Contribuciones a las Ciencias Sociales
Enero 2011

CONSCIENTIZAÇÃO EM PAULO FREIRE: CONSCIÊNCIA, TRANSFORMAÇÃO E LIBERDADE

 

Andreisa Damo
Danieli Veleda Moura
Ricardo Gauterio Cruz

ricardo_gcruz@hotmail.com

 

Resumo: A conscientização é uma categoria freireana que evidencia o processo de formação de uma consciência crítica em relação aos fenômenos da realidade objetiva. Nesse sentido a transformação social passa necessariamente pelo desenvolvimento coletivo de uma consciência crítica sobre o real, e, portanto, pela superação das formas de consciência ingênua. É importante que neste processo de conscientização os sujeitos se reconheçam no mundo e com o mundo, havendo a possibilidade de que, na transformação do mundo, transformem a si mesmos. Num sentido político, o conceito de conscientização da qual fala Freire abrange a consciência de classe, como o processo pelo qual as classes desfavorecidas se reconhecem enquanto classe e também reconhecem na realidade as relações que as oprimem e as exploram, impedindo-as, conforme termo de Freire, na permanente busca de “ser mais”. É assim que a Educação, sem a qual a transformação não se faz, quando voltada diretivamente para uma prática da liberdade inclui neste processo necessariamente o desenvolvimento de uma consciência crítica em relação à realidade que condiciona os seres humanos socialmente. Nesse sentido, a formação de uma consciência crítica coletiva é a condição fundamental para a transformação, ou seja, a base de sustentação para a produção de uma nova organização social onde não se negue aos seres humanos a sua razão de existir: a busca constante do vir-a-ser, ou o ser-mais.

Palavras-Chave: consciência, consciência de classe, transformação social.
 



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Damo, Veleda Moura y Gauterio Cruz: Conscientização em Paulo Freire: consciência, transformação e liberdade, en Contribuciones a las Ciencias Sociales, enero 2011,
www.eumed.net/rev/cccss/11/ 


Partindo da visão dialética da relação ser humano/mundo, ambos inacabados, Paulo freire desenvolveu sua compreensão acerca de uma Educação como Prática de Liberdade, sobre a qual, nós, seres humanos, na constante busca de sermos mais, transformamos a realidade objetiva e os efeitos desta transformação refletem-se na transformação de nós mesmos. Por isso é que Paulo Freire diz que será pelo aprofundamento de uma consciência crítica que nos conscientizaremos da realidade, sendo capazes de transformá-la, pois a conseqüência da conscientização é o compromisso dos seres humanos com o mundo, já que criticamente conscientes de nossa realidade de opressão, seremos capazes de realizar uma ação que vise sua superação.

É assim que compreendemos a conscientização de Freire no mesmo sentido da 11ª tese sobre Feuerbach: não se trata apenas de conhecer o mundo, de poder descrevê-lo, de conhecer as leis gerais de seu funcionamento e o modo particular como cada fenômeno opera na totalidade da realidade objetiva, mas sim, trata-se de conhecer o mundo para, de acordo com um interesse de classe particular – o interesse da classe trabalhadora – poder modificá-lo.

O processo de produção das condições materiais necessárias à vida – o trabalho – é a prática social que permite ao ser humano conhecer o mundo, produzir os saberes que lhe serão necessários na produção do próprio mundo da vida. A ação humana é trabalho, e reside na consciência das relações causais de sua própria prática a possibilidade de produção de certos resultados, razoavelmente previsíveis, a partir de determinadas práticas. A consciência possibilita ao ser humano a possibilidade que tem de programar sua ação, de criar instrumentos com que melhor atue sobre o objeto, de ter finalidades, de antecipar resultados, conforme Paulo Freire (2001) nos ensina em Ação Cultural para a Liberdade e outros Escritos.

Neste sentido, reside na consciência humana a real possibilidade de, conhecendo os fenômenos materiais (objetos, fenômenos, processos), transformá-los em proveito próprio. A transformação a que nos referimos é tanto dos objetos materiais que servirão à satisfação das necessidades imediatas do ser humano, como o modo particular de organização das diferentes instâncias da vida. A sociedade, enquanto um fenômeno material constituído pelo complexo de relações que o ser humano desenvolve no processo de produção da vida, da mesma forma que os próprios objetos necessários a vida, são produtos da ação humana, devendo sofrer o desenvolvimento necessário a satisfação das necessidades do humano, à humanização.

Paulo Freire chama a conscientização de compromisso histórico, pois implica no nosso compromisso com o mundo e, portanto, também com nós mesmos, como sujeitos que fazem e refazem o mundo e assim sua própria história. Neste instante, a conscientização não se encontra mais somente na relação consciência/mundo, mas transcende, convidando-nos a assumirmos uma posição utópica frente ao mundo.

Saber que não apenas estamos no mundo, mas com o mundo e também pelo mundo; da mesma forma, que somos seres condicionados e não determinados, e que, portanto, nossa possibilidade de transformar a realidade que nos oprime e nos explora é a mesma possibilidade dialética que rege a história da humanidade e nos permite produzir novas formas de viver em sociedade. Saber que sonhar o sonho coletivo, que é um sonho acordado, real, passa pelo desejo de uma forma justa, fraterna e humana de viver em sociedade; este é o primeiro passo para a transformação social. Saber que a utopia é possível.

Uma consciência crítica pressupõe um método de conhecimento da realidade em que nos encontramos, levando-nos a mudanças radicais. Mas, o que é, então, conscientização? A conscientização é o aprofundamento da consciência crítica que é ao mesmo tempo ação/reflexão/ação para a superação da realidade opressora, sendo em virtude disso, um apelo à ação.

A conscientização, no modo como a compreendemos, é o processo de desenvolvimento de saberes verdadeiros a respeito das condições materiais nas quais os indivíduos se encontram, seu papel no modo de produção, sua situação de classe. O movimento de transformação – mudança radical da forma – da prática social dos indivíduos requer, primeiro, uma mudança tal em sua compreensão de mundo, que suas ideações se dêem no sentido do desenvolvimento de práticas condizentes com a vocação ontológica do ser humano, que é superar sua condição desumanizadora que lhe impõem o atual modo de produção.

O desenvolvimento de tal nível de consciência acerca das relações sociais de produção que compõem a realidade objetiva é, neste sentido, a arma de luta dos oprimidos para vencerem a opressão. O desenvolvimento da consciência de classe do proletariado (LUKÁCS, 2003) é a condição para que se possa organizar o conjunto das relações sociais em torno da produção, para que o resultado necessário seja a realização do vir-a-ser humano, sua humanização.

Os saberes hegemônicos que nossa sociedade desenvolve são saberes que dissimulam a existência das relações opressivas nas quais está ancorado o modo de produção das condições materiais de reprodução da própria sociedade. A Educação como Prática de Liberdade é, assim, o movimento contra-hegemônico de produção de saberes que denuncia a luta de classes, que no sentido freireano, pronuncia o mundo para poder modificá-lo, que quer possibilitar ao indivíduo desenvolver a consciência real sobre as relações que o oprimem.

A luta de classes é, não exclusivamente, mas, sobretudo, uma luta pela consciência do proletariado, o movimento histórico da burguesia sobre a classe trabalhadora no sentido de impedir o desenvolvimento de sua consciência de classe, neutralizar a sua mais valiosa arma de luta. Quanto mais o oprimido conhecer sobre a sua situação de opressão, tanto mais lhe será possível desenvolver práticas sociais cuja conseqüência se materializará na forma de outro mundo possível e necessário.

Pelo exposto podemos compreender que somente nós, seres humanos, somos capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada, pelo poder da ideação, que consiste em conseguirmos projetar em nosso cérebro o resultado daquilo que faremos, o que nos difere dos animais, cuja prática é fruto de instintos, por se tratarem de seres de contato e não de relações como nós. Por esta condição de seres de relações, de seres sociais que fazem a própria história, está nas mãos da humanidade a possibilidade de romper com as relações opressivas de produção que se apresentam como um empecilho à humanização do humano.

Desenvolvemos nosso conhecimento no exercício de nossa práxis (ação/reflexão/ação sobre o mundo) e somos os únicos seres capazes de nos distanciarmos do mundo para admirá-lo. Assim, é que num primeiro momento a realidade não se apresenta para nós como objeto cognoscível, já que numa aproximação espontânea homem/mundo estamos frente a ele apenas em nível de percepção, o que Freire chama de posição ingênua. Manter a grande massa oprimida nesta situação é o objetivo da classe hegemônica, pois vencido o estado de ingenuidade, a classe oprimida lhe fugirá ao controle, e as próprias relações sociais que passarão a se desenvolver culminarão em uma mudança estrutural da sociedade.

A conscientização, assim, consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência, ou seja, “que ultrapassemos a esfera espontânea da apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica” (FREIRE, 1980, p. 26).

Para penetrar na realidade aparentemente impenetrável é preciso, pois, utilizarmo-nos da abstração, da descodificação do real aparente, isto é, que se passe do abstrato ao concreto (da parte ao todo) para voltar às partes, e neste momento a abstração passa a ser percepção crítica do concreto, que deixou de ser uma realidade impenetrável.

Logo, o processo de conscientização é tão mais desenvolvido quanto mais conseguirmos penetrar na essência dos fenômenos materiais, mas esta posição de desvelamento da realidade precisa ser permanente. Precisamos estar sempre explorando as situações limite, de modo a alcançarmos o inédito viável. Paulo Freire chama atenção para as situações limites dizendo que quando a percebemos como a fronteira entre ser e não ser, “começamos a atuar de maneira mais e mais crítica para alcançar o, possível não experimentado contido nesta percepção” (FREIRE, 1980, p. 30).

Assim é que cada relação dos seres humanos com a realidade apresenta-se como um desafio ao qual precisa ser respondido de maneira original, pois não há modelo típico de resposta, senão tantas respostas quantos são os desafios, logo a resposta que cada um de nós dá a um desafio não transforma apenas a realidade com a qual nos confrontamos, mas a nós mesmos, cada vez mais e sempre de modo diferente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3.ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980.

FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros Escritos. 9.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SIMÕES JORGE, J. A Ideologia de Paulo Freire. 2.ed. São Paulo: Edições Loyola, 1981.

 


Editor:
Juan Carlos M. Coll (CV)
ISSN: 1988-7833
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