Lucas Chaves da Cruz*
EstudianteJosé Luiz Leite**
DocenteCEULM/ULBRA, Brasil
Correo: lucascruz.adv30@gmail.com
Resumo:
O presente artigo trata sobre a prevalência do negociado sobre o legislado e da possibilidade, concedida pela Constituição Federal, de que aspectos acordados em negociações coletivas trabalhistas possam prevalecer sobre lei expressa. Tal conteúdo não é matéria recente no ordenamento jurídico brasileiro, porém, os limites para sua aplicabilidade e utilização ainda são motivos de debate na doutrina e jurisprudência nacional. Com a Reforma Trabalhista - Lei 13.467/17 – foram acrescentados na CLT os artigos 611-A e 611-B, que discursam sobre o tema de forma a aumentar o campo de atuação da autonomia privada coletiva, possibilitando que normas autônomas coletivas prejudiciais ao trabalhador se sobreponham sobre normas heterônomas imperativas. Desta forma, o objetivo da presente pesquisa é analisar os novos limites da prevalência do negociado sobre o legislado, identificando se afrontam normas basilares do direito brasileiro, de modo a identificar se os dispositivos 611-A e 611-B apresentam harmonia com o ordenamento em que se inserem.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Lei 13.467/2017; Art. 611-A e Art. 611-B da CLT; Negociado sobre o Legislado; Violações normativas.
Abstract
This article deals with the prevalence of negotiated over the legislated and the possibility, granted by the Federal Constitution, that aspects agreed in collective labor negotiations may prevail over express law. Such content is not a recent matter in the Brazilian legal system, however, the limits for its applicability and use are still grounds for debate in national doctrine and jurisprudence. With the Labor Reform - Law 13.467 / 17 - articles 611-A and 611-B were added to the CLT, which address the issue in order to increase the scope of collective private autonomy, enabling collective autonomous norms harmful to the worker. overlap over imperative heteronomous norms. Thus, the objective of this research is to analyze the new limits of the prevalence of negotiated over the legislated, identifying if they meet basic norms of Brazilian law, in order to identify if the devices 611-A and 611-B are in harmony with the order in that fit in.
Keywords: Labor Reform; Law 13,467 / 2017; Art. 611-A and Art. 611-B of the CLT; Negotiated on the Legislative; Normative violations
Resumen
Este artículo aborda el predominio de lo negociado sobre lo legislado y la posibilidad, otorgada por la Constitución Federal, de que los aspectos acordados en las negociaciones laborales colectivas puedan prevalecer sobre la ley expresa. Dicho contenido no es un asunto reciente en el sistema legal brasileño, sin embargo, los límites para su aplicabilidad y uso siguen siendo motivo de debate en la doctrina y la jurisprudencia nacional. Con la Reforma Laboral - Ley 13.467 / 17 - se agregaron los artículos 611-A y 611-B al CLT, que abordan el tema con el fin de aumentar el alcance de la autonomía colectiva privada, permitiendo normas autónomas colectivas perjudiciales para el trabajador. superposición sobre normas heterónomas imperativas. Por lo tanto, el objetivo de esta investigación es analizar los nuevos límites de la prevalencia de los negociados sobre los legislados, identificando si cumplen con las normas básicas de la ley brasileña, para identificar si los dispositivos 611-A y 611-B están en armonía con el orden en que encajan
Palabras clave: Reforma laboral; Ley 13.467 / 2017; Art. 611-A y Art. 611-B del CLT; Negociado en el legislativo; Violaciones normativas.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Lucas Chaves da Cruz y José Luiz Leite (2019): “A prevalência do negociado sobre o legislado na reforma trabalhista: análise dos artigos 611-A E 611-B”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (octubre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/10/legislado-reforma-trabalhista.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1910legislado-reforma-trabalhista
Batizada como Reforma Trabalhista, a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, altera inúmeros itens da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), aprovados pelo Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943, sob a hipótese de modernizar o texto legal, adequando-o às novas relações de trabalho.
A reforma em discussão foi aprovada em meio a uma grave crise política e econômica que ocorria no país, tendo um processo de aprovação bastante atípico em virtude da velocidade em que seu texto foi elaborado, modificado, discutido e aprovado.
O texto da Reforma Trabalhista suporta inúmeras alterações a normas trabalhistas e constitucionais, entrando em uma área acinzentada, em que se discute se essas alterações possibilitam a harmonia, ou se deverão ser anuladas para que o ordenamento jurídico continue coeso.
Um pouco depois da sua promulgação, a Reforma Trabalhista foi alvo de diversas críticas, advindas das mais diversas instituições concernentes ao Direito do Trabalho. Entre os pontos mais criticados, se encontra a readequação dos limites para a prevalência do negociado sobre o legislado. Apesar de o instituto da prevalência já estar contido de forma bastante expressa na Constituição Federal desde sua promulgação em 1988, não foi uma novidade trazida pela Reforma ao ordenamento jurídico brasileiro.
Acontece que, antes, a prevalência do negociado sobre o legislado só era aceita nos casos em que a negociação coletiva aumentava o patamar mínimo civilizatório estipulado pela Constituição, no intuito de proteger o trabalhador, visto ser a parte hipossuficiente da relação trabalhista.
Diante desse contexto normativo, surgiu a Lei 13.467/17 que inseriu os artigos 611-A e 611-B na CLT. Tais dispositivos trouxeram para o panorama trabalhista novos limites para as negociações coletivas, permitindo que sejam realizadas negociações que reduzem o patamar mínimo civilizatório estipulado pela legislação, ou seja, permitem que os direitos dos trabalhadores sejam suprimidos, sem haver necessidade de uma contraprestação expressa por parte do seu empregador, assim como, desregulam questões ligadas a saúde, higiene e segurança do trabalho.
Dessa forma, o problema que orientou esta pesquisa foi se prevalência do negociado sobre o legislado, da forma que é estipulado pela Reforma Trabalhista, fere princípios basilares do direito brasileiro.
A hipótese básica no início da pesquisa era que a inserção dos artigos 611-A e 611-B na CLT, por meio da Lei 13.467/2017, permite que negociações coletivas reduzam direitos e garantias assegurados legalmente, ferindo princípios basilares do direito pátrio.
O método utilizado nesta pesquisa foi o dedutivo, partindo-se de uma análise dos princípios constitucionais e trabalhistas para observar se os artigos 611-A e 611-B adéquam-se a estes princípios. A análise foi desenvolvida a partir de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, utilizando-se também matérias jornalísticas para caracterizar o contexto em que a Reforma Trabalhista foi proposta, discutida e aprovada.
Partindo-se da problemática proposta, a presente pesquisa objetiva, principalmente, demonstrar a afronta dos dispositivos 611-A e 611-B, inseridos na CLT por meio da Reforma Trabalhista, a princípios basilares do Direito pátrio, de modo a concluir que tais dispositivos não podem ser vistos com o modelo normativo constitucional brasileiro.
O estudo começará expondo de que forma ocorreu a conquista dos direitos trabalhistas ao longo da história até o momento em que esse ramo do direito adquiriu proteção constitucional.
Alcançando os tempos atuais, contextualizou-se o momento político e econômico em que o Brasil se achava durante o processo de aprovação da Reforma Trabalhista, demonstrando irregularidades que ocorreram no decorrer da elaboração do seu texto.
Neste estudo buscou-se explanar sobre o instituto da prevalência do negociado sobre o legislado, apontando quais os limites da autonomia privada coletiva antes da Reforma, esclarecendo o entendimento da doutrina e jurisprudência sobre o tema, e também demonstrar as novas abrangências trazidas pelos dispositivos 611-A e 611-B sobre o instituto da prevalência e as violações cometidas por esses dispositivos a vários e inúmeros princípios vitais para o direito trabalhista e constitucional, visando responder a problemática apresentada e confirmar a hipótese básica inicial.
Todo o processo da Reforma Trabalhista foi bastante sui generis. Ao analisarmos a rapidez com que seu texto foi elaborado, alterado, pouquíssimo debatido e aprovado, percebeu-se que o processo não ocorreu de maneira comum. O motivo de tamanha singularidade foi o contexto político e econômico enfrentado pelo Brasil neste período.
A partir do ano de 2014, o Brasil enfrentava uma das crises mais severas de sua história. A recessão econômica atingiu o país de forma bastante grave, a ponto de levar o Produto Interno Bruto (PIB) a um recuo por dois anos consecutivos. De acordo com Saraiva e Sales (2017) “Em 2015, a economia caiu 3,8%; e em 2016, o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 3,6%”. Essa imensa crise refletiu diretamente no aumento da taxa de desemprego, que segundo Pamplona (2017) “bateu novo recorde no primeiro trimestre de 2017 e chegou a 13,7%”, representando cerca de 14 milhões de desempregados no país. Sendo considerada por Saraiva e Sales (2017) “a recessão mais longa e profunda desde 1948”. A crise econômica se intensificou pela crise política, que iniciou durante a campanha eleitoral de reeleição da candidata Dilma Rousseff.
Neste mesmo período a Operação Lava Jato ganhava espaço nos noticiários e trazia à tona um imenso esquema de corrupção que atingia, entre outras classes, a classe política de maneira bastante séria.
Juntando o crescimento da crise econômica aos escândalos políticos que tomavam conta do país, além de uma pressão popular, demonstrando insatisfação com o governo vigente, instaurou-se um processo de impeachment, em dezembro de 2015, que se confirmaria em 31 de agosto de 2016, quando o vice-presidente Michel Temer, que também foi alvo de protestos, assumia como chefe do Poder Executivo.
Com toda essa turbulência, em fevereiro de 2016, o povo brasileiro assistiu o país ter sua nota de crédito reduzida e rebaixada pelas agências de classificação de riscos norte americanas, perdendo a fama internacional de bom pagador, passando a ser um investimento menos confiável. Com certeza, tal alteração gerou uma imensa perda de confiança dos investidores no Brasil, que recolheram seus investimentos, por não haver garantia de retorno, fazendo crescer ainda mais a crise institucional do país. Aí é que entra a Reforma Trabalhista.
Ao final do ano de 2016, o então Presidente do Brasil, Michel Temer, foi citado durante delações ocorridas em prol das investigações da Operação Lava Jato, gerando uma gigantesca pressão por parte de todas as classes da sociedade, totalmente insatisfeitas com o curso do país, passando a criticar o governo de forma mais severa.
Diante disso, o governo Temer começou a lançar propostas de reformas estruturais, que possuíam o escopo de combater o desemprego e alavancar a economia do Brasil, isso para não ver seu mandato ter o mesmo fim que o da sua antecessora. Dentre essas propostas se destacavam duas reformas: a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência, cuja mesma não está em discussão neste estudo. Considerando-se o caráter emergencial da situação, a Reforma Trabalhista foi utilizada como freio para as críticas provenientes do empresariado, ficando evidente tal objetivo pela forma como ocorreu o procedimento de seu tramite e aprovação.
Com o pseudônimo de minirreforma, o anteprojeto da Reforma (PL6787/16), proposto em 23/12/2016, de acordo com Maior (2017), possuía “míseras 9 páginas, incluindo a justificativa, e alterava apenas 7 artigos da CLT, além de propor uma reformulação na Lei n. 6.019/16 (trabalho temporário)” . Em 09/02/2017 instalou-se a Comissão Especial da Reforma, cujo relator foi o senador Rogério Marinho do PSDB, que após apenas dois meses de tramitação, apresentou um relatório final do projeto, em 12/04/2017, segundo Maior (2017), “com 132 páginas, incluindo o Parecer, propondo a alteração de mais de 200 dispositivos na CLT, dentre artigos e parágrafos”. Tal procedimento tornou questionável o fato de uma Reforma tão impactante para todo o país ser tão pouco discutida. E mais, como a Comissão Especial nomeada conseguiu, em apenas dois meses, enxertar tanto um texto, sem que houvesse discussões mais aprofundadas sobre o tema, ignorando-se a falta de consulta popular, considerando-se tratar-se de um tema diretamente ligado a vida do cidadão brasileiro.
Ainda de acordo com Maior (2017), o que se verificou ao longo dessa tramitação foi a exclusiva incorporação de demandas que o setor empresarial tinha no que tange às relações de trabalho seja no plano do direito material, seja no campo processual, fazendo-o de modo a majorar o poder dos grandes conglomerados econômicos e, notadamente, das grandes empreiteiras, por meio de dois pilares: a) fragilização jurídica e fragmentação da classe trabalhadora; e afastamento da atuação corretiva e limitadora do Estado (direito e instituições – Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Auditores Fiscais do Trabalho e advocacia trabalhista), a não ser naquilo que interesse ao capital.
Corroborando com tais afirmações, foi publicada no portal jornalístico “The Intercept Brasil” em abril de 2017, um texto que viria esclarecer bastante sobre as questões nebulosas a respeito do trâmite da Reforma Trabalhista, assim como também, esclarecendo quais seriam os verdadeiros autores do seu texto.
Visando uma melhor compreensão do regramento da prevalência do negociado sobre o legislado, torna-se primordial que se conheça o conceito e a abrangência desses institutos no panorama do Direito do Trabalho.
Segundo Teixeira e Kalil (2016), o legislado é composto pelos direitos trabalhistas previstos nos artigos 7º ao 11º da Constituição Federal, pela Consolidação das Leis do Trabalho, “que é a principal legislação que regula o trabalho subordinado, isto é, aquele em que o trabalhador executa o serviço sob as ordens do patrão e é por ele remunerado”, assim como, pelas normas contidas em tratados internacionais da OIT, em que o Brasil se faz signatário.
Ainda para Teixeira e Kalil (2016), o negociado é constituído por “Acordos Coletivos do Trabalho (ACT), firmados entre sindicato da categoria dos trabalhadores com uma ou mais empresas, ou Convenções Coletivas do Trabalho (CCT) firmadas entre os sindicatos das categorias dos trabalhadores com os sindicatos das categorias econômicas das empresas”, sendo esses os atores do Direito Coletivo do Trabalho.
Desta forma, o direito coletivo trabalhista faz-se responsável por regular as relações inerentes à autonomia privada coletiva, ou seja, trata sobre as relações firmadas entre organizações coletivas de empregados e empregadores, ou entre as organizações dos trabalhadores e as próprias empresas, por meio de acordos ou convenções coletivas, e que surgem da dinâmica da representação sindical e atuação coletiva inerente à classe dos trabalhadores.
Observa-se que, ao tratar do direito coletivo, a lei exige que a parte hipossuficiente da relação, o empregado, seja representado por um ente coletivo, de forma a tentar tornar os polos equivalentes, garantindo assim que fossem devidamente resguardados os direitos trabalhistas.
Por este motivo, de acordo com Calcini (2017), o legislador concedeu as negociações coletivas “a função criadora de normas que regem seus grupos, atuando na constituição de regramentos que vão inclusive determinar direitos e obrigações na órbita dos contratos individuais de trabalho” (p. 111).
Assim, emergiu a possibilidade de que as partes envolvidas nesta relação e que convivem diariamente com as mazelas da categoria e, consequentemente, estão mais aptas a sanar tais problemas, possam negociar e estipular cláusulas que tenham força de norma para o grupo econômico que representam.
Acontece que, a autonomia concedida ao direito coletivo do trabalho na criação de normas não quer dizer irrestrita sobreposição de ordem jurídica inferior a normas hierarquicamente superiores, muito menos, soberania das convenções perante o Estado. No intuito de proteger o trabalhador, assim como, a hierarquia das normas, o legislador constituinte estabelece limites para o uso das negociações coletivas. Todavia, ao tratar da prevalência do negociado sobre o legislado, se fala também sobre da possibilidade dos aspectos acordados entre as partes possuírem mais força do que a própria lei expressa, desde que haja a melhoria das condições sociais, ou seja, respeito ao patamar mínimo civilizatório estabelecido na norma estatal.
2.3.1 Os limites da Autonomia Privada Coletiva
Segundo Calcini (2017, p. 112), “a autonomia privada coletiva, é a capacidade atribuída aos sujeitos de Direito Coletivo de criar normas complementares ao regramento heterônomo, por meio do processo negocial”.
A Constituição Federal já conferia a validade às normas originárias de convenções e acordos coletivos de trabalho, no seu artigo 7º, XXVI, in verbis: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXVI: reconhecimento das convenções e acordos coletivos do trabalho”.
Assim, pôde-se constatar que a prevalência do negociado sobre o legislado, não foi uma inovação trazida pela Reforma Trabalhista ao cenário jurídico brasileiro. Notou-se que o ordenamento jurídico brasileiro concede, por meio da sua Lei Maior, o status de fonte normativa às negociações coletivas desde que respeitem a regra fundamental do caput do artigo 7º da Constituição Federal, o qual preconiza que os acordos ou convenções coletivas devem trazer melhoria à condição social dos obreiros.
Essa foi a melhor maneira encontrada pelo legislador constituinte para limitar a extensão do dispositivo, de forma a resguardar e garantir um patamar de direitos mínimos aos trabalhadores, tanto urbanos quanto rurais.
Mais adiante, em 1969, este posicionamento do Brasil foi corrigido quando o país se tornou signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, mais conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”, expondo em seu artigo 26 o comprometimento dos Estados signatários em adotar providências, por vias legislativas ou por outros meios, de consolidar o progresso social, conforme a nota a seguir:
Artigo 26 – Desenvolvimento progressivo
Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados (Convenção Interamericana de Direitos Humanos, 1969).
Percebe-se assim que, a autonomia negocial deve respeitar normas constitucionais, superiores hierarquicamente, assim como também, conforme trata Calcini (2017, p. 112), “o ‘núcleo duro’ do Direito do Trabalho, formado por normas de fonte estatal (imperativas e de ordem pública), pautadas pelos princípios da proteção e da irrenunciabilidade”.
Conforme Calcini (2017, p.113), para se entender os limites das negociações coletivas, é vital, a distinção entre normas de indisponibilidade absoluta e normas de indisponibilidade relativa, que podem ser compreendidas da seguinte forma:
as primeiras englobam o patamar mínimo civilizatório dos trabalhadores, insuscetíveis, portanto, de modificação pela via da negociação coletiva. Já as segundas conferem efetividade ao princípio da adequação setorial negociada, mas para sua legitimação é necessário garantir ao menos um mínimo de contraprestação, além de se estabelecer um patamar superior de direitos, de acordo com o princípio constitucional da progressividade dos direitos sociais.
Com outras palavras, pode-se dizer que existem direitos trabalhistas relativamente indisponíveis. Direitos que podem ser negociados para o alcance de uma condição ainda melhor para o empregado, ainda que existam direitos absolutamente indisponíveis, cujos mesmos jamais podem ser transacionados, resguardando um patamar mínimo civilizatório ao trabalhador.
Delgado (2017, p.998-999) afirma que esse patamar mínimo civilizatório é composto:
por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios etc).
Para Delgado (2015, p.6), o Tribunal Superior do Trabalho compartilha desse respeito ao patamar mínimo. Esse entendimento é demonstrado de forma muito clara através de voto exarado, que ao ser relator do Recurso de Revista n. 11771120135080126, em abril de 2015, se manifestou sobre o tema da seguinte maneira:
Amplas são as possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, à luz do princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, essas possibilidades não são plenas e irrefreáveis, havendo limites objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista. Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia ou se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva.
Assim sendo, pelo entendimento da corte superior trabalhista, a única forma de uma negociação coletiva retirar direitos legalmente garantidos aos trabalhadores, seria nos casos em que os direitos são relativamente indisponíveis, desde que haja uma contrapartida expressa por parte do empregador, de forma que, o trabalhador perderia alguns direitos, para conquistar outros melhores.
De acordo com Zimmermann (2018), esse mecanismo é pautado no princípio da adequação setorial negociada, em que direitos são ajustados e compensados pelo sindicato com a finalidade maior de melhorar as condições de vida e de trabalho da categoria representada, não admitindo que a negociação coletiva seja utilizada como simples instrumento derrogatório de direitos de fonte legal.
Dessa forma, percebe-se que aos olhos do Tribunal Superior do Trabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado só é aceitável quando representar uma melhora à condição social dos trabalhadores, visando a manutenção do princípio da proteção e da vedação ao retrocesso social.
A corte permite que tal prevalência ocorra de duas formas: a primeira seria por meio da concessão de direitos superiores aos estipulados pelo patamar mínimo civilizatório, resguardado pelas normas heterônomas; enquanto a segunda, seria por meio de transações, com concessões de ambas as partes, sendo passíveis de flexibilização apenas os direitos trabalhistas anteriormente convencionados pelas partes, inclusos aqui os que não possuam previsão legal prévia – normas objeto de plena criatividade jurídica das partes -, e igualmente aqueles que aumentaram o escopo protetivo de uma norma estatal pré-criada, sendo aqui a transação limitada ao restabelecimento do patamar mínimo civilizatório estabelecido no dispositivo em comento.
O que deu origem a Lei 13.467/17 foi o Projeto de Lei Complementar 38/2017, inserindo dois dispositivos na CLT que tratam sobre o mecanismo do negociado sobre o legislado, entre outras mudanças. Desta forma, os artigos 611-A e 611-B versam sobre temas em que ao mesmo tempo permite e proíbe, que as normas negociadas venham prevalecer sobre normas expressas.
O Artigo 611-A traz uma série de temas onde a negociação coletiva apresenta prevalência sobre a lei, como se nota:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II - banco de horas anual;
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho; XI - troca do dia de feriado;
XI - enquadramento do grau de insalubridade;
XII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIII - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XIV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
§1º. No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no §3º. do art. 8º. Desta Consolidação.
Trata ainda:
§3º. Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
§4º. Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
§5º. Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos. (Lei 13.467, de 13 de julho de 2017)
O referido dispositivo mostra pontos que devem ser destacados. Um é a utilização do termo “entre outros” em seu caput, indicando se tratar de rol que serve apenas como exemplo, o que permite a prevalência do negociado sobre o legislado noutras hipóteses que não estão previstas em lei. Assim sendo, faz-se necessário uma leitura conjunta com o artigo 611-B.
De acordo com a explicação de Cassar (2017, p.76), “a norma não teve como objetivo ampliar direitos, pois isso sempre foi possível”, na verdade, o que realizou a transformação da “maioria dos direitos contidos na CLT, que não se encontram na Constituição Federal, em direitos disponíveis”.
Assim, o novo método de prevalência do negociado sobre o legislado, que a Reforma Trabalhista trouxe, permitiu que nos itens arrolados no art. 611-A, se possa reduzir ou suprimir os direitos dos obreiros, principalmente caso tais negociações ocorram com sindicatos não representativos diante da base ou de cenários econômicos adversos.
À exemplo disso se tem o inciso XIII, deste mesmo artigo, que possibilita a prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem que seja necessária uma licença do Ministério do Trabalho. Segundo Cassar (2017, p.76), “a insalubridade e seus graus são direitos relacionados à medicina e segurança do trabalho e, por isso, defeso à negociação coletiva”.
O item 15.4.11 da Norma Regulamentadora 15 trata sobre atividades e operações insalubres e estabelece o seguinte:
Cabe à autoridade regional competente em matéria de segurança e saúde do trabalhador, comprovada a insalubridade por laudo técnico de engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, devidamente habilitado, fixar adicional devido aos empregados expostos à insalubridade quando impraticável sua eliminação ou neutralização. (Ministério do Trabalho, 2015, p. 2).
Deste modo, questões relacionadas ao grau de insalubridade necessitam ser avaliadas por um especialistaem saúde e segurança do trabalho, considerando que, o trabalho insalubre poderá se intensificar de acordo com o tempo de exposição do trabalhador ao agente agressivo, de modo que a quanto maior o número de horas pode se agravar a nocividade prevista nas normas regulamentares ou até afetar a saúde do trabalhador, tornando-se inconcebível a flexibilidade de tal jornada por meio de negociação.
O parágrafo primeiro trata o aprofundamento com que a Justiça do Trabalho poderá utilizar para analisar as negociações e trata que deve ser observado o parágrafo terceiro do artigo 8º da CLT:
Art. 8º. [...]:
§3º. No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (Lei 5.452, de 1 de maio de 1943).
Por essa razão se abre uma possível lacuna de interpretação, como por exemplo, qual seria o grau de intervenção da Justiça do Trabalho nas negociações. Isto é, se ela deveria apenas cumprir uma formalidade para verificar a existência dos elementos sem a possibilidade de analisa-los profundamente, ou se teria competência ao ponto de se aprofundar no mérito e conteúdo das cláusulas do instrumento negocial coletivo. Resta, portanto, analisar se os elementos essenciais do negócio jurídico (agentes, forma, objeto e manifestação de vontade) não englobam, na legislação civil, simplesmente a análise sob o plano de sua existência, e sim, de igual modo em seus planos de validade e eficácia, de acordo com Azevedo (V, 2010), quando se refere a ideia da “escada ponteana” de Pontes de Miranda. Para ele o exame do negócio jurídico deve ser feito em três planos: existência, validade e eficácia. Somente quando completa todo o ciclo de sua realização é que existe um negócio, válido e eficaz.
Desta forma, as cláusulas da negociação coletiva, cujas mesmas seriam o seu objeto, caso analisados sob o prisma da validade, precisam ter as qualidades necessárias e essenciais determinadas no Artigo 104, II do Código Civil: ser objeto lícito, possível, determinado ou determinável.
Considerando que a licitude vinculada de forma ao conteúdo normativo das normas heterônomas estatais de forma evidente, pode-se perceber que a análise do conteúdo das cláusulas coletivas em conformidade com a norma estatal, se encontra dentro do núcleo de análise dos elementos essenciais do negócio jurídico.
Observando a interpretação diversa, e partindo desse pressuposto, estabelecendo a Justiça do Trabalho como mero instituto de homologação formal das negociações coletivas, sem que haja competência de análise dos conteúdos normativos negociais, se permitiria a violação do princípio da inafastabilidade do judiciário, princípio constitucional basilar do direito pátrio.
Ao analisar a validade do negócio jurídico, pode-se entender que a Justiça do Trabalho tem o direito e dever de analisar se o objeto se mostra de comum acordo com o restante do contexto jurídico em que se insere. Assim sendo, Azevedo (2002, p. 41-42) explica que:
A validade é, pois, a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (“ser regular”). Validade é, como o sufixo da palavra indica, qualidade de um negócio existente. “Válido” é adjetivo com que se qualifica o negócio jurídico formado de acordo com as regras jurídicas
Percebe-se imediatamente que, para que haja validade, o objeto do negócio necessita estar em plena conformidade com as regras jurídicas incidentes sobre ele, de forma a permitir que esta análise venha a ser feita pela justiça especializada, de modo a permitir que a negociação venha produzir efeitos ou, do contrário, venha a ser anulada.
Outra questão muito importante para o tema analisado é o atual entendimento do TST, pelo fato de que não pode se estabelecer uma negociação coletiva com atos de simples renúncia por parte do trabalhador, ao contrário disso, deve sempre haver uma contraprestação, com concessões recíprocas.
Acontece que o parágrafo segundo deste artigo, estabelece que não é necessário indicação de contrapartidas de forma explícita nestes instrumentos coletivos, haja vista que tal ausência não se caracterize um vício do negócio jurídico.
Em outros termos, passam a serem permitidas negociações coletivas que têm como objeto, apenas a restrição de direitos dos trabalhadores, sem contrapartidas por parte do empregador. Assim sendo, tal dispositivo vai de contra ao princípio da proteção que visa apoiar o obreiro hipossuficiente, assim como violar os limites da autonomia privada coletiva, que aceita apenas a flexibilidade de direitos relativamente indisponíveis, caso a contraprestação por parte do empregador venha render uma condição mais favorável ao trabalhador.
Todavia, de acordo com Louro (2017), vale a pena observar que, conforme o §3º. do art. 611-A, existirá uma contrapartida obrigatória de proteção contra a dispensa sem motivos no decorrer do prazo de vigência do referido instrumento coletivo quando houver previsão da redução de jornada ou salário.
Visto por outro ângulo, o legislador estabeleceu que somente nos casos em que a negociação coletiva reduzir o salário ou a jornada de trabalho do empregado, será necessário uma contrapartida expressa do setor patronal de proteção à dispensa sem motivos no decorrer da vigência do referido instrumento coletivo.
Em sua maioria, os assuntos contidos no Artigo 611-B se atrelam as garantias que já existem no artigo 7.º do texto da constituição, conforme o que estabelece a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017:
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV – salário mínimo;
V – valor nominal do décimo terceiro salário;
VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
VIII – salário-família;
IX – repouso semanal remunerado;
X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI – número de dias de férias devidas ao empregado;
XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XIX – aposentadoria;
XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII– proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XXVIII- definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XXIX – tributos e outros créditos de terceiros;
XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.
Como se pode perceber ao ler este artigo, ele aponta matérias que não podem ser reduzidas ou mesmo suprimidas através de negociação coletiva, sob a pena de ser considerado como ilícito o seu conteúdo e, em consequência disso, a negociação ser declarada nula.
Borges e Cassar (2017, p. 82) tratam que, da maneira pela qual o texto foi elaborado, demonstra: “claro que a norma não é taxativa, mas sim restritiva, pois se esquece de impedir que a negociação coletiva viole, por exemplo, direitos da personalidade e liberdades garantidas pela Constituição”.
Desta forma, pode-se entender que há outros vícios capazes de anular uma norma coletiva mesmo que não estejam elencados no artigo 611-B e por este motivo, o mesmo não pode ser explorado ao extremo ao ser interpretado, e sim, de maneira exemplificativa. Do contrário, seria concedido mais uma arma ao empresariado que possibilitariam suprimir direitos e garantias trabalhistas.
Outro destaque deve ser dado ao artigo em questão, que é o seu parágrafo único. Com este, pretende-se desvincular o tempo de duração da jornada de trabalho, com seus intervalos, das medidas de segurança de trabalho e saúde, cujo objetivo seria autorizar suas flexibilidades no momento das negociações coletivas.
Diante disso, o texto do parágrafo único viola de forma expressa o direito fundamental à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (CF/88, art. 7º, XXII), tendo em vista a “influência que a jornada de trabalho e os intervalos exercem sobre o tempo de exposição do trabalhador aos riscos inerentes ao ambiente de trabalho” (Ministério Público do Trabalho, 2017h, p.17).
Além disso, o instituto comete patente violação à Convenção 155 da OIT, que protege a saúde e segurança do trabalhador e foi validada e aprovada pelo Brasil em maio de 1993. O artigo 5º da Convenção em questão estabelece que:
A política à qual se faz referencia no artigo 4 da presente Convenção deverá levar em consideração as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho:
[...]
b) relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as pessoas que o executam ou supervisionam, e adaptação do maquinário, dos equipamentos, do tempo de trabalho, da organização do trabalho e das operações e processos às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores; (Organização Internacional do Trabalho, 1982).
Ao validar a referida norma internacional, o Brasil se compromete a criar políticas públicas que visem à prevenção de acidentes e doenças do trabalho, estabelecendo regulação, de forma protetiva, para diversos aspectos capazes de afetar a saúde e segurança do trabalhador, entre os quais está incluso a extensão da jornada de trabalho.
A Nota Técnica n.º 8, exarada pelo MPT em junho de 2017, estabelece, com a ratificação da Convenção 155 da OIT, que o Brasil concedeu o:
status supralegal, para os efeitos do art. 5º, § 2º, da Constituição, essa norma internacional impõe ao legislador ordinário não apenas a consideração da jornada na instituição das normas de saúde e higiene do trabalho (CF/1988, art. 7º, XXII), mas a adaptação da jornada de trabalho, conforme os riscos presentes no ambiente de trabalho, a fim de reduzir o tempo de exposição do trabalhador. (Ministério Público do Trabalho, 2017h, p.17).
Sendo assim, pode-se perceber que os limites legais de jornada de trabalho são essenciais para o patamar civilizatório, mínimo e também inegociáveis, tornando a tentativa de retirar seu caráter de norma ligada à saúde e higiene do trabalho, inconstitucional. Desta forma, significa um insulto aos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho, aceitar que o referido direito seja reduzido ou suprimido.
Estas normas são parte inerente do patamar mínimo civilizatório. Dessa forma, a possibilidade de sua flexibilização, vem contrariar o entendimento do TST e do STF, que compreendem que, a autonomia privada coletiva possui o referido patamar como sendo um limite insuperável.
O resultado de toda essa explicitação no presente tópico, nos levou a compreender que o objetivo maior da implementação destes dois artigos, o 611-A e o 611-B na CLT “é viabilizar a prevalência do negociado sobre o legislado, em toda e qualquer situação, inclusive para minorar ou extinguir direitos, com exceção dos temas previstos nos incisos do artigo 611-B” (Ministério Público do Trabalho, 2017g, p. 9). Dessa forma, visa também piorar a situação dos trabalhadores, considerando que, se a intenção fosse beneficiá-los, a proposta não produziria o efeito esperado, observando-se que já estava prevista na Constituição.
Abordou-se, neste estudo, o tema da Reforma Trabalhista, especificamente, a questão da prevalência do negociado sobre o legislado. Buscou-se identificar, quais princípios basilares do direito brasileiro foram feridos pela redação conferida pela Lei nº 13.467/2017 aos artigos 611-A e 611-B da CLT e de que forma esses princípios foram violados.
Este estudo justifica-se pela necessidade de apontar o desrespeito a Constituição e aos entendimentos consagrados pela jurisprudência e doutrina, levando-se em consideração as discussões e as críticas feitas por inúmeros órgãos trabalhistas acerca dos artigos 611-A e 611-B.
No decorrer da pesquisa, foi possível perceber que os direitos trabalhistas foram, aos poucos, sendo conquistados no longo percurso da história. Pôde-se perceber claramente que, diante de um momento político-econômico conturbado enfrentado pelo Brasil nos dias atuais, ocorreu de forma bastante única, devido à velocidade com que se construiu, se propôs, se alterou, se debateu e se aprovou seu texto, sem que houvesse permissão para discussões mais profundas sobre assuntos que causaram muito impacto à Justiça do Trabalho. Ou seja, em menos de seis meses, mais de 100 alterações ao Projeto de Lei proposto foram inseridas e, em seguida, aprovadas, contendo medidas advindas de diversos autores externos ao Poder Legislativo, em sua maioria, provenientes dos computadores dos sindicatos patronais.
Dessa forma, o texto aprovado da Reforma Trabalhista mostra diversos absurdos, contradições, incoerências e inconveniências, além de tantas irregularidades, duramente criticadas por tantas instituições vinculadas ao Direito do Trabalho, tanto nacionalmente, quanto internacionalmente, apontando o insulto e a afronta da nova lei à Constituição Brasileira, a princípios constitucionais e a Convenções Internacionais, tudo devido à tamanha rapidez com que se construiu, propôs, alterou, debateu e aprovou seu texto.
Em seguida, foram apresentados os princípios constitucionais basilares ao Direito do Trabalho, bem como, princípios do Direito do Trabalho causando modificações à negociação coletiva, comprovando a importância dos institutos para garantir a segurança dos direitos trabalhistas.
Na sequência, aprofundou-se o estudo do instituto do negociado sobre o legislado, explanando seu conceito e as balizas existentes para sua utilização até a promulgação da Lei 13.467/17. Para tanto, utilizou-se da análise jurisprudencial do TST e STF, que de forma uníssona, entendem que a prevalência da autonomia privada coletiva só pode ocorrer se respeitar o patamar mínimo civilizatório estipulado pela lei heterônoma impositiva, composta, nesse caso, pela Constituição, leis trabalhistas e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Posteriormente, demonstrou-se que a inserção dos artigos 611-A e 611-B pela Reforma Trabalhista, trouxe novos limites para o instituto da prevalência, de modo a permitir que negociações coletivas prevalecessem sobre o legislado, mesmo nos casos em que a negociação represente uma perda de direitos face a lei.
Tais dispositivos admitem que direitos absolutamente indisponíveis sejam flexibilizados, aceitam negociação coletiva em que direitos trabalhistas sejam suprimidos, sem necessidade de uma contraprestação expressa por parte do empregador, bem como, tentam desregulamentar questões ligadas à saúde, higiene e segurança do trabalho. Nesse cenário, demonstrou-se que os referidos artigos violam princípios vitais do direito brasileiro.
Considera-se, portanto, que os artigos 611-A e 611-B, ao trazerem alterações aos limites do instituto, quando permitem a prevalência de negociações prejudiciais ao trabalhador sobre o que está legislado, comprovam o desrespeito a Constituição Federal, e assim, causam desordem à hierarquia de normas do ordenamento jurídico brasileiro e põem em risco a unidade lógica do sistema. Viola também, Convenções Internacionais de que o país é assinante (Convenções n. 98, n. 151, n. 154, n. 155 e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos) desobedecendo a compreensão das Cortes Superiores brasileiras, descumprindo regras do direito pátrio, assim como, ferindo princípios basilares de ordem jurídica brasileira.
Responde-se assim a problemática proposta, comprovando a hipótese da pesquisa de que estes dispositivos discordam completamente do sistema normativo no qual estão inseridos, devendo estes serem considerados inconstitucionais, impedindo que produzam maiores efeitos negativos no ordenamento jurídico brasileiro.
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