Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


O COMBATE AO DESCAMINHO EM FOZ DO IGUAÇU NA LETRA FRIA DA LEI

Autores e infomación del artículo

Roberto Rigaud Navega Costa*

Estudiante

Tatiane dos Santos Navega Costa**

Docente

Unioeste, Foz do Iguaçu-PR, Brasil

Correo: ramosnavega@gmail.com


Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar os efeitos que uma lei pode vir a ter sobre um contingente enorme de pessoas que tiram seu sustento diário com uma atividade considerada criminosa, no caso do contrabando, ou contravenção, no caso do descaminho. A lei em questão é a Medida Provisória 135, editada em 30 de outubro de 2003, e que tinha como objetivo disciplinar a cobrança de um imposto, mas que trouxe embutidos dois artigos que atingiram em cheio a atividade dos laranjas e dos sacoleiros que agem na região de fronteira. Para a confecção do artigo nos utilizamos do texto da medida provisória, de artigos de jornal que citaram os efeitos da MP 135 à época de sua assinatura, de uma entrevista feita por um jornal local de Foz do Iguaçu com o Delegado da Receita Federal à ocasião dos fatos, e utilizamo-nos de dados provenientes da própria Receita Federal para gerarmos um gráfico demonstrando o movimento de apreensões na fronteira entre Brasil e Paraguai em Foz do Iguaçu. Com o atual trabalho esperamos trazer à memória, dezesseis anos após a assinatura da MP 135, qual era seu conteúdo, quais foram os efeitos de tal medida, quem os implementou na prática, a quem prejudicou e de que forma, e quais foram os resultados àquela época no balanço de apreensões, possibilitando, em um outro momento, fazermos referência a este artigo como fonte de informação concatenada.
Palavras chave: Descaminho; MP 135; Foz do Iguaçu; Receita Federal.

Resumen
El propósito de este artículo es presentar los efectos que una ley puede tener en un gran contingente de personas que viven a diario con una actividad considerada criminal, en el caso de contrabando, o delito menor, en caso de descamino. La ley en cuestión es la Medida Provisional 135, emitida el 30 de octubre de 2003, que tenía como objetivo disciplinar la recaudación de un impuesto, pero que incluía dos artículos que afectaban completamente la actividad de los naranjas y sacoleros que actuaban en región fronteriza. Para la preparación del artículo, utilizamos el texto de la medida provisional, artículos periodísticos que citaban los efectos de la MP 135 en el momento de su firma, una entrevista realizada por un periódico local de Foz de Iguazú con el delegado de la Receita Federal en ese momento de los eventos, y utilizamos datos de la propia Receita Federal para generar un gráfico que muestra el movimiento de las retenciones en la frontera entre Brasil y Paraguay en Foz de Iguazú. Con el presente trabajo esperamos recordar, dieciséis años después de la firma de la MP 135, ¿cuál fue su contenido, cuáles fueron los efectos de tal medida, quién la implementó en la práctica, quién la perjudicó y cómo, cuáles fueron los resultados? el quantitativo de la retención, lo que hace posible, en otro momento, referirse a este artículo como una fuente de información concatenada.
Palabras clave: Descamino; MP 135; Foz de Iguazú, Receita Federal.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Roberto Rigaud Navega Costa y Tatiane dos Santos Navega Costa (2019): “O combate ao descaminho em Foz do Iguaçu na Letra Fria da Lei”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (diciembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/12/combate-descaminho-lei.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1912combate-descaminho-lei


1 – Introdução

            Durante todo o governo Fernando Henrique Cardoso o combate ao contrabando e ao descaminho, que tem na fronteira entre Brasil e Paraguai, principalmente entre a cidade de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, sua principal porta de entrada no território nacional, foi timidamente exercido, com valores anuais totais não ultrapassando a casa dos US$ 33 milhões desde 1998.
Já no governo Lula o quadro se inverteu drasticamente, chegando à cifra de mais de US$ 142 milhões. O que parece um contrassenso, pois os maiores atingidos foram os sacoleiros e laranjas, que viviam destas atividades ilícitas, e que eram o público alvo dos discursos do partido dos trabalhadores, ao qual o presidente Lula era filiado e um dos fundadores.
Neste artigo pretendemos analisar a medida provisória que deu ferramenta à Receita Federal para fazer um combate mais eficiente à atividade de contrabando e a de descaminho, que utilizem de transporte rodoviário para fazer a distribuição de mercadorias provenientes (principalmente) do Paraguai, mas fabricadas na Ásia, (majoritariamente na China).
A questão é saber como se deu este combate, como a nova lei ajudou nesta tarefa, e quais as consequências imediatas, no ano de 2003 e seguintes, para a atividade de laranjas e de sacoleiros na região de fronteira em Foz do Iguaçu. O objetivo final é enriquecer o debate acerca das estratégias goveridntais a respeito do problema dos ilícitos fronteiriços em território nacional.
Para atingirmos os resultados esperados em nosso trabalho optamos por rever a MP 135 em seus parágrafos 58 e 59, os que tratam do combate às práticas ilícitas citadas acima, como também buscaremos na imprensa nacional a repercussão das medidas contidas no MP em foco, passando à análise da fala do delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu, à época dos fatos, buscando em seu discurso entender o cenário político e social da época referentes aos acontecimentos em tela.
O texto está organizado como citado acima, quando repassaremos as opiniões e notícias referentes à MP 135 divulgadas pelo jornal Folha de São Paulo, que de acordo com nossas buscas tem o site mais completo a respeito do assunto que pudemos encontrar, trazendo muitas fontes diferentes com pontos de vista obtidos no calor dos acontecimentos, em finais de 2003 e início de 2004. Daí revisaremos a MP 135, nos seus artigos críticos para nosso trabalho, os de número 58 e 59, dando ao leitor a chance de ter conhecimento direto do texto. Encerraremos com a entrevista do delegado Mauro de Brito, da Receita Federal em Foz do Iguaçu, responsável pela operação Clandestino 2, para entendermos as ações que a lei possibilitou na prática ao combate ao descaminho.

2 – Reações à Medida Provisória 135

            Ao analisarmos a dissertação de Waldson De Almeida Dias Junior (2018) vemos as considerações feitas pelo autor a respeito dos conteúdos jornalísticos e seus vieses. Para ele, como o ato cultural de escrever não é inocente devemos sempre nos inquirir de onde fala o escritor, a quem se dirige seu texto e qual é sua intenção ao escrevê-lo. O autor também nos informa, citando Darnton (1989) que os textos não só registram os acontecimentos, mas que são parte do acontecimento, como no caso destes abaixo, que saíram logo após a assinatura da MP 135 e podem ter servido de apoio para pressões da parte de empresários buscando sua modificação. Assim, para Dias Junior (2018), há uma relação de reciprocidade e interação entre as partes envolvidas na notícia, onde cada uma delas interfere na atividade da outra.

Circuito de comunicação que vai do autor ao editor (se não é o livreiro que assume esse papel), ao impressor, ao distribuidor, ao vendedor, e chega ao leitor. O leitor encerra o circuito porque ele influencia o autor tanto antes quanto depois encerra o circuito de composição. (DARNTON, apud DIAS JUNIOR, 2018, p. 41) ... O jornal, como qualquer outra fonte histórica, deve ser submetido a questioidntos, tendo em vista sua subjetividade e parcialidade, o que desencadeia debates intensos. (DIAS JUNIOR, 2018, p. 41)

            Portanto, devemos ter em mente que apesar de ser uma importante referência de como ocorreram os debates acerca dos fatos em exame neste trabalho, muitos fatores podem interferir nas escolhas de palavras e no tom utilizado em sua arrumação, compondo um viés que pode vir a distorcer nossa perspectiva em direção ao que o texto consultado pretendia. Mesmo assim consideramos útil a utilização destes registros para compormos nosso quadro geral, e o leitor sempre pode fazer suas próprias análises ao decorrer da apresentação das ideias.
A MP (Medida Provisória) 135 data de 30 de outubro de 2003, e foi transformada, posteriormente, na lei nº 10833/03. Ela trata principalmente de alterações nas leis tributárias nacionais e sinaliza a intervenção do governo Lula em questões que terão impacto direto na dinâmica da fronteira na cidade de Foz do Iguaçu, interferindo no combate ao contrabando e ao descaminho.
A MP 135 altera a alíquota do COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) de 3% para 7,6%, um aumento de 153% no percentual cobrado das pessoas jurídicas. Ela tem a justificativa de ser mais justa e de simplificar o processo de cobrança de impostos, pois a COFINS deixaria de incidir em toda a cadeia produtiva, como era feito até então, para passar a ser cobrada apenas no processamento final da cadeia.
Assim, uma indústria que compra de outra e vende ao mercado consumidor seria a responsável pelo recolhimento do imposto, e não mais todas as empresas envolvidas no processo. Deste modo para se fazer pão, a empresa de moagem, a de embalagem, e a de transporte, deixariam de recolher o imposto, apenas a fabricante do pão o faria. Isto desonera a cadeia produtiva, e impede que um mesmo tributo seja cobrado em cascata.
Até aí tudo bem, é tudo muito racional e representa uma diminuição da carga tributária, o que retira um peso da inflação dos preços ao consumidor final. No entanto, o que dizer aos empresários do setor de serviços? Eles sim sentirão o aumento da tarifa diretamente em sua atividade, e terão que, forçosamente, repassar os custos aos seus preços. Levando-se em conta que o setor correspondia a um terço da economia no ano de 2003, pode-se imaginar que um ganho num setor foi eclipsado por uma perda em outro.
A MP135 gerou muito comentário por parte de especialistas e de membros de grupos empresariais. Pudemos recuperar parte da reação nas páginas do jornal Folha de São Paulo, que disponibiliza dados da época e nos permitiu mapear a discussão imediatamente após a assinatura da MP.
Sandra Manfrini (2003), no texto “Receita muda legislação para incentivar exportações”, assinala que a medida provisória em questão trará incentivos às exportações, que poderão se beneficiar com a isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), juntamente com a cadeia produtiva que contribuir para esta exportação. E haverá um regime aduaneiro diferenciado para beneficiar construções e pesquisas na indústria do petróleo.
Tal informação obtida, no artigo acima citado, nos mostra uma preocupação recorrente de governos de países em desenvolvimento, a saber, equilibrar sua balança comercial, incentivando a exportação, se possível com saldo positivo, para obter a maior quantidade de dólares no processo, podendo fazer jus a seus compromissos de dívida externa, e o Brasil em 2003 não era diferente.
Já Sílvia Mugnatto (2003), em seu artigo “Fisco exige pagamento antecipado”, comenta a MP 135 ressaltando mais dois pontos. O primeiro diz respeito à nova exigência do governo em receber adiantadamente os tributos referentes a três impostos federais quando do pagamento de despesas a empresas prestadoras de serviço.

Pela medida, as empresas prestadoras de serviços receberão seus pagamentos já com o desconto da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), da Cofins e do PIS (Programa de Integração Social). Ou seja, os três tributos serão retidos na fonte pelas empresas pagadoras com alíquota unificada de 4,65% sobre o total pago. (MUGNATTO, 2003)

A autora, a seguir, aponta o fato de que a MP 135 também endurecera a fiscalização sobre as empresas de transporte de produtos fruto de contrabando ou descaminho, usando para isto de pesadas multas e responsabilizando-as pela atividade, no caso de não se identificarem os responsáveis pela mercadoria por elas transportadas, ou se for evidente que se trata de mercadoria ilegal, lembrando que a cota de importação era de US$ 150,00 em 2003.
Para Paulo Rabello De Castro (2003), doutor em economia pela Universidade de Chicago, em seu artigo “Passando do limite”, adota um tom bastante duro para com o governo da época, acusando-o de passar por cima dos desejos da sociedade e de legislar no lugar do congresso. Ele relembra os dados numéricos em relação ao imposto, que passou de 3% para 7,6%, e cita outro caso histórico para lembrar que a inconfidência mineira tinha como motor o descontentamento para com as taxas impostas pelo governo central.
Mais abaixo o mesmo autor destaca que: “Com a arrecadação extra embutida na nova COFINS, somada ao 1,65% do PIS, também cobrado sobre o faturamento mensal, o governo chegará a uma alíquota de 9,25%, ou seja, quase 10% de tudo o que se fatura neste país.” (CASTRO, 2003) Dado que embasa o descontentamento geral despertado pela MP 135, e que gerará ainda outros protestos pelo país por parte dos contribuintes atingidos pela medida.
Para Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque (2003), doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, em seu texto “Reforma tributária: o grande blefe” traz uma citação a Pascal, que diz: "A sociedade humana se baseia na enganação recíproca", para dar o tom das reclamações que virão para dar conta às críticas envolvendo a reforma tributária proposta pelo governo Lula, e principalmente a MP 135.
Para Albuquerque (2003) a MP foi um remendo, uma verdadeira meia-sola tributária, com uma alteração vergonhosa no ISS (antes da MP 135), e com uma mentira de tentar evitar a não-cumulatividade do COFINS na cadeia produtiva. O que se conseguiu no final das contas foi manter a CPMF e a DRU por mais tempo, o que para o autor configura um grande blefe.
As reações ao conjunto de fatos expostos acima levou a Folha de São Paulo, em 10 de novembro de 2003, a publicar uma matéria intitulada “Entidades estudam recorrer à Justiça”, que informa que tanto a Fesesp (Federação de Serviços do Estado de São Paulo) quanto a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pretendem mover ações judiciais contra a medida, pois já o fizeram em questões similares no passado obtendo bons resultados para elas.
Já Guilherme Barros (2003) traz a informação de que “Palocci já admite alterações na MP da COFINS no Congresso”, o que vai de encontro aos comentários trazidos nos trechos acima que mostravam o descontentamento de especialistas e de empresários com as ações contempladas pela medida provisória em foco. Embora o ministro estivesse sinalizando abertura de diálogo, a Receita Federal estava se posicionando contra tais alterações.
Para Marcos Cézari (2003) “COFINS maior pode aumentar informalidade”, e em seu texto tenta demonstrar como a MP 135 atingirá em cheio o setor mais frágil da economia, o de serviços, que arcará com cerca de quatro bilhões de reais. A ideia principal é que com a medida o setor tenderá à informalidade, o que já era comum, e passará a empregar menos trabalhadores formais, evitando a carga tributária maior. Para ele a calibragem do aumento está errada, fato confirmado pelo representante da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Horacio Lafer Piva.
Já em 9 de novembro de 2003 o empresário Antônio Ermírio de Moraes, em um artigo intitulado “Tributos versus informalidade”, concordava com Marcos Cézari, pois afirmava que o aumento da carga tributária que viria a atingir o setor de serviços iria sim estimular a informalidade no setor, que é apontado por Moraes como sendo o mais fraco da economia nacional.
Viemos acompanhando as consequências da MP 135, que atingiria mais o setor de serviços, mas há um dado que nos interessa mais na MP, a saber, a implementação de ações de combate ao contrabando e ao descaminho dentro da medida provisória, que torna muito mais dura a vida do sacoleiro que vive do comércio de produtos comprados principalmente no Paraguai.
Conforme publicou Sandra Manfrini, em seu texto “MP da Receita também enquadra sacoleiros e empresas de ônibus”, o ponto mais fraco da cadeia econômica nacional seria o mais atingido pelas medidas econômicas implementadas a partir da promulgação da MP 135. O texto inicia com: “A Receita Federal está tentando fechar o cerco às operações de contrabando de mercadorias de países vizinhos, principalmente do Paraguai” (MANFRINI, 2003) e segue com comentários da secretária-adjunta da Receita, Clecy Lionço, a respeito da nova postura adotada pelo órgão em relação aos sacoleiros, que estariam se organizando demais, o que provocou uma reação da receita.
Em 24 de dezembro de 2003, em pleno natal, a Folha de São Paulo destaca que houve a apreensão de mercadorias num valor de R$ 14 milhões nas operações de final de ano, sendo R$ 12 milhões em Foz do Iguaçu e R$ 2 milhões em Cascavel. Seriam ao todo, em Foz do Iguaçu, por volta de 40 carretas com apreensões. Entre 113 ônibus de turismo e 68 regulares houve a retenção de 56 destes, com base na MP 135, e emitiu-se um total de R$ 900 mil em multas. De 130 veículos de passeio e turismo, e cinco mil pessoas foram obtidos R$ 5 milhões e multas (apenas com cigarro contrabandeado).
A estratégia implementada pela MP 135 obriga a identificação de bagagens, podendo acarretar uma multa de R$ 15 mil ao transportador em caso de descumprimento. Inverte-se, assim, o foco, que era voltado ao sacoleiro, e dirige-o ao transportador, que pode ser mais facilmente coagido a parar de transportar contrabando e itens provenientes de descaminho. Já em Cascavel foram 48 fiscalizações em ônibus, com a apreensão de 3853 volumes de mercadorias no valor aproximado de R$ 2 milhões. E mais 3 ônibus, uma van, 61 kg de maconha apreendidos e oito presos.
Nesta operação de fiscalização houve a participação de vários órgãos envolvidos na segurança pública, como a Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Polícia Militar, Procuradoria da República e Promotoria de Investigações Criminais. Mas, a novidade ficou por conta da participação da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestres) e do DER (Departamento de Estradas e Rodagens), que fiscalizaram as empresas transportadoras.

3 – O que diz a MP 135

            Abaixo citaremos a parte do texto da Medida Provisória nº 135, destacando apenas os trechos em que a sua aplicabilidade atinge diretamente aos sacoleiros e a seus transportadores. Estas partes correspondem aos artigos de número 58 e 59, como seus parágrafos e partes constituintes.

Art. 58.  O transportador de passageiros, em viagem internacional, ou que transite por zona de vigilância aduaneira, fica obrigado a identificar os volumes transportados como bagagem em compartimento isolado dos viajantes, e seus respectivos proprietários.

            O primeiro ato é o de disciplinar o arranjo espacial dos volumes transportados dos passageiros, que se sabe tratar de mercadorias compradas no Paraguai, no caso de oriundos de Foz do Iguaçu, a principal porta de entrada de produtos industrializados vendidos em Ciudad del Este, Paraguai. Assim, tudo o que não estiver neste espaço será automaticamente considerado irregular, e o que estiver em tal compartimento será de mais fácil acesso à fiscalização.

§ 1º No caso de transporte terrestre de passageiros, a identificação referida no caput também se aplica aos volumes portados pelos passageiros no interior do veículo.

            No parágrafo 1º há o cercamento de possibilidades de fiscalização por parte dos órgãos competentes, reafirmando que até os volumes particulares terão de ser identificados, passando a responsabilidade por tal identificação às empresas de transporte, o que diminui o espectro de indivíduos responsabilizáveis, facilitando a tarefa fiscal.

            § 2º As mercadorias transportadas no compartimento comum de bagagens ou de carga do veículo, que não constituam bagagem identificada dos passageiros, devem estar acompanhadas do respectivo conhecimento de transporte.

            Já o parágrafo 2º faz mais um adendo, aventando a possibilidade de responsabilizar o dono da carga, no caso de que esteja havendo apenas o transporte de mercadorias sem a presença de um passageiro correspondente a ela. É comum às empresas de transporte fazerem fretes sem a presença do proprietário da carga, como se fosse uma operação de simples transporte. Tal medida cerca ainda mais as possibilidades de se coibir as práticas de descaminho ou contrabando.

§ 3º Presume-se de propriedade do transportador, para efeitos fiscais, a mercadoria transportada sem a identificação do respectivo proprietário, na forma estabelecida no caput ou nos §§ 1º e 2º deste artigo.

            O parágrafo acima completa o quadro de possibilidades, e responsabiliza a empresa de transporte pela eventual falta de identificação da carga que estiver transportando. O alvo deixa de ser os milhares de sacoleiros individuais e passa a ser as centenas de transportadores formais de carga e passageiros que operavam livremente nas fronteiras brasileiras, em especial na cidade de Foz do Iguaçu. Isto deixa a amostragem mais eficiente e coíbe melhor as práticas ilícitas.

§ 4º Compete à Secretaria da Receita Federal disciplinar os procedimentos necessários para fins de cumprimento do previsto neste artigo.

            O parágrafo 4º estabelece a competência disciplinar dos atos a serem praticados com o intuito de se fiscalizar a evasão de divisas por meios ilícitos em nossas fronteiras. Não faz menção a mais nenhum órgão de governo, o que deixa uma enorme flexibilidade para articular diferentes grupos de agentes no combate a tais práticas. Ou seja, o sacoleiro é disciplinado, mas a Receita Federal recebe carta branca para agir.

        Art. 59.  Aplica-se a multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) ao transportador, de passageiros ou de carga, em viagem doméstica ou internacional que transportar mercadoria sujeita a pena de perdimento:

            O artigo 58 tratou da fiscalização, agora o artigo seguinte, o artigo 59, trata das punições aplicáveis a quem transgredir as regras estabelecidas pela MP 135. Assim, o transportador de cargas que vier a ser flagrado em atitude irregular arcará com uma multa de R$ 15 mil, o que em valores do ano de 2003 girava e torno de US$ 5 mil1 . Um golpe devastador nas receitas de uma atividade tão difícil.

        I - sem identificação do proprietário ou possuidor; ou
        II - ainda que identificado o proprietário ou possuidor, as características ou a quantidade dos volumes transportados evidenciarem tratar-se de mercadoria sujeita à referida pena.

            As partes I e II do artigo 59 da MP 135 dividem as cargas em não identificadas e identificadas - mas visivelmente irregulares. Assim, temos um critério objetivo, pois se não há identificação em um volume qualquer já caracteriza o fato de ser irregular, e outro subjetivo, pois dependerá do fiscal, no ato de conferir a mercadoria, determinar se uma carga é ou não evidentemente de mercadoria sujeita a penalidade. Este último critério deixa muita margem a interpretação e um grau de liberdade a mais nas mãos do fiscal.

        § 1º Na hipótese de transporte rodoviário, o veículo será retido, na forma estabelecida pela Secretaria da Receita Federal, até o recolhimento da multa ou o deferimento do recurso a que se refere o § 3º.

            O parágrafo 1º estabelece mais uma punição ao empresário infrator, a retenção do veículo que transportar a mercadoria irregular e for flagrado pela Receita Federal, ou por seus apoios, nas operações de fiscalização. Isto caracteriza um segundo golpe no sistema de transporte, chamado de circuito sacoleiro pelo pesquisador Eric G. Cardin (2011), impossibilitando o transportador que não tiver o valor da multa de utilizar o veículo para cobrir este custo extra.

        § 2º A retenção prevista no § 1º será efetuada ainda que o infrator não seja o proprietário do veículo, cabendo a este adotar as ações necessárias contra o primeiro para se ressarcir dos prejuízos eventualmente incorridos.

            Para evitar a alegação de que o condutor do veículo não se tratava do proprietário, ou seu funcionário, o parágrafo 2º mantém a multa mesmo nestes casos. Ou seja, se houver um fretamento ou terceirização do veículo, o proprietário será punido mesmo assim. Uma vez pego na fiscalização não há alternativa viável para escapar à punição prevista na MP 135.

        § 3º Caberá recurso, com efeito exclusivamente devolutivo, a ser apresentado no prazo de vinte dias da ciência da retenção a que se refere o § 1º, ao titular da unidade da Secretaria da Receita Federal responsável pela retenção, que o apreciará em instância única.

            Como toda a multa prevê um recurso para contemplar casos omissos ou enganos no processo de sua aplicação, o parágrafo 3º assinala a possibilidade de tais recursos, estabelecendo um prazo, mas colocando a decisão nas mãos do próprio órgão que multou durante o ato de fiscalização. Assim, a Receita Federal investiga, pune e decide se mantém a punição ou não. Há, então, uma sobreposição de competências que pode vir a gerar um desequilíbrio de poder, pois o punido dirá que seu juiz errou ao puni-lo, e este terá que concordar com ele.

        § 4º Decorrido o prazo de quarenta e cinco dias da aplicação da multa, ou da ciência do indeferimento do recurso, e não recolhida a multa prevista, o veículo será considerado abandonado, caracterizando dano ao Erário e ensejando a aplicação da pena de perdimento, observado o rito estabelecido no Decreto-Lei no 1.455, de 1976.

Este parágrafo acima, o 4º joga uma pá de cal no circuito sacoleiro que se utiliza de empresas de transporte, pois prevê a retirada de circulação dos veículos apreendidos e com a multa não paga. Isto torna a atividade de transporte nestas condições quase que inviável, sendo uma roleta russa, já que a cada viagem haverá a chance de ser punido pela Receita Federal.

        § 5º A multa a ser aplicada será de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) na hipótese de:
        I - reincidência da infração prevista no caput, envolvendo o mesmo veículo transportador; ou
        II - modificações da estrutura ou das características do veículo, com a finalidade de efetuar o transporte de mercadorias ou permitir a sua ocultação.

            Para o caso de a empresa conseguir arcar com a despesa de ser multada, com os R$ 15 mil de prejuízo, e vier a insistir em transportar mercadorias da mesma forma que antes, ou caso ela tente burlar a fiscalização modificando, com fundos falsos no veículo ou o que o valha - o que é comum nesta atividade - , haverá a duplicação da penalidade de multa, indo a R$ 30 mil.

        § 6º O disposto neste artigo não se aplica nas hipóteses em que o veículo estiver sujeito à pena de perdimento prevista no inciso V do art. 104 do Decreto-Lei no 37, de 1966, nem prejudica a aplicação de outras penalidades estabelecidas.

            No 6º parágrafo faz-se menção a uma lei de 1966 que já previa a perda do veículo caso o condutor fosse também o proprietário do bem apreendido por irregularidade fiscal. O que demonstra que a preocupação da legislação para com o contrabando e o descaminho data pelo menos da época do regime militar iniciado em 1964, e que se trata de uma questão de Estado, mais do que de governo:

Decreto Lei nº 37 de 18 de novembro de 1966 - Dispõe sobre o imposto de importação, reorganiza os serviços aduaneiros e dá outras providências. Art.104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos: V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção. (BRASIL, 1966)

        § 7º Enquanto não consumada a destinação do veículo, a pena de perdimento prevista no § 4º poderá ser relevada à vista de requerimento do interessado, desde que haja o recolhimento de duas vezes o valor da multa aplicada.

            Neste ponto há um fato curioso, o de o parágrafo 7º prever um resgate do bem apreendido, uma fiança, para que a empresa possa utilizar o veículo apesar da possibilidade do perdimento do mesmo. O que garantiria uma renda extra para a empresa, mas que possivelmente significaria o fato de este veículo retornar ao circuito sacoleiro, fazendo o mesmo transporte que resultou em seu perdimento inicial.

        § 8º A Secretaria da Receita Federal deverá representar o transportador que incorrer na infração prevista no caput ou que seja submetido à aplicação da pena de perdimento de veículo à autoridade competente para fiscalizar o transporte terrestre.

            No 8º parágrafo se determina que a Receita Federal informe o órgão fiscalizador do transporte terrestre - no nosso caso a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) – e o motivo de tal comunicação só se explicita no parágrafo seguinte, o 9º, onde revela-se que a transportadora terá sua permissão de atuar na área de fronteira por dois anos, o que inviabilizaria por completo a manutenção de suas atividades financeiras.

        § 9º Na hipótese do § 8º, as correspondentes autorizações de viagens internacionais ou por zonas de vigilância aduaneira do transportador representado serão canceladas, ficando vedada a expedição de novas autorizações pelo prazo de dois anos.

4 – O que diz o delegado-chefe da Receita Federal em Foz do Iguaçu

O delegado-chefe da Receita Federal em Foz do Iguaçu no ano de 2003, Mauro de Brito, logo após a publicação da MP 135, concedeu uma entrevista ao jornal digital H2Foz em 18 de novembro de 2003, especializado em notícias da fronteira de Foz do Iguaçu com os países vizinhos, a respeito da nova estratégia empregada pela Receita Federal no combate ao contrabando e ao descaminho, na esteira da chamada Operação Clandestino 2, que teve início no dia 10 de novembro de 2003 na região da tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina.
A matéria jornalística informa que a medida provisória tem como objetivo, também, coibir os comboios de ônibus que saem de Foz do Iguaçu pela BR 277, às quartas-feiras e aos sábados (os mais movimentados de sacoleiros), contando com até duzentos ônibus, numa tentativa de burlar a fiscalização, que não consegue dar conta de um número tão grande de veículos para fiscalizar ao mesmo tempo.
Até a data da entrevista a Receita Federal já havia multado e apreendido dois veículos baseados na nova legislação, e mais um com base em lei já existente anteriormente. Mas as fiscalizações ocorreram em 340 ônibus, com 63 apreensões de mercadorias, totalizando R$ 2,5 milhões em valor de produto e mais R$ 300 mil em multas aplicadas, o que já haveria indícios uma tentativa de enquadramento das empresas à nova legislação a respeito do transporte de mercadorias.
Um dado interessante é o fato, ressaltado no texto do artigo, de que houve uma queda de 80% no número de ônibus de turismo com destino à Foz do Iguaçu. Dos cerca de 900 que circulavam a cada semana na fronteira por volta de 700 abandonaram a atividade. Cálculos da receita estimam em cerca de US$ 14 milhões em mercadoria deixam de entrar no território nacional a cada semana provenientes de contrabando e descaminho.
Num cálculo simples vemos que cada ônibus carregaria na ocasião cerca de US$ 20 mil, então 900 deles levariam semanalmente US$ 18 milhões aproximadamente, e num ano, caso os valores fossem regulares e não sazonais, teríamos entrando por nossas fronteiras por volta de US$ 936 milhões em produtos industrializados na forma de contrabando e de descaminho.
Numa rápida consulta a um site de empresa de turismo rodoviário descobrimos que um ônibus de turismo pode transportar de 46 a 50 passageiros2 . Considerando-se a lotação máxima e levando-se em conta uma cota mensal de US$ 150 por CPF, conforme legislação em vigor na época da entrevista, teríamos - num mundo perfeito - um máximo de mercadorias no valor de US$ 7500 por ônibus. Comparando-se aos US$ 20 mil estimados pela Receita Federal, em um total de 50 passageiros por ônibus, teríamos uma média de compras de US$ 400 por pessoa, o que é apenas pouco mais de duas vezes e meia maior que a cota.
Este cálculo pôde nos fornecer um dado importante, a saber, que não se trata, no caso destes ônibus fiscalizados, de sacoleiros com um poder de compra tão grande assim, mas de pessoas que têm pouco capital de giro para investir nesta atividade ilícita. Outra alternativa, que já foi informada por Rabossi (2004) e por Cardin (2011), é o fato destes passageiros serem laranjas, ou seja, que não sejam os reais donos das mercadorias, e sim testas de ferro a serviço de um ou mais grandes importadores informais, formando uma rede subterrânea de contravenção.
Mauro de Brito informou que outros órgãos da administração e da segurança pública estiveram presentes à fiscalização no âmbito da Operação Clandestino 2, como a PRF (Polícia Rodoviária Federal), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Departamento de Estradas e Rodagem (DER), e que apesar dos protestos (de sacoleiros e de empresários do setor de turismo envolvidos nas atividades de transporte destes sacoleiro) os fiscais estavam apenas fazendo seu trabalho.
Os efeitos da operação da Receita Federal atingiram não só Foz do Iguaçu, mas também o outro lado da fronteira, onde por volta de quinhentos taxistas, motoristas de vans e mototaxistas, fizeram um protesto no acesso à Ponte da Amizade do lado paraguaio, fechando uma das vias, protestando contra a posição brasileira quanto às atividades  dos sacoleiros. O que evidencia uma outra ponta da rede do chamado circuito sacoleiro, transnacional, para além da fronteira, que articula as duas cidades.
O delegado da Receita Federal informou também que já havia na legislação anterior à assinatura da MP 135 determinando a identificação da bagagem, o que houve foi uma atribuição punitiva mais clara, dando as ferramentas necessárias ao trabalho de fiscalização. Ou seja, foi claramente uma determinação do governo federal em coibir as práticas de contrabando e descaminho na fronteira.
Para o delegado Brito a prática do descaminho e do contrabando, sendo feita da forma que estava, com a organização de comboios com centenas de ônibus seria uma afronta ao Estado e precisava ser coibida. A MP 135 deu um incentivo à fiscalização por parte da Receita Federal e aglutinou os demais órgãos de apoio num mesmo interesse. Sendo caracterizada uma política de governo a nova postura da fiscalização.
Neste caso vemos o que Costa e Cardin (2019) citaram como sendo exemplos de tática por parte dos sacoleiros, que se utilizavam do número imenso de ônibus para burlar a fiscalização, e do exemplo de estratégia por parte do Estado de ir atingindo as empresas transportadoras destes sacoleiros e suas mercadorias, para enfraquecer sua tática ilícita. Como vimos quem levou a melhor foi a estratégia, neste caso.
Com relação ao custo de toda esta operação, Brito destaca que ainda não há um total, mas que a verba já está prevista no orçamento e que gira em torno do pagamento de diárias e combustível. E, ainda garante que as despesas serão bem menores que o lucro de se evitar a entrada diária de cerca de US$ 3 milhões a US$ 5 milhões em descaminho, evitando assim evasão de divisas e tributos.
Quanto às ameaças, por parte de cidadãos paraguaios, de impedirem que as exportações brasileiras para o Paraguai passem pela Ponte da Amizade o delegado da Receita Federal afirmou que o Estado paraguaio não tem esta posição, que isto parte de indivíduos, e que vem se encontrando com representantes do Paraguai para colaboração neste campo.
Respondendo a respeito das alegações de que há uma questão social ligada à atividade dos sacoleiros na fronteira, o delegado respondeu que o tráfico de drogas também gera emprego e renda, o tráfico de crianças idem, como a prostituição. Mas, que os órgãos de fiscalização existem para coibir as práticas ilegais, como a Receita Federal, a ANTT, a PF, o DER (Departamento de Estradas e Rodagem), como todo o Estado.
A entrevista chega ao ponto onde cita que a Câmara dos Vereadores de Foz do Iguaçu pediu explicações à Receita Federal a respeito da operação que está sendo localizada. O delegado Brito dá uma resposta bem interessante, que revela um ponto de vista estranho quanto à sua atividade, pois ele afirma que é natural a câmara estar preocupada (pois a atividade sacoleira em 2003 era bem significativa no município), e:

... a única forma de torna (sic) efetivo nosso combate é gerar empregos, empregos saudáveis, empregos formais que possam tirar as pessoas da informalidade, até da marginalidade que existem (sic) porque, em sã consciência, eu duvido que 90% das pessoas que hoje trabalham como laranja que elas não gostariam de ter uma atividade diferente, uma atividade como nós temos. (H2FOZ, 2003)

            Há uma incoerência, e a confusão da fala demonstra uma tentativa de articulação de ideias que não são afins. Acima o delegado já havia dito que os órgãos de fiscalização existem para coibir, e agora apela para um tom de comiseração para com os sacoleiros e laranjas. No entanto, coibindo o descaminho não se cria automaticamente vagas de emprego, se criam mais desocupados, pois as pessoas que faziam as viagens pelas estradas do país afora ficarão sem ocupação e sem renda, e muitos poderão cair numa marginalidade criminosa, deixando de comprar e vender, práticas socialmente aceitas, para roubar e/ou traficar.
Já quanto a estimativa de que 90% das pessoas envolvidas com o descaminho gostariam de ter uma atividade diferente, é algo a se verificar, mas como Cardin (2006) nos informou, os que conseguem sair da atividade de laranja ou sacoleiro o fazem quando alcançam uma condição pessoal tal que os possibilitem um emprego que pague tão bem, ou melhor, que o da atividade do descaminho, o que passa por uma maior instrução pessoal, o que não é acessível a todos, e não acontece do dia para a noite, com a assinatura de uma MP.
Na entrevista é citada a declaração do prefeito à época, de que a operação estaria a serviço de interesses de terceiros. Não fica claro para nós quais seriam tais terceiros, mas o fato de poder haver tal insinuação é provocador, pois apenas o empresariado importador nacional, ou algum outro esquema maior de descaminho e contrabando ganhariam com a repressão à atividade sacoleira.
Mas à frente a reportagem cita um possível terceiro, referente ao trecho anterior, que se trataria da Fundação Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), que seria um bom candidato a grupo de interesse com condições de influenciar na criação dos artigos 58 e 59 da MP 135, que estranhamente começa com aumento de imposto, o COFINS, e passa a algo completamente diferente, o combate ao descaminho e ao contrabando.
No gráfico abaixo, produzido com dados provenientes da Receita Federal e organizados pelo autor, podemos ver a escalada dos números, em dólares, que ocorre a partir de 2003, coincidindo com a MP 135 e com o governo Lula (2003-2010). Esta escalada continua durante todo o governo citado e só passa a cair no governo Dilma (2011-2016), despencando a partir de 2014, coincidindo com a atual crise econômica nacional, comais de 13 milhões de desempregados, que seriam consumidores alvo de produtos vindos do Paraguai - caso não estivessem sem renda.

5 – Conclusão

Chegamos ao final de nosso texto tendo discorrido sobre a MP 135, seus objetivos principais e seus objetivos secundários, os de combater a importação ilegal por meio das fronteiras nacionais. Passamos da letra fria da lei, para os comentários que ecoaram na sociedade, passando aos efeitos locais de tais medidas, citando o debate ocorrido em Foz do Iguaçu e Ciudad del Este.
Acreditamos ter tido êxito no acompanhamento da questão principal do artigo, levando um maior entendimento da ação do Estado em questões que atingem milhares de pessoas, mudando seu meio de vida e de obtenção de renda do dia para a noite, forçando-os a uma maior informalidade, marginalidade e à anomia social. Como vimos, a média de compras por pessoa nos ônibus de viagem girava em torno dos US$ 400, o que não configuraria uma afronta tão grande assim para o Estado, como afirmou o delegado Brito, e sim uma tática para sobreviver em meio a uma crise econômica que alijou um contingente enorme de indivíduos, removendo seu acesso ao mercado formal de emprego.
Ao compararmos as informações do texto da MP 135 com a realidade da vida cotidiana dos sacoleiros e laranjas, vimos que houve um escaloidnto de consequências de tal medida provisória. Para a indústria foi uma mão na roda, já que desonerou a cadeia produtiva que pagava impostos em cascata durante cada troca de mãos na sucessão da produção. Para o setor de serviços a MP representou um aumento de 153% na COFINS o que, segundo comentaristas, levaria a um aumento na informalidade e consequente queda na arrecadação.
Já para os laranjas e sacoleiros, junto com empresas de transporte, mototaxistas, taxistas, motoristas de vans, setor hoteleiro voltado aos sacoleiros, vendedores ambulantes e camelôs na região da Ponte da Amizade, bares, restaurantes, comércio em torno da ponte, os efeitos foram muito fortes, pois os dados da Receita Federal demonstram a aplicação da lei no desmonte do circuito sacoleiro, que nunca se recuperou desde então.
Sabemos que o tema é bem árido, e pode não ter despertado o interesse de todos os que leram o texto, e que o fato de ter dezesseis anos de distância entre a ocorrência dos fatos narrados e este estudo, pode trazer dificuldades aos leitores. Mas, não pudemos deixar de registrar tais fatos, pois eles demonstram uma ação na escala superior do Estado e suas consequências na escala local, o município de Foz do Iguaçu. Os dados mostram o ponto de inflexão da curva de apreensões coincidindo com a assinatura da MP 135, e é raro conseguirmos detectar tão bem uma cause e seu efeito, e com números, o que amarra a análise fortemente a dados da realidade, e não a interpretações do autor.
Encerramos o texto esperando que possamos dar continuidade às pesquisas neste campo, trazendo mais dados a respeito do combate ao descaminho no Brasil, sabendo que ainda falta lançar luz em relação às operações da Receita Federal, que são constantes, mas que não têm seus resultados amplamente divulgados.

6 – Bibliografia

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RABOSSI, Fernando. Nas ruas de Ciudad del Este: Vidas e vendas num mercado de fronteira. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2004.

*Bacharel em Filosofia; Mestrando no PPG em Sociedade, Cultura e Fronteiras, Unioeste - Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Email: ramosnavega@gmail.com
** Pedagoga; Psicóloga; Psicopedagoga; Docente do Ensino Superior – Uniamérica - Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Email: navegapsicologia@gmail.com
1 Cálculo feito consultando-se o site http://www.yahii.com.br/dolar.html
2 https://pacificosultransportadora.webnode.com.br/products/onibus-de-turismo-convencional-46-a-50-passageiros/


Recibido: 09/08/2019 Aceptado: 13/12/2019 Publicado: Diciembre de 2019


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