.
O reggae talvez tenha chegado por todos esses meios. A importância não está em definir especificamente por qual chegou primeiro. O importante é que ele chegou, e de alguma forma se estabeleceu. Para tanto, ele teve que ser ressignificado. Como bem lembra Oliveira (2009, p. 6, grifo nosso), “o reggae é um circuito forte de produção, circulação e consumo, que tanto envolve ressignificação de legados históricos quanto possibilita perpetuação de um corpo ideológico de aproveitamento das arestas sociais”. Desta forma, não há como estranhar a afirmação de que, ao ser produzido no Brasil, o reggae foi sendo aos poucos ‘modificado’. Traduzindo em termos mais práticos, essa ressignificação (modificação) consistiu na incorporação de elementos característicos da cultura local em um produto que, inicialmente, era completamente importado. O reggae à brasileira ganhou características do samba, por exemplo, tornando-se ‘samba-reggae’; passou a ser dançado ‘agarradinho’, como o xote e o forró; além de ter se voltado para temáticas diferentes das que eram abordadas na Jamaica.
Conforme Pimenta (2012, p. 19), “os estados brasileiros que possuem uma maior identificação com Reggae é o Rio de Janeiro, Bahia e Maranhão”. As características étnicas e sociais semelhantes entre Brasil e Jamaica, tornaram os brasileiros importantes cultivadores do reggae. Entretanto, o ritmo está presente também em outros estados, embora permaneça abafado, distante das mídias hegemônicas.
Ainda seguindo a lógica de raciocínio da ressignificação, é evidente que o reggae brasileiro não pode ser plenamente igual ao ‘original’ (jamaicano). A apropriação de elementos culturais ‘estranhos’ à cultura local passa por processos de ‘interpretação’, ‘uso’ e ‘reprodução’. Logo, o reggae made in Brazil não pode ser idêntico ao jamaicano. Até mesmo a relação do ritmo com a indústria fonográfica tem suas particularidades em cada país. No Brasil o reggae praticamente se restringiu ao underground20, e embora se saiba que “existe mercado para a música Reggae, [...] esse espaço ainda é muito diminuto e o estilo sonoro sofre preconceito pela associação do Reggae com as drogas” (MAIA & CAPDEVILLE, 2008, p. 19). Na Jamaica, diferentemente, o ritmo rapidamente se tornou o principal produto nos catálogos da indústria da música.
Em linhas gerais, o reggae surgiu como uma espécie de ‘grito’ de uma classe marginalizada na Jamaica. No Brasil ele foi de início produto de uma indústria fonográfica já estabelecida, sendo cantado por vozes já consolidadas. Na Jamaica, o reggae era música de negros (e para negros); enquanto no Brasil, bandas como Os Paralamas do Sucesso, por exemplo, se destacaram tocando inicialmente como banda de ska-reggae 21 para uma classe média urbana. Percebe-se que o ritmo foi (re)produzido aqui com certas peculiaridades. Assim, à medida que o reggae foi sendo integrado à música nacional, ele ganhou “elementos novos [principalmente] quando praticado por bandas de rock brasileiro provenientes da classe média” (FERNANDES, 2007, p. 473).
É importante destacar também que o reggae foi ‘digerido’ de forma diferente (FERNANDES, 2007) por bandas brasileiras de rock, samba-reggae e xote. A questão do rastafarismo foi deixada de lado, assim como o fator revolucionário foi amenizado, em quase todas essas apropriações, abrindo espaço para letras mais voltadas para temáticas como o amor (salvo exceções!). Na interpretação de Fernandes (2007, p. 481), “a trajetória do reggae no Brasil desemboca em várias facções de acordo com a classe social” e o gênero que o assimilou. Por exemplo, “quando o reggae é absorvido pela classe média pode gerar uma nova modalidade de rock brasileiro ou um estilo de forró universitário (o xote-reggae)”22 . Como disseram Zuazo e Marotti (2008, p. 10): “o reconhecimento de uma cultura Reggae só pode ser feito em um âmbito regional, pois as interpretações que diversos povos têm sobre o próprio gênero musical não são iguais”.
Morais (2008, p. 133) complementa a compreensão dessa ideia de ressignificação ao afirmar que, embora tendo surgido na Jamaica, “[...] com o impulso e estratégias das grandes indústrias, [o reggae] alcançou uma dimensão para além de suas fronteiras territoriais e culturais, sendo apropriado e (re)significado em diversas culturas”. O autor destaca ainda que “a forma como o reggae foi apropriado e como ele é manipulado em São Luís difere da Jamaica e de outros Estados brasileiros”23 . No Maranhão, por exemplo, o reggae destaca-se do panorama nacional, pois conta com programas de rádio e TV especializados, muitas bandas, uma grande quantidade de shows, e as aparelhagens (ou radiolas, objeto já definido nesse estudo).
O grande investimento midiático, o crescente mercado de discos e o desenvolvimento do circuito das radiolas fizeram o movimento reggae alcançar a solidez em meados da década de 1980 na cidade de São Luís. Com o passar do tempo, na ótica de Oliveira (2009), o reggae foi ressignificado. Enquanto na Jamaica ele estava atrelado a um movimento religioso, social e político de resistência, no Maranhão ele concentrou-se num espaço em que se pode considerar (também) de resistências, mas com outra conotação. As peculiaridades do movimento reggae na cultura ludovicense, em verdade, são resultados da dinâmica dos processos sociais da realidade da própria cidade. Lá o reggae está muito mais atrelado ao entretenimento do que a crenças religiosas. Sem contar que, somente depois de tempo significativo é que surgiram as primeiras bandas de reggae genuinamente maranhenses, pois inicialmente os são-luisenses ‘curtiam’ somente os sons jamaicanos (em inglês), mesmo sem entender o significado daquilo que as músicas diziam (FREIRE, 2008). Era uma identificação totalmente rítmica, o que atesta a pouca importância dada às letras (diferente do que acontecia na Jamaica). Morias e Araujo (2008, p. 8) esclarecem ao afirmar que,
O público da radiola [em São Luís] era consistente e exigente, só queriam saber de reggae internacional, mesmo sem entender o que as letras diziam; com isso, as primeiras bandas maranhenses enfrentaram muitas dificuldades em apresentar-se em shows e principalmente produzir discos [...].
Diferente do que aconteceu em São Luís, onde o reggae emergiu das camadas populares e somente depois transformou-se em um produto da tradicional indústria cultural, no Sudeste ele foi desde o início ouvido (consumido) por um público de classe média. Assim, embora seja comum o discurso de que o reggae tenha chegado ao Brasil marginalizado, desde o momento em que ‘pisou’ em solo verde-amarelo ele já contou com grandes porta-vozes (artistas de destaques no movimento conhecido como Tropicalismo). Isso ilustra ainda mais a ideia de que o reggae foi apropriado de diferentes formas no Brasil, variando de cultura para cultura, de classe para classe, de região para região.
Como forma de exemplificar, merece destaque aqui a banda Os Paralamas do Sucesso, que embora tenha surgido em Brasília/DF, mudou-se para o Rio de Janeiro/RJ, e se responsabilizou por difundir o reggae na região Sudeste, demonstrando a forte influência que recebera da música jamaicana (ska e reggae). Segundo Albuquerque (1997, p. 153), “mesmo não sendo uma banda exclusiva do gênero, com o disco Selvagem, de 1986, os Paralamas do Sucesso estabeleceram o padrão do reggae moderno à brasileira”. Os timbres foram bem explorados e Liminha (produtor) se encarregou de desenvolver as bases para produções futuras. No Rio de Janeiro surgiram também bandas como Lumiar, conhecida depois como Cidade Negra, que logo fechou contrato com a Sony Music; e o grupo Negril, contratada pela PolyGrand.
No estado da Bahia, o samba-reggae é, sem dúvida, importante ritmo musical da região. Margareth Menezes, Banda Mel, Banda Reflexus, Olodum, AraKetu e Muzenza, são exemplos de carreiras de destaque no samba-reggae. O próprio som do Edson Gomes (tradicional músico do reggae baiano) em músicas como Adultério e Amor sem compromisso utiliza o atabaque, espécie de tambor de couro tocado com as mãos, característico do samba duro (variante do samba de roda). A guitarra limpa utilizada em solos no samba-reggae também lembra muito bem o axé, sendo possivelmente uma variação. “O samba-reggae é um dos ritmos mais pedidos nas minhas noites” (DJ Doug Wentd, São Francisco, Califórnia in ALBUQUERQUE, 1997, p. 149).
Entre as principais bandas de reggae do Brasil está a Tribo de Jah, formada na Escola de Cegos do Maranhão. Seu vocalista, Fauzi Beydoun, foi locutor/radialista de uma das primeiras rádios de reggae de São Luís (e do Brasil). No estado do Maranhão desenvolveu-se um estilo de reggae que une os clássicos produzidos na Jamaica na década de 1970 com elementos eletrônicos. Eric Donaldson e Gregory Isaacs, por exemplo, são nomes praticamente desconhecidos no restante do país, porém, são clássicos tocados pelas radiolas maranhenses (ALBUQUERQUE, 1997).
Em suas músicas, a Tribo de Jah tenta ser fiel ao reggae roots (de raiz), tanto nas letras (abordando a injustiça social, o amor, a paz e etc.), como no ritmo. Entretanto, o fato da banda fazer reggae à brasileira (compor em português) tornou seu reconhecimento na própria capital maranhense um processo difícil, pois lá as radiolas preferem tocar ‘pedras’ (como fora dito, no Maranhão as radiolas dão preferência ao reggae jamaicano). Beydoun, vocalista do grupo, é poliglota e já morou na África. Isso proporcionou à banda a gravação de hits em outros idiomas. Apesar de algumas dificuldades, na década de 1990 a Tribo de Jah se consolidou no mercado maranhense e, sobretudo, nacional, chegando a fazer também shows fora do país, inclusive na Jamaica (em 1995).
No Piauí, entre os artistas reggaeiros de destaque estão Danilo Rudah, Salmos Ras, Zona de Atrito e Teófilo Lima. Cabesativa, banda piauiense da cidade litorânea Parnaíba, conserva os maneirismos típicos do reggae roots, como a marcação da guitarra entrecortada (‘swingada’) e o forte peso do contrabaixo.
Portanto, na década de 1990 o reggae já havia se fixado no Brasil, e o surgimento de bandas como Cidade Negra, e Skank (de Belo Horizonte), contribuíram ainda mais para a sua consolidação no cenário musical nacional (FERNANDES, 2007; MAIA & CAPDEVILLE, 2008). Em 1995, essas bandas deram mais uma demonstração da força do reggae verde-e-amarelo, com os discos Calando (Skank) e Sobre todas as Forças (Cidade Negra), produzidos por Liminha, e com participação especial de Shabba Ranks (ALBUQUERQUE, 1997).
Hoje, é possível listar inúmeras bandas independentes de reggae no Brasil, como Cidade do Reggae (Villa Velha/ES), Ganjah (Villa Velha/ES), Semente Cascão (São Paulo/SP), Solano Jacob (São Paulo/SP), Maneva (São Paulo/SP), Kayman (Salvador/BA), Adão Negro (Salvador/BA), SolaRise (Porto Alegre/RS), Mente Sã (Brasília/DF), Ruan e os Bacana (Araranguá/SC), Rastafeeling (Natal/RN), Andread Jó (Fortaleza/CE), entre outras. Percebe-se, contudo, que o reggae no Brasil é, apesar de seu crescimento, ainda um fenômeno desigualmente distribuído por alguns mercados musicais locais. Não obstante, como observado nessas páginas finais, o reggae no Brasil até pode se manter no mercado atendendo uma demanda mínima, caso comparado a outros gêneros de ‘massa’, mas possui significativa adesão de seus ouvintes. Mesmo a maioria das bandas e artistas vivendo de forma independente, nosso reggae “brasileiro” não deixa de ser uma das muitas expressões de nossa formação sócio-histórica.
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2 Também chamada de ‘Terra dos mananciais’ ou ‘Terra da madeira e da água’.
3 Em Albuquerque (1997), o termo usado para designar os nativos jamaicanos é “arauaque”. Em Cardoso (1997), o termo aparece como “aravaques”.
4 Também chamado de bulionismo, é a ideia de riqueza econômica através da quantificação de metais preciosos.
5 O nome vem do espanhol cimarrón, que significa ‘selvagem’.
6 “Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os aparelhos de rádio ganham maior popularidade na ilha, e a população entra em contato com músicas norte-americanas, devido às bases militares dos EUA lá instaladas” (CARVALHO & BRAGA, 2008, p. 2).
7 Doravante, R&B.
8 “Em proporções variadas, uma mistura de mento e R&B deu origem ao ska, um ritmo com a tônica no segundo e quarto tempos, geralmente numa progressão de doze compassos” (WHITE, 1997, p. 27).
9 Santos (2009) destaca que, na ‘Jamaica brasileira’ (São Luís/MA), as aparelhagens tiveram importância semelhante, sendo uma das primeiras mídias a veicular o reggae.
10 “Se o nome do reggae de sucesso é pedra ou pedra de responsa, todas essas músicas são, na versão maranhense, batizadas com a nomenclatura de melô, igualmente ao funk” (OLIVEIRA, 2009, p. 12).
11 Equipamento semelhante aos sound sistems (sistemas de som) jamaicanos. No entanto, as radiolas maranhenses costumam ser maiores, são carregadas em caminhões e montadas no chão. Enquanto os sistemas de som jamaicanos são equipamentos montados em carros; poder-se-ia compará-los aos ‘paredões’ utilizados no circuito forrozeiro nordestino.
12 Segundo Albuquerque (1997, p. 64), este segundo nome teria sido “The Wailing Wailers”.
13 Tuff Gong Records foi o nome dado pelos integrantes dos wailers à gravadora que fundaram. Destaca-se que este registro não foi encontrado em nenhuma das referências bibliográficas utilizadas neste estudo, mas sim em diversos bloggers e páginas virtuais sobre a história do reggae.
14 Idem, Ibid.
15 “Em meados dos anos 1920, Marcus Garvey, um jamaicano preso nos Estados Unidos, voltava ao seu país de origem defendendo a tese de que os descendentes de escravos só encontrariam a legítima salvação se retornassem ao continente africano. Uma diáspora inversa que sairia do discurso para fundar os preceitos de uma religião” (MAGNO & FARIA, 2008, p. 7).
16 Hailé Selassié nasceu em Ejersa Goro (23 de julho de 1892), e morreu em Adis Abeba (27 de agosto de 1975). Tafari Makonnen (como primeiramente era conhecido) posteriormente conhecido como Rás Tafari, foi regente da Etiópia de 1916 a 1930 e imperador daquele país de 1930 a 1974. O imperador era herdeiro de uma dinastia cujas origens remontam historicamente ao século XIII e, tradicionalmente, até o Rei Salomão e a Rainha de Sabá. Hailé Selassié é uma figura crucial na história da Etiópia e da África, pois foi considerado entre os adeptos do movimento rastafári “símbolo religioso do Deus encarnado”.
17 “Do ritual faz parte a marijuana (maconha) cujo consumo é justificado como um sacramento e um auxílio à meditação. Reconhecida inclusive como o fumo da sabedoria” (MAGNO & FARIA, 2008, p. 8).
18 Ver: Bíblia (Números, Cap. 6, Vers. 5).
19 Assim como Manley, muitos afirmaram que “a maior parte da obra de Bob Marley [e do reggae em si] é a própria linguagem da revolução” (MANLEY, 1997, p. 19).
20 Muito embora tenha sido apresentado ao público brasileiro por artistas consolidados, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, o reggae nunca chegou a alcançar aqui um público de grandes proporções, como o forró, o sertanejo, o axé e o próprio rock.
21 “Os Paralamas do Sucesso foram conhecidos no começo da década de 1980 como uma banda de ska-reggae [...] só depois é que passam a ser rotulados de rock brasileiro pela mídia e pelo público” (FERNANDES, 2007, p. 476).
22 Idem, Ibid.
23 Idem, Ibid.
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