Odilon Leston Júnior*
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Correo: odilon.leston@gmail.com
Resumo
O artigo discute as diretrizes das legislações 10.639/03 e 11.645/08 sobre as temáticas da história afro-brasileira e indígena e suas implementações nos conteúdos escolares da rede pública da educação básica. Aborda os principais aspectos destas culturas, seus auxílios na construção histórica do Brasil e a contribuição destas civilizações para a nação. Propõe analisar os textos produzidos sobre estas culturas nos livros didáticos com o objetivo de demonstrar a aplicabilidade destes conteúdos em sala de aula e possiblidades de novas abordagens destas culturas, bem como a importância do livro didático nesta conjuntura educacional, neste caso, sobre os livros aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Utiliza como referencial teórico as abordagens dos autores da linha crítico-dialética e como fonte de dados as entrevistas semiestruturadasrealizadas com professores de escolas da rede pública de Brasília/DF e amostra de livros encontrados em suas respectivas escolas. O artigo sugere ao poder público possibilidades de ofertar ao educador maior conhecimento sobre as temáticas, implementando estas legislações na realidade das escolas brasileiras através de capacitações aos profissionais da educação, trabalhando em sala de aula de forma ética e plural sobre as etnias que auxiliaram na formação deste país.
Palavras-chave: Legislações 10.639/03 e 11.645/08. Conteúdos escolares. Educação básica do Brasil. Livros didáticos. Culturas afro-brasileira e indígenas.
Resumen
El artículo analiza las directrizes de la legislación 10.639 / 03 y 11.645 / 08 sobre los temas de la historia afrobrasileña e indígena y su implementación en los contenidos escolares de la red pública de educación básica. Aborda los aspectos principales de estas culturas, su auxilio en la construcción histórica de Brasil y la contribución de estas civilizaciones a la nación. Propone analizar los textos producidos sobre estas culturas en los libros de texto para demostrar la aplicabilidad de estos contenidos en el aula y las posibilidades de nuevos enfoques para estas culturas, así como la importancia de los libros de texto en este contexto educativo, en este caso, en libros aprobados en el Programa Nacional de Libros Didácticos (PNLD). Utiliza como referencia teórica los enfoques de los autores de la línea crítico-dialéctica y como fuente de datos las entrevistas semiestructuradas realizadas con maestros de escuelas públicas en Brasilia / DF y una muestra de libros encontrados en sus respectivas escuelas. El artículo sugere a las autoridades públicas la posibilidad de ofrecer a los educadores un mayor conocimiento sobre estos temas, implementar estas leyes en la realidad de las escuelas brasileñas a través de la capacitación de profesionales de la educación, trabajando en la clase de manera ética y plural sobre las etnias que auxiliaran en la formación de este país.
Palabras-clave: Legislación 10.639/03 y 11.645/08. Contenido escolares. Educación básica de Brasil. Libros Didácticos. Culturas afrobrasileña e indígena.
Abstract
This article discusses the 10.639/03 e 11.645/08 laws that deals with the Afro-Brazilian and indigenous history and their implementations in the school contents of the public basic education network. It discusses the main aspects of these cultures, their participation in the historical construction of Brazil and the contribution of theses civilizations to the country. Proposes to analyze the texts produced about these cultures in the school textbooks in order to demonstrate the applicability of theses contents in the classroom and the possibilities of new approaches of these cultures, as well as the importance of the textbook in this educational context, in this case, about the ones approved in the National Programs of School Textbooks. The theoretical method used were the approaches of the critical-dialectic authors line. As a data source, some semi-structured interviews were conducted with teachers of public schools in Brasilia/Federal District and a sample of books found in their respective schools. This article suggests to the local government possibilities to increase teacher’s knowledge on these subjects, through training for education professionals so that they can work with the students in a more ethical and plural way about the ethnic groups that participated in the country’s history formation.
Keywords: Legislations 10.639/03 e 11.645/08. School contents. Basic education in Brazil. Didatic books. Afro-Brazilian and indigenous cultures.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Odilon Leston Júnior (2020): “A terra não vista: uma abordagem escolar sobre a participação dos afro-brasileiros e indígenas na história brasileira”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (abril 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2020/04/abordagem-escolar-indigenas.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/caribe2004abordagem-escolar-indigenas
1 Introdução
Ao iniciarmos o debate é necessário compreender a implementação das legislações que foram criadas na primeira década do século XXI. De acordo com o livro organizado por Pereira & Monteiro (2013), estas leis incentivam o estudo de questões sensíveis em sala de aula que envolvem a escravidão e o tráfico transatlântico, indo além destes temas. Busca evidenciar as diferentes identidades africanas e indígenas, suas principais características e singularidades, demonstrando as contribuições destas etnias para a sociedade como ferramenta fundamental para contrapor à hegemonização ensinada no período anterior desta legislação.
O artigo apresentado é parte do estudo de pós-doutoramento desenvolvido pelo autor sobre a temática afro-brasileira e indígena no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Brasília. Tem como objetivo principal apresentar o resultado da pesquisa realizada com os professores do ensino básico em escolas públicas de Brasília-DF sobre como são abordadas as culturas afro-brasileiras e indígenas nos conteúdos escolares, através dos livros didáticos e das entrevistas realizadas com estes profissionais. Como critério ético, os entrevistados assinaram um Termo de Autorização consentindo a realização da entrevista e a divulgação dos resultados.
Pretende-se refletir sobre a inserção destas temáticasnos livros didáticos e a possibilidade de alteraçãodo paradigma eurocêntrico abordado nos livros didáticos do século passado. Desta forma, compreendemos que:
Trabalhar uma educação antirracista implica em desvelar o racismo implícito e explícito na sociedade e no contexto educativo por meio de imagens, expressões, silenciamento das culturas e modos de produção de conhecimento, enfim do genocídio e epistemicídio das populações negras e indígenas. O reconhecimento do racismo é um dos primeiros passos para construção de conhecimentos, currículos e práxis pedagógicas que legitima os conhecimentos advindos das culturas indígenas e africanas como válidos e necessários a uma educação emancipatória para todos. (Machado e Santos, 2019, pp.67-68)
Sobre a citação acima, consideramos que a escola básica trabalha obrigatoriamente as temáticas afro-brasileiras e indígenas nas últimas duas décadas.
Analisando as mudanças que houveram no cenário educacional brasileiro, este artigo, poderá ajudar a identificar se, passados mais de uma década da aprovação destas leis, estes conteúdos estão sendo abordados de forma abrangente e com qualidade em sala de aula.
Sobre as fontes documentais, destacamos que: “Acima de tudo, o historiador precisa entender as fontes em seus contextos, perceber que algumas imprecisões demonstram os interesses de quem as escreveu(...)” (Bacellar, 2015, p.64), além disso Bacellar (2015) apresenta como dever de ofício do historiador de realizar a contextualização histórica dos documentos pesquisados.
Todavia, necessitam de revisitação teórica para que estes temas não sejam tangenciados ou mal interpretados em sala de aula. Neste artigo, serão apresentados as linhas teóricas e os debates sobre a escravidão no século XX no Brasil, bem como, as visões destas correntes historiográficas sobre estas culturas que são parte integrante na formação do país.
2 Método
Como método, foi realizada uma revisão bibliográfica abordando os principais autores desta temática, tais como Palermo (2017), Kabengele Munanga (2005) Cardoso (1977) entre outros autores destacados no texto.
Sobre a pesquisa documental, enfatizamos os livros didáticos analisados nas escolas públicas do Distrito Federal que foram aprovados no PNLD do triênio de 2017, 2018 e 2019 e as legislações brasileiras sobre a temática deste artigo. As fontes orais deste trabalho foram realizadas através de entrevistas semiestruturadas com docentes do ensino público do Distrito Federal, entre os meses de novembro e dezembro de 2019. Quanto aos aspectos éticos, para cada entrevistado foi lido e assinado um Termo de Autorização, onde, o autor também se compromete na preservação do nome destes profissionais.
Com o intuito de embasar o artigo, utilizamos como fontes primárias os documentos e as fontes orais. As fontes orais, entendemos serem as entrevistas realizadas com os docentes da rede pública, por meio de um roteiro semiestruturado. Foram 13 (treze) entrevistas realizadas, visando informações dos docentes e suas percepções sobre a qualidade dos livros didáticos de História e Geografia e a forma que estes conteúdos são trabalhados em sala de aula.
Compreendemos neste trabalho os livros didáticos e as legislações como fonte documental, pois, foram livros didáticos encontrados nas instituições escolares que pertencem ao Governo do Distrito Federal (GDF)e fazem parte do contexto educacional assim como as legislações promulgadas, abrangendo todo o território nacional.
Sobre a utilização das entrevistas neste artigo, foram realizadas com docentes da rede pública do GDF no modelo semiestruturado, pois, possui um conjunto de questões que vão nortear o tema da entrevista de forma estruturada, conforme Antônio Joaquim Severino: “[...] São aquelas em que as questões são direcionadas e previamente estabelecidas, com determinada articulação interna. [...]” (Severino, 2007, p.125), porém, por conter questões abertas (de livre resposta), permite ao entrevistador e entrevistado uma certa flexibilidade na discussão tornando este material de pesquisa semiestruturado. Neste trabalho, tendo como enfoque a utilização do livro didático pelo professor, a visão do educador sobre a abordagem do material didático sobre as culturas afro-brasileira e indígena e o trabalho desenvolvido pelos docentes sobre estas temáticas na sala de aula.
3 Para além da visão eurocêntrica: a construção das linhas teóricas epistemológicas que formularam o debate sobre a escravidão na contemporaneidade.
A abolição da escravidão, em 1888, não diminuiu as mazelas sociais que os afro-brasileiros enfrentavam no Brasil, onde foram excluídos do trabalho assalariado pela política da República Velha de promover a imigração de europeus para o nosso país e a defesa da tese do branqueamento em diversos setores políticos e da classe dominante. A escravidão no Brasil inicia a ser estudada de forma coerente e com bases historiográficas a partir da década de 30 do século XX.
Conforme o artigo “Disputas no campo da Historiografia brasileira: Perspectivas clássica e atuais” de Luís Claudio Palermo (2017), podemos considerar que esta divisão sobre a historiografia da escravidão iniciou com Gilberto Freyre em 1933 e, posteriormente, com a Escola Paulista de Sociologia, na década de 50 e a renovação após 1980. As correntes, apresentadas, demonstraram em suas metodologias e nos principais trabalhos historiográficos produzidos necessitam a nossa compreensão e consideração, sobre o contexto e a temporalidade onde cada produção ocorreu, para compreendermos as perspectivas dos autores sobre a escravidão brasileira.
A primeira corrente sobre escravidão no Brasil advém do livro Casa-Grande e Senzala de Gilberto Freyre, lançado em 1933. Este sociólogo, com base em estudos da antropologia, rompeu com o pensamento de inferioridade da cultura africana destacando as raízes dessa cultura e a participação do negro na formação da sociedade brasileira. Ao analisarmos o cenário histórico do século XX, Freyre rompia com as teses racistas no país que tentavam implementar a política do branqueamento, no início da república brasileira, ocorreu o fomento de imigrantes europeus para garantir o clareamento da população do país. No período em que Freyre escreveu seu livro, o imbróglio racista na Europa não era diferente com o avanço dos regimes totalitários onde fascistas e nazistas se consideravam superiores as demais etnias, existiam planos para a construção de campos de concentração e a eugenia de etnias realizadas pela Itália e Alemanha, prelúdio do que seria a Segunda Guerra Mundial iniciada em 1939.
Todavia, o livro escrito por Freyre trazia uma narrativa quase que de compadrio e amizade entre portugueses e africanos. Importante lembrar que neste país, durante os séculos de escravidão, existiu o tráfico negreiro com alarmante contagem de milhões de africanos que foram trazidos para o Brasil, onde eram submetidos a castigos físicos, trabalho desumano e tinham uma baixíssima expectativa de vida.
De acordo com Palermo (2017), a partir de 1950 iniciou a segunda linha teórico-metodológica, a Escola Paulista de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Influenciada por Caio Prado Júnior, foi composta por Fernando Henrique Cardoso entre outros e provavelmente influenciada pela linha teórico-metodológica marxista onde propunha novas teorias interpretativas sobre o capitalismo internacional mercantil na escravidão no Brasil e a relação do senhor e escravo.
Cardoso (1977), utilizou a dialética-marxista baseada nos modos de produção em sua pesquisa sobre o escravismo na província de Rio Grande, resultando no livro “Capitalismo e escravidão no Brasil meridional – o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul” sobre os escravos que chegaram nesta região no Século XVIII e que tiveram vultuoso crescimento no início do século XIX trabalhando na agropecuária rio-grandense.
Formando uma triangulação infra estrutural na formação da economia brasileira, sendo a primeira a intenção de atender os interesses da acumulação do capital mercantil, a segunda onde o escravo estava submetido ao regime de trabalho desumano que proporcionasse o maior lucro ao senhor, mesmo que custasse a vida deste seres humanos, além do escravo estar controlado de forma truculenta pelo senhor, por último, baseado no patrimonialismo onde não existiam diferenças entre os interesses dos senhores e das benesses ofertadas pela e para a corte portuguesa com o intuito de assegurar o expansionismo territorial colonial português e combater o vice-reinado do prata submetido a coroa espanhola.
Segundo Palermo (2017), a terceira corrente teórico-metodológica surgiu a partir de 1980, quando uma releitura de fontes e de novos aparatos teórico-metodológicos redefinindo aspectos sobre a escravidão brasileira. Esta nova corrente abordou temas sobre os cativos tais como resistência, relativa autonomia, estudos demográficos e pesquisas qualitativas sobre famílias constituídas pelos escravos.
Esta terceira corrente analisou que estes cativos, além de constituir famílias, resistiram à escravidão construindo quilombos, cultivando a agricultura familiar de subsistência nas fazendas onde eram escravos e, alguns conseguiram sua alforria participando de cultos religiosos, demonstrando assim que eram relevantes atores sociais na construção histórica deste país. Contudo, não foram abordadas as temáticas vinculadas ao acúmulo de capital dos senhores de escravos e aos modelos de capitalismo mercantil e liberal implementados. Estes foram utilizados para deixar a margem dos lucros e da pujança financeira construída pela mão-de-obra escrava no Brasil que retratam cento e trinta anos após a libertação da escravidão a desigualdade social, com má distribuição de renda e agrária, além do descaso e da truculência que são acometidas contra afrodescendentes e indígenas neste país.
A partir desta década, a história cultural tornou-se relevante ao aproximar os sujeitos e objetos de pesquisa com investigações antropológicas. Este novo modelo de estudo acadêmico possibilitou pesquisas com variadas fontes historiográficas, como a história oral, lendas, mitos e artefatos arqueológicos que apresentam historicamente povos que não possuem escrita.
Analisando estas três correntes teórica-metodológicasrefletindo sobre seus principais aspectos é necessário explanar que seus autores auxiliaram na construção desta temática na academia brasileira, possibilitando o debate historiográfico e despertando o interesse por novas pesquisas nesta área. Todavia, estas temáticas ainda necessitam de maior destaque no ensino básico brasileiro.
No início do século XXI, praticamente um século após a criação e desenvolvimento do mito da democracia racial representado no ensino de história, Munanga (2005) descreve a relevância do papel do educador no combate ao racismo no âmbito escolar. No livro “Superando o Racismo na escola”, organizado pelo autor, defende como fundamental a formação dos professorespara lidarem com estas novas temáticas, superando o mito da democracia racial e tendo como objetivo principal dos docentes formar os alunos para o exercício pleno da cidadania. Desta forma, teriam uma visão para além do conhecimento eurocêntrico, vinculado aos livros e outros materiais didáticos, que carregam em seu conteúdo visões depreciativas e preconceituosas dos povos e culturas que estão alijadas da matriz europeia.
Após analisarmos as principais correntes históricas teóricas sobre a temática e autores sobre a escravidão nesta nação, iremos abordar aspectos dos povos indígenas no Brasil que necessitam serem revisitados historicamente e culturalmente.
3 Descobrimento do Brasil ou invasão europeia? Elementos de uma temática que necessita cuidados e atenção dos nossos educadores e pesquisadores
Como é possível descobrirmos algo onde já existem pessoas habitando determinado local? Se utilizássemos de anacronismo histórico e aplicássemos as atuais legislações supranacionais poderíamos alegar que, há cinco séculos atrás, os europeus realizaram uma invasão de terras no continente Americano e assassinaram seus legítimos proprietários, neste caso, o genocídio que os povos indígenas sofreram e que asseguraria aos agressores europeus algumas décadas de prisão ou pena de morte. Podemos destacar que o revisionismo histórico da contemporaneidade aborda os grupos indígenas da seguinte forma:
A questão indígena é contemporânea. Sem compreendê-la não se enfrentam os vazios de cidadania e a solidária convivência da diversidade republicana, condição intransponível do pertencimento. Além dos etnocídios, da usurpação dos territórios e da tutela sagrada, o sistema colonial e o estado nacional cometeram dois outros crimes hediondos, de lesa-humanidade, contra os povos indígenas: produziram nos brasileiros a impossibilidade de reconhecimento destes povos autóctones como detentores de historicidade, na apreensão de seus processos evolutivos e adaptativos e nas suas redes culturais e diversos mecanismos preconceituosos, anexaram os índios na natureza e retiraram deles a noção de sociabilidade. Como não inventores- construtores de sociedades, adstritos às matas e aos campos, cometeram contra eles a mais drástica operação: retiraram os mesmos da história. (kern, Santos e Golin, 2009, p.6)
A história do Brasil foi contada pelos vencedores, neste caso, os europeus que aniquilaram, somente no atual território brasileiro, mais de três mil civilizações indígenas, garantindo aos seus descendentes a ocupação e o desfrute das riquezas nestas terras do continente americano. Este retrospecto histórico de propriedade e acumulação de capital ainda reflete a latente desigualdade social entre os descendentes das etnias que formaram esta nação.
É nosso dever, como educadores, destacar as características históricas, culturais e sociais dos indígenas na formação brasileira, lembrando dos hábitos alimentares, de higiene como tomar banho regularmente, aspectos culturais como a utilização das redes de dormir, que foram, posteriormente, utilizadas em navios portugueses.
Sobre a cultura indígena, cabe destacar que apesar dos milhares de grupos indígenas dizimados após a ocupação portuguesa do território brasileiro, neste início do século XXI existem centenas de grupos indígenas buscando seu reconhecimento identitário e cultural. O livro de Pereira & Monteiro (2013) apresenta que, neste século, existem no país mais de duas centenas de sociedades indígenas com quase duzentas línguas diferentes.
Salientamos neste artigo que, dentre estas sociedades indígenas, existem os grupos Kariri-Xocó, Tuxá e Fulni-ô Tapuya que, através da pesquisa e divulgação de sítios arqueológicos, comprovaram sua existência no território do Distrito Federal. Estes asseguraram, recentemente, a criação de reservas indígenas neste território tão cobiçado por empreiteiras da construção civil e especuladores imobiliários.
Passados mais de uma década da criação destas leis sobre a implementação das culturas afro-brasileira e indígenas em sala de aula, cabe reavaliarmos a atuação do educador e do conteúdo vinculado aos livros didáticos analisados neste artigo.
No próximo item, trabalharemos com as fontes primárias deste trabalho, ou seja, os livros didáticos do ensino básico de Brasília, suas definições sobre a escravidão no Brasil e as contribuições dos afro-brasileiros e grupos indígenas na construção histórica da nação.
4 Os livros didáticos no ensino básico do Distrito Federal e sua abordagem das temáticas afro-brasileiras e indígenas em sala de aula
Ao abordamos a discussão sobre o conteúdo e a qualidade do livro didático no Brasil é necessário nos reportarmos ao ano de 1938 com a Lei nº1.006/38, que cria a Comissão Nacional do Livro Didático, a qual consideramos ser a primeira legislação do país sobre a produção e circulação do livro didático.
Após diversas leis sobre a utilização do material didático em sala de aula, na década de 80 do século XX instaura-se através do decreto 91.542/1985 o Programa Nacional do Livro Didático, legislação que até o presente momento utilizamos em nosso país.
Devido à articulação do movimento negro e, posteriormente, dos grupos indígenas, foi possível a aprovação no Congresso Nacional das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, tornando obrigatório nas escolas do ensino básico, em todo o território nacional, que insiram as culturas afro-brasileiras e indígenas em seus conteúdos curriculares.
No Brasil, existe um ditado popular centenário onde se diz: “para inglês ver” sendo uma alusão à Lei nº 581/1850, que estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos neste Império, mais conhecida por Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravos no Brasil. Esta lei era uma resposta para os ingleses que apreendiam ou afundavam os navios negreiros que, em sua maioria, tinham como destino final o Brasil. Todavia, a lei Eusébio de Queirós não era respeitada pelos brasileiros e o tráfico pelo oceano atlântico persistia.
Na atualidade, os ingleses deste ditado popular são os países desenvolvidos e a Organização das Unidas que acreditam no Brasil como uma nação onde se trabalha de forma eficaz pela pluralidade étnica-cultural no âmbito educacional.
Desta forma, os professores necessitam ter conhecimento e persistência para ensinar as temáticas afro-brasileiras e indígenas, pois, as leis 10.639/2003, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e 11.645/2008, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” podem se tornar as novas leis que existem “para inglês ver”.
Com o objetivo de analisar o conhecimento dos docentes sobre estas legislações vigentes, foi perguntado na entrevista se os mesmos conheciam as legislações 10.639/03 e 11.645/08.
Como resultado, a maioria dos entrevistados demonstrou conhecer as legislações, seu contexto social, histórico e cultural, compreendendo a relevância de trabalhar estas temáticas em sala de aula.
Em sua totalidade, os docentes destacaram que trabalham estes temas em sala de aula, abordando com a totalidade e plenitude que os mesmos merecem ser enfocados. Neste quesito, salientamos que podem ocorrer dois fatores preponderantes, que são a formatação do currículo escolar e, também, do livro didático.
Ao abordarmos estas temáticas devemos estarmos atentos para não utilizarmos somente no currículo de turistas[...] Currículos nos quais a informação sobre comunidades silenciadas, marginalizadas, oprimidas e sem poder é apresentada de maneira deformada, com grande superficialidade, centrada em episódios descontextualizados, etc. [...]” (Santomé, 1998, p.147). Ou seja, não devemos abordar estas temáticas tão relevantes sobre a formação brasileira somente no dia do índio e no dia da consciência negra.
Sobre os livros didáticos, foi perceptível que estes temas estão contemplados em seu conteúdo, todavia, as contribuições destes povos figuram timidamente nestes livros. Uma das explicações plausíveis é o aumento das diretrizes sobre os conteúdos que devem ser incorporados nestes materiais, diminuindo a possibilidade de expandir o enfoque sobre estas culturas. Conforme podemos ver a seguir, existe certa criticidade e tentativa de conscientização no material elaborado pelas editoras sobre as temáticas que englobam este trabalho.
É notável que estes materiais trabalham estas temáticas, todavia, propomos que o livro didático aborde a inclusão destes temas de forma positiva e não somente mostrando a exploração e as mazelas sofridas pelas culturas afro-brasileiras e indígenas. Deveria haver maior destaque paras as contribuições culturais, materiais e sanitárias destas etnias que auxiliaram na construção do Brasil, além de maior aprofundamento teórico epistemológico.
Para implementar estes conteúdos de forma satisfatória em sala de aula, sugerimos a elaboração de projetos de extensão e programas de formação continuada que abrangem os temas da cultura afro-brasileiras e das civilizações indígenas, pois, em muitos cursos de graduação até a primeira década do século XXI as disciplinas de História da África e Povos indígenas eram optativas, isto, quando ocupavam espaço na grade curricular dos cursos das licenciaturas.
Desta forma, cabe ao poder público, seja pela secretaria da educação quanto pelas universidades públicas, ofertar aos professores da rede básica capacitações possibilitando o estudo destas temáticas de forma positiva, consciente, multiétnica e pluricultural.
Além das capacitações, propomos neste artigo que uma das alternativas possíveis para que ambas as temáticas sejam introduzidas de forma satisfatória, com vistas a compreender as tribos indígenas e os quilombos que habitavam o centro-oeste do Brasil e que ainda habitam esta região, seria o empenho do próprio governo distrital em lançar um livro didático ou paradidático sobre a História e a Geografia regional, elaborados por técnicos, assessores e educadores da esfera pública do Distrito Federal.
5 Considerações finais
Indubitavelmente, o livro didático ocupa um espaço de destaque na aprendizagem como ferramenta de trabalho dos educadores em sala de aula, todavia, os docentes possuem conhecimento e discernimento para ampliar o conteúdo apresentado neste material. O professor é um dos protagonistas na aprendizagem dos alunos e necessita ampliar o conteúdo apresentado neste material didático, principalmente, daqueles discentes em vulnerabilidade social, pois, em alguns casos, os únicos livros que os estudantes e seus familiares possuem em suas casas são estes livros escolares. Logo, é papel do estado proporcionar material didático que possua a maior riqueza cultural e pluralidade étnica.
A intenção dos autores neste artigo é iniciar um diálogo entre a academia, os docentes da rede pública e os governantes da esfera pública, com o propósito de construir conjuntamente uma forma de melhor abordar as temáticas afro-brasileira e indígenas em sala de aula.
Apresentamos como proposta o incentivo do estudo destas culturas e o aprimoramento dos educadores para trabalhar estas temáticas de forma satisfatória em sala de aula, sendo urgente a necessidade de serem elaborados e realizados oficinas e seminários sobre as culturas afro-brasileira e indígenas para os docentes da rede pública em espaços de formação continuada.
Além disso, sugerimos o incentivo da criação de apostilas, livros didáticos e paradidáticos, produzidos conjuntamente entre professores da rede pública e a secretaria da educação e que englobem os conteúdos culturais dos povos indígenas e afro-brasileiro, propagando estes temas que, em alguns casos, estão presentes de forma superficial no currículo.
Acreditamos que com estas sugestões na educação contribuiremos, num período de médio a longo prazo, para a diminuição dos casos de racismo e discriminação contra indígenas e afro-brasileiros que sofrem por questões étnicas, religiosas e culturais, tornando a nossa população construtora e sabedora de uma história plural e que, de fato, respeite a diversidade desta nação.
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