Juliana Tosati Nogueira (CV)
jutosati@yahoo.com.br
Universidade Federal da Grande Dourados
RESUMO
O objetivo principal deste artigo é analisarmos o processo de expropriação de trabalhadores rurais brasileiros em direção ao Paraguai ao longo dos anos 1960/70/80, tendo como pano de fundo o avanço da frente pioneira sobre a frente de expansão. Para compreendermos essa dinâmica foi preciso fazer levantamento bibliográfico de livros e artigos que tratassem sobre o assunto, com o intuito de analisar o contexto histórico em que culminou na expropriação de milhares de famílias do sul do Brasil e sua direção rumo ao Paraguai. Destacamos aqui a importância para o nosso estudo de buscar compreender o que é e como nasceu a expressão “brasiguaio”. Com a chegada da modernização da agricultura no Paraguai nos anos 1980, vemos acontecer a sobreposição da frente pioneira sobre a frente de expansão e, quando isso ocorre, há um conflito muito intenso entre os grande proprietários de terras, os camponeses brasileiros e campesinos paraguaios. A partir daí, uma nova problemática em torno da população brasileira novamente expulsa da terra vai se desenrolar; quando os “brasiguaios” começam a retornar ao Brasil em busca da terra para sobrevivência.
Palavras-chave: expropriação; camponeses; frente de expansão; frente pioneira; brasiguaio.
RESUMEN
El objetivo principal de este artículo es analizar el proceso de la expropiación de trabajadores agrícolas brasileños en dirección al Paraguay entre los años 1960/70/80, teniendo como contexto el avance del frente pionero arriba la frente de expansión. Para comprender esta dinámica fue necesario hacer un levantamiento bibliográfico de los libros y artículos que trataron del tema, con la intención de analizar el contexto histórico en donde culminó en la expropiación de millares de familias del sur del Brasil en dirección al Paraguay. Destacamos aquí la importancia para nuestro estudio buscar entender quien son y como nasció la expresión “brasiguaio”. Con la llegada de la modernización de la agricultura en Paraguay en los años 1980, ocurrió el cambio de la frente pionera al frente de expansión y, cuando ocurre éste, tiene un conflicto muy intenso entre los grandes propietarios de tierra, los campesinos brasileños y los campesinos paraguayos. Desde entonces surge una nueva problemática alrededor de la población brasileña otra vez expulsa de la tierra eso va a desenroscarse; cuando los “brasiguaios” comienzan a volver al Brasil en busca de la tierra para la supervivencia.
Palabras-Clave: Expropiación; Campesinos; Frente de Expansión; Frente Pionera; Brasiguaio.
1.1 Desterritorialização: a migração Brasil-Paraguai
Até a década de 1950, o Brasil incluía-se entre os países de imigração, estimando-se em mais de cinco milhões os imigrantes procedentes de países europeus e do Japão que se assentaram especialmente no Sul e Sudeste do país (PATARRA apud OLIVEIRA 2005, p.61).
A partir do final da década de 1960, a situação se inverte. Milhares de famílias brasileiras iniciaram o processo migratório ao Paraguai. Segundo Bárbara (2005), uma parcela considerável desse movimento populacional foi fruto dos efeitos da política agrária do Brasil. Envolveu também um contingente de grandes proprietários rurais e empresários agrícolas que buscavam terras mais baratas e férteis no Paraguai.
Para Bárbara (2005, p.336-337), a dinâmica da migração brasileira ao Paraguai pode ser esquematizada em três períodos:
Os fluxos migratórios durante a década de 60 eram compostos por pessoas oriundas do Norte e Nordeste do Brasil. Eram posseiros que já tinham passagens pelos Estados de Minas Gerais São Paulo e Paraná [...]. A segunda marcha da imigração brasileira ocorreu ao longo da década de 1970. Ingressaram no Paraguai maciços fluxos de camponeses oriundos do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul [...]. A terceira dinâmica intensifica-se a partir de meados da década de 1980. O sentido do fluxo migratório é invertido. Ocorre o retorno de milhares de famílias brasileiras. Com a expansão da fronteira agrícola da soja para o Paraguai oriental assistiu-se ao deslocamento de muitas tensões sociais brasileiras para essa área. Esses episódios são agravados pelo fim do contrato de arrendamento e pela grilagem, em função de títulos de terras falsos vendidos pelo Instituto de Bem-Estar Rural (IBR), uma espécie de INCRA paraguaio aos brasileiros.
O início do governo ditatorial do presidente Alfredo Stroessner, em 1954, coincidiu com a imigração de muitos brasileiros em território paraguaio. No ano de 1961, o então presidente cria o programa Marcha al Este que tinha por objetivo ocupar a fronteira leste com camponeses paraguaios. Em 1963, Stroessner excluiu da Lei de Terras de 1940 o artigo que proibia a venda de terras para estrangeiros, acelerando o processo de venda de terras a latifundiários e empresas estrangeiras, expropriando milhares de famílias paraguaias de suas propriedades.
Com a abertura da fronteira paraguaia promovida pelo governo Stroessner cujo objetivo era “colonizar” essa área fronteiriça, milhares de famílias camponesas brasileiras, em sua maioria paranaenses, mas também sul-mato-grossenses, se deslocaram para a fronteira leste paraguaia. Segundo o então presidente Stroessner, esses sulistas já tinham longos anos de experiência rural e poderiam trazer desenvolvimento ao país.
A partir da década de 1970, o campo brasileiro passou por um processo de modernização, causando a expropriação de milhares de famílias camponesas que trabalhavam como arrendatários, meeiros, bóias-frias e/ou pequenos proprietários rendeiros, conforme destaca Batista (1990, p. 89):
Nos últimos anos os cafezais deram lugar aos cultivos de soja e trigo no Paraná, apresentando alto índice de mecanização da agricultura e, com isso, o colono de várias regiões do Paraná emigrou, e vários deles constituem grande parte dos brasiguaios, vivendo no Paraguai, aumentando o número de bóias-frias, arrendatários, meeiros, na luta camponesa pelo direito à terra [...], o modelo de modernização da agricultura desenvolve atividades monocultoras regionalizadas com o uso da tecnologia avançada e da mecanização. Utilizando temporariamente a mão-de-obra de bóias-frias e acentuando a crise na produção de alimentos para o consumo interno do país, expandiu a fronteira agrícola em direção ao norte nos países da fronteira.
Segundo Ferrari (2008), até o ano de 1965, a migração brasileira ao Paraguai era formada por camponeses de produção familiar e trabalhadores rurais itinerantes (bóias-frias rendeiros, agregados, meeiros, etc.) do sul do Brasil e, em menor quantidade, oriundos de outras regiões brasileiras. Entretanto, latifundiários brasileiros e estrangeiros já haviam adquirido imensas áreas de terra nessa região fronteiriça paraguaia entre os anos de 1950 e 1960. A construção da Ponte da Amizade (1962/65), que tinha por objetivo favorecer o comércio paraguaio através do Porto Paranaguá, também facilitou a migração brasileira.
O governo Stroessner (1954-1989) elaborou um projeto que objetivava o “desenvolvimento” dessa área fronteiriça por eles considerada “despovoada” com objetivo de integração e de expansão econômica, além de diminuir a influência Argentina no Cone Sul, pois, nessa época, Argentina e Brasil disputavam a Bacia do rio Prata.
Apesar dessas justificativas, para Ferrari (2009), a verdadeira finalidade daquele projeto era colonizar essa área fronteiriça com os camponeses do sul brasileiro, sendo esses descendentes de europeus. O próprio presidente Alfredo Stroessner era descendente direto de alemães. “A real finalidade do governo paraguaio era transformar a região num amplo corredor de grãos e, para que isso acontecesse, considerou que teria de ser com pessoas “aptas” com o trabalho nas lavouras” (FERRARI, 2008, p. 63).
Segundo Zaar (2001 apud FERRARI 2009, p. 64), no governo ditatorial “oEstado paraguaio estaria desenvolvendo políticas de branqueamento da população predominantemente indígena”. O governo estava também praticando a política da boa vizinhança com o Brasil com intenções de construir uma usina hidrelétrica no Rio Paraná, que futuramente veio a ser concretizada: a usina Binacional de Itaipu. O Estado paraguaio também desejava promover a modernização da agricultura no país a fim de se tornar um grande produtor de grãos. Logo, precisava de mão-de-obra brasileira, especialmente de descendentes de europeus do sul do país, que possuíam gosto e experiência com a terra.
Todos esses elementos, fatores de expulsão e atração existentes nos dois países vizinhos, fizeram com que milhares de famílias sulistas sonhassem com a possibilidade de terem seu pedaço de terra, ou mesmo de ficarem ricos em solo guarani, sobre o qual se dizia ser fértil e barato.
Nesse período, o IBR 1 (Instituto de Bienestar Rural) incentivava os latifundiários a adquirir imensas áreas de terras desta região para transformá-las em colonizadoras. Dessa forma, os colonos, bóias-frias, meeiros e arrendatários que não tinham condições de adquirir as terras por meio da compra, sonhavam com a possibilidade de trabalhar nas colonizadoras até poderem juntar algum dinheiro para, futuramente, adquirir sua terra e sobreviver do meio rural, pois, no Brasil a modernização da agricultura expropriou milhares de trabalhadores rurais.
No final dos anos de 1960, muitos trabalhadores rurais volantes (bóias-frias, arrendatários, etc.), que perderam seus empregos com a modernização do campo brasileiro, foram atraídos pelas colonizadoras, como afirma Bárbara (2005). Nesse período, foram atraídos primeiro os mineiros, nordestinos, mato-grossenses e paulistas, pois já estavam acostumados com o trabalho pesado. Dessa forma, foram estes os amansadores de terra, ou seja, derrubavam as matas, formavam as lavouras e vilas, como afirma Menezes (1992, p. 115):
As promessas de terras férteis e baratas no Paraguai e as mudanças ocorridas na agricultura brasileira, sobretudo com a implementação de uma política agrícola de modernização, que privilegiou a média e grande propriedade, provocando a desestruturação da pequena propriedade, explicam o êxodo de milhares de camponeses sem terra ou com pouca terra para o Paraguai.
No final da década de 1960, a expropriação de trabalhadores rurais, principalmente sulistas, aumentava. Assim sendo, esses trabalhadores viam nas colonizadoras a esperança de permanecer trabalhando e vivendo da terra. O que se via, no momento, era o esfacelamento das pequenas propriedades típicas de agricultura familiar sendo engolidas pelas fazendas de soja e trigo, aumentando a migração ao Paraguai.
A partir de 1970, essa expropriação se acirrou com o processo de modernização do campo, acelerando a migração dos trabalhadores rurais mais pobres e, logo adiante, ainda se teve o deslocamento de dezenas de famílias rurais em decorrência da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, no extremo oeste paranaense. Para Ferrari (2009), esse era o momento esperado pelo Ditador Stroessner. A chegada dos descendentes de europeus possibilitaria o desenvolvimento dessa região, já que os migrantes dos extratos mais pobres haviam amansado a terra, ou seja, haviam derrubado a mata e formado os campos. A partir dos anos de 1970, “a dinâmica de atração tem a ver com a prioridade aos descendentes de germânicos, em função da experiência que já traziam desde o Rio Grande do Sul no trato com a terra, em função do capital tecnológico que já possuíam”(SONDA, apud FERRARI, 2008, p. 67).
Essas mudanças significativas no campo foram fatores que nos levam a compreender o grande fluxo migratório de brasileiros sem ou com pouca terra rumo ao Paraguai. Naquele momento, esses imigrantes sentiam a chance de melhores expectativas de vida, estimulados, também, com a formação do grande lago de Itaipu. Em nome do progresso, esse avanço configurou-se em um grande elemento de expulsão de dezenas de famílias que tinham pequenos lotes ou posses no local onde se formou o lago da Usina.
É importante salientar que o término da construção da usina hidrelétrica de Itaipu (1982) causou muitos conflitos por ter alagado centenas de quilômetros quadrados de terras brasileiras e paraguaias e, por isso, expropriou milhares de famílias dos dois países limítrofes da linha fronteiriça. Dessa maneira, as famílias atingidas pela construção das barragens, em especial as famílias brasileiras que moravam em território paraguaio, vieram reivindicar terras no Brasil com objetivo de retornarem à sua terra natal, já que se encontravam em difíceis condições de vida no país vizinho.
Porém, a problemática que envolvia essa população, moradora das margens de onde seria construído o lago de Itaipu, começou a se desenrolar ainda com o canteiro de obras nos anos 1974-1975. A partir de então, iniciou-se um grande conflito pelas indenizações entre os responsáveis pela usina e os camponeses atingidos. Estes eram, em sua maioria, pequenos produtores, posseiros, arrendatários, meeiros e outros mais que ali moravam e necessitavam daquelas terras para sobreviver.
O discurso político na época da construção da usina de Itaipu era de aproveitamento máximo dos recursos hídricos porque este proporcionaria o desenvolvimento e o progresso. “Afinal, essas obras faraônicas foram a menina dos olhos do regime autoritário brasileiro que se apresentava como símbolo do Brasil Grande, como necessárias à ‘Segurança e Desenvolvimento do País” (FERRARI, 2008, p. 77).
Em torno da construção da obra, os atingidos pelas barragens de Itaipu iniciaram um movimento contra o represamento, pois este veio a comprometer cerca de 112 mil hectares. Do lado brasileiro, atingiu oito municípios do oeste: Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Matelândia, Medianeira, Santa Helena, Marechal Cândido Rondon, Terra Roxa e Guaíra.
Uma construção gigantesca como essa não atingiu apenas centenas de famílias que moravam no entorno do rio, mas também trouxe consigo um grande impacto ambiental, pois, ao modificar o curso natural do Rio Paraná, atingiu diretamente seus afluentes Rios Ivaí e Piquirí, e os Córregos do Veado, Paracaí, São João e Itaúna, além de impactar a fauna e a flora. O represamento ainda ocasionou o desaparecimento de uma das maiores belezas naturais do país que, de acordo com a geologia, demorou milhões de anos para ser esculpida, a chamada Sete Quedas.
Segundo Germani (2003), a usina de Itaipu foi responsável pela expropriação de 45.000 pessoas para o Paraguai, contabilizando cerca de 9.000 famílias. Porém, esses números não são precisos. De acordo com Albuquerque (2009), os dados que contabilizam a quantidade de brasileiros que atravessaram o limite político e que permanecem vivendo no Paraguai são imprecisos. Pelos dados oficiais dos censos do Paraguai, os últimos são bem menores comparados com as estimativas brasileiras e vem diminuindo nas duas últimas décadas: no censo de 1992, a quantidade era de 108,526; em 2002, esse número diminuiu para 81,592, sendo que 72,795 vivem nos departamentos fronteiriços. Já o Ministério das Relações Exteriores do Brasil estima que existiam 459,147 brasileiros no Paraguai em 2000. O censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – também em 2000 – estimou em 454.501 os imigrantes brasileiros morando naquele país (ALBUQUERQUE, 2009).
Para Albuquerque (2009), essa estimativa a respeito da quantidade de brasileiros vivendo no Paraguai é difícil precisar, pois: (1) há muita ilegalidade e falta de controle na fronteira por parte dos governos Brasileiro e Paraguaio; (2) as metodologias dos censos e das estimativas não conseguem visualizar os fluxos migratórios constantes nessa fronteira; e, (3) as fontes diferentes que fazem estimativas, especialmente o Ministério das Relações Exteriores no Brasil e o Ministério do Interior no Paraguai. Haja vista que o governo Paraguaio trabalha com as informações dos imigrantes regularizados e os descendestes destes imigrantes são contabilizados como Paraguaios.
Nesse caso, há um número muito grande de brasileiros irregulares e muitos filhos com dupla cidadania. Portanto, é difícil afirmar com exatidão quantas pessoas atravessaram a fronteira em busca de melhores condições de vida por esse processo de modernização da agricultura brasileira e/ou pela expropriação a partir do início das obras da usina hidrelétrica de Itaipu (1974-75) até a formação da represa em 1982. O fato é que 9.000 famílias que tinham terras e moravam na região de entorno do alagamento foram obrigadas a sair.
É importante salientar que os posseiros deixaram de ser contabilizados, pois a usina não indenizava quem não tivesse o título de propriedade da terra, de modo, não se sabe ao certo quantas famílias ou pessoas migraram para o Paraguai com o final da construção de Itaipu.
Segundo Mazzarollo (2003), todos foram obrigados a deixar suas terras e, junto com elas, as casas e benfeitorias. Aqueles que tinham o título da terra foram indenizados. Destes, alguns conseguiram fazer bons negócios e até aumentar a propriedade, mas também houve aqueles que se arruinaram. Porém, havia aqueles que nada possuíam, sendo estes arrendatários, posseiros, empregados e bóias-frias que tiveram de abandonar suas áreas, saindo de mãos vazias, “lançados a própria sorte”.
Nesse contexto, a região fronteiriça de Alto Paraná no leste paraguaio pareceu ser uma boa opção para os expulsos pela Itaipu, já que era próxima ao lugar onde viveram durante décadas e havia, nesse local, muitos conterrâneos sulistas que haviam migrado nas décadas anteriores, que viviam em colônias brasileiras, além de possuir terras férteis e baratas.
Por meio deste contexto da construção da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu, vemos desenrolar mais um fator de expulsão de milhares de camponeses rumo ao território paraguaio. Os camponeses, atraídos pelo baixo preço das terras e, em muitos casos, pela esperança de encontrar no país vizinho aquilo que deixaram de ter, ou seja, suas terras de trabalho devido à territorialização do capital expressa na usina de Itaipu migram.
Para Martins (1997), as populações camponesas são agentes que caracterizam a frente de expansão, embora não sejam os únicos, são eles que ultrapassam a linha da fronteira demográfica e ocupam novos territórios.
Nesse sentido, podemos fazer uma comparação dessa frente de expansão, ocorrida no interior do Brasil, com a expropriação da população camponesa brasileira ao Paraguai. Desde a década de 1960, a fronteira entre o Brasil e o Paraguai passou a ser transformada por um fluxo migratório de brasileiros impulsionados pela fronteira agrícola de monocultura da soja aliada à modernização da agricultura, pela abertura da fronteira do país paraguaio governado por Stroessner e pela desterritorialização de centenas de famílias a partir da construção da usina Hidrelétrica de Itaupu. Todas essas motivações os fizeram buscar, no país vizinho, uma chance de ter seu pedaço de terra. De acordo com Wagner (1990), esses camponeses que outrora foram expropriados do trabalho rural no Brasil buscavam no país vizinho a esperança de “dias melhores”, advindos da oferta de terras férteis e baratas.
Segundo Cortez (1992, p.199):
[...] os chamados brasiguaios, sem terra e sem pátria, são calculados em torno de quinhentos mil, [...] representam mais de oitenta por cento da população da fronteira paraguaia e quinze por cento dos eleitores. Sobrevivem como posseiros, meeiros, bóias-frias, arrendatários e agregados em condições de exploração de miséria.
No principio, a entrada ao Paraguai foi muito difícil. Alguns chegavam às terras próprias adquiridas através da venda de suas pequenas propriedades no Brasil. Outros traziam apenas a mudança e roupas, mas todos almejavam conquistar seu pedaço de chão com a esperança de melhorar de vida.
Tanto proprietários como agregados, ao chegarem lá descarregaram a mudança e se depararam com muito mato. Então, eles deveriam derrubá-lo para começar o cultivo da lavoura que, no princípio era somente para autoconsumo, como feijão, milho, mandioca, batata, horta, e pequenos animais. Enquanto a mata era derrubada, eles vendiam a madeira e ainda tinham que prestar serviços a outros colonos ou fazendeiros, a fim de comprar aquilo que não produziam para o sustento da família.
Essa população sofria muito devido à corrupção das autoridades paraguaias, pois seus documentos brasileiros não tinham validade em território paraguaio. Dessa forma, deveriam tirar um documento chamado “permisso”2 , que legalizaria a situação de permissão desses migrantes a morar nesse país, mas esse documento dificilmente era emitido e, quando ficava pronto, custava muito caro, de maneira que grande parte não tinha acesso a tal documento. Havia ainda um período de validade, portanto, deveria ser constantemente renovado.
Outro aspecto de dificuldade vivida pelos brasiguaios era a falta de escola para seus filhos. Quando havia escolas, a problemática destes era acompanhar o conteúdo em uma língua estrangeira, desconhecida para eles, pois a aulas eram ministradas em espanhol, e eles falavam o português.
Mas, as dificuldades não paravam por aí. Os imigrantes enfrentavam também problemas com o serviço militar no Paraguai com jovens brasiguaios acima de quatorze anos. Para Batista (1990, p. 93):
É costume realizarem-se “batidas” policiais para o recrutamento forçado, tanto de paraguaios como de brasiguaios fato que causa muito sofrimento aos pais brasiguaios e paraguaios, atingindo vários jovens de forma violenta; eles são praticamente raptados e levados para local desconhecido, passando por muitos maus tratos.
Quando a polícia paraguaia passava para recrutar esses jovens, muitos pais escondiam seus filhos no Brasil para evitar vê-los sofrer humilhações e maus tratos.
No Paraguai, os movimentos reivindicatórios sofriam sérias ameaças. Podemos citar um exemplo da repressão sofrida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que estava articulando o retorno ao Brasil para mais de duzentas famílias cadastrados pelo INCRA. Quando a polícia paraguaia tomou conhecimento da realização dessas reuniões, ela não permitiu que isso acontecesse e ameaçou o Movimento e usou de coação. Isso desfez o sonho de retorno ao Brasil.
Esses brasiguaios sofriam muito em território estrangeiro. Muitos já viviam há mais de quinze anos lá, mas não falavam sequer uma palavra em guarani. Esse era um tronco lingüístico muito difícil para quem traz em sua língua materna o português. Mesmo o castelhano, cuja compreensão era mais provável, era difícil de falar. Ou, então, falavam com dificuldade e isso também causava desconforto e, na maioria das vezes, preconceito dos paraguaios.
A partir da década de 1970, os campesinos3 passam a conviver com o mesmo problema enfrentado pelos camponeses brasileiros diante da modernização da agricultura. Tanto campesinos como brasiguaios foram sendo expulsos da terra diante da aglutinação de pequenas propriedades pelos latifúndios, empurrando milhares de famílias ao centro do país para morar nas periferias das grandes cidades paraguaias, sendo obrigadas a viver de subempregos nas grandes cerrarias e empresas.
De acordo com Riquelme (2003, p. 11):
En el Paraguay la década de setenta, en la que comenzaron a ser analizados los primeros síntomas de la descomposición campesina como resultado de la modernización agraria a partir de la aplicación del paquete tecnológico llamado Revolución Verde [...] a estructura agraria caracterizada por la coexistencia del latifundio y minifundio comenzó a sufrir importantes modificaciones con la inserción de grandes empresas agroindustriales, [...] con la que comenzó efectivamente la modernización de la agricultura en el Paraguay.
Ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990, com a expansão do agronegócio no Paraguai, muitos campesinos paraguaios que tinham a terra como fonte de trabalho e vida, foram empurrados para cidades maiores. No entanto, os campesinos que ficaram à margem desse sistema e que residiam nas periferias das grandes cidades e sem emprego, eram facilmente atraídos pelos latifundiários a pressionar e/ou mesmo expulsar os brasileiros de suas terras ou posses.
A esse processo de chegada dos agentes tecnológicos e financeiros, Martins (1997) chama de “frente pioneira”. Segundo o autor, essa frente pioneira é denominada não apenas pelos agentes de civilização, “mas através dos agentes de modernização, sobretudo econômica, agentes da economia capitalista [...], da mentalidade inovadora, urbana e empreendedora” (MARTINS, 1997, p.158).
Nesse momento, no cenário Paraguaio, vemos acontecer a sobreposição da frente pioneira sobre a frente de expansão e, quando isso ocorre, há um conflito muito intenso entre os grande proprietários de terras, os camponeses brasileiros e campesinos paraguaios. A partir daí, uma nova problemática em torno da população brasileira novamente expulsa da terra vai se desenrolar; quando começam a retornar ao Brasil.
Dessa forma, temos, então, que os camponeses pobres expropriados do campo brasileiro migram ao Paraguai quando a frente pioneira atinge o Brasil. Portanto, os pobres são os primeiros a constituírem a frente de expansão, rumo ao Paraguai, que derrubaram as matas, construíram vilas e formaram campos para o cultivo, à custa de trabalho, muito embora latifundiários e grandes colonizadores já houvessem adquirido terras para a especulação imobiliária. Quando os latifundiários e grandes empresários brasileiros e estrangeiros começam a utilizar o capital para a modernização da agricultura paraguaia (frente pioneira), começa a acontecer o retorno de centenas de famílias brasileiras ao Brasil em busca de terra para sobrevivência.
1.2 A Construção da identidade brasiguaia
Com a consolidação das grandes propriedades do agronegócio no Paraguai e os problemas de ameaças principalmente aos pequenos camponeses e/ou trabalhadores volantes brasileiros que lá viviam, uma crise social se abateu sobre esses trabalhadores, que foram novamente expulsos do campo (FERRARI, 2009).
Nesse contexto de serem novamente expropriadas, em 14 de junho de 1985, com a divulgação, no Brasil, do Plano Nacional de Reforma Agrária, mais de mil famílias brasileiras retornaram do Paraguai. Eles se identificavam como “brasiguaios” e organizaram um grande acampamento na praça principal da cidade de Mundo Novo/MS, reivindicando terras.
Entretanto, essa grande mobilização de famílias brasiguaias acampadas em Mundo Novo resultou no seu despejo. A partir da mobilização organizada de luta dessas famílias “brasiguaias” e de sem terras, o governo desapropriou 18.468 ha na cidade de Ivinhema/MS, onde criou o projeto de assentamento Novo Horizonte do Sul, hoje, município de Novo Horizonte do Sul.
Destacamos aqui a importância, para o nosso estudo, de buscar compreender o que é e como nasceu a expressão “brasiguaio”. Segundo Wagner (1990), essa expressão surgiu a partir de uma reunião no Município de Mundo Novo – MS, no ano de 1985, onde era discutida a articulação para o retorno desses camponeses brasileiros que moravam no Paraguai. Durante a reunião um camponês que já havia morado no Paraguai argumentou: “então quer dizer que nós não temos os direitos dos paraguaios porque não somos paraguaios; não temos os direitos dos brasileiros porque abandonamos o país. Mas me digam uma coisa: afinal de contas, o que nós somos?”(WAGNER, 1990, p.20). Então, o Deputado Federal de Mato Grosso do Sul, Sergio Cruz argumentou: “vocês são uns brasiguaios, uma mistura de brasileiros com paraguaios homens sem pátria” (WAGNER, 1990, p.20). Dessa forma, o termo brasiguaio passou a ser utilizado a todos os camponeses que vivem ou que já viveram no Paraguai.
Gostaríamos de especificar, aqui, que muitas são as denominações do senso comum atribuídas sobre quem são os brasiguaios. Algumas delas são: agricultores brasileiros residentes no Paraguai; camponeses brasileiros que foram expulsos do Paraguai; trabalhadores rurais assalariados, agregados, meeiros, bóias-frias que voltaram ao Brasil sem conquistar nada; grandes fazendeiros e empresários brasileiros que moram no Paraguai; os filhos de imigrantes brasileiros que nasceram neste país; e, inúmeras outras nomeações.
De acordo com as leituras que realizamos, desde o início desta pesquisa, verificamos que os autores brasileiros tratam os brasiguaios como aquele contingente de camponeses brasileiros, especialmente do sul do Brasil, que, expropriados do trabalho rural a partir modernização da agricultura, foram forçados a migrar ao Paraguai em busca de sua reprodução camponesa e, com o avanço da fronteira da soja atingindo também o território paraguaio, retornaram ao Brasil, principalmente para os Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, criando acampamentos ou se juntando aos movimentos de trabalhadores rurais sem terra, e/ou se aglutinando nas periferias das cidades. Esse retorno culminou na criação da identidade brasiguaia.
A identidade brasiguaia pode ser considerada uma identidade de fronteira hibrida formada pela junção de identidades nacionais. No entanto, ela tem adquirido sentidos diversos ao longo do tempo, funcionando como uma identidade ambígua negociada conforme os interesses que necessitam ser explicitados ou ocultados (ALBUQUERQUE apud FERRARI, 2008, p. 92).
O sociólogo José Lindomar de Albuquerque (2010), em sua tese de doutorado, sistematiza o termo brasiguaio como sendo: 1) o brasileiro pobre que imigrou para o Paraguai, não conseguiu ascender socialmente e que, muitas vezes, retornou ao Brasil; 2) os fazendeiros brasileiros que moram no Paraguai; 3) os filhos dos imigrantes que já nasceram naquele país e tem nacionalidade paraguaia; 4) os imigrantes e seus descendentes que já misturaram a “cultura brasileira” com a cultura paraguaia; e, 5) todos os imigrantes brasileiros que vivem na nação vizinha.
Esse mesmo pesquisador afirma que “o brasiguaio pode ser entendido como o filho do imigrante registrado como paraguaio [...], ou ao grande proprietário agrícola brasileiro com situação migratória regularizada naquele país” (ALBUQUERQUE, 2010, p. 228).
Sprandel (1992) afirma que os grupos religiosos, a imprensa e os próprios “colonos” começam a construir a identidade brasiguaia como “vítima” de duplo processo de “expulsão”. Nesse período, o termo “brasiguaio” estava associado aos pequenos agricultores brasileiros expropriados dos direitos civis, políticos e sociais dos dois lados da fronteira.
Essa denominação passou a ser utilizada como bandeira de luta. O objetivo era restabelecer vínculos com a nacionalidade brasileira, já que em solo paraguaio perderam o contato com sua pátria, mas também não eram reconhecidos como paraguaios, então, eram vistos como “homens sem pátria”. “A identidade política foi construída a partir de um discurso de ausência da cidadania brasileira e paraguaia e da necessidade de publicizar os símbolos da nacionalidade brasileira” (ALBUQUERQUE, 2010, p. 229).
Contudo, desde os primeiros acampamentos, a partir da década de 1985, os brasiguaios passaram a ser vistos pela sociedade brasileira como “baderneiros”, “forasteiros”, “perigosos”, tanto pelas autoridades políticas quanto pelas jurídicas e principalmente pelos latifundiários nos municípios brasileiros limítrofes ao Paraguai. A partir daí, os brasiguaios passaram a ser estigmatizados também no Brasil.
Sob essas perspectivas, discordamos, em parte, do ponto de vista de Albuquerque (2010), quando denomina os brasiguaios como todos os imigrantes brasileiros que vivem em território paraguaio e discordamos, mais ainda, quando atribui também aos fazendeiros essa classificação, pois, de acordo com as leituras e a pesquisa de campo que realizamos acerca do tema, pudemos compreender os brasiguaios como uma identidade construída a partir da luta de imigrantes brasileiros que sofreram o processo de uma dupla expulsão, primeiro em território nacional brasileiro e mais adiante em território paraguaio.
Podemos dizer que os brasiguaios são os bóias-frias, os arrendatários, os pequenos produtores rurais, em sua maioria sem documentação, ou seja, viviam na ilegalidade naquele país, e que construíram essa identidade para se reintegrarem a sua pátria, e serem reconhecidos como cidadãos, que retornaram ao Brasil, em 1985, reivindicando terras e direitos, bem como aqueles que preferiram continuar em solo paraguaio para tentar a sorte de dias melhores ou que não encontraram outra alternativa, pois viviam à margem do sistema capitalista.
De acordo com Sprandel (1992), os brasiguaios seriam um grupo étnico definido a partir da auto-atribuição e da classificação pelos outros, cujas reivindicações, realizadas a partir de documentos e a necessidade de ter o permisso para participar dos acampamentos, criavam distinção em relação a outros movimentos que também lutavam pela terra no Brasil.
Para Sprandel (1998), “a representação de ‘brasiguaios’ veio, pois, sendo construída através de relatórios e documentos resultantes de ‘estágios pastorais’, ‘pesquisas’, ‘encontros’, ‘seminários’” (SPRANDEL, 1998, p. 121), através da participação religiosa daqueles que atuam tanto no Brasil como no Paraguai e que, após 1985, esses seguimentos religiosos passaram a tratar das mesmas questões: os problemas enfrentados por todos os brasileiros residentes no Paraguai.
Dessa forma, estenderam a todos os imigrantes brasileiros o termo brasiguaio, mesmo em se tratando, como identifica Sprandel (1998), de “grupos sociais diferentes”. Então, vemos, a partir daí, a generalização do termo e entendemos melhor o porquê da existência de inúmeras dúvidas sobre saber quem são, de fato, os brasiguaios. Portanto, os brasiguaios podem ser vistos sob diversos aspectos e interpretações, variando de acordo com os interesses, ou mesmo de acordo com quem os está analisando.
Segundo Ferrari (2009), para os pesquisadores paraguaios, os brasiguaios são brasileiros que trabalham no Paraguai, mas não necessariamente os que retornaram ao Brasil. A partir da expropriação pela modernização da agricultura, eles continuam vivendo no Paraguai, e retornam ao Brasil apenas para encaminhar os filhos nos estudos.
Para os paraguaios, o termo brasiguaio adquire sentidos distintos. A partir do fim da ditadura do presidente Stroessner, em 1989, os camponeses paraguaios se reorganizam e passam a reivindicar o direito à terra. Dessa forma, começam a ocupar as propriedades dos fazendeiros brasileiros. “A partir de então os brasiguayos são identificados como os usurpadores das propriedades que deveriam pertencer aos paraguaios” (SANT’ANNA, apud ALBUQUERQUE, 2010, p. 231). Sob esta perspectiva, os campesinos empobrecidos estariam travando uma luta contra os fazendeiros ricos que, há algumas décadas, teriam tomado suas terras.
Assim, o ponto de vista, a respeito da mesma categoria, toma sentidos diferentes. Aqui, ela se refere a duas classes sociais distintas, ou seja, varia de acordo com a autodenominação e/ou pela denominação atribuída pelos outros. De acordo com os campesinos, os brasiguaios são os grandes proprietários que invadiram suas terras, destroem a natureza, fazem uso de agrotóxicos, poluem o solo, as águas e o ar, e causam doenças nos animais e pessoas. Porém, nem todos os campesinos resumem esse termo apenas nessa categoria, podendo ser também os pequenos produtores, que cultivam a soja e moram no Paraguai. Para a maioria, os brasiguaios são aqueles que “invadiram” sua pátria, ocuparam seu solo, disseminaram seus costumes e impuseram sua língua em muitas localidades, e se eles, os paraguaios, não fizerem nada, os brasiguaios ocuparão o restante do país e serão os responsáveis pela miséria e o crescente desemprego no país (ALBUQUERQUE, 2010).
Em suma, para o mesmo autor, os brasiguaios são vistos pelos paraguaios como todos os imigrantes brasileiros e seus descendentes que nasceram, moram ou já moraram no Paraguai, independente de sua classe social. Sendo que os estratos mais pobres desses migrantes aceitam e valorizam serem chamados de brasiguaios. Dessa forma, esse é um critério para receber os benefícios sociais nos dois países. Mas, existem também aqueles que preferem ser chamados de brasileiros ou até mesmo de paraguaios, pois esse termo é visto pela maioria dos paraguaios como “invasores”, “baderneiros”.
Entretanto, há também um grande contingente de imigrantes que não aceitam essa classificação. São eles os fazendeiros e os empresários bem sucedidos economicamente, ou aqueles que exercem poder político. Eles se autodenominam “brasileiros no Paraguai”. O termo brasiguaio está associado aos imigrantes pobres, marginalizados e que não possuem documentação e estão de forma ilegal no país. De acordo com Albuquerque (2010),“a não aceitação dessa categoria pelos setores que ascenderam socialmente simboliza um critério de distinção de classe” (ALBUQUERQUE, 2010, p. 234):
Quando essa “identidade brasiguaia” é construída, ela reforça o fato de que essa população está diretamente ligada aos estratos sociais mais baixos de imigrantes brasileiros que viviam no campo paraguaio; a construção do outro, mesmo que esse outro também advenha da mesma pátria, não é incorporada pela classe detentora do poder aquisitivo e político. Segundo Albuquerque (2010), os imigrantes – principalmente aqueles que vieram do sul do Brasil e que conseguiram ascender socialmente no Paraguai –, assumem o discurso de progresso e de que, portanto, são os únicos capazes de desenvolver um projeto de modernização no país.
A partir do momento em que temos uma grande massa migratória brasileira ao Paraguai, vemos desenrolar também uma problemática em torno dessa população, pois, com o avanço da frente de expansão, houve a expulsão da população indígena e/ou nativa dessas terras fronteiriças para dar lugar à colonização brasileira que em suma traria o tão sonhado “desenvolvimento” ao país. Contudo, com a chegada da frente pioneira também no campo paraguaio, vemos acontecer a expropriação de milhares de camponeses brasileiros que viviam nesta área a que muitos pesquisadores chamam de “área de conflito”.
É importante salientar que esses imigrantes brasileiros até então nunca foram chamados de brasiguaios ou se autodenominavam de tal forma no país vizinho. De acordo com Ferrari (2008, p. 91):
De maneira mais explícita, parece que essas pessoas recebem tal denominação a partir do momento em que passam a ser um problema, tanto no Paraguai, como no Brasil. São chamados de brasiguaios no Brasil quando retornam e se tornam responsabilidade do governo brasileiro, e são chamados de brasiguaios no Paraguai quando vivem e trabalham lá, sendo, portanto, responsabilidade das autoridades paraguaias.
Diante dessa problemática, vemos ocorrer um significativo retorno de famílias brasiguaias ao Brasil. Para Sprandel (1998), os imigrantes brasileiros residentes no Paraguai que retornaram, no ano de 1985, ficaram conhecidos como “brasiguaios” devido à luta que organizavam juntamente com setores da igreja católica para serem assentados no Brasil.
1.3 Considerações finais
A partir da pesquisa bibliográfica em torno da questão fundiária, especificamente na região Sul do Brasil e mais adiante no Leste paraguaio, compreendemos uma grande problemática em torno dos trabalhadores rurais expropriados da terra. Nosso estudo possibilitou entender os fatores que corroboraram com tal situação, sendo eles: os fatores de expulsão do Sul do Brasil e de atração à região Leste paraguaia.
A partir de 1970, essa expropriação se acirrou com o processo de modernização do campo, acelerando a migração dos trabalhadores rurais mais pobres e, logo adiante, ainda se teve o deslocamento de dezenas de famílias rurais em decorrência da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, no extremo oeste paranaense.
Essas mudanças significativas no campo foram fatores que nos levam a compreender o grande fluxo migratório de brasileiros sem ou com pouca terra rumo ao Paraguai. Naquele momento, esses imigrantes sentiam a chance de melhores expectativas de vida, estimulados, também, com a formação do grande lago de Itaipu. Em nome do progresso, esse avanço configurou-se em um grande elemento de expulsão de dezenas de famílias que tinham pequenos lotes ou posses no local onde se formou o lago da Usina.
Os fatores de atração estão ligados ao projeto político de abertura da fronteira leste paraguaia pelo então presidente Alfredo Stroessner, com intuito de desenvolver esta região com mão-de-obra brasileira, aliada à forte propaganda de terras férteis e baratas.
Neste caso, foram atraídos milhares de famílias camponesas que foram expropriadas de suas terras especialmente do sul do Brasil. Para Martins (1997), as populações camponesas são agentes que caracterizam a frente de expansão, embora não sejam os únicos, são eles que ultrapassam a linha da fronteira demográfica e ocupam novos territórios.
Porém, com a chegada da modernização do campo paraguaio a partir da década de 1980, vemos acontecer a sobreposição da frente pioneira sobre a frente de expansão e, quando isso ocorre, há um conflito muito intenso entre os grande proprietários de terras, os camponeses brasileiros e campesinos paraguaios. A partir daí, uma nova problemática em torno da população brasileira novamente expulsa da terra vai se desenrolar; quando começam a retornar ao Brasil.
Dessa forma, temos, então, que os camponeses pobres expropriados do campo brasileiro migram ao Paraguai quando a frente pioneira atinge o Brasil. Portanto, os pobres são os primeiros a constituírem a frente de expansão, rumo ao Paraguai, que derrubaram as matas, construíram vilas e formaram campos para o cultivo, à custa de trabalho, muito embora latifundiários e grandes colonizadores já houvessem adquirido terras para a especulação imobiliária. Quando os latifundiários e grandes empresários brasileiros e estrangeiros começam a utilizar o capital para a modernização da agricultura paraguaia (frente pioneira), começa a acontecer o retorno de centenas de famílias brasileiras ao Brasil em busca de terra para sobrevivência.
Esses imigrantes viveram décadas em território paraguaio em grandes colônias compostas, em sua maioria, por brasileiros. Porém, com a chegada da frente pioneira também no campo Paraguaio esses imigrantes brasileiros viram-se novamente expropriados. Nesse contexto, reúnem-se em torno de uma identidade construída a partir de relatórios da igreja, e lutam pelo retorno organizado se autodenominando “brasiguaios” (SPRANDEL, 2002).
1.4 Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, José Lindomar. C. A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. São Paulo: Annablume, 2010.
_____. Os brasiguaios e os conflitos sociais e nacionais na fronteira Paraguai-Brasil. Análise de conjuntura. São Paulo: UNIFESP, nº 02, 23 p. fev. 2009.
BÁRBARA, Marcelo, Santa. Cruzando fronteiras disciplinares: um panorama dos estudos migratórios. Rio de Janeiro: Revan, 2005.
BATISTA, Luis Carlos. Brasiguaios na fronteira: caminhos e lutas pela liberdade. Dissertação (mestrado em geografia), Universidade de São Paulo, 1990.
CORTEZ, Cácia. Brasiguaios refugiados desconhecidos. São Paulo/SP. Brasil Agora, 1992.
FERRARI, Carlos Alberto. Dinâmica territorial (na)s fronteira (s): um estudo sobre a expansão do agronegócio e exploração dos brasiguaios no Norte de Departamento de Alto Paraná – Paraguai. Dourados/MS. 2008. Dissertação (mestrado em geografia) UFGD.
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MARTINS, José de Souza. Fronteira – a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997.
MAZZAROLLO, J. A taipa da injustiça: esbanjamento econômico, drama social e holocausto ecológico em Itaipu. 2. ed. São Paulo/SP: Edições Loyola, 2003.
MENEZES, M.A. Histórias de migrantes. São Paulo: Loyola, 1992.
RIQUELME, Q. Los campesinos sin tierra en Paraguay: conflictos agrários y movimiento campesino. Buenos Aires: CLACSO, 2003. (Coleción Becas de Investigación).
SPRANDEL, Márcia Anita. Brasileiros de além-fronteira: Paraguai. In: O fenômeno migratório no terceiro milênio. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 113-138.
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WAGNER, Carlos. Brasiguaios homens sem pátria. Petrópolis: Vozes, 1990.
1 Órgão do Governo paraguaio para questões fundiárias.
2 O Permisso é um documento que legaliza a situação provisória (30 dias) de migrantes no Paraguai, o valor é muito relativo ao Departamento onde se encontram. Depois desse período deve entrar com o pedido de “migrante” – visto permanente podendo variar de 60 até 2.000 reais por pessoa, mesmo sendo pago tanto o permisso quanto o visto podem correr o risco de não serem emitidos, dessa forma milhares de famílias vivem ilegalmente no País.
3 Nome dado aos camponeses paraguaios.