Marcelo Nunes Apolinário (1)
Resumo: Este texto busca analisar, ainda que de forma sucinta, o crime de participação em suicídio estabelecido no art. 122 do Código Penal. São apresentadas questões generalizadas, porém estritamente ligadas ao principal, cuja finalidade é propiciar ao leitor melhor compreensão do dinamismo desse instituto que muitas vezes é olvidada ou não entendida pelos aplicadores do ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Participação em suicídio; Induzimento; Instigação; Auxilío, Crime contra vida.
Conforme o dispositivo estabelecido no art. 122 do Código Penal, induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça, incorrerá na pena de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Suicídio é tirar a própria vida de modo voluntário e consciente.(2) O suicídio e a sua modalidade tentada, por razões de política criminal e clara desnecessidade, não é punido no ordenamento penal brasileiro. Se alguma pessoa tirou a própria vida não haverá punição pelo principio da intranscendência da ação e da condenação penal, ninguém poderá ser responsável por fato praticado por outrem e, logicamente, os sucessores ou herdeiros do suicida não poderão pagar penalmente por ele ter tirado a própria vida. A modalidade tentada também não poderá ser sancionada tendo em vista que o Estado deve procurar ajudar a pessoa, pois trata-se de um humano que não se encontra em suas melhores faculdades psíquicas, necessitando da colaboração do Estado para a concretização de tratamento psiquiátrico e/ou internação. Se o ente estatal ainda o pune por não ter conseguido nem ter tirado a vida, mais incapaz ainda o cidadão irá julgar-se, e estará de forma indireta estimulando-o à prática do suicídio e o prejudicando ao retorno a uma vida normal e harmônica em sociedade.
Por esses elementos o suicídio não é crime, mas não é considerada como tal por falta de previsão típica, porque, indibitávelmente, por se tratar do bem jurídico mais importante, a vida, que é indisponível, o Código Penal o considera ilícito, como se pode perceber no art. 146, parágrafo 3º, II, quando, ao tratar do crime de constragimento ilegal, considera licíta a conduta do agente que exerce coação para impedir o suicídio.
Desta forma, quando o Estado reconhece a ocorrência de um fato suicida ou de uma tentativa, instaura inquérito policial para investigar se alguém induziu, instigou ou auxiliou-o ao cometimento dessa conduta.
1. O bem jurídico protegido e os sujeitos do crime
Pelo dispositivo em análise, o bem jurídico tutelado é a vida humana, bem indispensável, pois não existe na órbita jurídica, ao menos em nosso país, o direito de morrer. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de participação em suicidio, excluido-se, obviamente, aquele que se suicida ou tenta praticar dita conduta. Quem pratica um dos atos proibidos pela norma penal – induzimento, instigação ou auxilio – colabora com uma causa para a morte de suicida, falando-se, pois, na existência de uma forma especial do crime de homicídio. A diferença, no caso, é de que o agente não pratica o ato consumativo da morte, que cabe a própria vítima.(3) De outra sorte, o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa viva que obtenha capacidade de entender e querer o ato e suas conseqüências, pois conforme grande parte da doutrina e jurisprudência, caso o suicida não possua esse discernimento, não tenha possibilidade de copreensão –por exemplo, um alienado mental -, o agente que o induziu, instigou ou auxiliou deve responder por crime de homicídio descrito no art. 121 CP e não por esse do 122 CP.
2. Formas de participação
O autor do delito tipificado no art. 122 do Código Penal poderá ter participação moral ou material. Na primeira, ocorre em duas hipóteses: induzir – criar, persuadir, mover a idéia na mente do suicida. Por exemplo, alguém se dirige a outra pessoa, para falar de sérios problemas, recebendo em contraposição a seguinte resposta: “meu amigo, o seu caso não tem solução, só o suicídio”. Já o verbo instigar significa estimular, reforçar, encorajar o suicida a uma conduta na qual o mesmo já pensava em cometê-la. Por exemplo, alguém com problemas graves relata a outra pessoa a intenção de se matar e recebe como resposta um estimulo, um incentivo para que o faça. Por outro lado, a participação material ocorre quando se presta auxílio para que alguém tire a própria vida, como emprestar um revólver com balas, dar veneno para que o suicida o ingira, fazer o nó na corda que a pessoa pensa em se enforcar, etc.
Portanto, é de suma importância ressaltar que o protagonista do “espetáculo” é o suicida que tira a própria vida, o autor do crime tem participação acessória, secundária, paralela em relação a morte, apenas induz, instiga ou auxilia, mas a conduta de terminar ou tentar terminar com a vida é da pessoa suicida. Se o agente, ainda que a pedido do suicida, puxar o gatilho de um revólver ou chutar a cadeira para matá-lo enforcado, responderá por crime de homicídio, porque nesse caso a sua atuação foi direta, imediata, na execução da conduta descrita no art. 121 do Código Penal que é a de matar alguém.
3. Elemento subjetivo
Esse delito se materializa na forma dolosa, tanto na forma de dolo direto quanto de dolo eventual, mas não existe a previsão do mesmo na modalidade culposa. Nem se configura homicídio culposo quando o agente, por culpa, faz com que alguém se suicide. Já se decidiu, sobretudo, que o simples rompimento de um namoro não pode jamais ser havido de per si, como ato tendende a induzir ou instigar o parceiro a se matar.(4) Ademais, quando o dispositivo utiliza os verbos induzir, instigar ou prestar auxilio a alguém, está exigindo que o dolo seja direcionado à vítima (s) determinada (s), não respondendo aquele que escreve obra literária ou musical estimulando a conduta suicida. Tampouco a conduta do marido que pratica sévicias contra a esposa, não obstante conhecer a intenção de que ela virá a suicidar-se em caso de reiteração das agressões.
Questão muito discutida é a forma omissiva, prevalecendo o entendimento que o aceita mas apenas para os garantes – aqueles individuos que possuem o dever jurídico de agir para evitar o resultado, conforme estabelece o art. 13. 2º do Código Penal – e na participação material, como no caso do pai que deixa a arma com balas ao alcance do filho que sofre de depressão profunda mesmo tendo recebido alerta médico sobre a hipótese de suícidio.(5)
4. Importância de causalidade e seriedade da conduta do agente
O ato de induzir, instigar ou auxiliar, além de ser intencionalmente destinada à vítima, precisa ser relevante e séria do ponto de vista de ter realmente contribuído para a materialização do suicídio. Uma simples brincadeira ou o fato, como já visto de romper um relacionamento afetivo não são causas pertinentes de levar a uma repressão penal pelo delito descrito no art. 122 do Código Penal. No mesmo sentido, se a conduta do agente foi de auxiliar à vítima, emprestando-lhe uma arma, e o suicida resolve tirar sua própria vida enforcado, aquele que emprestou o revólver não responderá pelo fato eis que quis participar prestando auxílio e o fez, porém esse não foi estritamente relevante para a vítima, que praticou a ação com outro instrumento.
5. Consumação e tentativa
Tratando-se de consumação, se pode arguir dois entendimentos basilares. O primeiro se baseia na circunstância de que o crime se consuma com a ocorrência da morte ou com lesões corporais de caráter grave, que estão dispostas no preceito primário da norma, na pena e, no entanto, fazem parte do tipo penal. Desse modo, havendo a morte da vítima, está consumado o crime cuja pena pode variar de 2 (dois) a 6 (seis) anos e, ocorrendo lesões corporais grave, igualmente está consumado, incorrendo o agente nas penas de um a três anos de reclusão, não admitindo-se a tentativa em caso de não ocorrência dessas hipóteses.
O segundo entendimento é que a morte e a lesão corporal de natureza grave não integram o tipo penal, arguindo que estas modalidades apenas são condições objetivas de punibilidade. Para os defensores desse posicionamento o delito se consuma com a indução, com a instigação ou com o auxílio, mas somente será punido o agente se resultar a morte ou lesões graves na vítima, não admitindo, também, a tentativa.
6. Duelo americano e roleta russa
No caso da roleta russa, em que o revólver contém um só projétil, devendo ser disparada pelos contendores cada um em sua vez, rolando o tambor, o sobrevivente responde por paticipação em suicídio. A mesma situação ocorrerá com o duelo americano, onde duas armas, estando apenas uma carregada; os sujeitos devem escolher uma delas para o desafio.(6)
7. Formas qualificadas de participação em suicídio
Conforme o parágrafo único do art. 122 do Código Penal, três são as causas especiais de aumento de pena: se o crime é praticado por motivo egoístico, se a vítima é menor ou se a vítima, tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Motivo egoístico é aquele que demonstra excessiva preocupação do autor consigo, fazendo pouco caso da vida alheia, como induzir a mãe ao suicídio para receber a herança ou para obter seguro de vida do qual é o beneficiário, ou para deixar livre o caminho para conquistar a companheira da vítima, desejo de vingança, ou ódio. Caso a vítima seja menor, deve-se relevar-se o fato de que a menoridade é estabelecida entre 14 e 18 anos porque, por analogia ao art. 224 do Código Penal, percebe-se que a vítima menos de 14 anos não tem capacidade de consentir com um ato sexual, muito menos de consentir em tirar a própria vida. Assim, a pena será duplicada se a vítima é mentalmente sã tiver idade entre 14 e 18 anos em face da presumida incapacidade relativa, e incorrerá em homicídio o agente que induzir, instigar ou auxiliar vítima menor de 14 anos, por plena incapacidade de consentimento válido.(7) Por fim, se a vítima, tem diminuída sua incapacidade de resistência, trata-se de uma hipótese que prevê uma capacidade mental relativa da mesma ou que, por algum motivo, tem a sua capacidade de resistência diminuída – por exemplo, encontra-se muito embriagada -. Porém, se a vítima for absolutamente incapaz mentalmente ou não possuir nehuma capacidade de oferecer resistência, o agente responderá por homicídio e não pelo delito de participação em suicídio na forma qualificada.
8. Competência
A atual Constituição no seu art. 5º, XXXVIII, manteve o Tribunal do Jurí, assegurada a competência de julgamento pela prática de crimes previstos no Código Penal no Capítulo que trata dos crimes contra a vida, na modalidade dolosa, onde estão presentes os crimes de homicídio, infanticídio, participação em suicídio e aborto. Irão a julgamento também todos aqueles delitos conexos a eles. Trata-se de um direito individual, pois o réu será julgado pelos seus semelhantes e não por um juízo eminentemente técnico.
9. Referências Bibliográficas
ALTAVILLA, Enrico. Trattato di Diritto Penale. Ed. Florian, Tits. XII e X del Lib. II, 1934.
DAMÁSIO DE JESUS. Código Penal anotado. 2ª. Edição ampliada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1991.
FREDERICO MARQUES, José. Curso de Direito Penal, Vol. IV.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 1942, Vol. V.
MAGALHÃES NORONHA, Eduardo. Direito Penal, Vol. II.Ed. São Paulo: Saraiva, 1973.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Especial. São Paulo: Atlas, 2000.
1. Professor de Direito Constitucional na
Faculdade Atlântico Sul/Anhanguera – Pelotas. Estudios Avanzados na
Área de Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid.
Doutorando em Derechos Fundamentales pela Universidad Autónoma de
Madrid.
2. Sociologicamente é suicida quem, de modo direto
ou indireto, procura voluntariamente a morte. Já, sob o ponto de
vista jurídico é suicida apenas quem busca direta e voluntariamente
a morte. Juridicamente, pois, suicídio é a supressão da própria vida
de modo direto e voluntário. Vid. Magalhães Noronha. Direito Penal,
p. 33; Altavilla. Tratado di Diritto Penale, p. 162.
3. Vid. Mirabete. Manual de direito penal. Parte
Especial, p. 83.
4. Mirabete. Manual de direito penal. Parte
Especial, p. 87.
5. Damásio de Jesus. Código Penal anotado, p. 323 e
Frederico Marques. Curso de direito penal, p. 130, entendem que não
há o auxilio por omissão pois a expressão prestar auxílio é
indicativa da conduta de franca atividade, ou seja, sempre comissiva.
6. Damásio de Jesus. Código Penal anotado, p. 324.
7. Nesse sentido, Hungria. Comentários ao Código
Penal, p. 203.
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