Fabiano Bordignon*
Mauro José Ferreira Cury**
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Correo: fabianodelta.fb@gmail.com
RESUMO: O artigo versa sobre a pesquisa da situação atual da estrutura de transparência pública no Brasil e a discussão sobre a utilização do princípio do panótico, do “ver sem ser visto”, de Jeremy Bentham, cunhado no século XVIII, para condicionar o comportamento do gestor público a partir da disponibilização da integra dos processos licitatório e posteriores contratos públicos em sistemas de informação acessíveis à população de forma geral e facilitada, como forma de recuperar o controle da potentia sobre a potestas e diminuir ações de corrupção.
Palavras-chave: administração pública; direito a informação; fiscalização; controle social.
EL PRINCIPIO PANOTICO APLICADO A LA TRANSPARENCIA EM LA GESTIÓN PÚBLICA, LA “VISION SIN VISTA” DE LOS CIDADANOS
RESUMEN: se trata de una investigación sobre la situación actual de la estructura de transparencia pública en Brasil y la discusión sobre la utilización del principio del panótico, del "ver sin ser visto", de Jeremy Bentham, acuñado en el siglo XVIII, para condicionar el comportamiento del gestor el público a partir de la disponibilidad de la integración de los procesos licitatorio y posteriores contratos públicos en sistemas de información accesibles a la población de forma general y facilitada, como forma de recuperar el control de la potentia sobre las potestas y disminuir acciones de corrupción.
Palabras Clave: administracion PUBLICA; derecho a la información; inspección; control social.
THE PRINCIPLE OF THE PANÓPTICS APPLIED TO TRANSPARENCY IN PUBLIC MANAGEMENT, THE "SEEING NOT SEEN" OF THE CITIZEN
ABSTRACT: it is a question of research on the current situation of the structure of public transparency in Brazil and the discussion about the use of Jeremy Bentham's principle of panopticism, of "seeing without being seen", coined in the eighteenth century, to condition the behavior of the manager from the availability of the integral of the bidding processes and subsequent public contracts in information systems accessible to the population in a general and facilitated way, as a way to regain control of potentia over potestas and to reduce actions of corruption.
Key-Words: public administration; right to information; inspection; social control.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Fabiano Bordignon y Mauro José Ferreira Cury (2019): “O princípio do panótico aplicado à transparência na gestão pública, o “Ver sem ser visto” do cidadão”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (octubre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/10/transparencia-gestao-publica.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1910transparencia-gestao-publica
INTRODUÇÃO
O princípio do panótico é essencialmente a criação de dispositivos eficazes para “ver sem ser visto” (BENTHAM, 2008, p.28) que criem a sensação de constante observação e inspeção, conduzindo o sujeito a comportamentos conforme a norma.
O presente trabalho busca demonstrar que o cidadão individualmente pode afrontar a corrupção e auxiliar o aprimoramento de políticas públicas a partir da aplicação deste princípio. Qualquer pessoa efetivamente e de forma anônima pode fiscalizar a administração pública e condicionar o gestor ao comportamento adequado a partir da constante vigilância. Evidencia-se a necessidade de evolução e aprimoramento dos controles sociais sobre os gestores públicos, notadamente a partir da proposta que será desenvolvida de que os contratos administrativos e os procedimentos licitatórios devem ser expostos integralmente na internet, para amplo escrutínio público.
Sabe-se que é princípio fundamental da formação dos Estados de Direto Democráticos a premissa de que o poder advém do povo. Na nossa Constituição Federal o princípio vem expresso no parágrafo único do artigo 1º: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A norma aí deriva da antiga democracia direta Grega, paulatinamente agregada à democracia representativa, pois, com a gradual especialização das funções e conhecimentos humanos, achou-se necessário o escrutínio, via eleições de pessoas para deliberar e construir políticas para melhor ordenar o desenvolvimento das sociedades, que gradativamente tornaram-se mais complexas e dinâmicas.
O povo ou a potentia é a origem de todo o poder político. Entretanto, um dos problemas atuais das democracias é que a potestas, entendida como as estruturas de poder Estatal decorrentes da potentia, vem gradativamente usurpando o poder do povo, da potentia, servindo-se do povo ao invés de servi-lo. Um dos principais fenômenos deste aprisionamento e usurpação é o fenômeno da corrupção, praticamente endêmica no Brasil, conforme se vê das recentes operações policiais de nível regional, nacional e internacional, como é o caso da “Operação Lava Jato”, bem com, a denominada “Operação Pecúlio” em Foz do Iguaçu, cidade que compõe a tríplice fronteira do Brasil com Paraguai e Argentina no estado do Paraná, a operação investigou fraudes em licitações na Prefeitura do município, prendeu mais de 50 pessoas e originou dois processos criminais com 149 réus, grande parte denunciado em ambas ações penais.
Os casos mencionados são típicos e infelizmente recorrentes no Brasil e alhures em que o servidor público especial, o político e o gestor público em geral, abusam de suas prerrogativas e poder e corrompem o mandato outorgado pela potentia, violando a confiança e esperança que foi depositada pelo sufrágio apoderam-se do poder que lhe foi outorgado para beneficiar-se a si próprio em detrimento do povo, da sociedade.
A pesquisa é dedutiva, na medida em que se dedica a demonstrar, tendo por critério a coerência e a consistência, conhecimento teórico e doutrinário já firmado sobre o conceito de panótico, direito à informação e transparência pública no Brasil. Para tanto foi realizada revisão bibliográfica de livros, artigos científicos e análise de relatórios e guias oficiais realizados por diversos órgãos públicos responsáveis pela divulgação de informações governamentais.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O panótico nas políticas de transparência.
Questões relacionadas ao abuso por parte dos gestores públicos, da classe política e a corrupção e o desvio, trazem à tona uma discussão sobre controles e o decorrente condicionamento de comportamentos.
Qual o motivo que leva as pessoas a respeitar os limites de velocidade nas rodovias? As meras placas de sinalização? Os radares fixos implementados em locais previamente informados? Certamente que todos estão mais inclinados ao respeito das normas quando tem certa a presença da fiscalização e punição.
Atualmente as tecnologias de controle geral tem-se aprimorado. Nas rodovias, além dos pontos fixos de controle, por exemplo, evolui-se para o monitoramento completo das pistas, mediante potentes câmeras de segurança, bem como a presença furtiva e surpreendente de policiais com radares móveis.
Essas atuais tecnologias de controle, notadamente as relacionadas à câmeras de segurança e sensoriamento diverso, são inspiradas na origem ao conceito de panótico ou panóptico, ou casa de inspeção, construído das observações de 21 (vinte e uma) cartas do pensador inglês Jeremy Bentham, escritas na Rússia em 1787 (Século XVIII) e endereçadas a um amigo na Inglaterra.
O panótico, consistia, como destacou o autor na própria capa inicial da publicação em uma “idéia de um novo princípio de construção” que seria passível de utilização em “qualquer sorte de estabelecimento, no qual pessoa de qualquer tipo necessite ser mantidas sobre inspeção” (BENTHAM, 2008). Propunha uma “casa de penitência” (penitenciária) em que os presos ficariam em um edifício circular, com celas construídas uma ao lado de outras, todas com grades voltadas para o centro no qual haveria uma grande torre de observação idealizada de forma que o guarda no centro da torre pudesse observar todos os presos e estes não pudessem observá-lo.
A concepção de Bentham, não seria aplicável apenas a penitenciárias, mas a “quaisquer estabelecimentos, nos quais, [...] queira-se manter sob inspeção um certo número de pessoas” (BENTHAM, 2008, p.19). A proposta era que a possibilidade de observação incessante condicionasse o comportamento dos presos ou de quaisquer pessoas, muito similar hoje ao que acontece com a vigilância por câmeras de segurança por exemplo. Neste aspecto, pode-se dizer que o autor citado, pelo conceito de panótico, é o ancestral da concepção de Big Brother.
A ideia de supervigilância também é explorada na obra “1984” (ORWEL, 2005) do também inglês George Orwell (1903-1950), escrita em 1949 em que o autor cunhou a expressão "o Grande Irmão está te observando" (do original "Big Brother is watching you").
O panótico como princípio é basicamente a criação de arquiteturas ou dispositivos eficazes para “ver sem ser visto” (BENTHAM, 2008, p.28) que criem a sensação de constante observação e inspeção, conduzindo o sujeito a comportamentos conforme a norma, face a persuasão da vigilância, mesmo que efetivamente em alguns momentos essa vigilância não se estabeleça. É a perspectiva forte e concreta de uma vigilância severa a condicionar comportamentos sociais adequados.
É esse princípio que este artigo propõe que seja aplicado e incluído à uma controladoria social dos atos públicos, notadamente aos processos licitatórios e, posteriormente a eles, aos contratos administrativos e procedimentos de fiscalização, mormente naqueles contratos públicos de longa duração como fornecimento de serviços públicos.
Com efeito, políticos e gestores públicos precisam ser mantidos em constante inspeção. Essa inspeção deve ser concentrada, como se vê hoje a partir dos diversos órgãos de controle externo e interno em ações concentradas, mas também e de forma difusa a partir do olhar atento e anônimo da população.
O Panótico pode ser empregado para o controle da administração pública a partir da disponibilização passiva e geral de dados sobre a gestão pública, por exemplo da integra de todo processo licitatório que culminar em um contrato público, bem como do dia a dia das atividades de fiscalização de obras públicas em andamento e da execução de contratos como, por exemplo, coleta de lixo urbano, asfaltamento de vias públicas, prestação de serviços de saúde e outros.
Tal procedimento permitiria que ao lado do fiscal original de cada contrato público, normalmente um servidor público ou comissão designados pela Chefia do órgão interessado pela obra, pudessem se unir uma grande legião de anônimos que ao terem potencial acesso pleno e atualizado dos documentos, teriam maiores condições de apontar dedos e luzes para eventuais desvios dos gestores e fiscais públicos e estes, a partir do potencial controle difuso de seus atos, seriam mais condicionados a perseguir a retidão na conduta, tal qual insculpido por Bentham no século XVIII, o “ver sem ser visto” condicionando o “poder da mente sobre a mente” a partir de uma potencial vigilância de todos.
Atualmente o controle das contas públicas no Brasil é exercido internamente pelos próprios poderes, nos termos do artigo 74 da Constituição Federal que determina que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário manterão de forma integrada sistema de controle interno em suporte ao controle externo, que é exercido pelo congresso nacional com apoio do Tribunal de Contas da União, conforme determinado pelos artigos 70 e 71 da Constituição Federal. Além disso, vários outros órgãos atuam na prevenção, controle, investigação, repressão da corrupção e desvio de função de programas sociais, tais como Ministério Público e Polícias Judiciárias (Federal e Estaduais).
A complexidade das estruturas político-sociais do Brasil e o próprio fenômeno da corrupção, que como demonstrado pelas várias operações policiais e ações judiciais se tornou endêmica no país, o controle da Administração Pública não se deve restringir ao controle institucional. O controle social, caracterizado pelo envolvimento dos cidadãos e da sociedade organizada que monitora constantemente as ações governamentais e os gastos públicos é fundamental para a correta aplicação, desenvolvimento e distribuição dos serviços e das políticas públicas de forma equilibrada, faz com que a sociedade seja atendida de forma eficiente, evita o uso de recursos públicos com fins eleitoreiros, clientelista, populistas.
O controle social pode ser exercido de forma direta ou indireta, aquela prescinde de intermediação de órgão ou entidade publica sendo realizada diretamente pelo interessado. Já a fiscalização indireta é executada através de mecanismos ou instituições colocados a disposição da sociedade para fiscalização do poder público, tais como os conselhos de municipais de políticas públicas.
O controle social no sistema brasileiro desenvolveu fortemente a partir da década de 80, quando movimentos populares começaram a se organizar e exigir o direito de participar das decisões políticas e de escolherem seus representantes. Na constituinte, centenas de emendas populares foram incorporadas ao corpo constitucional, o que culminou na chamada constituição cidadã, que consagrou um texto favorável à participação dos cidadãos nos processos de tomada das decisões políticas essenciais ao bem-estar da população, instituindo, por exemplo, os conselhos de políticas públicas, com funções de fiscalização, de mobilização, de deliberação ou de consultoria, conforme o caso.
A instituição de conselhos é obrigatória para que estados e municípios recebam verbas nas áreas de educação e saúde por exemplo. Atualmente, são obrigatórios, em nível municipal, a instituição do conselho de alimentação escolar, conselho municipal de saúde, conselho do fundo de educação básica, conselho de assistência social, entre outros, que podem ser instituídos como requisito para recebimento de verbas federais para programas serem realizados em nível local.
A participação popular pode ser realizada pelo cidadão isoladamente ou por organizações da sociedade civil, entretanto, a efetividade dos mecanismos de controle social depende essencialmente da capacidade de mobilização da sociedade, mas também de instrumentos que possibilitem o fácil acesso aos processos administrativos referentes às contratações e, posteriormente, à fiscalização dos contratos públicos.
A participação nos conselhos, pode ser direta como representante da comunidade, ou indireta, pois qualquer usuário que utiliza os serviços verifica desconformidades em relação ao divulgado, pode demandar ações dos conselhos municipais, realizando reclamações por telefone ou correspondência escrita, solicitando que os conselhos visitem o local, conheçam suas dependências, identifiquem as necessidades, e verifiquem a execução da ação de governo a eles relacionada.
Ademais, para que o controle social possa ser efetivamente exercido, é necessário, que os cidadãos tenham acesso às informações públicas. É dever de todo ente público informar a população, com clareza, sobre como gasta o dinheiro e prestar contas dos seus atos.
O governo federal, segundo informações contidas no sitio eletrônico do ministério da controladoria geral da união, criou o Portal da Transparência, um portal que possibilita ao cidadão o acompanhamento da execução financeira dos seus programas e ações, é uma ferramenta que permite fiscalizar a aplicação de recursos públicos.
Segundo a informação contida na apostila: Controle Social – Orientações aos cidadãos para participação na gestão pública e exercício do controle social, editada pela Controladoria Geral da União (CGU) em 2012:
No Portal, o cidadão encontra informações sobre os recursos públicos federais transferidos a estados, municípios e Distrito Federal e sobre os recursos transferidos diretamente aos cidadãos, como o Bolsa Família. Também estão disponíveis dados sobre os gastos realizados pelo próprio Governo Federal em compras ou contratação de obras e serviços, por exemplo, incluindo os gastos de cada órgão com diárias, material de expediente, compra de equipamentos e obras e serviços, e também os gastos realizados por meio de Cartões de Pagamentos do Governo Federal.
No Portal pode-se, por exemplo, consultar o valor que foi repassado pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) do Ministério da Educação para qualquer município do País ou mesmo quem são os beneficiários do Bolsa Família, quanto receberam e em que meses. O Portal é uma poderosa ferramenta de apoio ao exercício do controle social, pois permite ao cidadão saber como o dinheiro público está sendo utilizado, ampliando as condições de controle desse dinheiro. No Portal, as informações estão disponíveis ao usuário em linguagem simples e com navegação amigável, podendo ser acessado sem qualquer restrição ou necessidade de uso de senhas, em uma versão "cidadã" e compreensível, inclusive, por pessoas sem familiaridade com o sistema orçamentário-financeiro brasileiro. (SOUZA, et.al, 2012, p. 31)
No sitio oficial é possível realizar consultas sobre despesas, receitas, convênios, empresas, servidores, imóveis funcionais, etc., realizar reclamações e denúncias, entre outros serviços. O sitio integra e apresenta dados de diferentes sistemas utilizados pelo governo federal, os dados são recebidos periodicamente dos ministérios e outros órgãos do poder executivo federal responsáveis pela gestão governamental.
A lei federal 12.527/2011 que regulamenta o acesso à informação pela população aos órgãos públicos, determinou também que além da União, os Estados e Municípios disponibilizem a informação de forma acessível e clara a população independentemente de requerimentos de um modo geral. Nesse sentido, tanto o estado do Paraná, mediante sítio: http://www.transparencia.pr.gov.br, como o município de Foz do Iguaçu, por exemplo (http://www2.pmfi.pr.gov.br/giig/portais/portaldatransparencia), construíram sítios na internet chamados, no modelo do sitio federal (http://www.portaltransparencia.gov.br/), Portal da Transparência, onde disponibilizam dados de despesas, receitas, remuneração dos servidores, minutas de contratos e processos de licitação.
Faz-se necessário distinguir os termos acesso à informação e transparência que na maioria das vezes são utilizados como sinônimos, o primeiro refere-se a um direito fundamental de qualquer pessoa ter acesso aos documentos administrativos e a obrigação dos órgãos públicos de entrega-los, já a transparência, tem sentido mais amplo, depende da qualidade da informação disponibilizada pelas organizações governamentais, tais como acessibilidade, relevância, verificabilidade, integralidade, entre outras, tendo como finalidade a ampla publicização e facilitação da verificação das contas pelo interessado. (AYLLON, 2009, pag. 163)
O marco normativo é amplo, complexo e heterogêneo, além da já citada Lei nº 12.527/2011 em nível federal existem inúmeras outras leis, decretos e portarias normatizando o acesso a informação e a divulgação dos atos públicos, da mesma forma nos estados e municípios, como constata-se no sitio da Transparência Brasil. Pode-se citar como exemplo a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), Lei Complementar nº 131/2009 (acrescenta dispositivos à Lei de Responsabilidade Fiscal), Lei nº 13.460/2017 (institui o Código de defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos), Lei nº 10.520/2002 (institui o Pregão Eletrônico), Decreto nº 9.094/2017: (Institui a Carta de Serviços ao Usuário), Decreto nº 8.777/2016 (Institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal), Decreto nº 7.724/2012 ( Regulamenta a Lei de Acesso à Informação no Poder Executivo Federal), Portaria nº 1.254/2015 (MPOG, CGU: Institui o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC) no âmbito do Poder Executivo federal). (disponível em < http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/legislacao-relacionada-1>, acesso em 20/02/2019).
O conjunto da legislação referente a publicação dos atos públicos tem finalidade de viabilizar o exercício de acesso à informação. Entretanto, verifica-se que a prestação de contas não é realizada plenamente pelo ente público, pois não estão disponíveis nos sítios eletrônicos a integra dos processos licitatórios e contratos administrativos não sendo possível à população fiscalizar a evolução de contratos comuns a várias administrações como fornecimento de combustível mensal, manutenção veicular mensal, coleta de lixo, manutenção asfáltica, fornecimento de merenda escolar, dentre outros. O que se verifica nestes sítios é em alguns casos acesso aos contratos e editais de licitação, mas nada se apresenta sobre a evolução mensal dos principais contratos, quem atestou as notas, o que foi fornecido, quem forneceu e demais informações e isso dificulta que cada cidadão possa eventualmente escrutinar a gestão e fiscalização deles.
Para tais informações, mais específicas por assim dizer, a lei de regência diz sobre a necessidade de pedido de informações, com identificação do requerente, conforme se vê no artigo 10 da lei 12.527/2011. Tal procedimento burocratiza a ação e alerta o gestor sobre o interesse pessoal ou coletivo sobre tal o qual contrato.
Esses portais da transparência são importantes meios de acesso a informação e de denúncia de desvio de verbas e da finalidade dos serviços públicos, porém para o fortalecimento da democracia direta faz-se necessário, além da participação coletiva da população no controle das contas públicas e da definição das políticas públicas dos governos, regulamentar a forma de publicização das informações, orientando o ente público sobre a qualidade e atualidade da prestação de contas a população.
Não obstante a evolução que os portais de transparência representam, não há neles informações completas sobre os processos licitatórios e decorrentes contratos administrativos e informações sobre a atuação dos fiscais de cada contrato na evolução dos atos. Esta falta de transparência favorece a atuação de gestores corruptos que produzem peças futuras nos processos, suprimem dados e orçamentos, a depender da necessidade ou não de esclarecer pedidos de informação dos órgãos de controle, havendo casos de investigações em que se constatou que sequer haviam processos administrativos para a contratação desta ou daquela empresa, ou quando haviam foram produzidos posteriormente.
Outra fraude comum é a ação negligente, desidiosa ou criminosa do fiscal de um dado contrato público que atesta de forma superestimada a prestação do serviço, fazendo com que a administração pague por uma ação que não foi entregue na dimensão prevista, sem que haja possibilidade de escrutínio presente de tal fraude por parte da população que não tem acesso às minúcias de todo o processo administrativo.
O que se propõe aqui é uma evolução na política de transparência na forma de determinar-se aos gestores: 1) a adoção de processos digitais para a instrução e confecção de processos administrativos – notadamente licitações de decorrentes contratos administrativos, página por página, mês a mês; 2) que esses sistemas e processos administrativos sejam disponibilizados abertamente à população, inclusive de forma anônima, solução tecnológica essa plenamente compatível com o atual estágio dos sistemas públicos.
Exemplo de sistema de gestão informatizada de processo que poderia ser adotado é o sistema atualmente adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, denominado sistema EPROC, que permite a qualquer interessado, dependendo de cadastramento prévio e do grau de sigilo dos processos judiciais, acesso remoto e digital aos processos que tramitam naquela Corte de Justiça, incluído do primeiro grau de jurisdição.
O Tribunal referido também desenvolveu o sistema SEI, que permite a informatização, digitalização e acesso remoto de processos administrativos, sistema atualmente adotado por vários órgãos públicos e Ministérios. O acesso externo do sistema SEI é viabilizado, por exemplo, para usuários externos via endereçohttps://sei.trf4.jus.br/sei/controlador_externo.php?acao=usuario_externo_logar&id_orgao_acesso_externo=1.
Municípios, Estados e Governo Federal, por exemplo, poderiam adotar tais sistemas, com algumas adaptações, para seus processos de licitação e dar acesso irrestrito deles à população e aos próprios órgãos de controle, aplicando-se o princípio do panótico à fiscalização dos contratos e licitações públicas, o que certamente favoreceria o acesso do povo aos atos, com decorrente condicionamento do gestor público que sem saber quantos e quais lhe observam, seria condicionado cada vez mais pela potentia (povo) a manter-se nos trilhos firmes do interesse público.
A participação popular seria ainda mais favorecida. Nesse sentido, em 2014 foi promulgado pelo governo federal o decreto 8243, que cria a Política Nacional de Participação Social e estimula a participação dos conselhos, movimentos sociais e da sociedade civil na gestão do governo, por meio de: políticas públicas; comissão de políticas públicas; conferência nacional; ouvidoria pública federal; mesa de diálogo; fórum interconselhos; audiência pública; consulta pública; e ambiente virtual de participação social (art. 2 e art. 6 do decreto), especificando as diretrizes que devem ser observada no âmbito de cada uma dessas organizações, de modo a garantir a participação de todos os interessados.
Apesar de ser pouco exercida pela maioria dos brasileiros, a democracia direta vem sendo fomentada e fortalecida, através da promulgação de lei e decretos, como visto, e também pela capacitação de formulação das demandas pelos movimentos sociais que têm lutado pelos direitos das minorias na construção das políticas públicas e no controle da gestão dos recursos e serviços públicos.
Segundo dados do Ipea, de 2003 até 2010 foram realizadas 73 conferências nacionais sobre políticas públicas. Elas representam 64% do total desses encontros realizados no Brasil nos últimos 60 anos, que totalizaram a quantia de 114 em todo o período, e abrangeram uma grande diversidade de temas.
As diretrizes aprovadas nas diversas conferências nortearam políticas públicas elaboradas, fiscalizadas e avaliadas pelos 61 conselhos de participação social que - integrados por representantes do governo e da sociedade civil - hoje assessoram as ações de todos os ministérios. Muitas das suas deliberações já se tornaram decretos, portarias ou projetos de lei aprovados ou em tramitação no Congresso Nacional. Mas as conferências nacionais não foram os únicos canais de participação ampliados nos últimos anos. Dos 61 conselhos nacionais de políticas públicas com participação popular existentes, 33 foram criados ou recriados (18), ou democratizados (15) desde 2003. Hoje, 45% de seus membros são do governo e 55% da sociedade civil, incluindo, dependendo do caráter do conselho, representantes do setor privado e dos trabalhadores em geral ou de dado setor, da comunidade científica, de instituições de ensino, pesquisa ou estudos econômicos, assim como por organizações de jovens, mulheres e minorias. (SENA, 2011)
O governo em exercício no Brasil nos anos 2000, fomentou a democracia direta através do diálogo com movimentos sociais, que passaram a participar da formulação e definição das políticas públicas e até mesmo das resoluções dos rumos socioeconômicos do país por meio das conferencias nacionais, fóruns, audiências públicas. Entretanto, há de se considerar o risco da subordinação dos movimentos sociais ao estado e a redução de sua autonomia organizativa, já que passam a representar o estado na sua comunidade, aumentando o risco do clientelismo e populismo eleitoreiro e principalmente o risco do uso de programas sociais para cooptar votos, isso pode ser evitado incentivando o cidadão privativamente participar do processo de prestação de contas dos entes públicos, que pode ser realizado em cada residência por meio da internet.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Qualquer cidadão individualmente e de forma anônima pode fiscalizar os entes públicos e condicionar o gestor ao comportamento adequado a partir da constante vigilância, do “ver sem ser visto” fundado no conceito de panótico de Jeremy Bentham.
A participação popular como meio de controle do Estado e de seus gestores é fundamental no fortalecimento da democracia e da própria cidadania. Constata-se que apesar de haver meios de qualquer pessoa exercer seu direito de participar do Estado como destinatário das políticas públicas e programas sociais, a falta de um acesso facilitado às informações sobre contratos celebrados com o poder público é um impedimento para a participação dos cidadãos individualmente.
O incentivo a participação difusa dos indivíduos no escrutínio da evolução dos contratos e políticas públicas certamente terá reflexos constantes na conduta do gestor público, notadamente dos políticos que buscam manter uma boa avaliação perante o eleitor.
A utilização do princípio do panótico nas ações de transparência, criando mecanismos em que o cidadão tem acesso a informações sobre o dia a dia da evolução dos contratos, de forma anônima e disseminada através de sistemas informatizados, como SEI e EPROC, desenvolvidos pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, permitirá um maior condicionamento dos gestores públicos a bem observar os ditames da moralidade e da probidade pública. Dar acesso a integra dos processos e seus decorrentes contratos com a evolução mensal das ações certamente abrirá mais possiblidades de fiscalização difusa dos atos de governo realizados pelos gestores públicos.
Também o Portal da Transparência, site mantido pela controladoria geral da União, é importante mecanismo de auxílio aos cidadãos que desejam monitorar os entes públicos e a aplicação de recursos, no sitio estão alocados dados de todos os entes federais por meio de uma rede atualizada constantemente pelos próprios órgãos públicos que são obrigados a reportar gastos e publicar processos licitatórios.
Atuando efetivamente na sociedade brasileira a ONG Transparência Brasil tem auxiliado a sociedade brasileira no combate a corrupção, a organização criou uma série de projetos que disponibilizam na internet dados referentes a aplicação dos recursos públicos e atuação de políticos e servidores, como exemplo, projeto “Tá de Pé?” que fiscaliza a entrega de merenda nas escolas e creches publicas e o projeto “Meritíssimos” que monitora o desempenho dos ministros do Supremo Tribunal Federal, corte suprema do estado Brasileiro.
Esse acesso facilitado deve ser inclusive anônimo, de forma que o gestor sequer tenha conhecimento sobre quantas e quais pessoas ou até mesmo instituições de controle acessaram aquele procedimento. A potencialidade do controle, mesmo que não exercido num dado momento é um dos fundamentos do panótico, idealizado inicialmente como arquitetura de controle no século XVIII, mas que pode ser aplicado também ao controle dos atos de gestão e políticos realizados por gestores da coisa pública.
O controle e participação popular exercido de forma coletiva, realizado principalmente pelos movimentos sociais, que nas últimas décadas foram chamados pelo governo para participar e atuar como protagonistas na definição de políticas públicas, principalmente para as minorias, pode e deve ser aprimorado por um maior fornecimento de informações de qualidade para o olhar fiscalizatório destas organizações e também por parte do cidadão individualizado, recuperando-se assim a hegemonia da potentia (povo) sobre a potestas (Estado). O panótico, como princípio de controle, inicialmente do Estado sobre o indivíduo, também pode ser utilizado pelo indivíduo para controle dos atos e políticas estatais. É o olho que tudo vê, voltando sua visão para o poder do Estado, poder este que não pode ser exercido sem os limites estritos da fiscalização de todos.
REFERÊNCIAS
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BENTHAM, J. (2008). O panóptico (organizador: Tomaz Tadeu). Belo Horizonte. Autêntica.
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ORWELL, G. (2005). 1984. 29ª ed. São Paulo: Ed. Companhia Editora Nacional.
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SOUZA, A. A. O. (2012). Controle Social - Orientações aos cidadãos para participação na gestão pública e exercício do controle social. Coleção Olho Vivo. Controladoria-Geral da União – CGU. Brasília /DF.