Contribuciones a las Ciencias Sociales
Junio 2012

POLÍTICAS PÚBLICAS NO CENÁRIO AMAZÔNICO: DA PADRONIZAÇÃO A DIFERENCIAÇÃO



Lidiane de Souza Silva (CV)
Nírvia Ravena de Sousa Possui (CV)
lidiagro@hotmail.com
Universidade Federal do Pará



RESUMO
Tendo por base a forte padronização das políticas públicas executadas pelo Estado na Amazônia pode-se afirmar que a trajetória destas políticas no campo rural brasileiro resultou em um forte passivo ambiental e no agravamento das desigualdades sociais. Este ensaio teórico tem por objetivo entender de que forma esta intervenção vem se dando em um contexto atual onde atores antes excluídos passam a fazer parte da arena decisória de formulação e implementação de duas políticas públicas de crédito rural, a saber: PROCERA e PRONAF. Sendo assim foi possível afirmar que ambas as políticas estudadas apresentaram nos seus respectivos desenhos muitas contradições no que tange a sua execução na região e que estas políticas acabaram por reproduzir mais uma vez o mesmo viés reducionista e padronizador das políticas de crédito anteriormente disponibilizadas. 
Palavras-chave: políticas públicas, padronização, crédito, PROCERA, PRONAF.

ABSTRACT
On the basis of the strong standardization of public policies implemented by the State in the Amazon we can say that the trajectory of these policies in the field brazilian rural resulted in a strong environmental liabilities and aggravation of social inequalities. This test theoretical objective is to understand how this operation is coming in a current context where actors excluded before they become a part of decision-making arena of formulation and implementation of two public policies for rural credit, namely: PROCERA and PRONAF. Thus it was possible to affirm that both policies studied showed in their respective drawings many contradictions in terms of its implementation in the region and that these policies were eventually play once more the same bias and reductionist padronizador of credit policies previously available.
Key words: public policies, standardization, credit, PROCERA, PRONAF.




Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
de Souza Silva, L. y de Sousa Possui, N.: "Políticas públicas no cenário amazônico: da padronização a diferenciação", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Junio 2012, www.eumed.net/rev/cccss/20/

INTRODUÇÃO
A forte padronização das políticas públicas executadas pelo Estado na Amazônia desde o período da ditadura militar até o início da década de 1980 no campo rural brasileiro1 resultou em um forte passivo ambiental, no agravamento das desigualdades sociais, o que contribuiu de forma significativa para a rede densa de exclusão social observada no país atualmente.
A crise do modelo de industrialização da agricultura desenvolvido no período referente à modernização autoritária e o processo de abertura político vivido no país, a partir da década de 1980, passou a fazer parte da agenda do Governo à necessidade de políticas diferenciadas para o setor rural. As mesmas, ao contrário das anteriores, deviam responder ao novo paradigma de sustentabilidade ambiental2 que estava posto no cenário mundial.
Esse cenário de indiferença e exclusão por parte dos governos para com atores menos capitalizados começou a mudar a partir da criação do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA) em 1985 e em 1996 foi reafirmado, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), na esfera da União, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
É a partir desse ambiente de inovação, de reivindicações sociais e da abertura de novos espaços políticos que o presente ensaio teórico tem por objetivo entender de que forma esta intervenção vem se dando em um contexto atual onde atores antes excluídos passam a fazer parte da arena decisória de formulação e implementação de políticas públicas de crédito rural, a saber: PROCERA e PRONAF.

A LÓGICA DE REPRODUÇÃO PADRONIZADORA
                           
O Brasil possui uma história de relação robusta com as classes mais abastardas da sociedade. Esta afirmação pode ser confirmada pela dualidade estabelecida no passado – camponês e latifúndio –, pela tríade estabelecida durante a ditadura: pequeno, médio e grande produtor e, mais recentemente, pela dicotomia que está em uso (agricultura familiar e a agricultura patronal).
Como reflexo desta constante diferenciação entre as distintas classes existentes no Brasil é que as políticas executadas no país sempre excluíram uma parcela significativa da população. A forte padronização destas políticas não permitiu que as heterogeneidades sociais, culturais e econômicas estabelecidas no país fossem contempladas e reconhecidas, pelo contrário, esta padronização serviu para que elas fossem agravadas.
Ao trazer para a realidade amazônica, pode-se constatar isto com mais exatidão, isto é, as políticas executadas na Amazônia, desde o período da ditadura, foram formuladas com o viés estritamente econômico e estabelecidas a partir de critérios geopolíticos e militares (COSTA, 2000), sem levar em conta a preservação dos recursos naturais para as sociedades futuras, critérios de equidade e justiça social.
Essa evolução da intervenção estratégica do Estado se deu através do projeto de modernização agrícola que ocorreu no período de 1965 a 1980.
Na nova fronteira agrícola formada na Amazônia tal intervenção demonstrou claramente a preferência por alguns atores em relação a outros. Neste sentido, Costa (2000) e Jorge (2001) concordam no sentido da mesma ter sido altamente parcial, seletiva e concentradora, atingindo um pequeno número de produtores. Na Amazônia os camponeses, tanto em áreas novas, quanto de colonização antiga, como o Nordeste do Pará, estiveram permanentemente acossados no plano político e econômico (COSTA, 2000).
Como consequência os produtos prioritários a serem produzidos foram café, açúcar, milho, entre outros, não sobrando espaço para culturas que estavam mais ligadas ao consumo nacional, como feijão e arroz. A prioridade para os produtos de exportação acima mencionados devia-se ao comprometimento do Estado com um tipo determinado de produtor: o proprietário de grandes áreas rurais.
Com base neste cenário, pode-se afirmar que os governos militares que se sucederam desde o golpe militar dado em 1964 tinham um projeto para a agricultura que acabou por consolidar na Amazônia um ambiente de exclusão, a prática do clientelismo e a reprodução dos mesmos atores no poder, as chamadas “oligarquias locais”. Esta ferramenta da história dos governos militares ficou conhecida como modernização conservadora da agricultura e representou a passagem do “tradicional complexo rural” para o “moderno complexo agroindustrial”, isto é a entrada do capitalismo no campo.
O padrão brasileiro de produção de políticas durante o período da ditadura se constituiu como uma ferramenta usada, entre outras utilidades, para aquela forma de governo se manter no poder e restringir o envolvimento dos pequenos e médios produtores da Amazônia no cenário decisório de planejamento e implementação das políticas.
A partir da década de 1980 com a queda da ditadura e início da democracia ocorreu no Brasil a execução de várias reformas (econômicas, constitucionais, sociais, entre outras). Este novo cenário deu forças ao campo de análise em políticas públicas setoriais. Era necessário entender a estrutura interna do Estado, a fim de mudar o cenário estabelecido pelo governo militar (SOUZA, 2007).
Assim, a promulgação da Constituição de 1988 e o estabelecimento de fundos de recursos públicos para o desenvolvimento da região Norte representaram um novo momento para execução de políticas na Amazônia (COSTA, 2000). Em síntese, as reformas deviam propor novos desenhos institucionais, os quais deviam promover formas mais inclusivas de participação política e mecanismos eficientes de planejamento e execução das políticas públicas disponibilizadas pelos governos à sociedade.
Contudo, essas reformas se dariam em contextos sociais muito diversos. Esta diversidade, mais uma vez, não foi levada em conta, o que representou um fator limitante para o sucesso das ações planejadas no período pós-ditadura. Dentro de cenário de descrédito e fortes reivindicações por parte dos movimentos sociais ocorreu uma multiplicação de atores que, de forma direta ou indireta, passaram a participar em todas as fases do processo de políticas públicas.
Essa multiplicação torna mais complexo o processo de gestão destas políticas. Não só se ampliam os objetivos de políticas que respondam aos anseios de diversos grupos de interesse e pressão, como também aumenta a dificuldade de conciliar interesses, na maioria dos casos divergentes (FLEXOR; LEITE, 2006).
Um exemplo claro dessa multiplicação é a política desenvolvida para o setor agrícola a partir da segunda metade da década de 1990. Nesta década foi criado o PRONAF, o qual inseriu de forma oficial atores excluídos do processo de planejamento e gestão das políticas públicas para este setor.
Desde sua criação até os dias atuais este programa vem passando por vários ajustes com o intuito que o mesmo represente uma ferramenta concreta de mudanças, pelo menos em tese, para a realidade da agricultura familiar no Brasil. Contudo, a cada ano o PRONAF veio reconhecendo como seus beneficiários grupos sociais que no momento da sua criação não se sentiram reconhecidos, nem beneficiados.
Neste contexto de reconhecimento de atores como potenciais beneficiários deste programa ocorreu em 1999, na esfera da união, a extinção do PROCERA, durante o segundo governo de FHC. Esta extinção ocorreu sob a justificativa de ser uma ação do Governo no sentido de unificar as ações para esta parcela de atores, antes excluída.
Contudo, é importante registrar que a lógica inicial da proposta do PRONAF considerou que os agricultores beneficiários das políticas de reforma agrária deveriam contar com o apoio de políticas específicas e que os recursos de um programa de crédito voltado para a agricultura familiar deveriam se dirigir aos produtores rurais que tivessem condições de se “integrar ao mercado” (CORRÊA; ORTEGA, 2002). Em resumo, a legislação inicial deste programa, teoricamente, não tinha por objetivo atender aos assentados da reforma agrária.
Percebe-se, então que a pluralidade de ideias nas arenas decisórias aumenta o risco do não equacionamento de interesses a um ponto de prevalecer a falta de consenso, privilegiando assim as mesmas estratégias de mando e cooptação política, historicamente, estabelecidas dentro do Estado brasileiro.
Todavia, encontrar um ponto de convergência entre esses muitos atores que agora fazem parte dessa arena decisória e que estão ligados ao contexto da agricultura familiar, assim constituída pelo ambiente político e social da metade da década de noventa, mesmo que de forma parcial, configura-se em um ponto crucial no sentido de mudar a forte trajetória de padronização das políticas disponibilizadas anteriormente no país. Para tanto o campo de análise das políticas públicas é um campo de ampla fertilidade e oportunidades.
Outro fator fundamental para o sucesso das políticas públicas é corrigir a falta de sintonia entre o planejado e o executado. Nesta perspectiva, Menicucci (2007) chamou a atenção para a falta de uma relação direta entre o conteúdo das decisões que configuraram uma determinada política pública e os resultados de sua implementação, os quais podem ser diferentes da concepção original.
Assim deve-se evitar que as variáveis contextuais e históricas, que levarão à configuração de uma nova agenda, sejam significativas a ponto de reproduzir os mesmos arranjos institucionais historicamente consolidados, inviabilizando assim as mudanças institucionais necessárias para o contexto de operacionalização da nova política.
Ainda, sobre este descompasso chama-se a atenção, mais uma vez, para a inserção do PROCERA em 1999 pelo PRONAF. Já que durante a concepção do PRONAF - como já foi dito - os agricultores assentados, apesar de serem reconhecidos também como agricultores familiares, foram deixados de lado, isto é, baseado em algumas especificidades desses, os idealizadores do PRONAF concluíram que este grupo devia ser beneficiado por políticas agrárias específicas. O contraponto reside, justamente, no fato de que o PRONAF, ao longo do tempo, vem englobando tamanha generalidade que o risco das especificidades não serem reconhecidas são aumentados.
No sentido de entender a dinâmica que envolveu a concepção deste programa e a posterior extinção do PROCERA quatro questões se tornam pertinentes e se constituem como problema desta proposta de pesquisa. São elas: 1) Estaria o PRONAF, ao longo do tempo, se desviando do objetivo para o qual foi criado? 2) O caráter abrangente e generalista da categoria agricultor familiar é limitante no sentido de reconhecer as especificidades das formas de agricultura desenvolvida no país? 3) O estabelecimento de tal categoria se deu de forma equivocada por conta da ausência de critérios que pudessem estabelecer e contemplar a diversidade de formas de reprodução da agricultura no Brasil? E por último, 4) A extinção do PROCERA seria uma estratégia do Governo FHC para mais uma vez desviar os rumos de uma reforma agrária no Brasil?
É no sentido de elucidar questões como as anteriormente levantadas que se confirma a necessidade do acompanhamento e de constantes avaliações e análises durante o planejamento e a execução das políticas públicas. Assim, Flexor e Leite (2006) apontam que para tal análise há necessidade de uma abordagem que abarque suas diversas dimensões e diferenciações, permitindo contextualizar tais programas, bem como verificar sua capacidade de inserção e efetividade social.
Aqui é necessário lembrar que o resultado da análise depende muito do instrumental teórico escolhido para empreender tal ação, e que esta análise não tem a pretensão de alcançar à exaustão. Assim, o presente exercício teórico se realiza com base em uma abordagem neoinstitucionalista a partir da dimensão histórica e institucional dos desmembramentos do PROCERA e do PRONAF na mesorregião do Nordeste Paraense, ambas políticas de crédito rural disponibilizadas pelo Estado na Amazônia.
Neste sentido, é importante ressaltar que o comportamento dos agentes de mediação e dos beneficiários de determinada política, assim como suas concepções, isto é, sua racionalidade influencia de maneira significativa o debate e a operacionalização das políticas públicas, o que confirma a necessidade de se fazer uma discussão teórica sobre o peso das instituições no sentido de resistir ou não as mudanças institucionais geradas pelo novo ambiente em que as novas políticas serão implementadas.
Nesta perspectiva, Souza (2007) chama atenção para o fato de que as premissas advindas da escola neoinstitucionalista, a qual enfatiza a importância crucial das instituições/regras para a decisão, a formulação e a implementação de tais políticas, têm influenciado o debate de políticas públicas no Brasil.
O neoinstitucionalismo histórico possui algumas características próprias, todavia esta análise se prenderá a uma concepção particular do desenvolvimento histórico que consiste em uma causalidade social dependente da trajetória percorrida, path dependency. Uma definição de path dependency é fornecida por Levi (1998) apud Fernandes (2007), a qual diz que em momentos críticos de desenvolvimento de um país (ou de outra unidade de análise), estabelecem-se trajetórias tão amplas que são difíceis de reverter, mas dentro das quais existirão novos pontos de escolha para mudança mais adiante.
Nesse contexto, o PRONAF pode se constituir como uma oportunidade para uma significativa mudança – um momento de transição - em relação às políticas padronizadas de crédito agrícola, anteriormente, disponibilizadas para o campo rural brasileiro, em particular para a Amazônia.
Contudo, os arranjos institucionais estabelecidos ao longo da história tendem a resistir às novas propostas de mudanças. Esta resistência - na maioria dos casos - teve e continua tendo como resultado ações imediatistas por parte dos governos. Estes sejam em nível federal, estadual ou municipal no anseio de não afetar seus próprios interesses e os daqueles que historicamente vêm se mantendo no poder acabam planejando e executando políticas de baixo impacto positivo e que a médio e longo prazo não representam ferramentas de efetivas mudanças nas vidas das populações.
Nessa perspectiva, as instituições aparecem como integrantes relativamente permanentes da paisagem da história, ao mesmo tempo que são um dos principais fatores que mantêm o desenvolvimento histórico sobre um conjunto de “trajetos” (HALL; TAYLOR, 2003). Assim, os adeptos dessa concepção da abordagem neoinstitucionalista histórica tentam explicar como as instituições podem estruturar as respostas de uma dada população aos novos desafios.
Sobre o termo instituição há várias definições. Em ciência política, por exemplo, o termo é usado livremente, e com uma precisão limitada, o qual pode ter vários significados, desde uma estrutura formal (parlamento) até entidades amorfas, como as classes sociais (PETERS, 1999).
Nesse trabalho será usada a definição desenvolvida por North (1990), a qual diz que uma instituição seria caracterizada pela capacidade de delimitar escolhas e possuir mecanismos de decisões. Justamente porque as instituições permitem certa previsibilidade na medida em que exprimem como as ações individuais serão agregadas e transformadas em decisões coletivas através da redução dos custos da incerteza (NORTH, 1990).
A teoria neoinstitucionalista pode ajudar a entender que não só os indivíduos ou grupos que têm força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formas e informais que regem as instituições (SOUZA, 2007). Enfim, os teóricos do neoinstitucionalismo histórico chamam a atenção para o papel das instituições na vida política. É raro que estes afirmem que as instituições sejam o único fator que influência na vida política.
De modo geral, procuram situar as instituições em uma cadeia causal que deixa espaço para outros fatores, em particular o desenvolvimento socioeconômico e a difusão de ideias (HALL; TAYLOR, 2003). Nesta perspectiva, com o fim da ditadura e a reformulação institucional do Estado, o país assistiu a várias transformações vividas no cenário político e econômico. Para o meio rural se observou que passado o período do uso dos pacotes tecnológicos e das políticas padronizadas para a região, a criação do PRONAF chegou como uma alternativa de mudanças.
Neste contexto de mudanças institucionais, o novo ambiente favoreceu o acesso dos agricultores que historicamente foram mantidos excluídos dos benefícios oferecidos pela criação e execução de políticas para o setor. Como consequência, indivíduos que ao longo da trajetória de intervenção do Estado, através do planejamento e execução de políticas se mantiveram no poder, veem seus interesses sendo colocados em risco, o que acaba por aumentar a competição por recursos, sejam eles financeiros, políticos ou institucionais nas arenas decisórias.
Todavia, pelo menos no Nordeste Paraense as instituições parecem manter com certa tranquilidade sua estrutura histórica (acesso a grandes extensões de terra, acesso a diversas formas de tecnologia, distribuição desigual de poder, redes de relações e informações já estabelecidas, práticas clientelistas) o que limitou os resultados de programas como o PROCERA e que vem limitando o PRONAF no que concerne a sua operacionalização na região.
Assim, qualquer modificação nas regras do jogo, de modo que os preços relativos sejam desvantajosos a essas estruturas de poder, terá que ser negociada, sob a pena de a resistência ser ampliada (BASTOS, 2006). Ainda, neste caminho, esta mudança pode significar ou não um divisor de águas para os atores do rural amazônico, já que a construção da sustentabilidade passa necessariamente pela formação de um capital social (PUTNAM, 1995) capaz de criar uma nova perspectiva, na qual seja possível adequar as políticas e as instituições para que possam promover a transição para a sustentabilidade.
Sobre esse capital social Putnam (1995) afirma que este diz respeito a características das organizações, como confiança, normas sociais e sistemas que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade. Além destes, Fukuyama (2003) ao fazer um balanço da literatura sobre capital social, elencou temas recorrentes e que também podem ser considerados como aspectos ou dimensões do capital social: participação em redes, reciprocidade e propositividade.
Este se constitui um capital no sentido em que proporciona maiores benefícios a quem estabelece este tipo de relação e que pode ser acumulado (DURSTON, 2002). Sobre este acúmulo e com relação, especificamente, ao estabelecimento de novas relações, geradas por este, entre os habitantes de uma determinada região, no caso específico da mesorregião do Nordeste Paraense, chama-se atenção para o fato de um dos critérios estabelecidos pelos agentes financeiros para a contratação e a liberação do crédito aos agricultores que é a exigência de um avalista.
Ainda sobre as exigências mínimas para acessar o crédito, estas ao que tudo indica, representam fatores fundamentais para no final não ocorrer a contratação. A própria normativa de acesso ao crédito parece desconhecer que em algumas áreas do país os indivíduos sequer possuem certidão de nascimento, quanto mais RG e CPF (documentações básicas de acesso ao PRONAF).
Assim, acessar o PRONAF gera vários custos aos indivíduos (às vezes o ônus não é financeiro, entretanto é social, como é o caso quando ocorre a exigência do avalista). Segundo Abramoway (2000) não dispondo de bens físicos para dar em garantia, os participantes, na verdade empenham suas relações sociais. Em tese, este empenho se daria através do avalizamento um dos outros por conta da criação, da existência ou do fortalecimento de laços de confiança e cooperação estabelecidos entre os indivíduos de determinada comunidade.
Porém, na prática, pelo menos para a região em que foi realizado o referido estudo, este não poderia ser usado como um indicador para apontar a existência ou não de capital social, já que por conta da falta de relações consolidadas entre a maioria dos agricultores o avalista é escolhido pelos técnicos, dos órgãos governamentais ou não, que prestam serviços de assistência técnica e extensão rural, os quais escolhem entre a lista de agricultores pretendentes a contratação do crédito rural e quem será avalizado por quem.
O critério para esta escolha, na maioria dos casos, tem por base a distância de um lote para outro. Em síntese, os agricultores aceitam serem avalista um do outro não pela existência de laços de confiança e cooperação consolidados, mas apenas para assegurar o acesso ao recurso financeiro. A partir da perspectiva que o crédito não se dá em um espaço vazio começa-se a inferir que de acordo com esta lógica, o recurso advindo deste crédito não é tão acessível quanto se imaginava em um primeiro contato.
Ainda, na perspectiva dos laços de reciprocidade e cooperação é perceptível na atuação dos parceiros do PRONAF, seja este no âmbito de atuação do INCRA, ou no âmbito de atuação da assistência técnica ou ainda do próprio agente financeiro a indisposição em adensar tais laços. Uma evidência disto são as ações que o INCRA de forma descompassada vem desenvolvendo no Nordeste Paraense.
Uma questão apontada por Portes (2000) como uma crítica ao capital social é que o pertencimento a um grupo social tende a excluir os atores estranhos do acesso aos recursos. Com relação a esta exclusão chama-se atenção para uma consequência negativa deste capital social que, a priori, poderia no caso do PRONAF ser considerada positiva.
A categoria agricultor familiar, assim instituída com a criação deste programa para o contexto em que está inserida, tem um caráter generalista, abstrato e abrangente, isto é, tal categoria ao longo do tempo vem englobando várias formas de reprodução da agricultura existente no Brasil.
Ora, se esta realidade por um lado é positiva no sentido de beneficiar, mesmo que de forma generalizada uma parcela significativa do agrário brasileiro, por outro, tal generalidade permite que indivíduos oportunistas acabem acessando recursos financeiros a taxas de juros subsidiados pelo Governo. Neste sentido, seria, justamente, a garantia da exclusão dos não membros, isto é, a exclusão de indivíduos que não foram reconhecidos por este programa como potenciais beneficiários que poderia gerar mudanças institucionais significativas na reprodução do setor agrário.
Em síntese para que as instituições do capital social funcionem de modo eficaz é imprescindível definir com toda claridade e precisão quem tem direito e quem não tem aos benefícios que derivam do pertencimento ao grupo (DURSTON, 2002). Somado a isto, a falta de conhecimento dos técnicos do Governo sobre as normativas de operacionalização desta política de crédito rural - PRONAF - contribui, de forma significativa para que desvios como estes que foram citados continuem ocorrendo.
Estes desvios na Amazônia, especificamente no Nordeste do Pará, vêm ocorrendo por vários motivos. São eles: a fragilidade histórica do Estado em resolver questões como a legalização das terras, isto é, a questão fundiária na Amazônia, o que acaba por deixar lacunas durante a execução da política que são preenchidos por indivíduos oportunistas que diante da ausência e inoperância desta instância (Estado) desenvolve com muita comodidade práticas como grilagem, especulação de terras e acesso a recursos financeiros através do uso de “laranjas”. Estes “laranjas”, na maioria das vezes são agricultores que não tendo acesso à terra, nem a mínima infraestrutura necessária para prover suas necessidades básicas, se submetem a emprestar seu nome em troca de algumas migalhas.
Contudo, há de se considerar que as comunidades rurais se constituem em um ambiente propício para criação ou formação de capital social (DURSTON, 2002). Neste ambiente é muito comum se observar algumas formas de reciprocidade, tais como: baseada na falta de recursos para o desenvolvimento das atividades agrícolas dentro dos lotes os agricultores costumam usar o regime de mutirão e/ou a troca-de-dia. Estas interações entre os indivíduos se constituem como formas coletivas de realização das tarefas no processo de produção.
Somado a isto se devem evitar visões românticas sobre as relações estabelecidas em comunidades campesinas, não as considerando menos complexas do que realmente são. Em 2000, por exemplo, os primeiros créditos de PRONAF A, liberados no Sudeste do Pará, foram acessados de forma coletiva, ao contrário do que se esperava, eles não alcançaram as expectativas, muito porque os agricultores que o acessarem não possuíam experiências com o trabalho coletivo, o que proporcionou o sentimento de que os anseios pessoais dos indivíduos participantes não seriam atendidos3 .
Estes resultados apesar de negativos demonstraram que os atores envolvidos possuem uma história de vida própria e que não considerá-las é reconhecer o insucesso de qualquer forma de intervenção, seja da sociedade civil ou do Estado. A questão passa então pelo âmbito da historicidade, do controle das ações habituais, dos significados, dos tipos de atores envolvidos numa instituição cuja realidade tem momentos de reciprocidade, bem como de estranhamento que são partilhados ou não entre os membros do grupo social envolvido (SILVA, 2008). Em suma, segundo Durston (2002) o meio rural possui tanto características positivas, quanto negativas para o capital social, sendo que o saldo é específico a cada momento da comunidade.
Além disso, Putnam (1995) também considera determinante para a análise do desempenho institucional a subordinação à trajetória, por oferecer explicação para o caráter duradouro dos contornos do comportamento social, decorrentes de certa “racionalidade coletiva”, herdada do legado histórico que foram submetidos determinados grupos sociais.
Na verdade, a formação de uma sociedade civil forte que tenha seu tecido social adensado pelo capital social depende em grande medida da trajetória seguida (path dependence) em cada caso. A partir dessa racionalidade apontada por Putnam pode-se entender que a construção de novos arranjos institucionais gera um alto nível de incertezas, o que dificulta a propensão a mudar dos indivíduos.
Assim, a ausência de uma tradição de capital social determina de maneira importante se um grupo aproveitará ou não as oportunidades de desenvolvimento que se abrem (DURSTON, 2002). Neste caminho, Bastos (2006) concluiu que o que parece fluir da exaustiva pesquisa realizada por Putnam é que os problemas de obediência a determinadas trajetórias são tanto mais resistentes a mudanças quanto mais tempo os grupos sociais estiverem sujeitos à obediência a elas, o que não significa serem intransponíveis.
Aliado a isso, apesar deste trabalho não ter como foco analisar de forma específica sua intervenção, torna-se indispensável uma menção às ações do Estado, já que se parte da concepção que este exerce uma função importante para a formação de um capital social, o qual irá se constituir em premissa para a construção de uma nova institucionalidade na região. Assim, no sentido de garantir que os novos contratos sejam cumpridos ou de induzir mecanismos de apoio à criação de regras informais, entre outros, se faz necessário a presença do Estado de forma efetiva.
São vários os estudos, principalmente no campo do neo-institucionalismo, que demonstram a importância que o Estado possui no desempenho da função “coercitiva” ou “protetora” das relações sociais geradoras de capital social (CASTILHOS, 2002). O Estado funcionaria, segundo este autor, como um “terceiro agente”, através de seus organismos estatais que minimizariam, ou pelo menos deveriam, a assimetria de informações existente nos mercados e os protegeriam quanto às suas tendências  “auto-destrutivas”.
Como resultado, ainda, desta presença efetiva, também, se poderá disponibilizar, de forma simultânea, através de outras políticas públicas (tais como: saúde, educação, reforma agrária etc.), o acesso a informações de forma a induzir mudanças institucionais pautados nos critérios de sustentabilidade já apontados.  Contudo é importante salientar que para estas políticas obterem sucesso é necessário enfrentar e vencer um de seus principais obstáculos, o qual consiste em eliminar ou pelo menos diminuir no nível local relações “verticalizadas”, baseadas em atributos culturais como o clientelismo e o autoritarismo.
Neste sentido, não há como negar que o governo através do PRONAF tentou estabelecer uma relação diferenciada com os atores do campo rural. Entretanto, deve se ter o cuidado de não achar que ela está se dando de forma homogênea em todos os espaços do país, nem tão pouco a qualificar como a “salvação da pátria”, já que a sua disponibilidade de forma isolada, em relação às outras políticas, como as de caráter social, por exemplo, ao que tudo aponta deve gerar poucos resultados no que diz respeito às novas exigências de sustentabilidade mundial.
Ao falar sobre a importância do acesso a informações na geração de mudanças institucionais se torna necessário discutir de forma mais pontual a importância das redes sociais para a formação ou manutenção de um estoque de capital social.  Nesta perspectiva Marteleto e Silva (2004) definiram esta forma de capital como normas, valores, instituições e relacionamentos compartilhados que permitem a cooperação dentro ou entre os diferentes grupos. Para estes autores o uso deste conceito deixa clara a existência das estruturas de redes por trás do conceito de capital social, que passa a ser definido como um recurso da comunidade construído por suas redes de relações.
Esta evidência permitiu que Marteleto e Silva (2004, p. 46) pudessem afirmar que:
os fluxos de informação e o conhecimento produzido pelos laços existentes entre os membros da comunidade dependem de características culturais, sociais, econômicas e políticas, que também determinam a participação de cada um e as sanções para os não-participantes.

A afirmação anterior possibilita entender que a racionalidade empregada pelos indivíduos e pela comunidade em geral é diretamente influenciada pelo nível de informações e envolvimento que cada ator tem com outro e com as outras esferas que compõem determinada instituição. Assim, para que as comunidades rurais não sejam excluídas é importante a força da cooperação no sentido de gerar sinergias e laços de envolvimento entre os indivíduos.
Neste sentido, é importante chamar atenção para a situação em que está submetida a agricultura familiar no Brasil, na Amazônia, especificamente, na área em que está sendo realizado este estudo, o Nordeste do Pará. Os imóveis rurais, nos quais também estão inseridos os assentamentos rurais, não possuem a infraestrutura básica (saúde, educação e lazer) necessária para o desenvolvimento e manutenção das famílias. Além de se encontrarem localizados em áreas de difícil acesso, no decorrer do inverno as estradas, por falta de manutenção constante, na maioria das vezes se tornam quase intrafegáveis.
No caso dos assentamentos, na maioria dos casos, esta realidade força os agricultores a abandonarem seus lotes e saírem à procura de melhores condições. Fatores como estes que foram apontados limitam o adensamento das redes sociais entre os atores e entre os distintos níveis fora de sua área de moradia, o que fortalece a trajetória de exclusão e consequentemente a não formação de um estoque de capital social.
Tradicionalmente as questões referentes aos assentamentos rurais no Brasil têm sido tratadas de forma muito centralizada, cabendo apenas ao Governo Federal, através do INCRA e suas distintas bases regionais resolverem. Isso acabou por gerar problemas de várias naturezas, chegando ao ponto de se tornar necessário uma reanálise sobre a capacidade física e institucional de um único órgão – INCRA – implementar a política fundiária no território de tamanha extensão e heterogeneidades espaciais, como é o caso do Brasil (INTINI, 2004).
A própria ação do INCRA, na maioria das vezes, se dá de forma muito isolada dos níveis de estados e municípios que se pode afirmar que as áreas de assentamentos dentro destes estados e municípios são áreas de ações exclusivas do nível federal. O trabalho de Intini corrobora com esta afirmação:

O INCRA é essencialmente produto das fases anteriores do Governo Federal, sempre esteve posicionado, de forma secundária, entre os organismos federais, não valorizando o processo de descentralização (INTINI, 2004 p.32).

Assim o processo de descentralização é de fundamental importância dentro de contexto vivenciado pelo Brasil a partir da década de 1990. Este passa necessariamente pelo envolvimento de outros atores (órgãos públicos, entidades e organizações da sociedade civil) desde o momento que se reconhece uma situação como problema e que este passa a fazer parte da agenda do Governo. 
Para o contexto histórico em que o INCRA está inserido, o processo de descentralização não aparece como tarefa simples, pois não encontra nele a tradição instalada para o exercício de trabalhos articulados com outras esferas de poder, que são etapas fundamentais para a implantação deste novo modelo de gestão (INTINI, 2004).
Em 1999 com a saída do INCRA da responsabilidade do Ministério da Agricultura e repasse para o recém institucionalizado MDA foram criadas fortes expectativas no sentido de suas ações se darem de forma menos centralizada. Contudo, esta centralização parece se reproduzir sem ser notado como um problema pelos Governos no Brasil.
No nordeste do Pará as ações do INCRA nas áreas de assentamento tem se dado, ainda, de forma muito desarticulada das necessidades dos agricultores. Um fator recorrente tem sido o assincronismo para a emissão de DAP. Como já informado, para as áreas de assentamento a emissão deste documento é de responsabilidade do INCRA, sendo esta condição fundamental e restrita para acessar os recursos financeiros do PRONAF.
Em resumo, a contratação do crédito rural, sendo uma das etapas para garantir o desenvolvimento dos agricultores, é prejudicada diante da inoperância deste órgão em responder a tempo a demanda existente. Esta inoperância é resultado da sobreposição de funções a que o INCRA tem sido submetido ao longo do tempo, isto vem impedindo a existência de qualidade e continuidade temporal em suas ações.
Além da regularização fundiária e desta emissão de DAP o INCRA, também tem a função de firmar convênios ou contratos no sentido de garantir os serviços de assistência técnica, sendo responsável pela gestão dos recursos financeiros que devem ser repassados as prestadoras destes serviços e a fiscalização e qualidade que os mesmos são executados.
De uma forma geral critica-se, portanto, o fato de as políticas de crédito para os agricultores assentados serem concebidas e implementadas de modo dissociado a outras políticas públicas e privadas que complementem e apóiem seus objetivos e os possíveis bons efeitos sociais e econômicos possibilitados pelo acesso à terra e aos financiamentos (BRUNO; DIAS, 2004).
Em resumo, na esfera do institucionalismo, o que interessa efetivamente, na discussão sobre Estado, é a capacidade deste de exercer não apenas a força física, como também uma força simbólica, reproduzida em comportamentos e condutas dos próprios agentes sociais (BASTOS, 2006). Para o caso específico do meio rural brasileiro se faz necessário um trabalho conjunto entre os atores sociais historicamente afetados e excluídos pela inoperância do Estado e este.
Neste sentido, Durston (2002) afirma que a possibilidade de potenciar o capital social campesino depende também do Estado mesmo superar seu próprio papel como parte do problema de reprodução das desigualdades e da pobreza. Todavia, não se pode negar que passos importantes têm sido dados para superar as distintas formas de exclusão construídas ao longo do tempo no rural brasileiro. Contudo, apesar do ambiente institucional mais propício, a operacionalização da política do PRONAF, assim como foi a do PROCERA, ainda, está impregnada por fatores históricos que impedem a consolidação de uma nova institucionalidade, tão necessária ao desenvolvimento desta mesorregião.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode negar que o PROCERA e o PRONAF se constituíram em propostas inovadoras, pois introduziram no espaço de discussões sobre políticas atores rurais historicamente excluídos. Todavia, os resultados permitem afirmar que ambas as políticas estudadas apresentaram nos seus respectivos desenhos muitas contradições no que tange a sua execução na região e que esta política acabou por reproduzir mais uma vez o mesmo viés reducionista e padronizador das políticas de crédito anteriormente disponibilizadas. 
Em suma, muitos dos fatores que limitaram o sucesso do PROCERA e que continuam presentes no PRONAF não são tidos como novos pelos atores que historicamente vêm acompanhando o crédito rural no Brasil, já que estes programas de crédito, assim como os anteriores, não levam em consideração que as distintas categorias existentes na Amazônia possuem uma lógica de reprodução própria, a qual vem resistindo ao longo do tempo as forças nefastas do capitalismo. 

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1 Neste artigo por campo rural brasileiro é entendido todas as áreas em que o homem desenvolve atividades ligadas a terra de forma direta, tais como: agricultura, pecuária, aqüicultura, extrativismo, entre outras.

2 Neste artigo o conceito de sustentabilidade ambiental é entendido como toda pressão feita sobre os recursos naturais de forma ordenada, objetivando a conservação destes recursos para a manutenção das sociedades atuais e futuras.

3 Para maiores detalhes sobre este trabalho, consultar Silva (2008).