Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira*
Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Correo: rodufop@yahoo.com.br.
RESUMO: No decorrer do ano de 2018, construímos um projeto de extensão até então inédito no Instituto Federal Catarinense, campus Camboriú. Trata-se de um trabalho interdisciplinar (História, Cinema e Ciências Sociais) intitulado “Impactos da ditadura de 1964 no cinema nacional: Um regime totalitário financiando a própria sátira” Este artigo, financiado pelo respectivo campus, teve como objetivo principal gerar discussões sobre o “Cinema Novo” e os demais movimentos cinematográficos na comunidade local. Este trabalho contribuiu para o conhecimento crítico e reflexivo dos estudantes do ensino médio do eixo Camboriú/Balneário Camboriú. Metodologicamente, propomos angariar um ciclo de debates entre todos os matriculados no curso. Após a exibição das películas, todos os participantes, já em posse dos textos básicos, discutiram temas essenciais para a efetivação de uma sociedade democrática e justa, como a questão da democracia e outros temas relevantes que o filme exibido assim pedia.
ABSTRACT: During the year 2018, we built an extension project until then unpublished in the Federal Institute Catarinense, Camboriú campus. It is an interdisciplinary work (History, Cinema and Social Sciences) entitled "Impacts of the dictatorship of 1964 in national cinema: A totalitarian regime financing its own satire" This article, financed by the respective campus, had as main objective to generate discussions on the "Cinema Novo" and the other cinematographic movements in the local community. This work contributed to the critical and reflexive knowledge of the high school students of the Camboriú / Balneário Camboriú axis. Methodologically, we propose to gather a cycle of debates among all those enrolled in the course. After the screening of the films, all the participants, already in possession of the basic texts, discussed themes essential for the realization of a democratic and just society, such as the issue of democracy and other relevant issues that the film presented so requested.
Palavras-chave: Regime militar, cinema novo, Cinema marginal, Embrafilme, História contemporânea
Keywords: Military regime, new cinema, Marginal cinema,“Embrafilme”, contemporany history.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira (2020): “Protagonismo juvenil e as discussões envolvendo o cinema nacional durante a ditadura miltar”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (enero 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2020/01/protagonismo-juvenil-discussoes.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe2001protagonismo-juvenil-discussoes
Este trabalho, fruto do nosso projeto de extensão de nível médio (técnico integrado) intitulado “Impactos da ditadura de 1964 no cinema nacional: Um regime totalitário financiando a própria sátira” tem como objetivo apresentar os principais resultados deste trabalho desenvolvido no ano de 2018 no Instituto Federal Catarinense, campus Camboriú. Até então inédito em nosso campus, a nossa proposta foi construir um projeto bastante ousado: permitir que os bolsistas pudessem ser os protagonistas desta ação de extensão. Para tal, preparamos o bolsista João Cordeiro, do curso técnico em Informática para desempenhar o papel de docente, dando-lhes autonomia para discorrer sobre os temas propostos pelas películas então exibidas. De imediato, o referido aluno foi preparado teoricamente para as discussões. Elencamos alguns textos acadêmicos (principalmente anais de congressos) sobre a questão do Cinema Novo e do período da Ditadura Militar. Para a nossa grata surpresa, o bolsista mostrou domínio sobre o assunto, uma vez que o mesmo tinha como bagagem teórica a leitura de obras referências sobre as referidas temáticas, como os textos de Marcos Napolitano (referência nos estudos sobre a Ditadura Militar), Andreza Berti, Rosa Malena Carvalho dentre outros.
Em seguida, discutimos os temas para os debates, ensinado o bolsista a interpretar e cruzar os dados bibliográficos analisados por nós. Quanto a didática, notamos que o referido aluno tinha extrema facilidade em expor com clareza os seus argumentos, incluindo para os alunos da graduação. Restava-nos apenas orientá-lo a adequar a linguagem para um público mais abrangente, que ia desde discentes do terceiro ano do ensino médio aos alunos do curso de graduação em Pedagogia. Desta forma, permitimos que ele protagonizasse as discussões, sempre com a nossa mediação e esclarecimentos sobre pontos que exigiam maior conhecimento acadêmico de determinadas temáticas propostas.
Evidentemente, foi necessário que o orientador contextualizasse todos os temas em debate. De imediato, foi necessário apresentar para aos alunos noções básicas de ditadura militar no Brasil. Privilegiamos tópicos mais oportunos, como a questão do golpe de 1964 e as consequências nefastas para a nossa democracia. Apresentamos um histórico dos principais eventos do período em questão, a questão da economia, da exclusão, da censura e dos métodos de tortura aos opositores do regime. Feita esta introdução, permitimos que os bolsistas apresentassem as películas e os debates propostos por eles.
Portanto, este artigo foi redigido para demonstrar como os alunos do ensino médio podem e devem ser incentivados a construir projetos de pesquisa e extensão de qualidade e inovadores do ponto de vista crítico e reflexivo. Com isso, cumprimos o que pede a legislação concernente aos institutos federais. De acordo com a lei Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 ( “Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências”1 ), “a pesquisa e a extensão devem ser os pilares do processo educativo, e a educação básica integrada ao ensino superior”2 . Na seção II - “Das Finalidades e Características dos Institutos Federais” (artigo VI), pede-se que promova “a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infra-estrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão”3 , além de “desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica”4 e “realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico” 5.
Na seção III -“Dos Objetivos dos Institutos Federais”, afirma-se categoricamente que os institutos federais deverão “realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade” 6e propiciar o desenvolvimento de atividades de extensão de acordo “com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos”7 .
Segundo Eliezer Pacheco, ao
derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana, é um dos objetivos basilares dos Institutos Federais. Sua orientação pedagógica deve recusar o conhecimento exclusivamente enciclopédico, assentando-se no pensamento analítico, buscando uma formação profissional mais abrangente e flexível, com menos ênfase na formação para ofícios e mais na compreensão do mundo do trabalho e em uma participação qualitativamente superior nele. Um pro-fissionalizar-se mais amplo, que abra infinitas possibilidades de reinventar-se no mundo e para o mundo, princípios esses válidos, inclusive, para as engenharias e licenciaturas (PACHECO, 2011: 15)
O ensino, compreendido como o pilar da emancipação humana, deve estar assentado numa orientação mais dinâmica e direcionada para a consciência crítica. Um ato educativo mais plural e flexível, possibilitando que os diversos agentes possam tecer possibilidades de se reinventar e construir estratégias que possam estar articuladas ao tripé “ensino, pesquisa e extensão”. Portanto, ações que vão além dos limites das aplicações técnicas, ampliando os horizontes socioeconômicos e culturais.
Citando novamente Pacheco,
O desafio colocado para os Institutos Federais no campo da pesquisa é, pois, ir além da descoberta científica. Em seu compromisso com a humanidade, a pesquisa, que deve estar presente em todo o trajeto da formação do trabalhador, representa a conjugação do saber na indissociabilidade pesquisa-ensino-extensão. E mais, os novos conhecimentos produzidos pelas pesquisas deverão estar colocados a favor dos processos locais e regionais numa perspectiva de seu reconhecimento e valorização nos planos nacional e global. (PACHECO, 2011: 30)
Elisabete Matallo Pádua define pesquisa da seguinte forma:
Tomada num sentido amplo, pesquisa é toda atividade voltada para a solução de problemas; como atividade de busca, indagação, investigação, inquirição da realidade, é a atividade que vai nos permitir, no âmbito da ciência, elaborar um conhecimento, ou um conjunto de conhecimentos, que nos auxilie na compreensão desta realidade e nos oriente em nossas ações. (PÁDUA, 1996: 29).
Ou seja, a pesquisa entendida como uma prática cotidiana e que vise elaborar conhecimentos a partir da interação ativa com o corpo discente. Paulo Freire afirma que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.” (FREIRE, 2001: 32).
Para o autor, o docente deve respeitar os saberes dos discentes, estimulando-os a pensar o processo educativo por meio da curiosidade, instigando-o ao exercício da imaginação, da observação, do ato de questionar criticamente e, através da elaboração de hipóteses fundamentadas, construir uma explicação epistemológica.
Freire concebe a prática educativa como um processo de humanização e libertação do sujeito, evitando práticas alienadas e possibilitando que o aluno possa construir ou produzir conhecimentos. Afinal, (...) ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção a sua construção”. (FREIRE, 2001: 52).
Desta forma, o papel social do professor seria estimular o ato de pesquisa para que o docente passe a ser um sujeito crítico e não apenas objeto passivo da nossa história.
Segundo Pedro Demo, a base da educação escolar é a pesquisa, pois quem detém o conhecimento é capaz de intervir de forma competente, crítica e inovadora nos acontecimentos cotidianos. Desta forma, ainda segundo o autor,
Não é possível sair da condição de objeto (massa de manobra), sem formar consciência crítica desta situação e contestá-la com iniciativa própria, fazendo deste questioidnto o caminho de mudança. Aí surge o sujeito, que o será tanto mais se, pela vida afora, andar sempre de olhos abertos, reconstruindo-se permanentemente pelo questioidnto. Nesse horizonte, pesquisa e educação coincidem, ainda que, no todo, uma não possa reduzir-se à outra (DEMO, 2007: 8).
Portanto, as atividades de extensão permitem que os discentes (tanto os bolsistas como os alunos envolvidos no trabalho) exerçam a sua autonomia enquanto sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem. As discussões das películas exibidas mostrou-nos que os alunos do ensino médio são capazes de pensar criticamente sobre temas fundamentais para o contexto brasileiro atual, como o conceito e os limites da democracia nacional, militarismo, culturas políticas, poder de mando dentre outros.
O regime civil-militar brasileiro se iniciou em março de 1964 com a derrubada do então presidente João Goulart, numa manobra que se tornou conhecida como “Golpe de 64”. Entre o início do período e seu fim, em 1985, o país passou por grande agitação político-social, que incluía desde a extrema desigualdade social e a violência goveridntal no âmbito dos meios de comunicação, na vida privada dentre outros. As revoluções artístico-culturais e acadêmicas enquanto movimentos críticos ao sistema foi recorrente no período em questão. Variados artistas e cineastas passaram a reagir aos mecanismos institucionais de repressão e censura (NAPOLITANO, 2014).
O cinema nacional desenvolveu-se por volta de 1930, tendo seu grande salto de reconhecimento apenas na década de 1960, com o chamado “Cinema Novo” (RAMOS, 2000). O movimento, considerado de vanguarda, tem seu marco inicial com o lançamento de Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos (1955) e está relacionado a uma conscientização da importância político-cultural do cinema no Brasil. Nas produções deste cineasta é possível observar a valorização da estética, com o retrato de problemas sociais e da identidade nacional (PINTO, 2018; ROCHA, 1981).
No contexto de intenso controle dos meios de comunicação, surge a Embrafilme. Esta instituição, que recebia incentivos do Estado para a produção cinematográfica, teve algumas produções relevantes, apesar de sofrer forte influência do Departamento de Censura e Diversões Públicas – DCDP e tendo seu enfoque em filmes considerados ‘educativos’ (MARTINS, 2007).
A censura ao cinema, teatro, imprensa e literaturas sociopolíticas resultou num novo modelo de produções, que representava a marginalidade e o amoralismo de forma paródica, denominado Cinema Marginal. Surgido na região paulista conhecida como “Boca do Lixo”, os temas dos projetos eram variados, abordando desde filmes eróticos a metáforas políticas, explorando principalmente a sexualidade, as drogas e a violência (MARTINS, 2007).
A ampliação dos horizontes educacionais e o uso de dinâmicas como meio de produzir e transmitir conhecimento, bem como de aprender e ensinar além dos limites da escola possibilita a exploração de novos modos para tal. Assim, há integração dos conteúdos, onde lazer, ideologia, valores e história dialogam com a realidade, gerando discussões e incentivando a crítica, além de possibilitar o conhecimento de diversas situações e experiências, com aproximação de sujeitos, suas ações e intervenções (HOLLEBEN, 2008).
Este trabalho tem como objetivos principais apresentar as discussões sobre o cinema novo e os demais movimentos cinematográficos da época na comunidade local de Camboriú e incentivar os alunos das escolas da região a adquirir e transmitir conhecimento por meio dos encontros e de debates entre eles mesmos. Inicialmente realizou-se uma revisão sobre o tema, de modo a se obter uma base sobre o período e suas características, e a seleção dos filmes a serem exibidos e discutidos durante as 10 reuniões (abril/18 à dezembro/18) do grupo que compõe o projeto. As obras a serem exibidas foram escolhidas de modo a cobrir os acontecimentos de todo o regime militar e incluem as três fases do cinema nacional, sendo elas:
Desta forma, os encontros foram organizados para conter inicialmente uma apresentação do filme, com contextualização da época e da fase em que este foi produzido, tendo em sequência a exibição da película e uma discussão sobre os temas abordados nesta, relacionando a questões presentes atualmente na sociedade brasileira.
Para divulgação do conteúdo e visibilidade do projeto foi criado um site 8, contendo informações sobre as exibições, tópicos discutidos em cada encontro, um breve resumo dos filmes e um material de estudo para os alunos interessados, formado por livros, artigos e entrevistas relacionadas aos filmes em questão.
O projeto contou com a participação efetiva de 10 discentes, entre eles alunos do terceiro ano do ensino técnico integrado do IFC - Campus Camboriú, do ensino médio da cidade de Camboriú, professores da rede pública e alunos do curso de graduação de nosso campus. Após cada exibição foi realizado um debate mediado pelo professor coordenador do projeto com o objetivo de colocar em prática o conhecimento adquirido durante o filme. Para este artigo, escolhemos 2 filmes que foram exibidos durante o projeto: Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha e Pixote, e a lei do mais fraco. Os textos referenciais para as discussões foram “O olhar de Glauber Rocha sobre o sertão nordestino, a partir da análise de Deus e o diabo na terra do sol”, de Fabiane Micaele da Silva e Amanda Lima, “As representações da marginalidade infantil através da obra cinematográfica Pixote, a lei do mais fraco”, de Luiz Alberto Pereira Junior. Ambos os textos têm em comum discussões em torno da violência, da exclusão social e da temática dos menores infratores.
A primeira exibição ocorreu em abril, sendo Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha, um marco do Cinema Novo. Neste trabalho há a exploração do misticismo e da realidade do sertão brasileiro, com fortes críticas ao militarismo e a influência religiosa, mesmo antes do golpe de 1964. A discussão dos participantes do projeto de extensão envolveu as tradições sertanejas, a cultura e a veracidade retratadas no filme. Foram levantadas questões como a influência do coronelismo durante a história do país e o valor das tradições interioranas no Brasil atual. Ao final, o debate direcionou-se para a questão do messianismo e tópicos sobre o mundo das religiosidades no Brasil. A questão da retórica e da persuasão envolvendo os grandes líderes religiosos foi bem bastante pontuado pelos discentes. Tópicos envolvendo a retórica (a “arte do convencimento”) levou-nos a compreender como a arte do falar é capaz de angariar poder e controlar/manipular pessoas desprovidas de senso crítico e reflexivo. Por fim, os alunos questionaram como a Educação é uma ferramenta fundamental para a formação autônoma do sujeito.
Uma clássica obra do gênero é o filme de Glauber Rocha Deus e o Diabo na terra do sol, que ao acompanhar a trajetória dos nordestinos Manuel e Rosa constrói um discurso único da região, apontando o cangaço e o messianismo como especificidades do ambiente pobre, e os relacionando como fenômenos causados estritamente pela natureza sertaneja e nordestina (LIMA, 2011:2).
Glauber Roca assim se pronunciou sobre a película:
Eu parti do texto poético. A origem de Deus e o Diabo é uma língua metafórica, a literatura de cordel. No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história, que é de verdade e de imaginação, ou então, que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A ideia do filme me veio espontaneamente (LIMA, 2011:9).
A visão do sertão enquanto espaço de exclusão, pobreza e miséria merece destaque. Mas não apenas isso. As tradições sertanejas, a literatura de Cordel como espaço de entretenimento e reconhecimento consuetudinário da realidade cotidiana do nordestino é mesclado com discursos bastante pontuais, como a questão da cultura política e da influência do fanatismo religioso e do poder devastador dos coronéis. Portanto, esta película permite que o docente possa discutir pontos relevante sobre a república velha, além de adentrar em discussões interdisciplinares envolvendo a questão da exclusão social, a retórica e a literatura (importância da literatura de cordel na cultura sertaneja).
No segundo encontro, foi exibido o longa-metragem Pixote, e a lei do mais fraco, um dos filmes mais aclamados do Cinema Marginal e antecessor ideológico de filmes como Cidade de Deus, gerando no grupo um debate em torno da visão dos governos sobre os menores infratores e a forma que essa questão é tratada pela lei, desde a antiga FEBEM (criada durante o regime militar) até a atual fundação CASA.
Esta película, lançada oficialmente em 06 de outubro de 1980, foi alvo de inúmeras críticas dos órgãos de censura do regime militar. Inspirado no romance literário “Infância dos mortos”, de José Louzeiro (LOUREIRO, 1984), a respectiva produção alcançou grande repercussão na mídia. Luís Alberto Pereira Júnior selecionou algumas destas repercussões:
Acaloradas discussões, reflexões e controvérsias agitavam os noticiários. Vejamos alguns dos comentários na imprensa: “[...] para o público em geral [Pixote] funcionava como um espelho da feia realidade [...]”(Folha de São Paulo, 12/03/1982), “Um documentário [Pixote] de indesmentível autenticidade [...] Quase tudo neste filme se apresenta natural e adequado”( Jornal do Brasil, 19/09/1980) e “É uma história real [...]”(O Estado de São Paulo, 25/09/1980 (PEREIRA JÚNIOR, 2010:24).
Jornais como a Folha e o Estado de São Paulo noticiavam o filme como um espelho fiel da realidade, em tempos em que a violência e a questão da marginalidade infantil estavam em debate em vários setores da mídia nacional. Naturalmente, o foco era compreender as motivações sociais para os altos índices da violência protagonizada pelos nossos jovens. Daí a importância da produção de Babenco como mecanismo de denúncia para a questão extremamente complexa da infância marginalizada dos anos de 1980. A riqueza das discussões propostas pelo diretor chamou-nos a atenção e foi alvo dos debates em nosso curso. A questão da liberdade (os menores infratores tinham, de fato, o usufruto da liberdade? A violência dos grandes centros, incluindo a violência policial, excluía do menor infrator a possibilidade de escolhas?). O patriarcalismo e o conservadorismo, construído historicamente desde o período colonial, era refletido cotidiaidnte na FEBEM? Como era visto a mulher prostituta, o menor infrator e o jovem homossexual em uma sociedade marcada pelos variados estereótipos e preconceitos enraizados em nossa sociedade? Temas extremamente oportunos para se discutir com os nossos alunos do ensino médio.
Segundo Pereira Júnior, a película teve grande repercussão internacional, mesmo com todas as críticas e resistências da censura. Isto comprova que “Pixote” marcou época e foi fundamental para a desconstrução dos variados imaginários sociais acerca da violência e da exclusão no Brasil.
A repercussão aumenta consideravelmente quando a película passa a receber importantes indicações e prêmios na Europa e nos Estados Unidos, como o Leopardo de Prata no festival de Locarno na Suíça, o Grande prêmio de Certame, o Grande Prêmio do Público no festival de Cinema Ibérico e Latino-Americano. Conquista o prêmio de Crítica no Festival de Cinema de San Sebastian na Espanha, além de ter sido eleito pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles e Nova York como melhor filme estrangeiro, e pela Associação de Críticos de Cinema de Boston foi eleito como melhor filme do ano, recebeu também indicação ao Globo de Ouro. Em relação ao Oscar, Pixote foi cogitado a ser indicado na categoria de melhor filme estrangeiro. Entretanto, segundo o jornal Folha de São Paulo: “[...] o filme teria sido afastado da competição [Oscar] sob a justificativa de que a sua exibição foi realizada nos Estados Unidos fora dos prazos legais, ou seja, um ano antes da fase de seleção de obras para premiação” (O Globo, 03/02/1982). (PEREIRA JÚNIOR, 2010:24-25).
Após a exibição das duas películas aqui apresentadas, realizamos um debate sobre os principais pontos que ligam os filmes apresentados. Os estudantes elencaram os pontos que seguem abaixo:
Os debates foram mediados pelo orientador. Porém, foi permitido que o debate se desenvolvesse autonomamente pelos estudantes. Como em um grupo de estudo, os questioidntos e as subjetividades dos discentes foram respeitadas. Apenas contextualizamos os assuntos elencados e sugerimos outras bibliografias para os temas mais polêmicos. Ao final, foi possível discutir textos de grandes autores, como o clássico “Vigiar e punir”, de Michel Foucault. Vigiar e punir são as regras básicas do sistema penitenciário atual? A reinserção na sociedade é possível por meio da punição e das condições humilhantes dos presídios nacionais? O militarismo parte da ideia da vigilância e da supressão da liberdade? Como pensar Foucault no contexto atual de nossa nação? Para a nossa grata surpresa, todos os questioidntos foram debatidos respeitando as subjetividades e os posicioidntos políticos de cada participante9 .
Portanto, cumprimos o nosso objetivo: ensinar, por meio do cinema e dos debates propostos, atitudes críticas e reflexivas dos alunos do projeto. A maioria soube compreender a importância da democracia para a nossa sociedade atual, além de se posicionarem de forma bastante pertinente sobre a questão da violência, da exclusão e da temática bastante complexa dos “menores infratores” (vítimas de uma sociedade desigual, excluídos pelo governo e violentados pelos órgãos goveridntais que deveriam reinseri-los no em nossa sociedade).
REFERÊNCIAS
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HOLLEBEN, I. M. A. D. de S. Cinema & educação: diálogo possível. Ponta Grossa: Realize, 2008.
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MARTINS, W. de S. N. “Os filmes nacionais e a censura cinematográfica na década de 1970”. In: JORNADA DE ESTUDOS HISTÓRICOS, 3., 2007, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Ars Historica, 2007.
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ROCHA, Glauber. Revolução do cinema novo. Rio de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1981.
SILVA, Gilmar Alexandre da. “A receptividade crítica do Bandido da Luz Vermelha nas décadas de 1960 e 1970”. Associação Nacional de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. UNISINOS, São Leopoldo, RS. Anais, p.1. http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Gilmar%20Alexandre%20da%20Silva.pdf. Acesso em 15/1082018.
*Doutor em História pela UFMG; pós-doutorado pela Universidade Nova de Lisboa, Portugal; professor efetivo do Instituto Federal de Rondônia, Campus Calama. rodufop@yahoo.com.br.