Contribuciones a las Ciencias Sociales
Mayo 2012

DE PORTO ALEGRE PARA O MUNDO: ANÁLISE DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE PORTO ALEGRE, SUAS LIMITAÇÕES, AVANÇOS E ENSINAMENTOS COMO EXPERIÊNCIA DE GESTÃO DEMOCRÁTICA DE 1989 A 1999

Fábio Orlando Eichenberg (CV)
eichenberg10@gmail.com
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Resumo: O presente artigo busca refletir um pouco importância do Orçamento Participativo da Cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul como experiência democrática de participação entre os anos de 1989 a 1999 durante o governo do Partido dos Trabalhadores. Também se pretende debater sobre a questão da autonomia como forma de alcançar parâmetros de justiça sócia e qualidade de vida a partir da perspectiva autonomista. Por fim, uma breve análise dos ensinamentos que podem ser assimilados a partir do êxito dos investimentos contidos na porcentagem referente às demandas da coletividade apontadas pela comunidade e solucionadas pela Gestão Pública.




Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Eichenberg, F.: "De Porto Alegre para o mundo: análise do orçamento participativo de Porto Alegre, suas limitações, avanços e ensinamentos como experiência de gestão democrática de 1989 a 1999 ", en Contribuciones a las Ciencias Sociales, Mayo 2012, www.eumed.net/rev/cccss/20/

Introdução

Dos debates contemporâneos que assistimos, seja pela mídia (Impressa ou eletrônica) no Brasil um em especial chama a atenção pela condução que é dada. A questão da exclusão seja por conta das novas tecnologias de informação, ou por ocasião dos processos de automação das indústrias, ou tão somente por decisões que afetam diretamente o cidadão, como uma simples mudança de direção de uma rua no centro da cidade sem aviso prévio, pode ocasionar (ou aprofundar) um processo de exclusão, ou simplesmente de “negação de cidadania” principalmente neste século.
Imaginou-se que a partir do século XXI com todas as transformações que lhe são atribuídas haveria uma alteração da sociedade em busca de uma igualdade a partir do que se chama de uma abundância de uma qualidade de vida em direção a uma sociedade marcada pela igualdade a partir do progresso continuo dessa tal qualidade de vida, uma vitória da razão sobre os irracionalismos, e a construção de uma igualdade fundamental entre todos os homens. (SILVA, 1999. p.190)
Essa imagem que a modernidade construiu, marcada por abismos de exclusão, pode ser considerada a causa desse modelo de sociedade (degradante e degradada) em que vivemos, onde segundo Silva (1999) “è clara a existência de uma cisão da sociedade entre integrados e excluídos”.
Fato é que a falência do Estado (e das políticas sociais) e do próprio modelo do Estado Nacional, do Welfare State, contribui para esse cenário abissal. Nesse sentido, ainda que no Brasil não tenhamos atingido esse patamar de bem estar social, e que boa parte da sociedade viva em condições deploráveis, é fundamental a manutenção de políticas de cunho social, na perspectiva de melhora em longo prazo. Sofre então, essa parcela da sociedade capitalista com o desmantelamento do Estado Neoliberal, atingindo as áreas prioritárias como a saúde, habitação, educação, emprego, onde a competitividade se acirra e apenas o mais forte sobrevive, o que vai de encontro com o que escreve SOUZA (2006) fomentando uma ‘loteria natural”.
A partir da década de 80 começam a surgir propostas de experiências no âmbito dos municípios, particularmente após as eleições de 1988 (SILVA, 1999. p. 192) projetos e experiências que deslocam para os municípios a responsabilidade e/ou a possibilidade de aprofundamento da democratização e construção de uma cidadania efetiva. Neste campo de experiências ainda segundo aquele autor, destaca-se no campo de projetos, a condução do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre, como a mais significativa e que mais avançou como proposta original.

Buscando instituir novas relações sociopolíticas na cidade e institucionaliza-las enquanto núcleo de uma nova proposta de gestão pública, os governos da “Administração Popular” de Porto Alegre, por exemplo, em 1989 voltaram-se para a inversão de prioridades na alocação dos investimentos municipais (destinados a partir de então, para a população mais carente da cidade) a recuperação da capacidade de investimento da Prefeitura (reforma do IPTU - instituindo a progressividade como um principio de justiça tributária, ou seja, “quem tem mais paga mais” – e do ISSQN, política de captação de recursos externos), a constituição e implantação de espaços públicos para a formulação e gestão das políticas sociais com a participação direta da população (conselhos municipais de Saúde, de Educação, de Acesso a Terra e Habitação, de Cultura, de Assistência Social entre outros), a criação de um processo de participação direta da sociedade na elaboração e execução do orçamento municipal (através do “Orçamento Participativo”), a discussão publica de diretrizes e políticas orientadas para a construção de um projeto de futuro para a cidade (a “Cidade Constituinte”, o Plano de Desenvolvimento Econômico, e o novo Plano Diretor da Cidade).

A partir de uma análise breve dessa experiência de Porto Alegre, podemos entender que essa experiência relativamente positiva se deu em contexto político principalmente deveras profícuo, e que ocorrera tentativas de (re) produção desse projeto e /ou experiência em outras cidades (e municípios) sem o mesmo êxito. Afinal, o que esse modelo de Gestão “Participativa” tem de especial em detrimento de outras realidades? Pode-se afirmar que apenas a conjuntura política da época é suficiente para explicar esse “fenômeno”?Tentaremos de maneira teórica e inicial a partir desse questionamento apontar os caminhos que levaram ao “sucesso” em Porto Alegre citando diversos autores expoentes nesse tema tais como: SOUZA, 2006; SILVA 1999; ROSENFIELD, 2002; NAVARRO, 2000; FEDOZZI, 1997; ABERS, 1998 entre outros.
Este artigo tentará com suas limitações apresentar uma consideração sobre a as tentativas de reproduzir as experiências da capital gaúcha em escalas e contextos políticos diferentes. Obviamente o que se pretende é entender as diversas tentativas de “cópia” que resultaram em fracassos épicos em outras escalas geográficas (municípios principalmente) e, no entanto, demonstra um êxito temporal (relativo) de mais de 20 anos na Capital Rio-grandense.

A Experiência de Porto Alegre e o discurso Acadêmico: limitação científica?

A cidade de Porto Alegre (que doravante neste artigo terá seu nome carinhosamente abreviado para POA) observou a partir de 1989 uma experiência de manutenção de gestão pública que manteve por pelo menos três eleições (12 anos, esse foi o período de vitórias do mesmo grupo político, o PT - Partido dos Trabalhadores) uma consistência razoável, apresenta ainda hoje dispositivos de controle social não institucionalizado de gestão de fundos públicos, o chamado Orçamento Participativo, (ou simplesmente OP).
Segundo Navarro essa experiência de gestão participativa, (2000) “começou de forma rudimentar e fortemente ideologizada”. Esta inovação apesar de sujeita a aprovação final e formal da Câmara de Vereadores, gradualmente evoluiu para um complexo arcabouço social que viabiliza a participação no processo decisório que define e torna politicamente imperativa a aplicação dos recursos orçamentários destinados aos investimentos a serem realizados na cidade. (NAVARRO, 2000 p. 211)
A partir do que chamamos de “experiência de POA”, frequentemente, interessados em acompanhar (e digamos: “copiar”) esse modelo de gestão participativa se debruçam sobre essa, que apesar de não ser a única, é uma das mais aclamadas mundialmente, obtendo tal interesse Internacional e sendo (re) plicada em diversos países (França, Argentina, entre outros), e sob inúmeros modelos e variações em diversas cidades e municípios brasileiros (Belo Horizonte, Recife).
Observa-se, no entanto, que essa experiência do OP de POA tem, segundo Silva, (2000) provocado algumas “dificuldades de análise acadêmicas” no sentido de tornar e disseminar uma tendência e a tornar conhecido um processo social pelo simples fato de utilizá-lo com frequência. A utilização do termo cotidianamente em alguns casos esvazia-o e o torna obsoleto de sua real utilização e significado. Para isso torna-se essencial enfocar que essa terminologia não vem a priori na cidade e que sua contextualização é deveras complexa.

nesse vácuo de estudos mais aprofundados, observa-se que a “explicação”do OP geralmente tem se limitado a uma reprodução de discursos construídos pelos próprios participantes do processo. Entre estes, adquirem particular relevância os discursos dos integrantes da Administração Municipal que, pelo seu acesso a informações e capacidade de divulgar opiniões, tendem a instituir uma versão “oficial” sobre o OP e a sua construção. Nesse discurso predomina a ideia de que o OP é um resultado da Administração Popular, que teve a capacidade política e técnica de construir um novo arranjo institucional que permitiu a expressão e a intervenção dos setores populares organizados da cidade, os quais viviam na década de 80 uma forte crise de identidade e de projeto. (SILVA, 2000. p.194)

Deste modo, ao lidar com a questão do OP de POA, deve-se atentar as entrelinhas dispostas nessa experiência, que muito além do discurso político e sua importância como elemento de caráter motivador das partes interessadas, o OP de POA revela a força de uma escala local reticular, que mantém acesa sua vontade de participar e ser participada das (e nas) ações de caráter redistributivo e autônomo do OP, e deste para as demandas da cidade como aponta novamente SILVA, (2000)

e buscando contrapor-se a essas limitações – e, particularmente, ao predomínio dos discursos carentes de fundamentação empírica, devemos demonstrar que: um dos pilares fundamentais do OP (e, de forma mais genérica, dos processos de participação populares em Porto Alegre) é uma rede associativa formada por lideranças de comunidades populares da cidade, as quais se legitimam e legitimam os processos através do reconhecimento publico da existência de um efetivo caráter redistributivo no OP. (SILVA, 2000. p. 195)

Essa caracterização aponta em parte para o êxito da experiência em POA e não deve ser esvaziada de sua representação. Em parte ainda segundo aquele autor, “é nesta rede e na atuação desta, então, que, podemos encontrar, em parte, as respostas que possibilitam a continuação e o aprofundamento do processo de democratização no âmbito municipal do Estado”.

Bases sociais e participação: elementos para uma rede cidadã, será essa a chave do sucesso?

È preciso reconhecer inicialmente que o discurso político é fundamental e aliado à vontade dos políticos e dos governos e o reordenamento institucional são essenciais para o engajamento da população e experiências de cunho democrático e a participação na gestão pública. Segundo Silva (2000) “a partir dos anos 90 a sociedade brasileira viu arrefecer o ardor e a mobilização dos movimentos sociais, além do abandono das reflexões e investigação empíricas acerca dos processos de ação coletiva na sociedade da década de 90”. Segundo aquele autor houve um otimismo excessivo na década de 80 em relação às potencialidades dos movimentos, e, no entanto, parece segundo uma perspectiva da discussão atual que o Estado novamente é dono e senhor de tudo e de todas as discussões. Uma visão tradicional e que confere ao Estado o predomínio da ação instituinte, restando à sociedade um papel subordinado e/ ou passivo (SILVA, 2000.p.197).
Isso remete ao modelo de sociedade encontrado hoje, que é permeado pela exclusão, racismo “branco”, violência, drogas, pornografia. Assim o era já na década do questionado e debatido OP de POA. No entanto, a partir da ideia de esvaziamento a partir dos 90 dos movimentos sociais amplamente atuantes nos anos 80 inicia-se um marasmo de ideias e os que não sucumbem se apoiam em discursos ideológicos previamente estabelecidos. Esse cenário segundo Silva (2000, p 97) “pouco auxilia a compreensão dos processos como: a democratização da gestão municipal em Porto Alegre”.

ao contrario de algumas interpretações “oficiais” o OP, não é nem fruto apenas da vontade política do governo (mesmo que essa nunca possa ser desvalorizada), nem se sustenta apenas em um arranjo de engenharia institucional (por mais eficaz e positivo que este possa ser), ou seja, o OP não pode ser reduzido a um mero experimento governamental que conseguiu êxito frente a uma população passiva, desorganizada e/ ou dócil às propostas e ações geradas por um Estado protagonista (SILVA, 2000.p. 198).

Cabe ressaltar que as experiências de participação em POA não se iniciam com a experiência do OP em 1989. A cidade já estava as voltas com a participação em outros movimentos e dispositivos democráticos. Ou seja, o ambiente era propicio e fecundo para uma semente de gestão pública. Encontra-se segundo Silva (2000 p. 198) “já em 1986 um arcabouço de participação popular, por exemplo, a União dos Morados de Porto Alegre (UAMPA) que já iniciava as discussões da participação da população nas discussões do Orçamento Municipal como se pode observar no documento A Participação Popular na Administração Municipal de Março de 1986”. Abaixo algumas transcrições do documento citadas por Silva (2000. p.200).

PARTICIPAR DE QUÊ?

  1. O mais importante na prefeitura é a arrecadação e a definição de para onde vai o dinheiro público. È a partir daí que vamos ter ou não verbas para o atendimento das reivindicações das vilas e bairros populares. POR ISSO QUEREMOS INTERFERIR DIRETAMENTE NA DEFINIÇÃO DO ORÇAMENTO MUNICIPAL E QUEREMOS CONTROLAR A SUA APLICAÇÃO
  2. QUEREMOS DECIDIR SOBRE AS PRIORIDADES DE INVESTIMENTO EM CADA VILA, BAIRRO OU CIDADE EM GERAL.
  3. QUEREMOS DECIDIR SOBRE AS ALTERNATIVAS EM RELAÇÃO AOS PROBLEMAS DO TRANSPORTE COLETIVO; DA EDUCAÇÃO; DA SAÚDE DA MORADIA; DO ESPORTE; DA CULTURA, ETC.
  4. QUEREMOS FISCALIZAR E CONTROLAR A EXECUÇÃO DAS OBRAS E SERVIÇOS PÚBLICOS (creches, escolas, postos...)


COMO QUEREMOS PARTICIPAR?
(....)

4) A DEFINIÇÃO DO ORÇAMENTO SEJA FEITO A PARTIR DO (MC)

[Movimento Comunitário] e da organização dos serviços municipais. O CONDEL [conselho de delegados] da UAMPA deve unificar as discussões e definições de prioridades de cada vila e região. Com isso teremos as prioridades de investimento da prefeitura a cada ano, na cidade. Por outro lado, a organização dos funcionários da prefeitura tem a capacidade de definir as prioridades e necessidades em termos de salários e manutenção da máquina administrativa. Da combinação dessas necessidades sai o orçamento, Que deve ser simplificado e transparente, pois partimos das necessidades de investimento e manutenção dos serviços públicos. Ao executivo cabe acatar e implementar as propostas. (SILVA, 2000.p.201)

Fica evidente que as discussões e os meios de participação, em alguma escala local já eram disponibilizados. Nota-se que na década de 80, as organizações e movimentos populares embrionariamente dispunham de suficiente mobilização frente aos desafios do presente (década de 80) e uma clareza do futuro acerca do que dispunham de participação nas questões da gestão publica. Isto posto, o governo da Frente Popular Petista semeou no âmbito do discurso político apenas elementos de organização técnica encontrados nos elementos assalariados da prefeitura. Essa rede devidamente articulada ira ser fundamentalmente importante na viabilização do OP de POA inclusive segundo os escritos de Silva (2000) “Em linhas mais gerais do processo de participação direta da população na gestão municipal em seu conjunto”

a própria eleição de Olívio Dutra e Tarso Genro para a prefeitura de Porto Alegre em 1988 pode ser reinterpretada a partir da perspectiva das bases populares de sustentação. Além das orientações que creditam essa vitória a tradição oposicionista predominante na cultura política de Porto Alegre, ao êxito dos responsáveis pela propaganda política da Frente Popular ou ao voto de protesto de setores insatisfeitos do ponto de vista pragmático, pode – se ver também na eleição da Frente Popular o resultado de um longo e silencioso trabalho de organização e atuação de uma frente religiosa – político – comunitária que se desenvolveu na cidade desde os anos 70 [...] pode-se identificar no inicio dos anos 80 a existência de significativos setores organizados nas vilas e bairros populares que apresentavam um menor ou maior grau de identificação com as propostas e orientações do Partido dos Trabalhadores. (SILVA, 2000.p. 203)

O fragmento a cima é flagrante quanto à importância das bases populares e movimentos sociais engajarem-se junto às perspectivas de participação. Fica nas entrelinhas e nos anais da historia política e participativa da capital Riograndense também, que a democracia representativa em POA acabou abrindo precedente para outras experiências que foram a cabo, no entanto, onde o nível de atuação e participação popular não foi suficiente para obtenção de um êxito considerável das proposta de OP. Cabe também ressaltar que apenas elencamos um item que consta de todo o arcabouço do OP de POA, que é a participação coordenada (mas nem por isso perfeita) dos movimentos sociais no histórico da política Porto alegrense.

De Porto Alegre (RS) para o mundo, a partir de uma sociedade heterônoma, uma experiência autônoma.

A definição de autonomia como um valor intrínseco conforme encontrado em Souza (2000.p.79) “Prazer do exercício da liberdade como um fim em si mesmo” é fundamentalmente uma “frivolidade” carregada por controvérsias na sociedade capitalista heterônoma. É valido e faz bem, pensar que: indivíduos possam concretamente definir seus interesses individuais e coletivos (constitutivos da autonomia) de maneira livremente não arbitrada. Isso ainda segundo aquele autor “a luz do pressuposto de que o caminho democraticamente mais legitimo para se alcançar mais justiça social e uma melhor qualidade de vida é quando os próprios indivíduos ou grupos sociais específicos definem os conteúdos concretos e estabelecem as prioridades para isso” (SOUZA, 2000, p.79).
A participação popular é essencial para o estabelecimento de uma sociedade autônoma na perspectiva decisória coletiva. Sem a participação democrática, sem vozes e brados dos indivíduos que constituem uma sociedade o que sobra, é a manipulação e a bestialidade baseada em fatos como os episódios de eleições fragmentadoras da opinião, cada vez mais repulsiva e corroída dos preceitos da palavra democracia que sequer foram estabelecidos democraticamente. Afinal, o que temos de democracia nessa representação lamentável das instâncias de poder brasileiras? Como representar grupos de indivíduos, se nem mesmo sabem representar a si? Essas constatações urgem uma reflexão acerca da participação nas instâncias decisórias. A autonomia deve refletir para todos e não apenas para grupos pré-definidos, para Souza (2000) “a maximização da autonomia de alguns indivíduos ou grupos em detrimento de outros não passa de egoísmo e corporativismo, o que só reforça a heteronomia ao nível da sociedade”.
Nesse contexto apesar da experiência do OP de POA ser significativa na busca por uma sociedade autônoma e democrática, ela deve ser vista apenas como um inicio, nesta longa caminhada. É fato que um inicio animador, que trouxe esperança de uma sociedade mais justa e com equidade. Elementos como justiça social e qualidade de vida devem ser buscados para todos. De modo geral cabe ressaltar que autonomia “pode” contemplar em sua totalidade todos esses elementos em algum nível. Souza descreve justiça social e qualidade de vida como instancias da autonomia como aponta a citação

se a autonomia tem a ver com o controle democrático dos processos decisórios e com a ausência de opressão, é evidente que a justiça social deriva da autonomia, ou é dela uma instância. O mesmo não se pode dizer da qualidade de vida, pois a igualdade política e um processo decisório livre não conduzem por si sós, obrigatoriamente a bons resultados. Não obstante, embora uma melhor qualidade de vida não seja diversamente da justiça social genuína, propriamente derivada do principio de defesa da autonomia, não é ilógico pretender subordinar a qualidade de vida, a autonomia, ainda que de modo sutil e indireto (SOUZA, 2000.p.80).

Aquele autor ainda acresce que: “afinal, conquanto melhoria de qualidade de vida, assim percebidas pelos próprios indivíduos, não sejam compatíveis com um modelo social heterônomo, não se deve perder de vista que, em tais circunstâncias”:

  1. Quanto menor for a autonomia individual, mais difícil será a satisfação de diversas necessidades humanas;
  2. A heteronomia constatável no plano coletivo sabota, incessantemente, a possibilidade de uma qualidade de vida substancialmente melhor para a maioria da população, a despeito das ilusões imbecilizantes disseminadas por uma ideologia exaltadora da modernização e do consumismo.


Necessariamente, estamos lidando com sentidos e individualidades. A questão da qualidade de vida associada ao privado é relativamente individual e privada. Um exemplo pode ser dado em relação às atividades de lazer na natureza, onde alguns associam esse “estilo de vida” a qualidade de vida, fazendo observações de toda ordem e afirmando que “sua vida mudou” “sua espiritualidade aumentou” (não no sentido religioso, mas de (re)encontro com a natureza) enfim, esse processo de busca por experiência renovadoras é por muitos aliado a qualidade de vida, no entanto o sujeito que de forma alguma adentra um espaço natural qualquer, que jamais se atiraria de uma tirolesa, ou então encararia um rapel, mas diferente disso vive as voltas em shopping centers, cinemas ou atividades mais “urbanas” (hoje existem parques nas grandes cidades como São Paulo, que oferecem atividades antes possíveis apenas em ambientes naturais) defende seu estilo de vida aliando a qualidade. Obviamente essa discussão deve ser bem mais aprimorada e contar com outros elementos que não serão debatidos nesse artigo, no entanto assim como se discute se Curitiba no Estado do Paraná oferece mais qualidade de vida do que em qualquer outra capital brasileira (inclusive estudos já apontaram isso) podemos ousar adentrar esse campo. Ou seja, vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais.
Por outro lado à justiça social proposta pelo termo equidade ou “Estado igual para todos” deve ser vista sim como uma função a ser cumprida pelo viés Estatal, tendo em vista, a cobrança de impostos estar atrelada a esse cumprimento. Esses parâmetros estão diametralmente ligados à esfera da coletividade e vem a galope do debate e da deliberação legislativa em torno de que diz respeito ao coletivo como adverte Souza (2000)

a justiça social esta relacionada a esfera pública, que é a esfera do debate e da deliberação legislativos em torno da administração dos negócios da coletividade – debate e deliberação essas que, em uma sociedade autônoma hão de se dar em consonância com princípio de maior igualdade efetiva possível de condições para participação nas tomadas de decisão. (SOUZA, 2000.p.80)

O legado Porto alegrense enquanto ensinamentos de uma experiência democrática

O processo democrático do OP de POA como debatido anteriormente se deve ao fato não apenas político, no sentido de haver-se iniciado a partir de uma vontade dos políticos locais em promover a participação da população, nada disso. Ao contrario, pode-se dizer que as perspectivas políticas e de participação imbuídas nos moradores de Porto Alegre, alem de uma rede sólida de atuação de baixo para cima, se encontrou com toda a arquitetura preparada pelo governo do Partido dos Trabalhadores, e se tornou um significativo modelo de participação popular democrática. Isto posto, quis os ensinamentos que o OP de POA enquanto modelo de Gestão Pública pode nos oferecer?
É possível primeiramente observar que a partir do papel das redes em que centenas e por vezes milhares de pessoas se mobilizam e transformam suas realidades. Muitas vezes de maneira desorganizada e primitiva, como é o caso do movimento ocupe Wall Street. Em outros momentos de maneira estritamente organizada e causando profundas transformações, com certeza esse ambiente onde os indivíduos em busca de um denominador comum entre seus interesses coletivos, ocasionando reuniões, debates, proposições , criticas, pressionando e apoiando legitimam e dinamizam a experiência de Gestão Pública no qual governo e sociedade organizada são protagonistas.
É na capacidade de mobilização, articulação, pressão e proposição dessa rede que se sustenta grande parte da dinamicidade de modelos de Gestão como o OP, que não são apenas um canal de demandas e investimentos pré-definidos, mas também o espaço onde se trava a batalha na busca por efetivação de novos direitos coletivos. Assim, através da construção das reivindicações, processo através do qual, necessidades são apreendidas enquanto carências coletivas e negações de direitos, as lideranças que constituem essas redes desempenham um papel fundamental na oxigenação dos processo participativos evitando seu esvaziamento porventura de sua incorporação como mero mecanismo burocrático de processamento de demandas localizadas e fragmentadas. (SILVA, 1999.p.223)
É claro e convém ressaltar que, todo esse arcabouço depende do aparato organizativo municipal em pleno e consoante funcionamento. Essa resposta esta aliada à capacidade de investimento do governo local e do direcionamento de toda essa maquina publica no atendimento das demandas da população. No entanto, em POA, o OP como não é dado, a priori o estabelecimento das redes organizativas nos bairros, igrejas, vilas sem dúvida alicerçou e mobilizou todo esse êxito.

Breves considerações

A partir da experiência de POA de Gestão – Participativa – Democrática, temos como enfoque principal e digno de observação e (re) visão, o “poder” da participação da população nas ações do governo local. É animador observar (e ao mesmo tempo perturbador) que os efeitos desse modelo de Gestão se espalharam pelo Brasil e pelo mundo numa corrente de otimismo em torno de análises e mais análises dos porquês em trono do OP de POA apresentados neste artigo, e fica a principal contribuição: É possível aprender (apreender) esta e com esta experiência e replicá-la em outras escalas/realidades. No entanto não é possível sem uma intervenção dos setores comunitários organizados a partir das experiências próprias e aos poucos as alargando até as instâncias decisórias que traduzem (ou deveriam) as demandas da comunidade e investem os recursos existentes para tais procedimentos
Pode - se destacar também que a busca por justiça social e qualidade de vida é justa e necessária. Porém, deve-se alertar para as variantes individuais e coletivas numa junção de demandas que não sejam aleatórias, mas que representem à coletividade. Para tanto entender que a justiça social como dever do Estado a priori necessita promover os direitos dos cidadãos qualificadamente, como consta da constituição brasileira os direitos do individuo a saúde, educação, saneamento entre outros. Nesse sentido o OP de POA que teve seu auge (como compartido no artigo desenvolvido) entre os anos de 1989 e 1999 durante a Gestão Municipal do Partido dos Trabalhadores mostra que é possível a partir de uma mobilização com debates, criticas e demandas sólidas interferir em prol da comunidade em obras importantes na cidade ocasionando uma melhora da qualidade de vida aliada um processo de autonomia democrática.
Não menos importante, com certeza o legado de Porto Alegre deve ser exaltado como experiência que deu certo. No entanto nesta mesma medida é necessário novos estudos e formas de Gestão Participativa em um modelo democrático que estabeleça a figura do cidadão como centro das discussões, tradutor das demandas e livre em si mesmo.
Bibliografia

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