Ana Cristina Yamashita (CV)
anacyamashita@hotmail.com
Universidade Federal da Grande Dourados
RESUMO
Partindo da premissa de “pensar a cidade” a partir da prática socioespacial e que esta lhe dá forma e conteúdo, considerar-se-á que, nos dias de hoje, a sociedade e suas relações se constituem a partir do processo de urbanização. Nesse contexto, evidencia-se uma nova relação espaço-tempo que caracteriza o momento atual, produzindo dinâmicas que irão gerar alterações no meio social, imprimindo, também, características ao espaço físico. Criar possibilidades de pensar a cidade de Dourados, MS, por esse viés, coadune com as discussões acerca do período técnico-científico-informacional no Brasil, que irá refletir diretamente na (re)organização produtiva do território. Assim, faz-se necessário compreender os conteúdos desses processos na atualidade e, em especial o papel de Dourados a partir da modernização agrícola, considerando que a sociedade urbana vem impondo um modo de vida que obedece à racionalidade, refletindo diretamente na reconfiguração do espaço.
Palavras-chave: sociedade, urbanização, período técnico-científico-informacional, reconfiguração do espaço.
ABSTRACT
Leaving from the premise of “ thinking the city ” from the practice space-social who gives it form and content, to think if what in the days of today the society and his relations constitute from the urbanization. In this context, there shows up a new relation space-time that characterizes the current moment, producing dynamics that will be going to produce alterations in the social mean, printing, also, characteristics to the physical space. The proposal of creating possibilities to think the city of Dourados, (Mato Grosso do Sul), from this view combines with the discussions about the Brazilian’s scientific, technical, computational and information period, which will be going to think straightly about the productive (re)organization of the territory. So, it is made necessary the contents of these processes understand in the present and, in special the Dourados’ role from the agricultural modernization, considering that the urbane society is imposing a way of life that obeys to the rationality, considering straightly in space reconfiguration.
Keywords: society, urbanization, scientific, technical, computational and information period, space reconfiguration
“Pensar a cidade” nos dias de hoje – através da Geografia – perpassa por uma condicionante imprescindível, a nova relação espaço-tempo que, segundo Carlos (2007, p. 11), caracteriza o momento atual, onde evidenciamos que a sociedade (e suas relações) se constitui a partir da do processo de urbanização e mundialização. Desse modo, torna-se necessário buscar entender os conteúdos do processo de urbanização na atualidade a partir das novas dinâmicas impostas pelo mundo moderno, que podem ser traduzidas em movimentos de (re)produção e (re)configuração do espaço urbano, reflexos da vida cotidiana.
Assim sendo, qual seria hoje a “expressão espacial1 ” máxima da sociedade contemporânea? Certamente que o papel da urbanização, enquanto processo que historicamente foi construído, condiciona essa relação sociedade-espaço, pois, é no urbano que as relações sociais e econômicas prevalecem, e também é nesse espaço que se imprimem características físicas, onde a cidade, nesse contexto, representa o concreto e o material. Deste modo, podemos pensar em condicionantes dessa urbanização, tais como o modo de vida, as relações de trabalho, as relações de assalariamento, as relações de especialização do trabalho, enfim, desde os valores até o ritmo de vida.
Então, é nesse espaço de relações sociais que o homem produz, reproduz, inventa e reinventa novos objetos para serem utilizados, e ao fazer isso, acrescenta elementos ao espaço vivido, que, conseqüentemente irá influenciar outros espaços. Ao fazer uma abordagem acerca da produção do espaço, Gottdiener (1993) apóia-se no pensamento de Lefebvre e esclarece também que:
[...] o espaço não é apenas parte das forças e meios de produção, constitui também um produto dessas mesmas relações. [...] Lefebvre observa que, além de haver um espaço de consumo ou, quanto a isso, um espaço como área de impacto para o consumo coletivo, há também o consumo do espaço, ou o próprio espaço como objeto de consumo.” “... as relações sócioespaciais impregnam o modo de produção, ao mesmo tempo como produtor e produto, relação e objeto, numa dialética que se opõe à redução a preocupações de classe ou de território.” (GOTTDIENER, 1993, p. 129 – grifo nosso)
Portanto, compreender como se procede o modo de produção em determinado território, evidenciando os meios e as dinâmicas que corroboram para a sua consecução, é uma forma de compreender como as relações sócioespaciais se estabelecem na configuração do espaço. Nesse sentido, elegeu-se como elementos norteadores para este debate a inserção da agricultura científica e do agronegócio enquanto elementos que possibilitam “pensar a cidade” de Dourados como locus das relações sociais decorrentes desses processos que se estabelecem.
Em suma, procurar-se-á direcionar o pensamento para a questão da reestruturação produtiva da agropecuária a partir da introdução do meio técnico-científico-informacional na região de Dourados enquanto produtora de um novo modelo econômico e social, destacando a presença da organização de redes de produção que se concretizam como elementos geradores das novas complexidades da produção do espaço agrário e urbano, ou seja, a consolidação do meio técnico-científico-informacional produzindo novas dinâmicas que refletirão na configuração do espaço urbano de Dourados.
CONSTRUINDO O PENSAMENTO... CIDADE (E) CAMPO
Lefebvre (1999a) em “A cidade e a divisão do trabalho” desenvolve a idéia de que a cidade foi o sujeito da história, colocando que inicialmente a cidade surge como espaço de conteúdo político-administrativo e que era no espaço agrícola onde se dava a produção e o sustento da cidade. Para o autor, é a partir da Idade Média, sob a égide do sistema feudal, quando a sociedade ainda era agrária, que a cidade se estabelece como espaço de produção por meio do artesanato e do comércio, o que faz com que a relação campo-cidade se diferencie.
A contribuição de Lefebvre (1999a) é conduzida pelo pensamento de Marx, onde destaca que “[...] não são somente as relações econômicas que produzem o espaço”, visto que na cidade encontramos o que podemos chamar de “produção ampla”, ou seja, aquela que é baseada nos conteúdos, que não são somente as representações físicas, mas as representações emocionais, ideológicas, enfim, o que podemos identificar que se determina pela escala das representações, ou seja, aquela que sai do âmbito da filosofia. Assim sendo, complementando esse raciocínio, podemos afirmar que a “produção restrita” seria a material, aquela que identificamos pelas formas. Portanto, é possível entender que a cidade inclui essas duas acepções da produção, a ampla e a restrita, e que, a idéia de harmonia nas relações que se desenvolvem nesse cenário são construídas também por intermédio do que está por trás dessas relações, ou seja, os conflitos ou as contradições sociais.
Assim, Lefebvre (1999a) instiga a reflexão ao dizer que a cidade perde seu cenário, pois deixa de ser uma obra e se constrói a partir das relações de produção (p. 62), que, com a inserção da indústria ocorre o acirramento dessas relações e, portanto, a modificação na relação campo-cidade, deixando claro que “o campo não tem mais saída sem a cidade”, ou seja, só pode ser compreendido à luz da sociedade urbana (LEFEBVRE, 1999a, p. 72,73). Por outro lado, a dinamicidade do processo de produção na atualidade permite que reflitamos a respeito dos novos conteúdos dessa relação.
Para uma melhor compreensão acerca dessa nova relação campo-cidade, torna-se necessário especularmos um pouco mais acerca da produção do espaço, para tanto, consideraremos a priori as reflexões de Ruy Moreira (2002). Para o autor, as formas de arranjos espaciais estão diretamente relacionadas à hegemonia do capital, destacando que a configuração do arranjo econômico está vinculada ao tempo de acumulação mercantil, industrial e financeiro. Desse modo, a localização da cidade como centro de comando da acumulação, e, portanto, locus da organização do comércio (e da acumulação) passa a ser coadjuvante das distribuições deste capital. Assim, o papel da cidade se apresenta por meio da configuração do espaço intra-urbano e dos aparelhos das forças de produção e de circulação, que possuem o seu valor e que estão diretamente relacionadas a divisão do trabalho e das trocas resultantes da relação campo-cidade, ou ainda, das relações região-região.
Podemos dizer que, historicamente, temos uma complexificação dessa relação campo-cidade, onde podemos identificar inicialmente uma preponderância do capital mercantil seguida pelos arranjos do capital industrial que complexifica essa relação campo-cidade por meio da modernização no campo, com a utilização das tecnologias, fazendo com que essa modernização também migre para a cidade, reflexo dessa inter-relação socioespacial. Por fim, temos a ilimitada preponderância financeira, que se apresenta por meio dos espaços em rede.
Por esse viés, a cidade integra a relação de interdependência cidade-campo, pois, é a cidade, através da economia urbana, que incorpora produções que antes eram feitas no campo, como por exemplo, o beneficiamento de produtos. Destaca-se ainda que, características como a concentração e a aglomeração estão diretamente associadas à cidade, reproduzindo a noção de aparência ou essência, o que representa a forma e o conteúdo, onde o desenho urbano é o reflexo dessa reprodução social, da vida, dos indivíduos!
Entende-se também que é por meio da cidade que, ao concentrar pessoas e funções, esta se torna meio e produto da sociedade, onde o homem se torna sujeito. Por assim dizer, os frutos dessas relações sociais são contraditórios, sendo válido observar que essas relações são as reproduções do capital em função de suas necessidades, conforme destaca Lefebvre (1991) em “O direito à cidade”, onde a dominação do espaço social se faz pelo espaço abstrato e que são essas relações sociais que produzem o espaço, e, à medida que a sociedade muda, o espaço também se reconfigura.
Diante desse raciocínio, se considerarmos que o espaço se define como “um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante dos nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções” (SANTOS, 1978, p. 122), o espaço torna-se dinâmico, num movimento continuado, possuidor de formas diferenciadas. Assim, o espaço da cidade que reproduz as necessidades do capital, por assim dizer, configura-se como “expressão espacial” de uma sociedade, cuja lógica interna significa que o indivíduo vai se localizar de acordo com as suas possibilidades, o que representa que as características dessa localização é resultado das relações sociais.
Desse modo, torna-se imprescindível observar que, diante dessa abordagem, a questão sobre espaço-tempo ganha importância na discussão ao refletirmos sobre as mudanças ocorridas ao longo do século XX, pois, é nesse contexto que se ampliaram novas formas de morar, de trabalhar, de usar o tempo, de se relacionar com o outro, com a cidade, com o campo. Carlos (2007), ao discutir a questão “Espaço e Tempo no Cotidiano” nos apresenta a idéia de que:
O universo da vida cotidiana se transforma, abruptamente, pela imposição de novas relações fundadas na produção de novos objetos que vão mediar às relações sociais apoiadas em um novo conjunto de valores”. [...] “A mudança nas relações espaço-tempo revela a profunda mudança nos costumes e hábitos sem que as pessoas pareçam se dar conta, pois as inovações são aceitas de modo gradual, quase desapercebidas, embrulhadas pela ideologia que efetiva ma degradação da vida cotidiana. (2007, p. 49-51 – grifo nosso)
Nesse sentido, trazendo para o debate da relação cidade e campo, Bagli (2006) nos apresenta as possibilidades de se pensar em tempo rápido e em tempo lento, onde se pode dizer, grosso modo, que a rapidez das transformações são perceptíveis com ênfase bem maior nos espaços urbanos, pois as visualizamos a todo instante. Contraditoriamente, o tempo lento refere-se ao rural, cujas mudanças estão atreladas a uma lógica territorial mais próxima da natureza e que se expressa de maneira pouco fugaz” (p. 83). A autora ainda explora o assunto ao lembrar que, além das mudanças constatáveis, os tais tempos são apropriados pelas pessoas que vivem nesses espaços em diferentes escalas e maneiras, destacando que “o ritmo do tempo segue a velocidade da mobilidade excessiva dos processos de produção, circulação, troca e consumo de mercadorias” (p. 83, grifo nosso), portanto, é o tempo ditado pela lógica capitalista.
É nesse contexto, que podemos perceber como a nova relação campo-cidade se constrói, visto que no urbano, segundo Carlos (2007), o tempo está diretamente relacionado ao tempo da vida, que se manifesta nas relações cotidianas imbuído por uma lógica em que a particularidade dos fatos influencia na vivencia e sobrevivência no urbano. Já no rural, o tempo também é movimento, com temporalidades diferenciadas: do plantio, da colheita, da poda, da entressafra. (BAGLI, 2006, p. 84). O que mudou? Com o desenvolvimento tecnológico dos meios de produção, tem-se a ampliação de interferência com a natureza, cuja tecnologia permite controlar determinadas lógicas da produtividade, com os avanços da biotecnologia, insumos, adubos, entre outros. Assim, a lógica do capital determina o que, como e quanto produzir. (BAGLI, 2006, p. 85).
Assim, com a criação de novas necessidades e atividades que estão sendo impostas pela técnica, na busca da superioridade produtiva (sementes, adubos...), a relação cidade-campo pode ser pensada de uma outra forma... existe hoje uma superioridade técnica urbana ou uma alta produtividade técnica no campo?
Para melhor compreender essas novas dinâmicas que se estruturam na relação cidade-campo, acredita-se que observar e analisar os conteúdos de algumas cidades do Brasil agrícola moderno torna possível o entendimento acerca dos processos de reestruturação da produção espacial tanto da cidade como do campo. Por assim dizer, ao estabelecer que é a cidade que fornece a grande maioria dos produtos, dos serviços e da mão-de-obra necessários à produção agropecuária e agroindustrial, pode-se observar que “a cidade local deixa de ser a cidade no campo e se transforma na cidade do campo” (SANTOS, 1992, p. 11-13). Com isso, é importante observar as funções que são exercidas durante as diferentes etapas do processo produtivo, como por exemplo, na safra e na entressafra. Elias (2006) nos auxilia no entendimento dessa condicionante ao observar que:
É durante o período de safra das principais culturas de cada área que podemos distinguir, com maior nitidez, as especializações das cidades. Um exemplo importante é o funcionamento 24 horas de muitas agroindústrias que ficam em manutenção durante a entressafra. É também, nesse período, que aumenta o número de empregos agrícolas temporários, especialmente para a realização da colheita. (ELIAS, 2006, p. 296, grifo nosso)
Hoje existe um modo de vida imposto pela sociedade urbana que “dita as regras”, o que faz com que o campo não deixe de existir, mas que ele passe a ter outro “conteúdo”, o que não se explica sem se considerar a cidade e essa pluralidade.
O MEIO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL E AS NOVAS DINÂMICAS
O desenvolver desta reflexão será norteado pelas contribuições de Santos acerca da técnica e do que ele mesmo denominou de meio-técnico-científico-informacional, acrescida da discussão de Elias (2003a, 2003b, 2006, 2007) que faz uma interface entre essa temática e a agricultura científica e o agronegócio.
Considerando inicialmente as abordagens de Santos, o autor destaca que a técnica é a principal forma de relação entre o homem e a natureza, pois, para ele “as técnicas sãoumconjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida,produze, aomesmo tempo,cria espaço” (SANTOS, 2006, p. 29). Vale destacar também que, para Santos, a transformação não passa pelo indivíduo, mas pela coletividade, e, nesse raciocínio temos uma técnica que interfere nas relações sociais que o homem constrói em uma sociedade, e, por conseguinte, se pensarmos a técnica como um fenômeno abrangente, que extrapola o sentido restrito de “objeto”, passa a ser uma técnica que pode ser entendida como fenômeno social e material, geradora de redefinições espaciais no meio social.
Então, se a técnica tem a sua relevância na produção do espaço, principalmente nos aspectos histórico e social, observa-se que, de tempos em tempos, o espaço sofre transformações, cujos elementos determinantes se processam com lógicas e épocas diferentes, diretamente relacionadas às forças hegemônicas dessas temporalidades. Assim, Santos (2006) novamente colabora na construção da reflexão quando nos esclarece que conjuntos de técnicas aparecem em um dado momento, mantendo-se como hegemônicos durante certo período, constituindo a base material da vida da sociedade, até que outro sistema de técnicas tome o lugar. É essa a lógica de sua existência e de sua evolução.
Diante do exposto, torna-se possível correlacionar as transformações dos sistemas técnicos de produção ao longo da história e a organização do território brasileiro, definindo assim três grandes momentos, que, segundo Santos e Silveira (2008), grosso modo, poderiam ser identificados como: os meios “naturais”, os meios técnicos e o meio técnico-científico-informacional. Para os autores, o primeiro período é marcado pelos “tempos lentos da natureza comandando as ações humanas” em que a presença humanabuscava adaptar-se aos sistemas naturais. Já a segunda fase é a dos diversos meios técnicos, relacionados à produção, com a incorporação das máquinas ao território (ferrovias, portos, telégrafo),a urbanização no interior e a formação de regiões. Por fim, o terceiro período, denominado pelos autores de “construção e difusão do meio técnico-científico-informacional”, em que é destacada a leitura do Brasil dos anos 70, caracterizado pela revolução das telecomunicações. Assim, num curto espaço de tempo, com a globalização, informação e finanças configura-se uma nova geografia que promove a distinção entre os lugares baseada na presença ou escassez de novas variáveis-chave. (SANTOS e SILVEIRA, 2008, p. 27,28).
Desse modo, os processos de produção suplantam as necessidades “tradicionais”2 como outrora se observava no meio natural, criando recursos e condições que não se limitam somente ao meio onde está inserida, mas integra-se à novas dinâmicas que promovem e se transformam em uma nova relação que se estabelece entre a cidade e o campo. Portanto, se,
Antes, eram apenas as grandes cidades que se apresentavam como o império da técnica, objeto de modificações, supressões, acréscimos, cada vez mais sofisticados e mais carregados de artifícios. Esse mundo artificial inclui, hoje, o mundo rural, (...) marcado pela presença de “materiais plásticos, fertilizantes, colorantes, inexistentes na natureza, e a respeito dos quais, de um ponto de vista organolético, táctil, cromático, temos ainda a nítida sensação de que não pertencem ao mundo natural. (SANTOS, 2006, p. 160)
Assim, nesse processo:
[...] O território ganha novos conteúdos e impõe novos comportamentos, graças às enormes possibilidades da produção e, sobretudo, da circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens. É a irradiação do meio técnico-científico-informacional que se instala sobre o território [...] Resultado de um trabalho permanente e, sobretudo, da progressiva incorporação de capitais fixos e constantes, com ênfase em certos pontos, o território brasileiro se metamorfoseia-se em meio técnico-científico-informacional. Este é a cara geográfica da globalização. (SANTOS e SILVEIRA, 2008, p. 52-53, 101).
Observa-se que, em áreas onde se estrutura a agricultura científica e o agronegócio globalizado, o meio técnico-científico-informacional substitui “omeio natural e o meio técnico”. Os novos conteúdos do campo inserem-se ao tempo e as diretrizes do capital financeiro, criando uma relação de dependência não mais apenas com a cidade, mas com as grandes empresas que dominam o mercado internacional da produção.
Por assim dizer, com a modernização da agricultura,
[...] inovações técnicas e organizacionais concorrem para criar um novo uso do tempo e um novo uso da terra. O aproveitamento de momentos vagos no calendário agrícola ou o encurtamento dos ciclos vegetais, a velocidade da circulação dos produtos e de informações, a disponibilidade de crédito e a preeminência dada à exportação constituem, certamente dados que vão permitir reinventar a natureza, modificando solos, criando sementes e até buscando, embora pontualmente, impor leis ao clima. Eis o novo uso agrícola do território no período técnico-científico-informacional.
Daí decorrem solidariedade materiais e organizacionais de uma nova espécie: sementes, fertilizantes e herbicidas, culturas de entressafra (soja e trigo em um mesmo campo, com calendários agrícolas complementares), bancos de germoplasma, créditos públicos específicos para soja e para milho nos cerrados, que apontam o Estado como um agente ativo na globalização da agricultura brasileira. (SANTOS & SILVEIRA, 2008, p. 118).
Como resultado desse processo, observa-se uma grande transformação da economia urbana das cidades próximas às áreas de produções, que passam a exigir também a fluidez que se viabiliza através da construção de modernos sistemas de engenharia dos transportes e das comunicações, que intensificam as trocas, assim como os impactos nas relações sociais e no próprio território. Com isso, as relações de trabalho também se modificam, promovendo uma nova divisão social e territorial do trabalho, que vai repercutir na estrutura demográfica e do emprego, na urbanização e, conseqüentemente, em novas práticas socioespaciais. Nesse sentido,
Estradas, silos, frigoríficos, portos com terminais de uso exclusivo e tantos outros objetos indicam a força dos capitais fixos no território. Mas esse arranjo de objetos não funciona sem um acréscimo contínuo de máquinas de plantio e colheita, tratores, sementes híbridas e fertilizantes, isto é, um capital constante (orgânico) que, por sua vez, precisa de energia e informação, que também são normas (calendários agrícolas, instrutivos de utilização dos produtos, etc.). A provisão de todos esses insumos e a presença dos especialistas para realizar um trabalho extremamente dividido aumenta a necessidade de movimento. Cresce a espessura dos fluxos de produtos, insumos, pessoas, ordens e, sobretudo, dinheiro. E esses fluxos exigem novamente uma importante infra-estrutura para se concretizarem. [...] É a diminuição da arena e o aumento da área de produção [...] Assim a economia e o território não se organizam nem funcionam sem grandes somas de dinheiro nas suas formas de crédito, empréstimos, numerário vivo, financiamentos, hipotecas, commodities, seguros e tantos outros instrumentos. Cria-se, dessa forma, uma dependência do sistema financeiro, que acaba invadindo todas as etapas da produção em sentido amplo, pois todas “precisam” dele e todas constituem modo de acumulação de mais-valia. (SANTOS & SILVEIRA, 2008, p. 132)
Portanto, o meio se moderniza e se especializa visando o máximo de produtividade, uma exigência do capital financeiro. Com isso, a reestruturação do processo produtivo no campo não apenas ampliou e reorganizou a produção material, agrícola e industrial, mas, segundo Elias (2007) também pode ser responsabilizada pela expansão quantitativa e qualitativa da produção não-material, o que ocasiona o aumento da terceirização das economias próximas às áreas onde se realiza o agronegócio, especialmente os ramos associados ao circuito superior da economia. Assim, ainda para Santos e Silveira:
Esses nexos modernos e tantos outros buscam criar monofuncionalidades no uso da terra, dos transportes, dos portos e, assim, acabam por negar a possibilidade de um uso plural do território. Trata-se, assim, da produção de uma nova geografia feita de ‘belts’ modernos e de novos ‘fronts’ no Brasil. Esses ‘belts’ são, por vezes, heranças e cristalizações de ‘fronts’ próprios de uma divisão territorial do trabalho anterior; áreas que ocupadas em outro momento, hoje se densificam e se tecnifica. [...] No entanto, ‘belts’ e ‘fronts’ articulam-se e por vezes se confundem ao caracterizar as produções agrícolas no país. [...] Quanto às atividades agrícolas, as condições de infra-estrutura, que facilitam à circulação e a estocagem, e as próprias condições da comercialização justificam a sua realização em caráter extensivo, pois a mais-valia auferida resulta muito menos do processo imediato da produção e se dá muito mais na esfera da circulação e da distribuição. Mais uma vez consolidam-se divisões territoriais do trabalho e outras novas vêm superpor-se às antigas. (2008, p. 119-121).
Por este viés, não poderíamos ignorar a abordagem de Silva (2002) ao analisar a dinamicidade deste processo, quando especifica que, muitas dessas atividades, “antes pouco valorizadas e dispersas”, passaram a integrar nos dias de hoje verdadeiras cadeias produtivas, envolvendo “não apenas as transformações agroindustriais, mas também serviços pessoais e produtivos relativamente complexos e sofisticados nos ramos de distribuição, comunicações, embalagens, além de atividades rurais não- agrícolas (moradia, turismo, lazer e prestação de serviços)” na busca de especificidades e nichos do mercado.
Elias (2007, p. 129) refere-se aos impactos negativos desse processo na produção espacial urbana, que reestrutura-se diante do“crescimento desordenado de algumas cidades, com o aumento das periferias urbanas e das carências de infra-estrutura, criando novas disparidades”. Melhor exemplificando, pode-se citar o acesso desigual à urbanidade decorrentes dos “conflitos e incompatibilidade de uso e ocupação do território”, que culmina, por muitas vezes, em marcas de degradação ambiental que acabam comprometendo as condições de habitabilidade nas diferentes escalas, precariedade das redes de infra-estrutura, acessibilidade aos equipamentos sociais e serviços urbanos, entre outros (ELIAS, 2007, p. 130).
Na realidade, não podemos ignorar que as “relações sociais se realizam concretamente enquanto relações espaciais, e, nesse sentido, a análise do espaço revela um processo de produção/reprodução da sociedade em sua totalidade” (OLIVEIRA, 2004, p. 57). Considerando essa premissa, nos permitirmos traçar uma reflexão acerca das mudanças que ocorrem no processo de produção no campo e a sua articulação com a cidade, tendo como viés a (re)configuração do espaço, visto que:
[...] Ora, a separação restrita entre cidade e campo está superada enquanto idéia substantiva para entender o mundo moderno. [...] o mundial se impõem no plano do lugar (cidade ou campo), transformando a vida, realizando-se com separações, contradições, afrontamentos. [...] o caminho que toma o processo de reprodução hoje, constituindo novos ramos de atividade [...], novas relações entre áreas, novos conteúdos para as relações sociais, estão profundamente articuladas à expansão do mundo da mercadoria. [...] A análise do mundo moderno impõe a todos o conhecimento do espaço enquanto noção e enquanto realidade, pois cria hoje as condições através das quais a reprodução da sociedade se realiza. Assim, a cidade e campo, como momentos reais do movimento de realização da sociedade, revelam conteúdos da vida”. (OLIVEIRA, 2004, p. 57, 58, 60 – grifo nosso)
Então, a importância de compreender esses “conteúdos” decorrentes da dualidade campo-cidade, está diretamente relacionada à dinamicidade da sociedade e das condicionantes que permitem a reprodução desta sociedade no mundo moderno.
POSSIBILIDADES DE “PENSAR A CIDADE” DE DOURADOS
Para entender o processo que envolve pensar a cidade de Dourados, torna-se necessário compreender primeiramente como esse processo se consolidou na região e como o domínio da agricultura científica globalizada foi se estabelecendo no território. Para tanto, Santos e Silveira (2008) nos auxiliam ao sintetizarem que,
Emblema da agricultura globalizada, a soja penetra no Brasil, depois de 1964, a partir de uma frente pioneira no Rio Grande do Sul. [...] Ancorado na demanda de farelos protéicos para alimentação animal pelos países europeus e no crédito fiscal, o avanço da fronteira agrícola da soja foi extraordinário, assim como o aumento da quantidade produzida. [...] Nas décadas de 1970 e 1980, o extremo oeste paranaense e a Campanha, o oeste e o noroeste do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná foram áreas de convergência de uma parcela significativa dos recursos oficiais e privados tanto para a soja quanto para o binômio soja-trigo (Adma Hamam Figueiredo, 1985). [...] Depois de 1980, o ritmo de crescimento foi marcado sobre tudo pela expansão da fronteira agrícola para Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso. Em 1984, o primeiro desses Estados passou a representar 12,52% da área cultivada de soja e 12,89% da quantidade produzida.(SANTOS & SILVEIRA, 2008, p. 128).
Percebe-se que o estado de Mato Grosso do Sul absorveu o ritmo da produtividade, tendo a dinâmica monocultora da soja como elemento principal na sua consolidação como região altamente produtiva.
Não se pode negar que, na consecução desse processo, o papel do Estado foi de extrema relevância, principalmente no que concerne à região de Dourados, que, conforme aborda Abreu (2005), foi estruturada de modo a fortalecer o papel do Sul do Mato Grosso, que se viabilizava com a ampliação da produção agropecuária para exportação, definida pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-78). Nesse sentido, a região foi criada oficialmente como “Região da Grande Dourados”3 e seu território definido no contexto do planejamento da Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste (SUDECO), pois “tratava-se de uma área com elevada produtividade”. Portanto, ao fomentar a infra-estrutura local e regional, potencializavam-se as vantagens comparativasjá estabelecidas, como a fertilidade dos solos e a produção agrícola.
Assim, a implantação da agricultura mecanizada juntamente com o aparato público necessário- programas de infra-estrutura como o do PRODEGRAN4 (sistema de energia elétrica, rede de estradas, sistemas de armazenamento, crédito subsidiado, incentivos fiscais), promoveu a passagem do “domínio da subordinação pelo capital comercial”no campo sulmatogrossense “para o domínio da subordinação do capital industrial e financeiro”.Desse modo, os preços dos produtos deixam de ser vinculados as casas comerciais locais e regionais para dependerem das “commodities, de cotação na bolsa de mercado de futuros onde é comercializada: Bolsa de Chicago”. (MIZUSAKI, 2009, p. 58).
Nesse sentido, observamos que,
Em 1998, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás destinavam cerca de 5 milhões de hectares à cultura da soja e 1,6 milhões de hectares ao cultivo de milho. [...] Ambos os produtos evidenciam a ocupação periférica, que a modernidade contemporânea tornou possível, e não podem esconder as pegadas das grandes firmas agroalimentares sulistas. Ceval, Sadia, Frangosul, Avipal e também Perdigão, são responsáveis pela expansão acelerada das fronteiras agrícolas nessa região, onde implantaram monoculturas altamente cientificizadas que são, certamente, solidárias com as cadeias produtivas que essas empresas comandam. Além de passar com o mercado interno e externo desses produtos in natura e para a fabricação de derivados da soja, essas firmas elaboram rações para suínos e aves que produzem. (SANTOS & SILVEIRA, 2008, p. 129).
Deste modo, observa-se a industrialização da produção, podendo-se dizer que desde o ano de 1990, segundo Souza (2002, p.322), o perfil da região outrora “criada” para o capital se transforma, reorganizando suas dinâmicas territoriais e cedendo à agricultura científica e ao agronegócio.
Assim, no final da última década do século XX, os sinais negativos da política neoliberal e “globalizante” já eram evidentes, cuja economia do Estado passou a ser “controlada pelas transnacionais ligadas ao complexo agroindustrial”, visto que ocorre a “substituição de capitais regionais e nacionais pelos capitais: chinês, suíço, português etc”. (ABREU, 2005, p. 175).
Com base nos estudos de Helfand e Rezende (2000, p. 19), ao analisarem dados de produtividade, concluem que o desenvolvimento da região Centro-Oeste reflete a condição de se ter um nível mais alto de tecnologia e maior mecanização das lavouras. Contraditoriamente, os autores ainda observam-se que, apesar dessa região possuir um grande potencial produtivo, altamente concentrador de renda devido às condições naturais favoráveis ao predomínio da grande agricultura, indiretamente essa produção tem agravado a pobreza, na medida em que criou um problema de competitividade para a pequena agricultura na região e também em outras regiões, além da dependência sócio-econômica do capital industrial.
Esse fato se aplica ao observarmos as dificuldades dos pequenos proprietários de terras de Dourados. Desde o processo de preparo da terra já se torna não-competitivo, pois enquanto o grande proprietário de monoculturas adota um processo de produtividade pautado em tecnologias, como por exemplo, o plantio direto que é feito por intermédio de aviação agrícola, enquanto que o pequeno produtor não possui estrutura para esse procedimento. Outra questão refere-se à qualidade na obtenção de sementes e insumos, condicionados aos valores globalizados, fazendo com também o acesso à qualidade do produto seja também um fator de restrição, dentre outros. Desse modo, esse processo acaba se tornando excludente, promovendo, na maioria das vezes, a expulsão do pequeno proprietário rural da região, reforçando ainda mais a presença das grandes propriedades monocultoras e cada vez mais articuladas ao sistema de commodities.
Diante desse cenário, podemos fazer alguns apontamentos que se aplicam ao processo de (re)produção do espaço urbano de Dourados enquanto reflexo dessas relações produtivas. Para tanto, apresentamos a Tabela 01 que refere-se a evolução da população no município:
Tabela 01 – Dourados (1940-2000)
Evolução da população do município
Ano |
PopulaçãoUrbana |
População Rural |
Total |
||
№ de habitantes |
% sobre o total |
№ de habitantes |
% sobre o total |
||
1940 |
1.821 |
12,15 |
13.164 |
87,85 |
14.985 |
1950 |
4.730 |
20,72 |
18.104 |
79,28 |
22.834 |
1960 |
16.468 |
19,38 |
68.483 |
80,62 |
84.955 |
1970 |
31.599 |
39,90 |
47.587 |
60,61 |
79.186 |
1980 |
84.849 |
79,67 |
21.644 |
20,33 |
106.493 |
1991 |
122.856 |
90,36 |
13.128 |
9,64 |
135.984 |
1996 |
139.695 |
91,20 |
13.496 |
8,80 |
153.191 |
2000 |
149.679 |
90,90 |
14.995 |
9,10 |
164.674 |
Fonte: FIBGE – Censo Demográfico de Mato Grosso – 1940, 1950, 1960 e 1970. FIBGE – Censo Demográfico de Mato Grosso do Sul – 1980, 1991, 1996 e 2000. In: CALIXTO, 2008, p. 26.
Com base nos dados apontados na Tabela acima, podemos evidenciar o aumento da população urbana e a redução da rural principalmente a partir da década de 1970, com a inserção da técnica e as interferências do Estado na produção do espaço. Já a partir da década de 1990, temos uma considerável estagnação no percentual de habitantes, tanto rural quanto urbano, que coincide com o período marcado pela diversificação econômica e a consolidação dos complexos agroindustriais ligados aos setores da suinocultura e avicultura, responsáveis pela materialização de novas relações de trabalho, conforme apresentado anteriormente.
Assim, podemos pensar que a cidade de Dourados assume uma configuração que representa a divergência dos interesses envolvidos. Calixto (2004, p. 58) apresenta que essas articulações:
“[...] redefinem o papel desempenhado pelas localizações, reforçando as desigualdades nas formas de produção, apropriação e consumo do espaço urbano, e expressando, sobretudo, as intenções de determinado tipo de Estado que, por engendrar múltiplos papéis, circunstancialmente se manifesta promovendo ou acentuando a exclusão social no plano espacial.”
Nesse contexto, novos elementos se estabelecem com a conotação de progresso, atendendo as necessidades dessa nova lógica produtiva, tal qual podemos identificar a seguir:
“Em conseqüência dessa nova realidade vivida pelo campo – mecanização da agricultura e conseqüente desmantelamento da pequena produção -, a cidade de Dourados começou a vivenciar um processo de redefinição de papéis, funções, conteúdo, não apenas por contar com um novo tipo de morador, proprietários e técnicos ligados ao novo modelo de agricultura ou trabalhadores e pequenos proprietários expropriados do campo, mas, sobretudo em face da demanda da agricultura mecanizada por produtos e serviços que não eram e não são encontrados na própria unidade agrícola de produção, como: assistência técnica, aplicação de agrotóxico e corretivos do solo, financiamento, reposição e conserto de equipamentos ou máquinas, etc. Dourados consolida-se, dessa forma, como principal centro urbano, atraindo o maior volume de investimentos e funcionando como centro de convergência das principais vias regionais. Aliado a esses fatos, introduziu-se um padrão de consumo diferenciado dos produtores e dos técnicos vindos sobretudo de outras regiões do País, ligados a essa forma de produção, intensificando os fluxos comerciais e de serviços”. (CALIXTO, 2004, p. 67-68)
Assim, a proposta de se “pensar a cidade” de Dourados a partir do agronegócio refere-se também a compreender como essa nova dinâmica produz e se reproduz na reconfiguração do espaço urbano. Para tanto, considera-se os estudos de Calixto (2008) ao analisar a redefinição do espaço urbano por meio dos novos loteamentos, em que destaca que os empreendimentos que surgiram a partir da década de 1970 produziram (e ainda produzem) um novo padrão de ocupação, promovendo novas formas de edificação que, conseqüentemente acabam criando novos valores fundiários. Assim, é possível verificar que os loteamentos que se concentram nas proximidades de áreas mais centrais, dotadas de serviços e infraestrutura urbana, foram as que possuem uma considerável valorização imobiliária e fundiária no espaço intraurbano.
Por esse viés, com a valorização fundiária, temos o acirramento das dificuldades de acesso ao interior da cidade, o que faz com que àqueles que não conseguem comprar ou mesmo alugar imóveis nesse contexto urbano, migrem para a periferia da cidade, produzindo espaços irregulares e com urbanização restrita, a saber:
“Os loteamentos implantados na década de 1990 e após o ano de 2000 em Dourados são indicadores dessa dinâmica. Esse período foi marcado pela proliferação de loteamentos periféricos e desprovidos de infra-estrutura, equipamentos e serviços urbanos, ocorrendo o lançamento de 42 loteamentos, na década de 1990 e de 18 loteamentos (a maioria “sitiocas” ou “sítios de lazer”5 ) após o ano 2000, perfazendo um total de 60 novos loteamentos periféricos no interior da cidade.” (CALIXTO, 2008, P. 31)
É importante destacar também que, as cidades consideradas de porte médio, cuja produção principal possui alguma articulação direta com o campo, passam a reproduzir os mesmos “problemas urbanos” das cidades maiores, tais como: acessibilidade desigual aos equipamentos e às redes de infra-estrutura entre a cidade e o campo; ausência ou insuficiência de infra-estrutura social (creches, escolas, postos de saúde) nas áreas habitadas pela população de menor renda; crescimento de ocupações em áreas de risco ou de proteção ambiental; intensificação da favelização nos espaços destinados a usos institucionais e áreas verdes; áreas de ocupação em terrenos valorizados reservados à especulação imobiliária; loteamentos periféricos desprovidos de infra-estrutura; carência acentuada de saneamento ambiental na periferia; canalização indiscriminada de córregos, etc. (ELIAS, 2006). Nesse sentido, em observância ao espaço urbano de Dourados a partir da reestruturação produtiva globalizada que se instala no final do século XX, a cidade tem caminhado no sentido da reprodução desses “problemas urbanos” citados.
Assim, ao levantarmos as possibilidades de se pensar Dourados a partir de seu conteúdo socioeconômico e espacial, torna-se necessário traçar uma linha do tempo que remete à suas articulações locais, regionais e em escalas mais amplas, evidenciadas em vários momentos pela sua relevante articulação com a produção agrícola “modernizada”, responsável pelo seu papel de cidade média. Isso se dá principalmente ao observarmos seus conteúdos que se colocam articulados à produção no campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscar possibilidades para se “pensar a cidade” de Dourados a partir das novas dinâmicas que se impõem a partir da dialética cidade e campo, nos leva a refletir acerca das transformações no espaço e nas relações sociais que se aplicam a esse contexto efetivamente a partir do meio técnico-científico-informacional. Releva-se que este tema delineou esse texto, mas se apresenta longe de abarcar a amplitude dessa temática, assim como de se alcançar uma profundidade desejável no plano teórico-conceitual.
A intenção maior dessa discussão persistiu e ainda persiste na necessidade de se superar, em diferentes campos de conhecimento, como podemos pensar hoje a relação cidade-campo? O que as novas dinâmicas impostas pelo meio técnico-científico-informacional contribuem para o debate dessa questão? E, por fim, quais as possibilidades de se “pensar a cidade” a partir dessas relações?
Nesse sentido, concordamos com Beltrão Sposito (2006) ao discutir a temática da questão cidade-campo que, muitas pesquisas e discussões tem sido construídas a partir dessas abordagens, mas que, ainda temos muito a caminhar, principalmente no sentido de “reelaborar os conteúdos dos conceitos de cidade e campo, rural e urbano” diante das transformações do mundo contemporâneo.
Podemos pensar que a nossa sociedade está organizada de um modo que tende a camuflar essas relações sociais e econômicas, principalmente no que tange à questão cidade-campo. Então, se o “espaço” é necessário para a reprodução da vida, podemos pensar que, diante do que foi exposto até aqui, temos um “espaço reproduzido”, cujas diferenciações sociais são decorrentes da nova lógica da produção agropecuária tecnificada e do agronegócio que também se reproduz em Dourados.
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Notas:
2 Entendidas nesse trabalho como as condições de solo, clima, topografia, etc.
3 Para ABREU (2005, p. 159), “em muitos casos, a idéia de região e/ou de regional têm se fortalecido como discurso político – que também estava tomado pela escala global, nos anos de 1990 – e, como analisa Lencione (1999, p.198), pode assumir força de ideologia: “a palavra “região” assume caráter ideológico à medida que se torna referência para a construção de mistificações geográficas sendo, por isso um instrumento de manipulação política.(...) É o que observamos, por exemplo, com a idéia de Região Centro-Oeste, nas duas décadas de intervenção da SUDECO, em que a Região assumiu o caráter de nova fronteira e região solução (...) e, da mesma forma, é o que ocorreu com a “Região da Grande Dourados.”
4 PRODEGRAN – Programa Especial da Região da Grande Dourados. Para maior aprofundamento sobre o assunto, consultar dados disponibilizados pelo SEPLAN/IPEA. Desempenho do PRODEGRAN (Relatório até junho de 1977). Brasília, ago./1977.
5 Sobre essa questão ver: STEIN NETO (2005).