Marcelo Nunes Apolinário
Edegar Ribeiro Júnior
lauradm@isa.cult.cu
Introdução
Dos inúmeros problemas enfrentados pela sociedade brasileira atualmente, no
campo jurídico-social, reclama-se pela observância aos princípios
constitucionais, em especial o da igualdade, como forma de efetivação dos
Direitos Humanos a tornar mais harmonioso o convívio social diante de (mal)
ditos problemas.
O objetivo dessa investigação constitui-se em reunir elementos existentes na
doutrina em relação à violação do principio da igualdade pelo instituto da
prisão especial no Processo penal, em que pese o teor dos acórdãos do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Antes da sentença condenatória definitiva, a pena privativa de liberdade, seja na hipótese do flagrante, seja na hipótese preventiva stricto sensu, significa, apenas, uma cautela do Estado, em virtude do periculum libertatis, ou seja, do perigo da insatisfação da conseqüência jurídica, ou então, até mesmo, por conveniência da instrução criminal. Portanto, enquanto não houver uma sentença condenatória irrecorrível, não se pode falar em condenação.
Analogamente ao que se pode verificar naquelas situações em que a Lei reserva a determinadas pessoas, em razão do cargo ou função que ocupam, a prerrogativa de serem processadas perante um juízo especial, existe a chamada prisão especial, consistente no recolhimento em lugar distinto da prisão comum. No caso de inexistir estabelecimento especifico, será o preso especial recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento prisional. De modo similar, de observar que assegura o § 4º, do art. 295 o Direito do preso especial a não ser transportado em conjunto com o preso comum. Da mesma forma, o instituto cessará quando transitar em julgado a sentença penal condenatória.
Se na comarca não houver estabelecimento prisional adequado para o encarceramento daquele que goza do beneficio da prisão especial, dispõe o art. 1º, da Lei 5.256, de 6 de abril de 1967, que o juiz, tendo em conta a gravidade das circunstâncias de perpetração do delito, após a oitiva do Ministério Público, poderá autorizar a prisão do réu ou do indiciado em sua própria residência, da qual não poderá se afastar sem prévia ordem judicial. Já o Presidente da República, por força do art. 86, § 3º, da Constituição Federal, não está sujeito à prisão, nas infrações penais comuns, enquanto não sobrevier sentença condenatória. Em homenagem ao principio da simetria constitucional, o mesmo se aplica ao Governador de Estado.
2. Resultados e discussão
Tendendo a objetividade desta singela investigação, a jurisprudência deste Estado, categoricamente posiciona-se como os dois julgados, ut infra. A primeira, cujo relator é o Exmo. Sr. Des. Dr. Roque Miguel Fank, apresenta ementa versando o seguinte:
‘“HABEAS CORPUS”. PRISÃO ESPECIAL. ADVOGADO. RECOLHIMENTO EM CELA DESTACADA DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL COMUM. VIABILDIADE. Conforme ditames do artigo 295 do Código de Processo Penal, para observância da garantia à prisão especial basta seja o acusado alocado em cela destacada das destinadas aos presos comuns, não havendo mácula por estar localizada em estabelecimento prisional no qual também reclusas pessoas que não possuem o privilégio referido.
Nesse sentido, cita-se parte de outro julgado, cujo relator foi o Exmo. Sr. Des. Dr. Claudir Fidélis Faccenda, acordando, referente ao caso do recorrente, em sede de agravo de instrumento em uma ação de execução de alimentos que lhe move a recorrida, pelo indeferimento do pedido de prisão especial daquele por possuir curso superior:
“em razão do princípio da isonomia em relação aos outros presos por dívida alimentar, deve ser cumprida a medida no presídio. Em se tratando de prisão civil por dívida alimentar, não há que se falar em aplicação da Lei de Execuções Penais, porquanto referida lei regulamenta o cumprimento das penas ocorridas pela prática de delitos. Já a prisão civil tem objetivo de coagir o executado ao pagamento da dívida alimentar, não se tratando propriamente de uma penalidade imposta ao devedor. As naturezas das duas prisões, portanto, são completamente diferentes, sendo a prisão em cela especial destinada às prisões provisórias, cuja natureza é diversa da prisão civil.”
Como se percebe a questão é meramente taxativa , isto é, dita o legislador no art. 295 do Código de Processo Penal que:
Serão recolhidos a quarteis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos antes de condenação definitiva: I – ministros de Estado; II – os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III – os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; IV – os cidadãos inscritos no “Livro dos Méritos”; V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; VI – os magistrados; VII – os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII – os ministros de confissão religiosa; IX – os ministros do Tribunal de Contas; X – os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivos de incapacidade para o exercício daquela função; IX – os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.”
Todavia, não se questiona com tamanha prescrição se há possibilidade de discriminação de pessoas, ressaltando o princípio da isonomia, ou seja, por exemplo, como requer NUCCI, se se prender um engenheiro (com diploma universitário) e um marceneiro (sem diploma universitário) na mesma cela, tendo em vista que ambos são acusados de um delito pela primeira vez, há algum mal? E responde, nenhum, além daquele que a prisão em si causa. Um dado é a diferenciação pela periculosidade, outro, é a diferenciação pela titulação. Em contrapartida, vale mencionar que parte da doutrina, no que tange a possibilidade da prisão especial afrontar o magno principio da igualdade é extremamente omissa.
As jurisprudências, mencionadas acima, indicam, certamente, violação a um dos preceitos fundamentas a que este Estado pretende, o da dignidade da pessoa humana. Falhas há no processo legislativo, bem como nas leis promulgadas. Diante dessa omissão frente a essa irregularidade, insurge-se o Judiciário, o qual deve interpretar diferente, em prol dos princípios constitucionais.
Nesse sentido, não é de hoje que o legislador equivoca-se, quando interpreta o princípio da igualdade. A citar, quando legisla em relação às minorias, as quais, no âmbito de suprir esse descaso, dependem de ações e mobilizações sociais afirmativas.
A par disso, resta mencionar o que se entende por princípio da igualdade, estatuído no art. 5º da Carta Magna, como manifestação do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, art. 1º, inc. IV, explicitado por ALEXANDRE DE MORAES: “todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. (...) o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, (...)”
3. Considerações finais
Portanto, considerando a indistinção a que têm direito de serem tratado o marceneiro do diplomado, não se pode negar que o principio da igualdade é violado ao se garantir prisão especial a alguns e a outros não por mera previsão taxativa da norma infraconstitucional. Assim, requer-se um novo posicionamento referente à questão, pois, da forma existente, injustiças ocorrerão.
Ademais, o direito deve ser compreendido de forma a expressar de fato nas regras aquilo que é imanente na sociedade. Nesse ínterim, os princípios constitucionais possuem “função ordenadora, (...) interpretadora e integrativa, pois são eles que dão coerência geral ao sistema.”
4. Referencial teórico
ALEXANDRE DE MORAES. Direitos Humanos Fundamentais: Teoria Geral. Comentários aos arts. 1ª a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 7ª ed. Atlas: São Paulo, 2006.
CAPEZ, Fernando. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2009.
D’URSO, Luís Flávio Borges. Prisão Especial não é privilégio: deve ser estendida a todos presos provisórios. Informativo Jurídico [on-line]. Disponível em www.neofito.com.br. 03/12/2001. Acesso em: 28 de agosto de 2009.
JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito constitucional. Malheiros: São Paulo, 2001.
MOUGENOT, Edilson. Curso de Processo penal. 4ª, ed. Saraiva: São Paulo, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5ª ed. SP: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Disponível em: www.tjrs.jus.br . Acesso em: 26 de agosto de 2009.
TRIGUEIROS NETO, Arthur da Motta. Como se preparar para o exame de ordem: Processo Penal. 7ª ed. RJ: Forense, 2009.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 31ª, ed. Saraiva: São Paulo, 2009.
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