Lessi Inês Farias Pinheiro (CV)
Gilmara Oliveira Dias
lifpinheiro@uesc.br
Palavras-chaves – questão social, desemprego, exclusão, pobreza, desenvolvimento
Resumo – A questão social foi constituída em torno das transformações
econômicas, políticas e sociais ocorridas na Europa do Século XIX. Entretanto as
transformações societárias que vêm ocorrendo nas economias capitalistas desde a
década de 1970 têm alterado o tratamento teórico da questão. Este artigo
apresenta as visões de três autores, ligados a diferentes disciplinas da área
social, com visões distintas da questão social. São abordados os trabalhos de
Robert Castel, que defende que a questão social sofre modificações ao longo do
tempo, mantendo-se em essência a mesma; Pierre Rosanvallon, que afirma que a
questão social se modificou e exige uma nova postura política na sua solução; e
finalmente, são apresentadas algumas idéias do economista Amartya Sen, que faz
uma análise do desenvolvimento econômico tratando sempre da questão social sem,
no entanto, nomeá-la diretamente.
1. Introdução
Originalmente, a questão social foi constituída em torno das transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas na Europa do Século XIX, devidas à industrialização. Inicialmente essa questão foi levantada quando com a tomada de consciência da sociedade, ou parte dela, dos problemas decorrentes do trabalho urbano e da pauperização como fenômeno social. Hoje a “questão social” é a expressão das desigualdades e lutas sociais em suas múltiplas manifestações e todos os segmentos sociais envolvidos (trabalhadores e desprotegidos) são heterogêneos.
O presente artigo tem o objetivo de apresentar uma breve retrospectiva da evolução do tratamento teórico da questão social por autores ligados a diferentes disciplinas da área social. São abordados os trabalhos de três autores que tratam da questão social de forma diferenciada. Primeiramente, o sociólogo francês Robert Castel, que defende que a questão social sofreu modificações ao longo do tempo, mantendo-se em essência a mesma. Em segundo, é apresentado o trabalho do historiador e cientista social Pierre Rosanvallon, que afirma que a questão social se modificou e exige uma nova postura política na sua solução. Finalmente, são apresentadas algumas idéia do economista indiano Amartya Sen que faz uma análise do desenvolvimento econômico tratando sempre da questão social sem, no entanto, cita-la diretamente.
2. Robert Castel: as metamorfoses da questão social
Robert Castel, em A Metamorfose da Questão Social, faz uma análise das transformações históricas da sociedade capitalista, confirmando que a questão social, assim nomeada pela primeira vez em 1830, foi suscitada quando da constatação do distanciamento existente entre o crescimento econômico e o aumento da pobreza por um lado e uma ordem jurídico-política que reconhecia o direito dos cidadãos e uma ordem econômica que os negava, por outro lado. A questão foi levantada após a Revolução Industrial que provocou grandes transformações econômicas, políticas e sociais na Europa do Século XVIII, afetando seriamente a vida das populações.
Castel caracteriza a questão social por “uma inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. A ameaça de ruptura é apresentada por grupos cuja existência abala a coesão do conjunto” (Castell, 1998, pg. 41). Explicitando a composição de tais grupos, o autor esclarece que as populações que dependessem de intervenções sociais seria basicamente pelo fato de serem ou não capazes de trabalhar, sendo tratados de forma distinta em função deste critério. A análise parte da identificação no longo prazo de uma correlação profunda entre o lugar ocupado pelo indivíduo na divisão social do trabalho e a participação nas redes de sociabilidade e nos sistemas de proteção. São construídas três zonas a) “zona de integração, correspondente coesão social com trabalho estável e a inserção relacional sólida; b) “zona de exclusão” (desfiliação), correspondente a uma ausência de participação em qualquer atividade produtiva e isolamento relacional; c) “zona intermediária”, correspondente a uma vulnerabilidade social, que conjuga trabalho precário e fragilidade dos suportes de proximidade.
As metamorfoses pelas quais a questão social passa são fruto das transformações históricas. Entretanto, apesar das transformações, Castel, chama atenção para o fato de que os membros das “zonas” ocupam posições homóloga na estrutura social ao longo do tempo. Os processos que produzem essas situações são comparáveis, ou seja homólogos na dinâmica diferindo nas manifestações, sendo que a história não é linear.
O social já existia na sociedade pré-industrial, uma vez que uma sociedade ordenada era ameaçada pela pressão exercida pelos que nela não encontram o seu lugar. Castel remete a uma chamada Teoria da Desvantagem, no sentido amplo do termo. Os clientes da potenciais da assistência seriam representados por uma parcela da população isenta de trabalhar. Estes seriam reconhecidos devido a um núcleo de situações de dependência reconhecidas que os incapacitava de se enquadrar à ordem do trabalho devido a deficiências físicas, psíquicas manifestas devido a idade, á doença e que poderiam se estender a situações familiares desastrosas.
Desde o século XIV, existiam intervenções públicas que prestavam assistência aos indigentes e cuidavam da ordem pública. Castel chama de social-assistencial, às intervenções públicas através das quais o Estado agia como fiador da organização e do trabalho e regulador da mobilidade laboral. Os destinatários dessa assistência diferiam pelo fato de poderem ou não trabalhar e o tratamento que lhes é dado é substancialmente distinto.
A diferença da questão social na fase do capitalismo industrial para o anterior diz respeito ao surgimento de novos atores e novos conflitos. A questão social torna-se a questão de qual lugar os contingentes mais dessocializados podem ocupar na sociedade industrial, colocando com muita propriedade que “a questão social se pões explicitamente às margens da sociedade mas ‘questiona’ o conjunto da sociedade” (Castel, 1995, p. 34). Neste sentido, a resposta à questão “será o conjunto dos dispositivos montados para promover sua integração” (Castel, 1998, p. 31). Assim sendo, o lugar do social é visto entre organização política e o sistema econômico, deixando clara a necessidade de construir sistemas de regulação não-mercantil com o objetivo de tentar preencher esse espaço. Neste ponto, surge a questão do papel que o Estado é chamado a desempenhar. Castel chama de Estado social à intervenção do Estado na interseção do mercado e do trabalho.
No pós-guerra, a articulação do econômico e do social parecia ter encontrado uma solução satisfatória o bastante para que fosse considerada definitiva. O modo de gestão política associou as sociedades privada e social, o desenvolvimento econômico e a conquista dos direitos sociais, o mercado e o Estado. Neste contexto se instalou o Estado social, cuja intervenção se desdobrou em três direções: a garantia da proteção social generalizada, a manutenção do equilíbrio macroeconômico e a busca de um compromisso entre os diferentes implicados no processo de crescimento. Trata-se da instauração de uma regulação circular onde o
[...] Estado dirige a economia. Constrói uma correspondência entre objetivos econômicos, objetivos políticos, objetivos sociais. Circularidade de uma regulação que pesa sobre o econômico para promover o social e que faz o social o meio de tirar de apuros a economia quando esta se abate” (Castel, 1998, p. 487)
Globalmente as performances da sociedade salarial pareciam suprimir o déficit de integração do início da sociedade industrial. A mesma montagem que combinava desenvolvimento econômico e regulações estatais atuou em outros domínios, como educação, saúde pública, planejamento dos recursos, urbanismo e planejamento para as famílias. Quando a questão social parecia dissolver-se a trajetória foi interrompida.
Sem tratar diretamente das causas da crise que se instalou no início da década de 1970, o abalo afeta em primeiro lugar o emprego. A sua principal manifestação é o surgimento do desemprego de massa e, não menos importante, a precarização do trabalho. Após décadas de quase pleno-emprego, com a generalização da proteção surgem, novamente, os “inúteis para o mundo”, ou seja, pessoas e grupos que se tornam supranumerários, diante das alterações das competências econômicas e sociais. Trata-se de um contingente sem força de pressão, ou potencial de luta, que não existe socialmente, por não fazerem nada de socialmente útil. “No sentido, é claro, de que existir socialmente equivaleria a ter, efetivamente, um lugar na sociedade... ao mesmo tempo, eles estão bem presentes – e isso é o problema, pois são numerosos demais” (Castel, 1998, p. 33).
Neste ponto, está a profunda metamorfose relativa à questão social anterior. Se, inicialmente, a questão era como fazer um ator social subordinado, dependente, tornar-se um sujeito social, agora a questão é amenizar esta presença, torná-la discreta até apagá-la. Castel, afirma, que trata-se de uma nova problemática, mas não de outra problematização.
Sob a ótica de Castel, a sociedade atual encontra-se numa bifurcação: aceitar uma sociedade inteiramente submetida às exigências do mercado ou construir uma figura do Estado social capaz de atender ao novo desafio. A aceitação da primeira opção representaria o desmoronamento da sociedade salarial. Já a segunda opção representaria uma redefinição do pacto social, um pacto de solidariedade, um pacto de trabalho, enfim um pacto de cidadania.
3. Pierre Rosanvallon: a nova questão social
Pierre Rosanvallon, em La nueva cuestion social – Repensar el Estado de providncia, mostra que a transformações contemporâneas fizeram surgir uma nova questão social. No início da década de 1970, o crescimento do desemprego e o aparecimento de novas formas de pobreza nos remetem à antigas categorias de exploração. O surgimento de uma nova questão social é traduzido pela inadaptação dos métodos antigos de gestão social.
Rosanvallon faz, também, a análise histórica dos sistemas seguradores, segundo a qual a questão social foi introduzida no final do século XIX, para dar conta das disfunções da sociedade industrial nascente. Os benefícios do crescimento econômico e das conquistas das lutas sociais haviam transformado profundamente a vida dos trabalhadores, com desenvolvimento do Estado de Providência que quase eliminou a antiga insegurança e o temor do futuro.
A nova questão social se coloca a partir de novos fenômenos de exclusão social, num cenário em que entra em crise o Estado Providência. A crise, diagnosticada desde o final da década de 1970, teve um influxo no início da década de 1990 e apresenta três dimensões:
a) financeira, uma vez que os gastos são maiores que o ingresso de recursos;
b) ideológica, devido a falta de eficácia do Estado empresário para enfrentar as questões sociais;
c) filosófica, pela desintegração dos princípios que organizam a solidariedade e da concepção tradicional de direitos sociais.
O autor argumenta que, com o desemprego em massa e de longa duração, é necessário o retorno ao enfoque filosófico e mais político, vinculando o Estado de Providência, a mesma matéria do contrato social. Para Rosanvallon afirma que ara a reconstituição do Estado Providência é necessário fazer ressurgir os sentimentos morais experimentados em meio à guerra, resgatando com isso a sensibilização e a mobilização da população em torno do Estado Cívico e do Estado Nação. “Nossas sociedades se tornaram moralmente cada vez mais esquizofrênicas, deixando coexistir pacificamente a compaixão sincera frente a miséria do mundo e a defesa feroz dos direito adquiridos” (Rosanvallon, 1995, pg 72)
Assim sendo, a preservação do Estado de Providência exige refazer a nação, na sua perspectiva cívica, enquanto espaço de redistribuição e reconhecimento de uma dívida social mútua, sendo dada ênfase maior na reconstituição da nação social do que na nação econômica. Caso isto não aconteça, a desagregação do Estado de Providência combinada com o crescimento da exclusão social se juntarão de forma implacável.
As vias a serem exploradas são estreitas, se por um lado a sociedade de indenização passiva encontrou os seu limites, por outro é impossível voltar à formulas abandonadas a séculos, como oficinas de caridade, Workhouses ou controle social dos pobres. Será necessário avançar para uma zona intermediária, situada entre a lógica de indenização e a garantia de emprego, ou seja, de inserção. Neste sentido, a noção de inserção se deriva da consciência da necessidade de superar um ponto de vista meramente jurídico na apreensão das relações de obrigação social. Neste ponto o autor faz a análise de algumas novas políticas sociais que estão sendo levadas a cabo na França, com a renda mínima de inserção, e nos Estados Unidos, em torno da idéia do Workfare. A expressão workfare foi lançada nos anos 80 nos círculos conservadores americanos, a idéia consistia em que aquele que recebia ajuda pública deveria trocar por trabalho, uma vez que o grande problema do Estado de Providência seria a sua permissividade.
Rosanvallon, afirma que para analisar o social tem-se que recorrer cada vez mais a história individual antes que a sociológica. Para ele, não tem sentido tratar de apreender os excluídos como uma categoria, o que deve ser levado em conta é o processo de exclusão. Neste enfoque mais individualizado do social, que se apresenta atualmente, se mesclam o novo e o antigo, e, neste sentido, é necessário repensar a igualdade de oportunidades. Para ser justo o Estado de Providência não pode ser um distribuidor de subsídios e uma administrador de regras universais.
A eficácia das políticas sociais impõe considerar os indivíduos na sua singularidade. A meta é dar a cada um os meios para que modifique a sua vida, supere a ruptura, neste modelo do direito processual, a equidade quer dizer o direito igual a um tratamento equivalente. O objeto do direito não é um subsídio mas sim uma relação social.
Finalizando, o futuro do Estado de Providência não está traçado, precisa ser repensado, o que se confunde com a vida democrática. O progresso social que durante muito tempo foi identificado apenas com o redução das desigualdades econômicas se enriqueceu e complexificou.
Es preciso adoptar una visión más exigente de la igualdad, que tenga en cuenta otros factores de diferenciación entre los hombres y las mujeres: los datos generacionales, las desvantajas de la naturaleza, las trayectorias. Este paso a una forma complejada de la igualdade se acompaña com un enfoque ampliado de la equidad. Una práctica argumentada y publicamente discutida de la justicia debe sustituir a una visión estrechamente jurídica de la igualdad de derechos o a una concepción puramente mecánica de la redistribucion (Rosanvallon, 1995, pg 213).
A redefinição do progresso que leva a fundação de um novo Estado de Providência ativo conduz a proposição de uma nova cultura política também, ou seja uma nova era social correspondente a uma nova era política.
4. Amartya Sen: as oportunidades sociais
O economista indiano Amartya Sen, em Desenvolvimento como liberdade, apresenta uma inovadora discussão sobre o desenvolvimento econômico, que devolve a discussão sobre o desenvolvimento a dimensão ético-política dos problemas econômicos. A questão social e as suas expressões, estão sempre presentes, de forma original e sem ser diretamente nomeadas.
A tese de Sen parte da afirmação de que o desenvolvimento “pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. A ênfase nas liberdades humanas contrasta com visões restritas onde o desenvolvimento é apresentado apenas como crescimento do produto, aumento das rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB) e das rendas é apresentado como um meio de expandir as liberdades, não como um fim em si. Nesta abordagem a expansão da liberdade é considerada o fim primordial (papel constitutivo) e o principal meio do desenvolvimento (papel instrumental). O papel constitutivo refere-se as liberdades substantivas, e neste sentido a utilidade da riqueza está nas liberdades substantivas que ela ajuda a obter. As liberdades substantivas incluem capacidades elementares, como ter condições de evitar privações (fome, subnutrição e morbidez evitável), bem como as liberdades associadas ao saber ter participação política e liberdade de expressão. Fica claro que o desenvolvimento como liberdade não se restringe apenas à eliminação das privações materiais, mas também das privações políticas e de direitos civis básicos.
A outra consideração diz respeito ao papel instrumental que as liberdades podem ter ao contribuir para o progresso econômico. Sob a ótica de Sen, a eficácia da liberdade , que remete à condição de agente das pessoas, como instrumento reside no fato de que diferentes tipos de liberdade apresentam inter-relações entre si, sendo que um tipo de liberdade pode contribuir para promover liberdades de outros tipos.
O autor trabalha especificamente cinco tipos de liberdades instrumentais, são elas:
a) liberdade política - referente às escolhas que as pessoas têm para determinar que deve governar e com que princípios deve faze-lo, incluindo a liberdade de fiscalizar, criticar e se expressar politicamente. Trata-se de direitos políticos associados ao sentido mais abrangente da democracia, abarcando inclusive oportunidades de diálogo político.
b) facilidades econômicas - referentes às oportunidades que o indivíduo tem para utilizar recursos econômicos com finalidade de consumo, produção ou troca. São levadas em conta considerações distributivas em adição às agregativas, ou seja, o modo como as rendas adicionais geradas são distribuídas.
c) oportunidades sociais - referentes a disposições que a sociedade estabelece nas áreas de saúde, educação. Essas facilidades são importantes não só para a vida privada, mas para uma participação mais efetiva na vida econômica e política.
d) garantias de transparência - referentes ao modo como as pessoas lidam umas com as outras, supondo o que lhes é oferecido e o que podem obter. Estas garantias têm um papel instrumental importante como inibidores da corrupção, da irresponsabilidade financeira e transações ilícitas.
e) segurança protetora - referente a disposições necessárias para proporcionar uma rede de segurança social. Trata-se de disposições institucionais fixas, como seguro desemprego, suplementos de renda, distribuição de alimentos em crises de fome coletiva e outras situações.
As liberdades instrumentais trabalhadas aumentam diretamente as capacidades das pessoas e complementam-se mutuamente, sendo importante apreender as interligações nas deliberações sobre política de desenvolvimento, o que é facilmente apreendido quanto aos direitos de transações econômicas, conforme é salientado por Sen.
O fato de que o direito às transações econômicas tende a ser um grande motor do crescimento econômico tem sido amplamente aceito. Mas muitas outras relações permanecem pouco reconhecidas, e precisam ser mais plenamente compreendidas na análise das políticas. O crescimento econômico pode ajudar não só elevando rendas privadas, mas também possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a intervenção governamental ativa. Portanto, a contribuição do crescimento econômico tem de ser julgada não apenas pelo aumento de rendas privadas, mas também pela expansão de serviços sociais(incluindo, em muitos casos, redes de segurança social) que o crescimento econômico pode possibilitar (Sen, 2000, pg.57).
Sen, enfoca, ainda, o impacto que as disposições sociais têm sobre a liberdade para sobreviver, que pode ser muito forte e influenciado por relações instrumentais bem diversas. É comum verem-se argumentos de que essa não é uma consideração separada do crescimento econômico, uma vez que existiria uma relação estreita entre níveis de renda per capita e longevidade. Entretanto, essa relação estatística requer uma análise mais aprofundada, para se descartar a relevância das disposições sociais. Para tanto, o autor utiliza estudos recentes, elaborados por Sudhir Anand e Martin Ravallion, que fizeram comparações entre países em que a expectativa de vida tem uma correlação positiva com o PNB per capita . A conclusão do estudo é de que esta relação funciona sobretudo por meio do impacto do PNB sobre a renda dos pobres e sobre os gastos públicos com serviços de saúde em especial.
Assim sendo, é importante salientar que o impacto do crescimento econômico depende em grande medida da maneira como os seus frutos são aproveitados. Neste ponto, Sen compara os efeitos do crescimento em economias como Coréia do Sul e Taiwan com os efeitos em economias como do Brasil, Índia e Paquistão. Sucessos ocorridos no Leste Asiático, devido à ênfase na educação elementar e na assistência básica à saúde, além de conclusão de reformas agrárias contrasta com as outras economias analisadas, como a do Brasil, “que apresentaram um crescimento do PNB per capta quase comparável, mas também têm uma longa história de grave desigualdade social, desemprego e descaso com o serviço público de saúde” (Sen, 2000, p. 62).
Sen argumenta que a resolução de problemas sociais como a pobreza e a mortalidade pode ser obtida por dois tipos de processos distintos, segundo a mediação: processos mediados pelo crescimento e mediados pelo custeio público. No primeiro tipo de processo, a solução é desencadeada pelo crescimento econômico rápido, devendo ter uma base ampla e ser economicamente abrangente. Neste caso, seria importante ter uma forte orientação para o emprego e utilizar a prosperidade para a expansão de serviços sociais relevantes, como saúde, educação e segurança social.
Quanto ao processo mediado pelo custeio público não é incompatível com países pobres. A solução estaria nos preços e custos relativos baixos, importantes para determinar o quanto um país pode gastar. A viabilidade do processo deve-se ao fato de os serviços sociais relevantes serem altamente trabalho-intensivo, barato devido aos baixos salários nos países pobres. “Uma economia pode ter menos dinheiro para despender em serviços de saúde e educação, mas também precisa gastar menos dinheiro para fornecer os mesmos serviços, que nos países mais ricos custariam muito mais” (Sen, 2000, pg. 65). O autor lembra, que há interesse em dar ênfase a essas disposições sociais sem esperar primeiro se transformar num país rico, uma vez que educação e os serviços de saúde são, também produtivos para o crescimento.
A análise feita pelo economista trata da questão social sem nomeá-la diretamente. Entretanto, ao longo de vários capítulos do seu livro são tratadas diretamente inúmeras manifestações da questão social, como por exemplo a pobreza. Sen faz uma original análise sobre a pobreza, que é vista como privação de capacidades básicas e não apenas uma baixo nível de renda – pobreza absoluta - critério tradicional para identificar a pobreza. “A perspectiva da pobreza como privação de capacidades não envolve nenhuma negação da perspectiva sensata de que a renda baixa é claramente uma das causas principais da pobreza, pois a falta de renda pode ser uma razão primordial da privação de capacidades de uma pessoa” (Sen, 2000, pg. 109).
Fica claro que, a perspectiva da capacidade melhora o entendimento da natureza e das causas da pobreza e privação ao desviar o foco da atenção dos meios, que seria a renda, para os fins que as pessoas buscam e as liberdades que podem alcançar. Quanto à pobreza relativa , Sen acrescenta que a privação relativa de rendas pode causar pobreza absoluta de capacidades. Ser relativamente pobre num país rico pode representar desvantagem de capacidade, mesmo se a renda absoluta for alta para os padrões mundiais. Assim, em países ricos é necessário mais renda para obter o mesmo “funcionamento social” .
Sob esta ótica, o enfoque do combate à pobreza se altera, tornando-se perigoso ver a pobreza apenas sob a ótica da privação de renda e a partir daí justificar os investimentos em educação e serviços de saúde, afirmando que são meios para reduzir a pobreza. Trata-se de confundir os fins com os meios Na perspectiva da privação de capacidades, a questão se coloca na expansão das capacidades, uma vez que se leva em conta a pobreza e a privação da vida que as pessoas podem levar e as liberdades que elas têm na verdade.
5. Considerações finais
Todos os envolvidos com o trabalho na área social são profundamente atingidos pelas alterações da questão social, que consequentemente modificam o cenário social como um todo, assim como pelas suas novas expressões: a agudização da pobreza, o aumento da violência, o envelhecimento da população, as questões de gênero, e assim por diante.
Sem a pretensão de ter apreendido todas as idéias colocadas pelos três autores este artigo teve como ambição fazer uma pequena resenha das principais idéias dos três estudiosos que estão se propondo a repensar o conceito de questão social. As retrospectiva apresentadas expõe as diferentes maneiras de identificar a questão social, bem como de fazer o seu enfrentamento.
Nos três olhares sobre o social ficam claras algumas semelhanças. Primeiramente, o olhar para a história, não para uma história cronológica, mas sim para uma história como movimento ou como processo de transformação. Em segundo lugar, coincide a idéia de que o acelerado processo de transformação societal provocou alterações na questão social. Uma terceira semelhança se dá na afirmação da centralidade do trabalho no processo de inserção dos excluídos no bojo desta revisitada questão social.
Referências bibliográficas
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FALEIROS, Vicente de Paula. Desafios do Serviço Social na era da globalização Revista Serviço Social e Sociedade nº 61, São Paulo , Cortez, 1999, p.153-186.
MILONE, Paulo César. Crescimento e Desenvolvimento. In; PINHO, Diva Benevides, VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de. Manual de Economia Equipe de professores da USP, São Paulo, Editora Saraiva, 1997
ROSAVALLON, Pierre. La nueva cuestión social – Repensar el Estado providencia. Buenos Aires - Argentina, Manantial, 1995.
PINHEIRO, Lessí Inês Farias. O dumping social no interior da União Européia, Dissertação de Mestrado em Economia Européia e Políticas Comunitárias - Universidade de Coimbra – Portugal, 1996
SAMUELSON, Paul, NORDHAUS, William D. Economia, Mem Martins – Portugal, Editora McGraw-Hill, 1988
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Companhia das Letras,1999
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