Frederico Augusto Nunes de Macêdo Costa*
Centro Universitário Uniateneu em Fortaleza - Ceará, Brasil
Correo: fredmacedo8@gmail.com
RESUMO: O presente artigo reporta-se à Praça do Ferreira, na contemporaneidade, localizada na Cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, Brasil, ou seja, os usos atuais e como se insere no espaço fortalezense após ter passado por sua última reforma em 1991. Centra-se, sobretudo, nos aspectos relativos a sua condição de espaço público, inserido na lógica de produção e reprodução da cidade capitalista, contudo, o maior peso da análise recai, sobretudo, nos usos cotidianos desse espaço. Para apreender e melhor compreender os usos, resistências, territorialidades e a centralidade atual da Praça do Ferreira, baseamos-nos em trabalho de campo realizado em dias e datas distintos; em entrevistas com estudiosos e conhecedores do objeto de estudo, além de representantes da Administração pública de Fortaleza; e ainda em registros fotográficos e levantamentos iconográficos. Em relação ao trabalho de campo efetuado, conseguimos, a partir dele, ter as primeiras impressões sobre a dinâmica da praça e pudemos constatar que a diversidade das funções que a praça adquire em relação aos seus usuários extrapola aquelas esperadas em um espaço público e agrega outras práticas sociais e outros usos. Seu espaço é compartilhado e, em alguns momentos, diríamos disputado em um claro processo de territorialização por diferentes atores sociais. Para melhor compreensão e análise, definimos, conforme observação na pesquisa de campo, os sujeitos que usam a praça, tais como: permissionários dos quiosques, vendedores ambulantes, aposentados, moradores de rua e ocupantes diversos. Além desses sujeitos, consideramos também o agente público, levando em conta questões administrativas e propostas futuras.
Palavras-chave: A Praça do Ferreira em Fortaleza. Territorialidades da Praça do Ferreira. Atores sociais na Praça do Ferreira.
RESUMEN: Este artículo se refiere a la Praça do Ferreira, ubicada en la ciudad de Fortaleza, estado de Ceará, Brasil, es decir, los usos actuales y cómo encaja en el espacio de Fortaleza después de haber sido renovado por última vez en 1991. Centra sobre todo, en los aspectos relacionados con su condición de espacio público, insertada en la lógica de producción y reproducción de la ciudad capitalista, sin embargo, el mayor peso del análisis recae, principalmente, en los usos cotidianos de este espacio. Para comprender y comprender mejor los usos, resistencias, territorialidades y la centralidad actual de la Plaza Ferreira, confiamos en el trabajo de campo realizado en diferentes días y fechas; en entrevistas con académicos y conocedores del objeto de estudio, así como con representantes de la administración pública de Fortaleza; y aún en registros fotográficos y encuestas iconográficas. Con respecto al trabajo de campo, pudimos obtener primeras impresiones de la dinámica del cuadrado, y descubrimos que la diversidad de las funciones que el cuadrado adquiere en relación con sus usuarios va más allá de las esperadas en un espacio público y agrega otras prácticas sociales y otros usos. Su espacio es compartido y, en ocasiones, diríamos disputado en un claro proceso de territorialización por parte de diferentes actores sociales. Para una mejor comprensión y análisis, definimos, como se observó en la investigación de campo, los sujetos que usan la plaza, tales como: permisos de kiosco, vendedores ambulantes, jubilados, personas sin hogar y varios ocupantes. Además de estos temas, también consideramos al agente público, teniendo en cuenta los problemas administrativos y las propuestas futuras.
Palabras clave: La plaza Ferreira en Fortaleza. Territorios de la plaza Ferreira. Actores sociales en la plaza Ferreira.
ABSTRACT
This article refers to the Praça do Ferreira, located in the city of Fortaleza, State of Ceará, Brazil, that is, the current uses and how it fits into the Fortaleza space after having undergone its last reform in 1991. It focuses, mainly, on the aspects related to its condition of space. public, inserted in the logic of production and reproduction of the capitalist city, however, the greater weight of the analysis falls mainly on the daily uses of this space. To understand and better understand the uses, resistances, territorialities and the current centrality of Ferreira Square, we rely on field work carried out on different days and dates; in interviews with scholars and connoisseurs of the object of study, as well as representatives of the public administration of Fortaleza; and still in photographic records and iconographic surveys. Regarding the fieldwork, we were able to get first impressions about the dynamics of the square, and we found that the diversity of the functions that the square acquires in relation to its users goes beyond those expected in a public space and adds other social practices and other uses. Their space is shared and, at times, we would say disputed in a clear process of territorialization by different social actors. For better understanding and analysis, we defined, as observed in the field research, the subjects who use the square, such as: kiosk permits, street vendors, retirees, homeless people and various occupants. In addition to these subjects, we also consider the public agent, taking into account administrative issues and future proposals.
Keywords: The Ferreira Square in Fortaleza. Territorialities of Ferreira Square. Social actors in Ferreira Square.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Frederico Augusto Nunes de Macêdo Costa (2019): “Os atuais processos de territorialização da praça do ferreira em fortaleza – Ceará”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (diciembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/12/processos-territorializacao-praca.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1912processos-territorializacao-praca
– INTRODUÇÃO
Considerando seus limites e, conforme já salientado, a Praça do Ferreira situa-se entre quatro logradouros que a margeiam e que são: Rua Floriano Peixoto, Rua Guilherme Rocha, Rua Pedro Borges e a Rua Major Facundo, sendo que esta última, no perímetro da praça, foi convertida em calçadão estendido entre as Ruas Guilherme Rocha e Pedro Borges, interligando a praça à calçada defronte ao Cine Teatro São Luiz, resultado da última intervenção pela qual ela passou. No centro, destaca-se a Coluna da Hora e paralelos à Rua Guilherme Rocha, localizada na lateral da praça, ficam quatro quiosques e na outra, na lateral da praça, paralelos à Rua Pedro Borges, ficam mais dois quiosques. Todos comercilizam jornais, revistas e artigos considerados “miudezas em geral”. Sobre os quiosques próximos à Rua Guilherme Rocha, existem alguns pórticos metálicos de geometria triangular de função tão somente estética. Possui também alguns bancos de madeira com suportes de ferro espalhados próximos a pequenos canteiros distribuídos no espaço da praça, além de árvores de pequeno e médio porte. O piso da praça é composto de pedras portuguesas de cores brancas e negras emparelhadas em sistema de encaixe, criando mosaicos geométricos. Sua iluminação é feita por postes com arandelas metálicas em forma de globo, dispostos em toda a extensão da praça.
A Praça do Ferreira, como outras praças existentes em Fortaleza, apresenta atualmente um quadro de abandono e um elevado grau de degradação física e com usos diversos, ou seja, para além daqueles que são mais exclusivos dos espaços públicos. Pareceu-nos que a praça não dispõe de um serviço de limpeza e manutenção sistemática, pois seus equipamentos urbanos, como a coluna da hora, quiosques e pórticos, bem como os mobiliários urbanos, como os bancos e luminárias, apresentam-se desgastados pelo tempo, com a ferrugem e o apodrecimento surgido em decorrência dos anos e da completa falta de senso de preservação de seu patrimônio público, por parte da população, demonstrada pelo vandalismo das pichações e destruição do patrimônio, uma demonstração clara do desinteresse da população pelo espaço público, como se este não a representasse nem fizesse parte de sua história pessoal e da cidade de Fortaleza.
Observa-se também a ausência de massa arbórea ou de um projeto paisagístico que contemplasse uma quantidade de árvores de copa frondosa significativa que pudesse gerar assombreamento, isto porque por volta das 11h30, até aproximadamente as 16h00, a praça assume para si a função de corredor de mobilidade, com exceção dos locais que estão assombreados pelas poucas árvores que existem na praça, e/ou pelos edifícios do entorno dela. Entretanto, em relação aos edifícios, apesar da sombra que fazem, muitos deles, em virtude de sua verticalidade, acabam por bloquear o deslocamento das massas de ar, aumentando a sensação térmica e transformando o local em uma ilha de calor.
Somente após citado é que a temperatura ameniza e a sensação térmica suaviza, permitindo um uso mais diversificado, onde os atores sociais se definem em grupos específicos ocupando espaços da praça, através de um claro processo de territorialização, entre aposentados que chegam a praça neste horário, os moradores de rua 1 que habitam a praça, os transeuntes, os comerciantes informais, que apesar de já se encontrarem na praça, só efetivam suas atividades com o aumento de pessoas não mais somente transitando pela praça, mas interagindo com ela.
A partir do final da tarde (por volta das 16h30), podemos observar: (i) os aposentados que chegam à praça e, apesar de possuírem sua territorialidade construída, entram em clara disputa com os mendicantes e desocupados que demandam os bancos da praça, ocupados por aqueles senhores, para utilizá-los como dormitórios ou leitos; (ii) Os comerciantes informais e os ambulantes exercendo suas atividades comerciais à medida que a temperatura ameniza; (iii) os permissionários dos quiosques negociando suas mercadorias sem a necessidade de se postarem além balcão.
Tudo isso em meio a falta de manutenção, o descaso em relação à preservação do patrimônio e a sujeira na praça, que cada vez mais se acentua. Acreditamos que haja, em parte, negligência dos gestores públicos, desinteresse da população e aumento de usuários moradores de rua, a ponto de não podermos observar certas partes do espaço da praça, pela quantidade de entulhos, lixo e pessoas. O lixo acondicionado às portas das lojas comerciais nos fez crer que ocorreria mais tarde uma coleta sistemática, ou seja, no fim do dia. No entanto, essa quantidade de lixo não conseguia fazer frente à quantidade de dejetos reunidos e amontoados pelos mendicantes instalados na praça, mas intensificava a aparência de sujeira e a atmosfera de abandono, apesar da quantidade significativa de pessoas ainda presentes nessa hora.
É digno de nota e, portanto, cabe registrar, que as ruas de acesso à praça, após às 18h00, apresentam aspecto de completo abandono, inclusive com seus equipamentos de iluminação deteriorados ou ausentes, e se fazemos esse comentário é porque, com a praça agora iluminada pelas lâmpadas de suas luminárias, apesar de muitas se encontrarem quebradas, observa-se com mais clareza que, apesar de degradada, a Praça do Ferreira ainda apresenta estética e qualidade urbana bem superiores as suas ruas convergentes (FIGURAS 12 e 13).
Para apreender e melhor compreender sobre os usos, resistências, territorialidades e centralidades atuais da Praça do Ferreira, realizamos trabalhos de campo em dias distintos e horários diferenciados com registros de campo, mas, sobretudo, com aplicação de questionários e realização de entrevistas com os sujeitos elencados no trabalho. Em relação ao trabalho de campo efetuado, conseguimos, a partir dele, ter registros pertinentes sobre a dinâmica da praça e pudemos constatar que a diversidade das funções que a praça adquire em relação aos seus usuários extrapola aquelas esperadas em um espaço público e agrega outras práticas sociais e outros usos. Seu espaço é compartilhado e, em alguns momentos, diríamos disputado em um claro processo de territorialização por diferentes atores sociais.
Em nossos primeiros contatos com a praça, identificamos que além de lugar de passagem, de espaço de manifestação política, social, de atividades de lazer e outros eventos de interesse social, cultural e comercial, existe na praça um uso mais restrito e permanente, embora por motivações distintas, mas que mantém uma certa periodicidade no uso desse espaço. É o caso dos permissionários dos quiosques, vendedores ambulantes, aposentados e moradores de rua.
A – Permissionários dos quiosques
Como já salientado, existem na praça seis quiosques, cada um dividido em dois espaços onde se efetivam atividades comerciais e prestação de serviços. A maioria desses quiosques é usado para atividades comerciais, sendo permitido dois permissionarios em cada unidade, enquanto um dos quiosques é ocupado pela Guarda Municipal de Fortaleza. Em relação ao funcioidnto comercial desses quiosques, observamos que eles funcionam nos mesmo horario das atividades das lojas do entorno da praça, ou seja, iniciando suas atividades por volta das 08h00, o que nos pareceu lógico e óbvio que houvesse uma simultaneidade com o horário comercial. Alguns quiosque vendem tão somente artigos impressos, como jornais e revistas, outros diversificam suas práticas comerciais vendendo, além de jornais e revistas, equipamentos complementares de telefonia celular, produtos alimentícios, como balinhas de açúcar e bombons, e outros até dispõem de balcões refrigerados onde são vendidas bebidas (água, refrigeramtes e até latinhas de cerveja).
Um fato interessante observado, quanto aos quiosques, diz respeito ao tipo dos materiais utilizados em sua construção. Eles são construídos de alvenaria tradicional, mas suas cobertas são revestidas de latão, o que colabora com o aumento positivo da sensação térmica, haja vista a capacidade termicamente condutiva do metal e a temperatura local muito elevada.
Em nossas visitas de campo, percebemos algumas vezes que o permissionário ficava fora do estabelecimento ao se aproximar o meio dia2 , ficando embaixo de uma das poucas árvores existentes na praça, para aproveitar sua sombra 3, e somente se aproximando de seu ponto de venda, para negociar seus produtos, quando havia a aproximação de clientes.
B – Vendedores ambulantes
Com o cerrar das portas do comércio do Centro de Fortaleza, que se inicia por volta das 18h00, ocorre concomitante o encerramento das atividades dos quiosques, mas não das atividades comerciais informais dos ambulantes, que continuam no entorno da praça.
Podemos verificar que os ambulantes não possuem um local próprio, apropriado e específico para comercializar seus produtos, circulando pela praça e seu entorno de acordo com as condições climáticas e das oportunidades de ganho, postando-se de forma estratégica em locais de eventuais aglomerações ou à porta de locais de entrada e saída de pessoas, a exemplo do Cine Teatro São Luiz.
C – Aposentados.
Outro grupo social que mereceu nossa atenção foi o dos aposentados. Em geral, essas pessoas chegam à praça normalmente em pequenos grupos, por volta das 16h30, estabelecendo-se nos bancos mais assombreados e se retiram em torno das 19h30. O pequeno grupo inicial de aposentados vai aumentando à medida que chegam novos membros e que passam a interagir gradativamente entre si. Observamos também que o espaço da praça utilizado por eles, bem como pelos moradores de rua, salvo pequenas e individuais ocupações, não se faz de forma acidental ou aleatória, próximo ao trecho da Rua Pedro Borges e a Rua Major Facundo, pois este apresenta serviços terciários de alimentação, deixando em condição de abandono, após às 18h00, o trecho da praça onde ficam os quiosques com suas atividades encerradas, próximo a Travessa Pará. Vale salientar que detalharemos mais no item seguinte esse segmento que utiliza a praça tradicionalmente.
D – Moradores de rua.
Em meio a identificação das pessoas que usam com certa periodizização a Praça do Ferreira, tem chamado a atenção dos fortalezenses e das autoridades administrativas, além de Ongs etc, os chamados moradores de rua que têm ocupado a Praça do Ferreira, transformando-a em moradia e dormitório.
Em nossa pesquisa não poderíamos desconsiderar a presença desses sujeitos, haja vista a condição evidente de destaque na cidade, em virtude da realidade insalubre de suas existências que, por sua vez, afetam o espaço que porventura ocupam. Desse modo, os consideranos como sujeitos que também se apropriam da praça em meio a uma série de polêmicas em relação as práticas de exclusão social e da falta de condições de grande parcela da poulação da cidade. Esses chamados moradores de rua se utilizam da Praça do Ferreira4 , nas mais variadas formas, transformando os seus equipamentos como bancos em camas e mesas e, algumas vezes, são encontrados dejetos que impedem o seu uso por outras pessoas, face a sujeira e a falta de condições.
As imagens, a seguir, mostra-nos claramente esse processo de apropriação informal da Praça do Ferreira por parte dos moradores de rua, com os espaços de interação e sociabilização e mobiliários urbanos tomados por grupos familiares ou afins que se espalham pela praça e definem seus espaços de moradia e subsistência.
Eles passaram a maior parte do tempo em monótona ociosidade e significativa inércia em quase todo o tempo que permanecemos na praça (período da tarde e início da noite), salvo pelo choro de crianças presentes, ou por uma eventual algazarra de curta duração gerada por alguma pilhéria compartilhada. Durante esse tempo, podemos observar apenas alguns movimentos de mendicância pendulares e sequenciados próximos aos locais que comercializam comida, principalmente nos horários das refeições. Basicamente esse “modus operandi” caracterizou suas condutas, conforme observado nas pesquisas de campo.
Em nossas pesquisa, observamos que, por volta das 20h15, a Praça do Ferreira já se apresenta praticamente deserta e os únicos movimentos que se destacam de fato são dos moradores de rua, que passam praticamente o dia em estado letárgico e diríamos até em completa indiferença em relação a tudo ao seu redor.
Observamos, também, uma alteração nesse estado de coisas com a chegada de um veículo particular, que faz a doação de alimentos. O tumulto entre eles se intensifica com a formação de uma fila para receber os alimentos. Não foi possível sabermos qual organização e/ou qual igreja respondia por aquela ação assistencialista voltada para os moradores de rua presentes na praça. Também tivemos dificuldade de fazer um registro fotográfico mais claro, pois mantivemo-nos à distância, tendo em vista não constrangê-los, por isso, a fotografia não apresenta uma boa resolução, mesmo assim é possível visualizarmos o momento da ação assistencialista . Não registramos o início da entrega em virtude de preservar a dignidade humana e em respeito às pessoas que vivem em extrema condição de privação e que têm seu comportamento justificado pela fome, pela miséria, pelo abandono.
Com o avançar das horas,e a calma retornada, após a refeição recebida e devidamente degustada, a Praça do Ferreira e entorno se tornam um grande dormitório, com pessoas recolhidas entre retalhos sobre os bancos, ou dormindo dentro de caixas. Um fato corriqueiro, que observamos inúmeras vezes, foi o deslocamento de algumas pessoas pela praça, arrastando caixas vazias de mercadorias descartadas pelas lojas do entorno. De posse dessas caixas, elas buscam um local para o pernoite, seja na praça ou nas ruas adjacentes, e, dessa observação, podemos constatar que muitos moradores de rua já se estabeleceram e demarcaram seus territórios na praça, enquanto outros ainda tentam estabelecer seu domínio, nem que seja temporário, ou seja, por apenas uma noite.
Notamos também que as marquises dos edifícios comercias, ao término das atividades das lojas e dos serviços, tornam-se teto, proteção para as chuvas eventuais e local de recolhimento e habitação.
E – Outros usos
Causou-nos espanto o fato de não observarmos nenhuma atividade notívaga mais significativa após o encerramento das atividades comerciais ou que poderiam se iniciar após às 21h30. Mas podemos notar outro grupo de usuários da praça que não se enquadra no grupo de moradores de rua, nem no grupo de aposentados, seja pela aparência, seja pela faixa etária. São pessoas com idade economicamente ativa que, pelo horário, em tese, deveriam estar exercendo alguma atividade profissional. Não podemos definir com certeza, mas tudo indica serem desempregados (FIGURA 56). Esse grupo se fez presente durante as pesquisas de campo, nos horários que estivemos na praça, apenas se retirando parcialmente por volta das 21h00.
Em síntese, a praça apresenta uma diversidade, seja de sujeitos sociais que dela se apropriam e constroem espaços e terrtitorialidades diversas, como também dinâmicas diferenciadas ao longo do dia. Por isso, e desse modo, fizemos nossa pesquisa de campo em horários diferenciados, com o intuito de apreendermos essas mudanças no espaço temporal. Como destacamos, ao encerrarem as atividades comerciais do centro, às 18h00, mantêm-se outras atividades comerciais, como as dos ambulantes no entorno da praça. A efervescência, a profusão de atividades, interações, deslocamentos e relações humanas se efetivam e alcançam, aparentemente, o seu ápice nesse horário. Surgem pessoas de todas as direções cruzando a praça. Funcionários públicos saindo de suas repartições, comerciários em fim de expediente, comerciários iniciando um terceiro turno, estudantes vindo da escola em direção às suas casas e outros vindo de suas casas para as faculdades ali instaladas (Faculdade Joaquim Nabuco, onde era o antigo Hotel Savanah).
Esse movimento de aglutinação de pessoas se dá de forma fortuita e efêmera quando a praça se torna lugar de passagem diária dos mais diferentes sujeitos sociais. Poderíamos também afirmar que essas aglutinações possuem caráter midiático, quando geradoras de relações frágeis, delicadas e fugidias, em virtude de sutis interações que se estabeleciam e se encerravam de maneira tão céleres que nos escapavam a possibilidade de fazer um registro fotográfico. Uma senhora acompanhada de uma criança que transitava pela praça e que de forma automática aproxima esse jovem a si e o desloca para o outro lado de seu corpo como se este fosse uma barreira de proteção, ao passar próximo ao lugar onde havia uma aglomeração maior de moradores de rua. Atitude semelhante de pretensa proteção teve uma jovem estudante quando apertou contra si seus pertences (bolsa e cadernos) ao passar pelo mesmo lugar. Outra situação observada foi de uma bela jovem que, ao passar próximo ao banco onde se concentravam os aposentados, consegue, mesmo por pouco tempo, chamar-lhes a atenção e fazer-lhes encerrarem, durante o tempo que a jovem se encontrava em seus campos visuais, a animada palestra.
Com o encerramento das atividades mercantis do entorno da Praça do Ferreira, apenas os bares mantém suas práticas comerciais e é quando percebe-se a presença de espetáculos mambembes. Os ambulantes e os comerciantes informais agora começam a encerrar também suas atividades e os aposentados se retiram da praça. Outras atividades comerciais de cunho diversional, apesar de já se encontrarem na praça, agora não tendo mais a concorrência do comércio lojista nem do comércio informal, podem se destacar e, assim, chamar atenção do público frequentador dos bares. Achamos interessante observar e, como nota complementar, informar que, ao chegarmos à Praça do Ferreira, por volta das 17h30, notamos que o Observatório de Fortaleza 5, instituto criado recentemente como instrumento digital de difusão e informação sobre a Cidade de Fortaleza, encontrava-se fechado.
Tanto as práticas comerciais formais, quanto as informais se iniciam durante o horário comercial e se estendem além dele. Os serviços de bares e outras atrações de caráter diversional, como os espetáculos mambembes e circenses de gosto duvidoso e estética questionável, tornam-se atração para alguns passantes e, por algum tempo, mesclam-se à massa humana que possui vínculos mais duradouros com o espaço público, como os moradores de rua e os aposentados.
Tais práticas de cunho “artístico” configuram uma tradição cultural na Praça do Ferreira como “palco” e espaço de apresentações insólitas desde muito tempo. Segue uma reportagem antiga do Jornal O Povo (24/12/1933), que, a despeito de sua veracidade, chamou a nossa atenção, e que tem como manchete o seginte: “Um cachorro com cabeça humana vai ser exposto na Praça do Ferreira”, e prossegue:
“Em contraposição ao menino-bode, temos agora o cachorro com cara humana... O Sr. Gentil Pires, gaúcho, procedente do norte, exibiu hontem á redação do O Povo esse fenômeno biológico. O monstro nasceu na Cidade de salvador, capital bahiana, há uns quatro anos, e vem conservado em álcool em um vidro de boca larga. A história é a seguinte: um preto velho de face simiesca, possuía uma cadela que lhe era assás afeiçoada. De uma feita (o caso em apreço) a cadela ao fazer sua <delivrance>, espantou quantos lhe foram examinar os quatros rebentos, pois três deles traziam pés de feitio humano e o quarto nasceu com corpo de cão e a cabeça quasi humana, apresentando a face um perfil pronunciadamente semelhante ao do preto velho.
O Sr. Pires traz consigo a fotografia do preto velho a qual póde ser comparada com aface do cachorrinho. É um caso evidentíssimo de impressionismo. O Sr. Pires vai expor o monstro na cas <Defesa Comercial>, á Praça do Ferreira, 19 amanhã, sábado, cobrando 500 réis pelo ingresso dos curiosos” (Jornal O Povo, 24/02/1933, p. 01).
Por volta das 21h30, como podemos observar, a praça encontrava-se em completo silêncio, com os moradores de rua recolhidos e acomodados na medida do possível. As atividades do comércio voltadas à venda de bebidas e aperitivos também cerram as suas portas em consequência da redução da clientela, mas o artista mambembe permanece até quando Ali! Lutando ainda contra o cansaço, contra a fome, contra o desespero e a favor da vida.
Podemos concluir, a partir da realização da pesquisa, que a Praça do Ferreira pode ser ainda considerada, de forma inconteste, de destacada importância para a Cidade de Fortaleza e para parte de sua população. A praça ainda é a praça! Independente de sua configuração física-espacial atual e de novas formas de uso e territorializações permanentes e/ou flexíveis, ela ainda se mantém com toda a sua relevância e representação social, como espaço de congregação e integração e como local de resgate de reminicências pessoais ou coletivas, além de palco e ferramenta de legitimação da Gestão Pública, através de seu espaço ocupado por suas atividades sócio-cívicas. Compreendemos, todavia, a redução inevitável da importância da Praça do Ferreira, em benefício de outras áreas da cidade, que passaram a constituir outras centralidades. Isso ocorreu concomitantemente a geração de novas formas de apropriação e usos da Praça do Ferreira, e que, se hoje ela não pode ser reconhecida como marco da cidade, ainda consegue ser um ponto nodal dos bairros que a margeiam, ou dos bairros periféricos que se beneficiam de suas atividades comerciais, ou por parte da população atraída quando ocorrem eventos de cunho sócioculturais na praça.
A nossa pesquisa detectou usos diversos, alguns temporários com territorialidade flexivel (vendedores ambulantes), outros com territorialidade permanentes, com a praça como espaço de congregação dos aposentados, além das práticas costumeiras e comuns ao uso do espaço público.
Enquanto espaço público, a Praça do Ferreira resiste! Esclarecemos que não se trata de saudosismo ao se querer que a praça tenha a mesma força, centralidade ou os mesmos usos do passado, mas, enquanto espaço público, ela deveria ter determinados usos que lhe seriam mais coerentes com suas finalidades.
Esses outros usos vistos e analisados em nossa pesquisa são que distorcem e disvirtuam a essência do que deveria ser uma praça e que fazem com que ela perca sua força de atração e seja vista com certo descaso, receio e até com indiferença por parte da população.
Deixamos claro também que este estado de coisas não é uma especificidade da Cidade de Fortaleza, principalmente quando se trata em pensar e repensar os centros urbanos das grandes cidades brasileiras, que perderam muito de suas funções, incorporando as características de uma sociedade que foi se produzindo de forma desigual, com seus problemas de inserção por boa parte da população e dos interesses sociais.
Compreendemos que as “mazelas sociais” presenciadas durante as pesquisas de campo não poderão ser solucionadas de forma pontual ou efêmera, a exemplo de “remanejamentos” comuns, como as soluções “higienistas” do final do século XIX e iníco do século XX, e sim na procura responsável, comprometida e cidadã de respostas às causas dessas deficiências, sejam por parte da sociedade civil, sejam por parte dos gestores públicos, e não na efetivação de práticas que criam simulacros ilusórios que mascaram a verdadeira realidade sócio-econômica de nossas cidades e com a qual nós de forma veemente não concordamos!
Em nossa pesquisa, objetivando melhor compreender e apreender essas dinâmicas sócio-espacias, deu-se maior ênfase ao momento da última intervenção até os dias atuais e, para isso, nos detemos mais sobre a proposta de intervenção urbana definida no projeto urbanístico de 1991, do Arquiteto Fausto Nilo, que teve como partido arquitetônico a diretriz de buscar e resgatar valores de tradição (e isso deve ser levado em consideração e ter seu mérito reconhecido), através de uma proposta nostálgica de fazer uma releitura de espaços (físicos, sociais e espaciais) outrora existentes e de forte representatividade para a população usuária ou não da praça à época. Em nossas pesquisas, não encontramos facilmente essa relação de representatividade, isso porque muito dos frequentadores não conhecem a história da praça, conforme os resultados obtidos nas entrevistas, e, por não terem vivenciado os períodos que gestaram esses marcos temporais e arquitetônicos, não demonstrando, assim, uma maior empatia, gerando uma relação de distanciamento e indiferença.
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VISITA ao Jornalista e Museólogo Miguel Angelo de Azevedo (Nirez) em 10/05/2017 e em 04/07/2018, com o intuito de acessar seu acervo fotográfico.
VISITA A Biblioteca Pública Governador Bezerra Pimentel no decorrer dos meses de abril e maio de 2018 para acessar seu acervo de microfilmes de periódicos do Jornal O Povo de sua Hemeroteca.