Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


O FEMININO NA NARRATIVA CONTEMPORÂNIA EM DEUS DE CAIM, DE RICARDO GUILHERME DICKE

Autores e infomación del artículo

Elair de Carvalho*

PPGEL-UNEMAT, Brasil

Correo: dagorj1@gmail.com


Resumo: Este artigo propõe uma interpretação do romance Deus de Caim, de Ricardo Guilherme Dicke, cuja investigação se insere no âmbito dos estudos do romance contemporâneo, na medida em que se estabelecem marcas distintas e cenários presentes e passados, no texto literário. Situam-se as leituras do enredo, bem como, visa apresentar as representações do feminino ao analisar a construção de um discurso que se revela na continuidade textual da transgressão, no confronto dos textos sagrados, na prática de resistência à ordem estabelecida pelo sistema de organização social. A narrativa se converte em paixões e desatinos humanos como forma de catarse do autor e de seus personagens, com fluxo desordenado e fulminante tecnicamente apurado demonstrando as tensões entre civilização e a barbárie.

Palavras-chave: Ricardo Dicke; Feminino; Narrativa Contemporânea.

Abstract: This article proposes an interpretation of Ricardo Guilherme Dicke's Deus de Cain novel, whose investigation falls within the scope of contemporary romance studies, as distinct marks and present and past scenarios are established in the literary text. The readings of the plot are situated, as well as, it aims to present the representations of the feminine by analyzing the construction of a discourse that reveals itself in the textual continuity of the transgression, in the confrontation of the sacred texts, in the practice of resistance to the order established by the system of organization. Social. The narrative becomes human passions and follies as a form of catharsis of the author and his characters, with a disorderly and fulminating flow technically accurate demonstrating the tensions between civilization and barbarism.

Keywords: Ricardo Dicke; Feminine; Contemporary Narrative.

Resumen: Este artículo propone una interpretación de la novela Deus de Cain de Ricardo Guilherme Dicke, cuya investigación cae dentro del alcance de los estudios románticos contemporáneos, a medida que se establecen marcas distintas y escenarios presentes y pasados ​​en el texto literario. Las lecturas de la trama se sitúan, así como, tiene como objetivo presentar las representaciones de lo femenino mediante el análisis de la construcción de un discurso que se revela en la continuidad textual de la transgresión, en la confrontación de los textos sagrados, en la práctica de la resistencia al orden establecido por el sistema de organización. social La narración se convierte en pasiones humanas y locuras como una forma de catarsis del autor y sus personajes, con un flujo desordenado y fulminante técnicamente exacto que demuestra las tensiones entre la civilización y la barbarie.

Palabras llave: Ricardo Dicke; Mujer; Narrativa Contemporánea.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Elair de Carvalho (2019): “O feminino na narrativa contemporânia em Deus de Caim, de Ricardo Guilherme Dicke”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (diciembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/12/feminino-narrativa-contemporania.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1912feminino-narrativa-contemporania


A partir do século XX, as sociedades modernas empreendem uma mudança profunda em sua estrutura com compreensões diferentes em torno das rígidas maneiras de identificação cultural. O homem é confrontado com antigos valores na maneira de ver o mundo e a si próprio, e em crise de identidade substitui os sentimentos estáveis pela angústia da dúvida e da incerteza. As produções literárias instituem formas de resistência à crise de paradigmas e às formas de homogeneização cultural promovido pelo processo incontrolável da globalização.
Este trabalho busca fazer uma reflexão a partir do romance Deus de Caim, do escritor mato-grossense Ricardo Guilherme Dicke, cuja substância visa investigar a narrativa contemporânea, bem como a representação do ser feminino para chegar a um discurso de reinvenções de novo conceito.
 Temos por objetivo verificar na configuração estética, a representação e resistência do feminino e se a escrita narrativa reflete forma de resistência e de mudanças.
 Segundo Nelly Novaes Coelho, em seu prefácio para a obra, faz a seguinte consideração que “Enquanto Arte, Mato Grosso, possui na prosa a obra Deus de Caim, de Ricardo Guilherme Dicke, inscrita no Modernismo de 1960 e seus desdobramentos. Nela, encontra-se todo um universo constituído de destilações verbais, venenos e inventaria e brumas da relação Ser/sociedade, vida/morte, amor/dor, fantasia/frustração, carne/espírito, dilemas/sentido e percepção, moendas (interior)/engenhos (de almas atribuladas), tormentas pertinentes/insanidades comportamentais. Adere seu imaginário à combinação de misturas míticas, metáforas e eventos históricos. Revela um trágico existencial, e ao mesmo tempo explora uma alquimia verbal que faz comungar o monólogo interior, o psicológico e o factual, o real e o fantástico, numa imagem contínua de subjetividades.  Ainda Nelly Novaes Coelho (1999, p.5), a considera uma obra em que “o homem [é] interrogante, aquele que sonda o vazio existencial [...] predominando a sondagem dos escuros do homem [...]”.
No romance, as personagens Caim e Abel representados por Lázaro (o bom) e Jônatas (o transgressor) são entre sombreados com querelas, acontecimentos, traições e taras; a vida nua e crua revelando sinais de pânicos e disfarçando conflitos e neuras. Existe mais insanidade, loucura do que sensatez na vida, nas cargas dos ombros dos homens. O Deus de Caim interroga até sobre as palavras não ditas, dadas a compreender. O discurso politizado da enunciação na narrativa possibilita a voz feminina da protagonista Minira se fazer audível. O desejável focalizado nos sonhos, vontades, pequenos atos de rebeldia autoriza uma leitura densa e crescente do “eu” feminino buscando fazer-se ouvir. A denúncia da subalternidade feminina na sociedade realizada pelo escritor, em questão, confronta os lugares ofertados à mulher, seja o de esposa ou de amante. Em ambos, o feminino constrói-se como objetos sem valor e com voz emudecida. A escrita de Dicke guia-nos através da realidade social complexa do seu espaço, dos conflitos entre homens e mulheres na organização familiar e da construção do estatuto social da mulher.
A escrita do mato-grossense mergulha na tradição de um mito bíblico: a história ancestral de ódio entre os irmãos Abel e Caim complementa-se com os irmãos Jônatas e Lázaro, apaixonados por Minira. A protagonista participará de uma disputa de poder, pois é a causa desta. A palavra de Deus é posta em questão.
              É uma narrativa que, em consonância com tendências modernas e contemporâneas, reflete a vontade do autor de conhecer cada vez mais a linguagem do seu produto, estudando e incorporando outras linguagens para a sua criação (Gonçalves, 1997).
 Deus de Caim insiste numa busca de resistência e sobrevivência de uma memória aparada pela experiência. O escritor apresenta novas formas de identificação, abrindo caminhos para possibilidades subjetivas e problemáticas ao conjunto cultural do Ocidente. Ainda, conforme o teórico Walter Benjamin, acredita no desaparecimento das ações da experiência. Da primeira grande guerra os combatentes voltaram mudos e pobres em experiência comunicável, pois a guerra consiste numa experiência desmoralizante que não resulta em matéria narrativa. Seguem experiências equivalentes: a econômica pela inflação, a do corpo pela guerra material e a ética pela vulnerabilidade do homem.
Para Benjamin,

[...] a verdadeira narrativa pressupõe uma dimensão utilitária, que no romance moderno apresenta-se escassa desta característica, pois os homens não sabem mais dar conselhos e não comunicam mais as suas experiências, isto é, o narrador contemporâneo não tem algo inusitado ou exemplar na sua experiência para contar “A arte de narrar está definhando, porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção” (BENJAMIN, 1994, p. 201)

Esse efeito na obra de arte de Ricardo Dicke é produzido como modo de resistência e subjetividade ao processo de globalização e homogeneização cultural. Nelas, há possibilidades de reconceitualização das narrativas nacionais e de suas problematizações identitárias fixas e compósitas, que resulta na violência contra o outro e a si mesmo.
Entretanto, para o teórico Mikhail Bakhtin o romance está se fazendo, construindo-se, não podemos prever onde chegará, pois,

O romance é uma combinação social de línguas e vozes organizadas artisticamente: falam, representam épocas, gerações, grupos sociais, dialetos, hierarquias, tendências, regionalismos, que demonstram a diversidade da vida histórica em devir. [...] Cada romance pertence, simultaneamente, a uma língua única e ao plurilinguismo social e histórico (1990. P. 82)

Ainda Bakhtin,

O tecido discursivo do romance é formado por uma infinida de fios dialógicos – ele se relaciona intimamente com outros discursos, e dele ressoam, com isso, novas vozes. Se todo diálogo é vivo e todo discurso que se encontra com o de outrem é marcado pelo dialogismo, no romance este penetra na expressão e na elaboração literária, tornando-se mais complexo e rico (1990, p.82)

O corpus literário Dickeano, como Madalena Machado o entende, referendam hipóteses de ver na ambiguidade do texto nos personagens fictícios um retrato da figura humana na contemporaneidade. Em outras palavras, o da crença de que o fazer ficcional, ao dialogar com o tempo, amplia o terreno de análise da cultura, enquanto tecido produtor de sentidos que reinventa, com seus meios próprios, os limites do referencial.       
Sendo assim, o presente artigo propõe-se a definir como o ser feminino tem sido projetado de forma convergente e divergente nas produções escritas na atualidade considerando que delineiam, pelos discursos, reinvenções do feminino, o qual vamos observar de que maneira o autor, pela narrativa, reconstroem os discursos de seus tempos e lugares, conduzindo à problemática do ser, que se olha no espelho, se depara com o abismo por não se ver e mostra a humanidade característica do tempo em processo, dimensionada pelo vazio, revelando uma nova dimensão condizente com a concepção moderna.
Ao longo da narrativa percebemos que Mirina era uma mulher frágil, virgem, recatada, pura ingênua, romântica “Vaga luxúria de virgem” (DICKE, p. 21). Mas, nutria um medo em relação ao Jônatas, pois ele era um homem truculento, violento e bruto, que intimidava as pessoas, assim vejamos,

Lembrou-se da vez em que Jônatas entrou de cara resolvida, com revólver na cintura e pediu-lhe uma pinga. O temor que tivera. Jônatas a olhava sempre como se quisesse morder com os olhos (DICKE, p. 46).
[...] Dir-se-ia que a mulher se conformará em ser levada ao matadouro e à porta deste se rebelava como uma fera. [...] Quando uma mulher chega à cama de um homem, ela não pode fazer nada (DICKE, p. 234).

                     A personagem Mirina representa este esteriótipo, entretanto, no decorrer da leitura da obra verifica-se que é preciso conhecer as condições histórico-literárias em que foi escrita e, também o ser feminino questionado. Nesse sentido, a pesquisa caminhará em busca da imagem feminina na história literária, consagrada pela tradição e que em nossos tempos vem sendo questionada.
Situam-se as leituras do enredo, bem como, visa apresentar as representações do feminino ao analisar a construção de um discurso que se revela na continuidade textual da transgressão na prática de resistência à ordem estabelecida pelo sistema de organização social. A narrativa se converte em paixões e desatinos humanos como forma de catarse do autor e de seus personagens, com fluxo desordenado e fulminante tecnicamente apurado demonstrando as tensões entre civilização e a barbárie.
A mulher da sociedade tradicional tinham qualificações preestabelecidas com a construção da imagem como naturalmente frágil, bonita, sedutora, doce, etc. Aqueles que revelassem atributos opostos seriam considerados seres antinaturais.
Desse modo, pretende-se estabelecer parâmetros que nortearão nossas percepções sobre o feminino, permitindo-nos perceber como a narrativa contemporânea consideram a estrutura e acontecimentos externos, e ao mesmo tempo, expande para aberturas, de (re) interpretação de identidades subjetivas, tendo em conta seus deslocamentos e avanços, pela metáfora da palavra transfigurada em arte. E, sobre arte, a reflexão de Adorno confere que,

Nenhuma obra de arte moderna que valha alguma coisa deixa de encontrar o prazer na dissonância e no abandono. Mas, na medida em que essas obras de arte encarnam sem compromisso justamente o horror, remetendo toda a felicidade da contemplação à pureza de tal expressão, elas servem à liberdade [...]. Essas obras estão acima da controvérsia entre arte engajada e arte pela arte, acima da alternativa entre vulgaridade da arte tendenciosa e a vulgaridade da arte desfrutável. (ADORNO, 2012, p.63)

Nesse sentido, o feminino, em uma linha horizontal, correspondente às bases consagradas pela sociedade religiosa e patriarcal e, nela, descobriu cortes verticais que correspondem aos questionamentos feitos pela mulher ao longo dos séculos. Dentro do interesse atual pela problemática da mulher em processo de transformação, devido às transformações ainda em curso nos processos da escrita da ficção – romance, conto, novela – este estudo pretende verificar na obra escolhida as mudanças vividas, não só no plano literário – o do atual em confronto com o tradicional -, mas também no plano ético-existencial – da imagem da mulher transgressora dessa mesma tradição. Sob essa ótica, buscaremos observar o texto a partir do universo local para atingir o universal, procurando verificar em que medida o texto ficcional articula a fala e tematiza a relação do eu-feminino com o outro na modernidade.
Para tanto,
O herói da epopeia nunca é, a rigor um indivíduo. Desde sempre considerou-se traço essencial da epopeia que seu objeto não é um destino pessoal, mas o de uma comunidade. E com razão, pois a perfeição e completude do sistema de valores que determina    o cosmos épico cria um todo demasiado orgânico para que uma de suas partes possa tornar-se tão isolada em si mesma., tão fortemente voltada a si mesma, aponto de descobrir-se como interioridade, a ponto de tornar-se individualidade. (LUKÁCS: 2000, p.67)

Diante destas considerações, Madalena Machado (2014, p.31) a respeito diz que: “Da mesma forma, há quebra de temas considerados tabus, homens e mulheres, em seu texto, têm o mesmo tom de independência pelo pensamento”.
CANDIDO (2000) leva-nos a questionar até que medida a arte é expressão da sociedade e em que medida é interessada nos problemas sociais. Estabelece esta relação, do ponto de vista sociológico, entre a obra, o autor e o público.
Por isso, o código religioso subvertido pela ideia herética das personagens seria uma característica nova como uma estratégia de configurar nas formas romanescas o espaço para fugir das características tradicionais impostas à personagem feminina. A consciência individual evocada faz da matéria bíblica um romance que desafia e escava fundo um dos grandes interditos que alicerçam a Civilização Cristã Ocidental e que no tempo de caos entra em dissolução: o interdito do sexo. Afirma o erótico como lei sacramentada, característica do novo perfil da modernidade. Seria uma maneira de questionar a própria verdade do discurso que impõe o código religioso.
Desse modo, colhe-se através do olhar ao código religioso, a subversão pelas personagens e, ainda, aponta essa transmutação do código como uma estratégia de configurar nas formas romanescas, o espaço para fugir das características tradicionais impostas à personagem feminina. A paródia do discurso anterior não é, evidentemente, inócua, se a lermos enquanto escrita necessária para rasurar a questão religiosa e seu poder através do erotismo, veiculadora da imagem de uma mulher esposa e mãe, como é o caso de Eva, para quem o prazer estava em questão, não mais a função reprodutora da qual ela não se aliena. Ao evocar a necessidade de ir à fonte do passado e do presente, ilustra um percurso vitorioso que não se faz apenas no terreno político.
Sob a rubrica Dicke, a ficção contemporânea assinala, portanto, o lugar da mulher como produtora de sentidos novos para uma cultura que a calou, cerceou sua liberdade, frustrou sua realização amorosa. Ao desvendar esse percurso da liberdade, é também o espaço do feminino que se ergue.
Pois, nesse sentido, o romance revive o bíblico (o ódio entre os irmãos Jônatas e Lázaro), na disputa amorosa por Mirina colocando a nu o oculto, contínuo choque entre a natureza humana e as subjetividades e o discurso religioso. Entre as exigências da carne-incesto, adultério, morte, sexo – a consciência de si a construir-se indeterminadamente como o homem que pressagia o conhecimento da subjetividade partindo do vazio que propõe um olhar sobre-humano, além da simples filosofia, pelo seu sentido de ser. O ser em questão é indefinido e sempre incompleto, e ao mesmo tempo, autônomo e independente. Desta forma, pensar o ser é escutar a realidade de vozes de realizações autorais que deixam para si o que desejam para o outro, numa proposta de duplicação de si mesmo.
Desse modo, as personagens nas suas descontinuidades ganham contornos de aberturas observados na escrita os quais consideram o lado problemático na vida. Colocado o problema do valor humano face às diversas transformações em vias de se efetivar, tomamos a personagem feminina que abre-se à problemática de estar no mundo. Algo gerador da crise da condição humana em meio ao mundo caotizado feito de sombras e simulacros a compor a distância abissal entre original e cópia.   
A personagem feminina Mirina desempenhará no enredo como um elemento de mediação entre o desejo e a realização do humano. Por viver situações individuais profundamente humanas, ela apresenta valores universais e, através das configurações no texto, sobressalta o contemporâneo como formula o filósofo italiano Giorgio Agamben:

 Assim a literatura contemporánea nao será necessaríamente aquela que zonas marginais e obscuras do presente, que se afastam de sua lógica. Ser contemporâneo, segundo  esse raciocínio, é ser capaz de se orientar no escuro e, a partir daí, ter coragem de reconhecer e de se comprometer com um presente com o qual não é possível coincidir. Na perspectiva dessa compreensão da história atual como descontinuidade e do papel do escritor contemporâneo na contramão das tendências afirmativas, talvez seja possível entender alguns dos critérios implícitos que determinam quem faz sucesso, quem ganha maior visibilidade na mídia, academia, entre os críticos ou entre os leitores. Sucesso não é sinônimo de adequação ou harmonia histórica, assim como a falta de compreensão entre os leitores tampouco significa, necessariamente, que não se logrou uma compreensão extraordinária do momento histórico no qual se inserem esses mesmos leitores. Há, entretanto, um paradoxo embutido nessa observação, que será tomado como ponto de partida para a discussão que aqui se pretende desdobrar. O escritor contemporâneo parece estar motivado por uma grande urgência em se relacionar com a realidade histórica, estando consciente, representa a atualidade, a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica que a  faz perceber as entretanto, da impossibilidade de captá-la na sua especificidade atual, em seu presente (2009, p.9)

Bem como Machado ressalva,

Contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpretá-lo, algo que, mais que a luz, dirige-se direta e singularmente a ele. Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provem do seu tempo. (AGAMBEN, 2009, p, 64)

Na obra de Dicke, manifesta-se como questão candente da contemporaneidade, o desejo de voo da mulher para o vir-a-ser. Nestes termos, realizar um trabalho observando a condição social e cultural do feminino de maneira que os diferentes modos de ver e ser na ficção. Assim, no contexto do romance Deus de Caim (DICKE, 2006), algumas personagens femininas rompem com os paradigmas estabelecidos pela sociedade tradicional, colocando a obra além do seu tempo, com uma obra, cuja linguagem e temática são inovadoras.
Em História das Mulheres no Brasil (PRIORE, 2010, p.8), mostra como a mulher era tratada, sua posição na sociedade colonial, englobando as diferentes mulheres do Brasil, bem como o tema é abordado de diferentes formas que nos permite estudar o cotidiano das mulheres e as práticas femininas nele envolvidas, os documentos nos possibilitam às representações que se fizeram, noutros tempos, sobre as mulheres
O crítico ABDALA (1989) argumenta que o aspecto ideológico que compõe as narrativas recriam estratégias e modelizam as formas do imaginário político subvertendo a história tradicional. A práxis do homem não é a atividade prática oposta à teoria: é a determinação da existência humana como elaboração da realidade. A práxis é ativa, é atividade que se produz historicamente – quer dizer, que se renova continuamente e se constitui praticamente – unidade do homem e do mundo, da matéria e do espírito, do sujeito e do objeto, do produto e da produtividade.
Nessa direção, a difícil tarefa de chegar às fontes faz o sopro motivador desta reflexão. Com base que não são os acontecimentos externos que devem ser reproduzidos na imagem narrativa, mas o processo de consciência e discursos que circulam nas produções literárias, leva-se a pesquisar nas obras as imagens que aludem à construção de um discurso que revela, na continuidade textual, diálogo que ora aproxima, ora reescreve, bem como a transgressão, na prática de resistência a esse mundo de preconceito e de submissão que se opõe às condições individuais e profundamente humanas.
As sensíveis análises de Simone de Beauvoir, que procura desvendar as raízes culturais da desigualdade social, a história das mulheres a condição feminina desabrochado em forma de movimentos sociais, passam a buscar através da reflexão, das denúncias de opressão e de libertação, a superação permanente das desigualdades sociais as quais as mulheres foram se defrontando ao longo da história da humanidade (1967, P.85).
Para resultar, então, ao estudo do texto literário como uma rede imbricada em elos, em que o diálogo com as várias vertentes teóricas se ocupam de compreender o ser feminino priorizando o encontro e a diferença. Trata-se de examinar comparativamente textos de autoria masculina compondo a imagem do ser feminino no quadro das literaturas de língua portuguesa, com sensibilidades diferenciadas em que as habitantes das narrativas negam antes de serem abaladas nas suas certezas. Criadas a partir de sociedades periféricas, como Brasil (Mato Grosso), suas escritas apontam o conflito cultural que se fez forte, evidenciando as mudanças vividas, não só no plano literário - o do atual em confronto com o tradicional - mas também no plano ético-existencial da imagem de mulher transgressora dessa mesma tradição. A ênfase na abordagem de gênero e nos aspectos do cotidiano feminino considera que as pesquisas sobre a mulher possuem relevância para os países colocados à margem, pois, existe um incômodo em relação aos estudos sobre como o feminino se define e se identifica. Diante do exposto, situa-se as leituras nas personagens femininas das narrativas, especialmente as protagonistas, no intuito de acompanhar como suas trajetórias de objetos a sujeitos que contestam a visão dominante sobre a mulher com graus diversos de contestação do status quo político, econômico e social, bem como incluem o confronto aberto às instituições patriarcais para subvertê-las internamente por meio de um subtexto paródico e irônico. Nessa direção, além da subversão às instituições religiosas e patriarcais, as recriações da mulher são revistas de forma, primeiramente, juntar os pólos de submissão e contestação como instâncias do feminino e, num segundo momento, ampliar os horizontes das representações da mulher para incluir variadas experiências que fundamentam e promovem as subjetividades do feminino, com ângulos de reflexos múltiplos em que se frisa a consciência histórica da diferença.

REFERÊNCIAS

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*Doutoranda em Estudos Literários – PPGEL-UNEMAT


Recibido: 02/12/2019 Aceptado: 11/12/2019 Publicado: Diciembre de 2019


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