José Artur Cavalcante Prado (CV)
j.artur_prado@hotmail.com
Vivianne dos Santos Cavalcanti (CV)
vianicorao@yahoo.com.br
Universidade Federal da Grande Dourados
Resumo: Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o mundo viu-se polarizado entre duas potências - EUA e URSS - cada qual defendendo o seu modelo econômico. Com o triunfo do capitalismo defendido pelos norte-americanos, o mundo assistiu à influência dos EUA ser dirigida as várias partes do mundo, ora de maneira mais agressiva, ora de forma mais velada. Dados os rumos tomados pelo sistema ao longo de seu processo de consolidação, mergulhado em contradições e algumas crises, conflitos interpaíses são criados e levantam-se questionamentos sobre a hegemonia norte-americana e movimentos contra hegemônicos se alastram tendo como alvo os EUA e consequentemente o sistema capitalista.
Introdução
O século XX foi marcado por disputas entre as nações no campo político, econômico, tecnológico e ideológico, culminando em alguns conflitos armados que se desenrolaram ao longo das décadas do século seguinte. Para um melhor entendimento dessa situação, no entanto, é necessária que seja feita uma discussão acerca do papel que os países considerados hegemônicos nesse período tiveram nesse instável campo de disputas econômicas e ideológicas que se deu século XX.
Mais do que simplesmente contendas de cunho econômico, o último século assistiu no campo ideológico uma das mais intensas disputas entre as potências de sua época, em que a Guerra Fria iniciada com o fim da 2ª Grande Guerra Mundial (1939-1945) polarizou de um lado os EUA (Estados Unidos da América) – defensor do capitalismo e de outro a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) – adepta do sistema socialista - em campos opostos no jogo de forças na busca pela hegemonia mundial, o que sistematicamente implicou num jogo de estratégias bem definidas, onde a falha de um implicaria diretamente no avanço do outro, o que deixa bem claro que se tratava de um jogo de equilíbrio onde o ponto fraco do inimigo significava o triunfo do outro.
No entanto, a hegemonia representa o domínio sobre o outro em uma relação de poder onde se incorporam todas as dimensões da vida social, política, econômica, tecnológica, militar, cultural, pois se olharmos para a propaganda do sistema socialista difundido na URSS, ou mesmo para a difusão do “American Way of Life”, propagado pelos EUA, na busca de difundir os referenciais capitalistas pelo mundo, bem como seus valores sociais éticos entre outros, percebe-se como sua busca por hegemonia, ou poder, é travada em diferentes campos e nos mínimos espaços existentes.
O debate teórico mais aprofundado sobre o tema implica também a colocação de que toda tentativa de hegemonia ou imposição de valores, encontra também a resistência, principalmente se levarmos em consideração que a sociedade capitalista mostrou-se instável e propensa a rupturas, em seus processos históricos o que coloca o jogo de disputas hegemônicas em um terreno instável sujeito a significativos abalos em suas estruturas. Revoluções, levantes, boicotes, mostraram-se ingredientes a mais no que diz respeito a luta contra os valores hegemônicos.
Não se trata apenas de luta de classes, ou revoluções de diferentes roupagens, mas de compreender que por mais eficiente que seja a propaganda da difusão dos valores hegemônicos, sempre se encontrara do outro lado o contra discurso, partindo de grupos mais ou menos organizados, mas que servem como a última trincheira a ser conquistada. “Isso significa que transferir o centro da análise das relações de exploração para as relações de dominação implica incorporar todas as dimensões da vida social e transcender a esfera do trabalho”. (CECEÑA, 2005, p. 9).
Se observarmos o mundo pós Guerra Fria, e sob uma análise mais superficial, poderíamos concluir que os valores do capitalismo moderno emanados dos EUA, os colocou como triunfador absoluto no jogo da disputa econômica e ideológica, mas, no entanto, passado vinte anos do fim do bloco soviético, os EUA, ainda não conseguiu dar as repostas satisfatórias para as contradições do sistema capitalista por ele defendido.
O que se evidenciou com o passar dessas duas últimas décadas, foram contradições visíveis, principalmente no que diz respeito as crises econômicas que surgiram como avalanches sobre as fortalezas econômicas, como Europa, Japão e o próprio EUA, expondo suas contradições e seus valores tão ferrenhamente defendidos, suas fragilidades. (SADER, 2005).
Por todas as contradições e problemáticas apresentadas pela economia mundial que, por sua vez, é comandada pelos ditames do sistema capitalista, a questão política que se apresenta mais em voga atualmente é a possibilidade de haver a construção de “um outro mundo possível” (Rattner, 2000), onde haja um modelo econômico alternativo ao modelo hegemônico capitalista neoliberal, que possui como seu representante mais poderoso os Estados Unidos.
Isso demonstra claramente que a compreensão acerca da hegemonia norte-americana com o fim do bloco soviético, produziu algumas reflexões sobre o real alcance dessa hegemonia bem como seus limites e fragilidades no contexto do mundo globalizado e de tendências neoliberais profundas. Por isso diz-se que “uma estratégia para um mundo pós-neoliberal requer, antes de tudo, uma análise precisa do caráter da hegemonia atual, em particular da hegemonia norte-americana” (SADER, 2005, p. 16).
Juntamente ao crescimento da economia norte-americana, o sistema capitalista também desenvolveu uma série de mecanismos para se expandir pelos mais diversos países do mundo e trazendo efeitos diversos aos mesmos. Com políticas agressivas, onde fronteiras nacionais quase não são perceptíveis aos rumos tomados pelo capital e seus produtos. (SADER, 2005).
Na condição de maior expoente do bloco capitalista, os EUA, nas últimas décadas atou como guardião dos valores da democracia e das liberdades individuais, o que contrastou de forma clara no que diz respeito a atuação política e militar norte-americana em diferentes regiões do globo. Desde a América Latina, passando ao Oriente Médio, e chegando a Ásia, as intervenções militares causaram um degaste no discurso de liberdade e democracia tão amplamente defendido pelo governo que tem sua sede em Washington.
Na medida em que as contradições entre discurso e ação ficaram mais evidentes, surgiram maiores dificuldades para a concretização de um projeto hegemônico de dominação, consistente e duradouro dentro da visão capitalista. O isolamento político dos EUA na última década evidenciou esse processo de desgaste que muitos autores apontam ter começado com a guerra do Vietnã (1959-1975), e no consequente desastre no campo político e militar que essa intervenção militar representou para o governo norte-americano. “A derrota dos Estados Unidos no Vietnã, transformou a cena geopolítica mundial e marcou o começo do lento declínio da hegemonia norte-americana”. (SADER, 2005, p. 23).
Em um dado momento, Mao-Tse-Tung classificou os EUA como um “tigre de papel”, numa clara alusão a fragilidade da hegemonia americana. Deve-se considerar, no entanto, os limites da subestimação do poderio econômico-militar estadunidense, pois os maiores símbolos da força hegemônica norte-americana no mundo podem ser expressos pelo dólar e o Pentágono, sendo que cada qual representa uma faceta de sua superioridade econômica e militar. “É nesse sentido que o conceito de hegemonia ganha todo seu significado. Não se reduz a dominação militar ou econômica, mas articula o conjunto de fatores que levam uma potência a ser dominante e dirigente”. (SADER, 2005, p. 17).
Nesse contexto, o que desse ser levado em conta, é que os EUA, não podem ser considerados apenas um “tigre de papel”, mas somado a sua força econômica e militar, estão presentes também sua capacidade de articulação e difusão valores, no campo da disputa politica internacional, ainda que essa capacidade tenha sido desgastada e enfraquecida no início do século XXI.
Essa expansão irrestrita do grande capital, por sua vez, gerou uma série de discursos que se mostravam contra os seus efeitos. Protestos contra os efeitos nocivos do alastramento do capital se mostraram cada vez mais frequentes reunindo ONG´s, ambientalistas, sindicatos, associações, etc. (RATTNER, 2000).
As forças de oposição capazes de fazer frente a essa hegemonia estão ligadas diretamente a capacidade de articulação dos grupos sociais das últimas décadas, que atuam como frente de oposição ao discurso hegemônico e dominante dos EUA. A pressão popular acerca das intervenções militares no Afeganistão e no Iraque, não foi capaz de interromper ou mesmo exigir a retirada das tropas, mas foi capaz de desgastar a imagem do governo de George W. Bush (2001-2009) perante a opinião pública internacional, e consequentemente produziu mudanças nos rumos da política interna norte-americana.
Hegemonia norte-americana: aspectos gerais e efeitos sobre a América do Sul
O conceito de hegemonia, frequentemente atrelado a ideia de superioridade, expressa uma fusão em que o produto final tem como objetivos claros a dominação sobre “o outro”, e quando se trata de contextos tão complexos, as relações entre os governos, expõem as contradições e as mazelas produzidas pela busca do maior poderio econômico ou militar como condições essenciais na condução e tomada de decisões no campo da política internacional.
O papel exercido pelo governo norte-americano expõe essa situação sob diferentes enfoques em que de um lado dominantes e de outro, dominados, expressam cada qual suas concepções e valores.
“O New York Times escreveu, no momento das imensas mobilizações em vários países contra a guerra, que o outro superpoder mundial seria a opinião pública” (Sader, 2005, p. 21), relatando o grito de resistência dos grupos organizados contra as intervenções militares e o desrespeito do governo estadunidense em relação à soberania das nações com menor poder político no jogo de gigantes da política internacional, demonstrando com isso que a opinião pública, dentro e fora dos EUA, ainda é a força com maior capacidade de resistência contra as arbitrariedades cometidas pelo governo norte-americano, em nome dos valores de liberdade, democracia e etc...
O histórico das intervenções políticas na América Latina nos dá uma noção exata do quanto os movimentos sociais por aqui, se estruturaram apoiados no discurso de combate ao imperialismo norte-americano, bem como nas profundas mudanças que o cenário político latino-americano sofreu nas últimas três décadas.
O cenário político latino-americano é marcado por revoluções, contra revoluções, golpes de estado entre outros, o que deixa evidente que a efervescência, social e política foi e é presente na vida do povo desta região.”Estas dos décadas presenciaron las mayores transformaciones concetradas de la historia latinoamericana”(SADER, 2006, p. 52).
Por essas e por outras situações é que os maiores expoentes destas transformações estão enraizados nos movimentos populares, sendo pertinente ainda ressaltar que durante todo o seu passado colonial, a América Latina, representou pouco peso no cenário político internacional, ficando reservada apenas a condição de fornecedora de matérias-primas as potências industriais e econômicas, principalmente os EUA. “Hasta princípios del siglo XX, América Latina no tuvo importancia y peso significativo no plano mundial, salvo como campo de explotación de las potencias coloniales” (SADER, 2006, p. 53).
O histórico de interferências políticas e militares dos EUA na América Latina começa a partir do expansionismo territorial norte-americano, que por meio de acordos diplomáticos, compras e anexações com o uso da força militar, angariou territórios e consequentemente culminou no aumento considerável de suas extensões territoriais.
Como ressalta Sader (2006) “la transformación más importante del siglo XIX, después de la independencia, fue el ingresso de EE.UU. en el campo de las naciones imperiales com la incorporación de vastos territorios mexicanos” (p.53). Nesse contexto, a anexação de territórios mexicanos deu um sinal de como seria a política e as doutrinas voltadas para com os povos das nações latinas.
Com a anexação dos territórios mexicanos, ficou claro que a orientação das políticas intervencionistas na América Latina estaria dentro de um projeto hegemônico expresso pela Doutrina Monroe em 1823 (Berardi, 2009), que estabeleceu o conceito de “América para os americanos”, mas não os do centro, ou muito menos os do sul, mas sim os do norte do qual faziam parte, deixando claro que o projeto de domínio e hegemonia norte-americana em todo o continente estava fortemente arraigado com visões e posturas discriminatórias e racistas.
Todo esse ambiente político e social, no qual a América Latina estava sendo “estruturada”, fez surgir também movimentos populares, que aos poucos foi expondo as dimensões dos conflitos sociais travados, sobretudo envolvendo camponeses, mineiros, operários urbanos do ainda incipiente processo de industrialização de algumas áreas da América Latina. Como nos evidencia Sader,
“simultaneamente, el continente pasó a revelar nuevas dimensiones de sus conflitos sociales y de la constituición de nuevos sujetos políticos, como fruto del proceso de urbanización y de los momentos iniciales de los procesos de industrialización” (2006, p. 54).
Dessa forma, durante o todo o século XX, a América Latina foi compondo um cenário social e político efervescente e conturbado, marcado por golpes e revoluções nos quais a polarização entre direita e esquerda acentuou-se, sobretudo no período da Guerra Fria em que a posição do governo norte-americano estava bem definida, na qual qualquer ameaça comunista no continente seria fortemente combatida, como ficou claro no processo de ascensão das ditaduras militares a partir da década de 60, e sob orientação da Operação Condor. “En poco más de uma década, los regímenes políticos democráticos-liberales de la subregión fueran todos reducidos a dictaduras militares orientadas por la doctrina de seguridad nacional” (SADER, 2006, p. 56).
O impasse vivenciado pelas nações da América Latina a partir da segunda metade do século XX, se materializou na busca de superação no que diz respeito as crises econômicas que tornaram-se rotineiras, principalmente com agravamento da crise econômica mundial a partir da década de 80, conhecida como década perdida.
Nesse contexto a estruturação dos movimentos sociais e políticos, sobretudo os de esquerda, encontraram um cenário de grande dificuldade para suas articulações em razão maior da repressão dos regimes autoritários, que contavam com o apoio do governo norte-americano para reprimir ou sufocar todo e qualquer movimento social de oposição ao sistema hegemônico capitalista, numa demonstração clara de que as questões sociais nas nações latino-americanas se agravaram, todavia com aumento da miséria e da exclusão social, que passou a compor o cenário social da América Latina. (BERARDI, 2009).
A composição da esquerda latino-americana, remonta ao surgimento dos movimentos de trabalhadores europeus que, nas primeiras décadas do século XX marcaram o surgimento dos movimentos sindicais, sobretudo na Argentina e Chile, como protagonistas das primeiras experiências dessa natureza no continente. “Argentina tuvo una clase obrera que se desarrolló tempranamente durante el siglo XX, así como formas diretamente vinculadas con la industrialización, la urbanización” (SADER, 2006, p. 62).
Entretanto, a capacidade de articulação dos trabalhadores do campo, mostrou-se insuficiente, devido as práticas de dominação e repressão vivenciadas pelos pertencentes das áreas agrícolas. Coube aos movimentos urbanos, a vanguarda de articulação e lutas sociais, num movimento que começa com forte caráter urbano, ainda que incipiente, culminando num processo em que as forças de luta e resistência, aos poucos, vão incorporando as classes campesinas aos movimentos sociais de esquerda;
“la victoria de la revolución cubana se transformó rápidamente, pasando del derrocamiento de una dictadura a un régimen que asumiá, por primera vez en el continente y en el hemisferio occidental, el socialismo” (SADER, 2006, p. 65).
A partir do pós-guerra, a esquerda latino-americana, passa por um momento de maior força e poder de articulação e luta, sobretudo, a partir da Revolução Cubana em 1959, num movimento que cria uma nova perspectiva e bases de organização, que traz para os movimentos de esquerda latino-americanos uma maturidade que até então não havia sido experimentada. (BERARDI, 2009).
O triunfo da Revolução Cubana trouxe consigo também, o prenuncio de que o acirramento entre os movimentos de esquerda e dos regimes autoritários se intensificaria nas duas décadas seguintes, chegando ao nível máximo de enfrentamento das forças contrárias, que culminou na violência das lutas armadas, e do terrorismo de estado praticado pelos governos de países como Brasil, Argentina, Chile, países que experimentaram ditaduras militares, e que sentiram a violência e a brutalidade de seus regimes.
O processo de redemocratização de países como Brasil, Argentina, Chile, entre outros, viu no campo econômico o seu maior esforço voltado, sobretudo, ao combate a inflação, levando os grupos sociais e políticos de esquerda a se reestruturarem para que pudessem dar respostas satisfatórias, bem como proporem novos projetos políticos que atendessem aos anseios da sociedade, sobretudo das camadas populares. “El PT es originário de los movimentos sociales em Brasil, que se organizaron como partido político em 1980”(SADER, 2006, p. 71).
Contudo o maior desafio dos grupos e partidos de esquerda na América Latina foi conter o avanço das correntes neoliberais que vieram com força na década de 80, sobretudo a partir do consenso de Washington, que orientou e contou com a adesão da maioria dos países latino-americanos, podendo-se perceber a atuação do governo norte-americano na vida política das nações latinas.
Rapidamente houve na América Latina uma forte adesão por parte de alguns países de vários princípios neoliberais. Como nos diz Sader, a
“América Latina fue cuna y laboratório de experiencias del neoliberalismo. Fue en el combate a la hiperinflación boliviana que Jeffrey Sachs pudo testear los modelos de estabilidad monetaria que después fueron exportados a países Del Este europeo. Fue em el Chile de Pinochet que los economistas de la Escuela de Chicago, bajo la dirección de Milton Friedman, encontraron las condiciones políticas propicias para experimentar sus propuestas de apertura económica y desregulación”. (2006, p.57)
O neoliberalismo surgiu na década de 70 idealizado pela Escola Monetarista do economista Milton Friedman (Berardi, 2009), se mostrando na época como uma alternativa para solucionar o aumento excessivo no preço do petróleo, que em 1973 trouxe uma forte crise econômica ao mundo.
As atenções das propostas neoliberais, focaram especialmente no campo econômico para o combate a inflação, o que mais tarde colocaria os países com governos neoliberais, em crises econômicas, endividamento publico, e o mais agravante no que diz respeito as questões sociais.
Alguns países da América Latina incorporam então princípios políticos e econômicos básicos do neoliberalismo baseados, sobretudo, na mínima participação do Estado na economia dos países, sendo defendido o livre comércio, o qual segundo os neoliberais poderia levar um país a crescer economicamente e se desenvolver socialmente.
Como já dito, o combate a inflação foi utilizado como pretexto para a colocação das políticas neoliberais em prática nestes países. De acordo com Sader,
“el combate a la inflación fue la piedra angular de la construcción del modelo hegemónico neoliberal. Los diagnósticos que llevaron a las políticas de desregulación fueron aquellos que atacaron a la inflación como la fuente de los problemas que condujeron a la estagnación económica, al deterioro de los servicios sociales y de la infraestrutura del estado, y al empobrecimiento generalizado de la población. Los argumentos del “impuesto inflacionário” y del ataque al accionar del estado, cuyo déficit sería la fuente de la inflación, gozaron de gran aceptación y demostraron, em el momento de su aplicación, su eficácia imediata”. (p. 57).
Nos países que se utilizaram das práticas liberais se evidenciaram, dessa forma, o aumento da miséria, e sucateamento do patrimônio estatal, bem como as privatizações que levaram para as mãos do capital privado boa parte do patrimônio estatal, tais como empresas da área de comunicação, energia, bancos, entre outros, sendo que neste contexto, “los partidos socialista y socialdemocratas, así como los movimentos y partidos conocidos como populistas y nacionalistas, se reciclaron, también de forma paralela al fenómeno europeo, hacia políticas neoliberales”(SADER, 2006, p.70).
O Estado neoliberal ao assumir as rédeas do planejamento nos países em que se fez presente, intensificou as disparidades econômicas e sociais tanto intra quanto inter países. Por isso, fala-se, após todos os efeitos negativos ocasionados pela adoção de políticas neoliberais na busca pela construção de “um outro mundo possível”, um mundo pós-neoliberal. Para a construção deste mundo pós-neoliberal, é preciso uma análise da hegemonia atual, em particular da hegemonia norte-americana, com seus pontos de força e de debilidade, para desenhar o campo de atuação das forças contra hegemônicas (RATTNER, p.16).
Na América do Sul uma das saídas encontradas para combater os mecanismos hegemônicos do capital norte-americano foram os acordos entre países. A associação entre a nações latino-americanas, culminou na proposta de blocos econômicos, como o MERCOSUL, que passou a compor inicialmente na década de 90, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, havendo diante dessa nova proposta inúmeros e complexos impasses, além dos desafios de compor uma unidade, dentro de uma realidade na qual os interesses de cada país membro poderiam se apresentar como entraves para o êxito do bloco.
Assim, “los dilemas internos de cada país de América Latina – prolongar el modelo de ajuste fiscal o romper con el neoliberalismo y buscar um modelo alternativo – se expresan en el plano regional por la disyuntiva entre ALCA y el MERCOSUR”(Sader, 2006, p. 79).
A chave para a integração do continente esteve/está nas relações entre os dois maiores países do continente, Brasil e Argentina, tendo eles deixado de lado a sua rivalidade histórica em torno da bacia do Prata e também seus atritos comerciais para dar início ao mercado de integração da América do Sul. (BERARDI, 2009).
Coube também a esses dois países, pelo fato de representarem as duas maiores economias do continente, realizar alguns esforços para que seus sócios menores (Uruguai e Paraguai) se mantivessem satisfeitos dentro do bloco e também trabalhar para que os outros países associados – Bolívia, Chile, Peru, Colômbia, Equador e a Venezuela, que eventualmente participa de algumas reuniões – continuassem suas negociações dentro do bloco. América do Sul, aliás, que é caracterizada como sendo um campo de disputa entre dois projetos concorrentes de integração, um comandado pelos Estados Unidos e o próprio MERCOSUL.
A ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) se apresentou como um plano original dos Estados Unidos para integrar todas as porções (Norte, Centro e Sul) do continente americano. Por abarcar todos os países das 3 Américas, com exceção de Cuba, o bloco se constituiria no mais heterogêneo do mundo, tendo entre seus membros países de proporções continentais como o Brasil até pequenas ilhas, além de ser chefiada pela maior potência econômica mundial e ter um dos países mais pobres do mundo, o Haiti, entre seus integrantes.
Devido a conflitos de interesses entre os diplomatas que negociavam as diretrizes do bloco, desde 2005, e em especial depois da Cúpula de Mar del Plata, as negociações para a formação da ALCA encontram-se paradas. Com isso, Washington – voltou-se a formulação de acordos bilaterais com o México e mais recentemente com a Colômbia e o Peru.
Para esses países a aceitação de acordos com a economia norte-americana trouxe-lhes algumas implicações como a perda de autonomia nas áreas da política industrial, serviços, tratamento de capital estrangeiro, compras governamentais, propriedade intelectual, entre outros (BERARDI, 2009). Isto exemplifica as características assumidas por acordos realizados com a economia norte-americana onde, como bem observou o economista Joseph Stiglitz, “em matéria de tratados de livre comércio, os Estados Unidos não negociam, impõem”.
Considerações Finais
Aliados a desaceleração da criação da ALCA, outros fatores na década de 90, concorreram para que alguns países da América do Sul buscassem uma integração econômica fora do controle dos EUA. O descontentamento das populações de alguns países com as políticas neoliberais implantadas por políticos que funcionavam basicamente como instrumentos do poder americano como Carlos Menem (Argentina), Alberto Fujimori (Peru), Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso (Brasil), foi um destes fatores. (SADER, 2006).
Além disso, mais recentemente no início dos anos 2000, a inabilidade na administração do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, aliado a sua tendência a atitudes unilaterais e impositivas realimentaram o ressentimento dos países contra a potência americana e contribuíram, mesmo que involuntariamente, para que houvesse entre os países da América do Sul, uma busca pela autonomia e por uma maior integração. Diz-se então que o governo do George W. Bush foi o estopim que acabou com o pouco prestígio que os EUA ainda possuíam dentro da América do Sul.
Em âmbito mundial as decisões e imposições tomadas pelos dirigentes norte-americanos para manter a sua hegemonia sobre os demais países, seja no campo econômico, militar, ideológico, também fizeram com que os demais países tivessem verdadeira antipatia aos mecanismos políticos adotados pelos EUA.
Neste contexto de aversão as medidas norte-americanas, surgem os discursos considerados contra hegemônicos, os quais buscam combater a política norte-americana e seus efeitos considerados nocivos as economias dos países.
A invasão desastrosa feita no Iraque durante o governo do presidente George W. Bush (2001-2009) se apresentou como um dos pontos culminantes para que a imagem norte-americana e de sua política hegemônica fosse vista de uma vez por todas como uma ameaça ao “bom funcionamento” da diplomacia mundial (Sader, 2005). Além de sua agressividade no campo militar, no campo econômico os EUA, também, na defesa de seus interesses, não medem consequências quando se trata de lucros e tirar vantagens.
Além de causar embaraços diplomáticos entre os países com as suas ações, os EUA acabam mobilizando uma infinidade de pessoas que protestam contrariamente as suas ações, isto ocorrendo de uma forma mais frequente quando ocorrem encontros entre os países para discutir os rumos do sistema capitalista e que contam com a participação do governo norte-americano (RATTNER, 2000).
Surge assim, o que se denomina discursos contra-hegemônicos (Sader, 2005), em que tanto grupos de países contrários aos ditames da dominação econômica norte-americana quanto pessoas pertencentes a organizações, ONG´s, etc. manifestam as suas insatisfações contra as medidas tomadas pelo poderio econômico dos EUA, onde as fronteiras econômicas dos países são perpassadas pelo capital americano e muitas vezes arrasadas por suas diversas formas de imposição, sejam econômicas, ideológicas, culturais, etc.
Neste âmbito é frequente também que se questione se há alguma outra nação capaz de ameaçar a hegemonia norte-americana para que, talvez, outro quadro econômico do mundo seja traçado. Pelo fato de alguns países europeus, que poderiam em um dado momento histórico se apresentar como ameaças ao poderio hegemônico dos EUA, estarem enfrentando uma série de crises econômicas nos últimos anos, esse papel dificilmente será atribuído a alguns deles. (SADER, 2005)
Falam-se então nos países que estão emergindo economicamente na Ásia, mais notadamente da China, que em nas últimas décadas do século passado e de uma maneira surpreendente nestes dez anos do século atual, apresentou um crescimento econômico fantástico (SADER, 2005).
Este papel de importância atribuída à economia chinesa e que poderia fazer com que a mesma ameaçasse o lugar de potência hegemônica dos EUA, no entanto, apresenta-se para alguns autores como sendo utópica, já que a China, assim como outros países, necessita do suporte da economia norte-americana - mercado, investimentos, etc. - para crescer economicamente, sendo que, uma crise no governo com sede em Washington muito provavelmente abalaria as estruturas da economia chinesa. (SADER, 2005).
Coloca-se então a questão se existirá algum dia alguma nação que poderá desbancar a hegemonia norte-americana? Será que algum país em algum dado momento conseguirá no âmbito econômico, militar, ideológico superar toda a influência e o poder que é exercido pelos EUA atualmente?
Dados os rumos seguidos pelo sistema capitalista ao longo se sua concretização no contexto da grande maioria dos países constituintes do globo, as respostas para estas perguntas se mostram cada vez mais difíceis de serem elaboradas.
Por isso, é comum se dizer que a hegemonia da economia americana emana na verdade e é fortalecida através das fragilidades das outras economias mundiais, sendo dificultada a mudança do paradigma econômico mundial em virtude das constantes mudanças sofridas pela dinâmica do capital e que muitas vezes dificultam processos de ascensão de outras economias, já que uma crise econômica iniciada a partir dos EUA, reflete seus efeitos negativos sobre outros países que buscam ascender economicamente no cenário mundial.
Bibliografia
BERARDI, Ana Laura. Para qué y para quien? Integracion Regional em Sudamerica. El caso de la minería. In: Anais Humboldt, Rosario-Argentina, 2009.
CECEÑA, Ana Esther. Introdução. In: Hegemonias e emancipações no século XXI. Ceceña, Ana Esther. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, p. 7-12, Julho, 2005.
RATTNER, Henrique. Brasil no limiar do século XXI: Alternativas para a Construção de uma Sociedade Sustentável. Prefácio. São Paulo: Edusp, p.11-17, 2000.
SADER, Emir. Hegemonia e contra-hegemonia. In: Hegemonias e emancipações no século XXI. Ceceña, Ana Esther.CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, p. 17-34, Julho, 2005.
_____________. América Latina en el siglo XXI. In: Política y Movimientos Soiales en un Mundo Hegemónico: lecciones desde África, Asia y América Latina. Org. BORON, Atilio e LECHINI, Gladys. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, p. 51-80, 2006.