Henrique de Oliveira*
Faculdade de Direito do Sul de Minas, Brasil
Correo: henriquesperanca@yahoo.com.br
Resumo: Este artigo objetiva uma análise do instituto da reparação por danos extrapatrimoniais e a sua normatização a partir da lei 13.467/2017, que trouxe para o texto Celetista, a partir dos artigos 223-A ao 223-G, os critérios para sua concessão, bem como uma quantificação padronizada dos valores de indenização com base no salário base do trabalhador, demonstrando que a sua aplicação pode implicar em violações ou perpetuação de violações a direitos fundamentais e ainda, retrocesso em direitos sociais histórica e constitucionalmente estabelecidos.
Abstract: This article intends to analyze the institute of reparation for moral damages and its normalization from the law 13.467 / 2017 that brought to the labor law text, from articles 223-A to 223-G, the ways for its concession, as well as a standardized quantification of compensation values based on the worker's basic salary, demonstrating that their application may imply violations or perpetuation of violations in fundamental rights, as well as retrogression in social rights, both historically and constitutionally established.
Palavras chave: Direito do Trabalho, dano extrapatrimonial, reparação, retrocesso social.
Key words: Labor law, moral damages, repair, ratchet effect.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Henrique de Oliveira (2019): “A quantificação das indenizações por danos extrapatrimoniais trabalhistas no Brasil: lesão a direitos fundamentais e o retrocesso em direitos sociais”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (agosto 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/08/indenizacoes-trabalhistas-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1908indenizacoes-trabalhistas-brasil
1- Introdução
A Lei 13.467, aprovada pelo Congresso nacional e sancionada pelo Presidente da República em 13 de julho de 2017, entrou em vigor em 11 de novembro desse mesmo ano, trazendo diversas alterações para a Consolidação das Leis do Trabalho, sendo que, em sua grande maioria, essa lei tem sido criticada pela sua posição retrocessiva em matéria de direitos fundamentais sociais.
Dentre as diversas críticas, encontra-se a declaração de que grande parte dessa lei, ou até mesmo toda ela, é inconstitucional por ferir o princípio do não retrocesso. Isso porque, observada atentamente, demonstra uma sobreposição dos objetivos econômicos sobre os direitos sociais historicamente constituídos.
O presente artigo intenta analisar a taxatividade e a quantificação das indenizações por danos extrapatrimoniais, respondendo ao seguinte questioidnto: seria possível pré fixar indenizações por danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho, sem que se incorra em inconstitucionalidade da norma, uma vez que esta quantificação subverte o presente instituto, retirando dele seus objetivos principais, e ainda potencializa as possibilidades de violação e perpetuação de violações a direitos fundamentais causando grande retrocesso social?
A resposta para esse questioidnto somente pode ser apresentada a partir de uma análise do Título II-A da CLT, que foi inserido pela lei denominada Reforma Trabalhista, lei 13.467/17, comparando o instituto recém-criado com seu antecessor, o instituto da reparação por responsabilidade civil, que era utilizado como meio de resolução de conflitos quando a matéria se tratava de danos extrapatrimoniais no direito do trabalho.
Também é importante analisar os possíveis impactos desta quantificação nas relações entre as empresas e os trabalhadores, pois a partir da consciência doe um valor do máximo de indenização, tal instituto poderá ter um efeito contrário e nefasto de perpetuação e violação de direitos extrapatrimoniais, bem como ser utilizado para uma como fundamento para o descumprimento de direitos fundamentais no âmbito das discussões sobre custo/benefício no setor empresarial.
Portanto, para que se possa responder ao questioidnto sobre a viabilidade desse instituto, agora trabalhista, apresentar-se-á, no presente artigo, primeiramente o conceito de dano extrapatrimonial trabalhista, passando pelo instituto da reparação civil e sua aplicação subsidiária ao direito do trabalho antes da lei 13.467/17. Em continuação, serão analisados os pontos principais dos recém inseridos artigos 223-A ao 223-G da CLT, que tratam do dano e da forma de reparação no processo do trabalho, seguindo para uma crítica ao instituto, agora celetista, e finalizando com a verificação da possibilidade deste ser declarado inconstitucional, não só pelo texto legal, mas principalmente pelos possíveis efeitos que irá causar.
2- O dano extrapatrimonial trabalhista.
A defesa da esfera extrapatrimonial nas relações de trabalho é um assunto que durante muitos anos foi disciplinado pelas doutrinas e jurisprudências e que se encontrava em frequente mudança. Desse modo, nos últimos 30 anos, passou por diversas transformações e até os dias de hoje continua sendo objeto de muitas discussões, sendo que estas não se encerrarão facilmente, pois transitam entre a subjetividade e a positivação.
A ideia de que haveria a possibilidade de reparação por danos extrapatrimoniais advindos da relação de trabalho somente passou a ser discutida pelos doutrinadores há pouco mais de 20 anos. Isso devido a uma constitucionalização dos direitos trabalhistas e da interpretação do ordeidnto jurídico, inclusive da Consolidação das Leis Trabalhistas à luz da Constituição de 1988.1
Nesse sentido, ensina José Antônio Peres Gediel:
A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, por sua vez, também é exigência do projeto político e da normatividade constitucional assumidos pela sociedade brasileira em 1988. Essa vinculação se manifesta, de modo especial, nas relações contratuais de trabalho para exigir dos cidadãos comportamentos que, conscientemente, sejam a expressão de suas liberdades econômicas e de respeito a seus concidadãos...2
Esse compromisso constitucional com a proteção de tais direitos não se tratou de inovação, pois a proteção de direitos da personalidade, tanto do trabalhador quanto do empregador, já se encontrava positivada na CLT nos artigos 482 e 483. Os artigos celetistas não fazem menção a indenizações para reparação do dano, sendo que a lesão a estes direitos era vista apenas como motivo para uma rescisão indireta do contrato de trabalho, quando o ato lesivo fosse praticado pelo empregador, alínea “e” do artigo 483, ou a rescisão do contrato por justa causa por parte do empregador, quando a violação ocorresse por parte do empregado, alíneas “j” e “k”.3
A falta de valoração para os danos causados pela violação de direitos da personalidade leva-nos a uma discussão sobre a forma que melhor se adequa à quantificação da indenização, levando em conta como foi abordada pela doutrina e jurisprudência nos últimos anos.
Quando se propõe a discutir sobre dano extrapatrimonial trabalhista e a sua quantificação, o que se pretende, em um primeiro momento, é defini-lo. Assim, a definição que se utilizará neste trabalho é a definição de Santiago Rubistein, reproduzida por Nehemias Domingos de Melo, que leciona que o dano moral trabalhista se traduz no: “agravo ou o constrangimento moral infringido quer ao empregado, quer ao empregador, mediante violação a direitos ínsitos a personalidade, como consequência da relação de emprego”.4
Portanto, segundo essa definição, haverá dano pelo agravo ou pelo constrangimento moral de qualquer das partes do contrato de trabalho que ultrapasse seus limites violando direitos da personalidade. Definição simples, porém abrangente.
Se a definição de dano moral trabalhista é mais simples, a quantificação do valor indenizatório não é.
No passado, havia muita controvérsia sobre indenizar um dano extrapatrimonial, pois, conforme informa Cleyton Reis, fazendo referência à teoria da responsabilidade civil e aos seus opositores: “...no caso de dano extrapatrimonial nada há que reparar, isto porque não há como repor ao status quo ante os bens subjetivos”. Assim, se não haveria como devolver a coisa ao seu estado, isso impossibilitaria a quantificação do dano para reparação de danos causados a direitos imateriais. 5
Para resolver a questão, a doutrina se debruçou primeiramente sobre os danos causados pelos empregadores a seus empregados. Segundo leciona Mauro Schiavi, a violação extrapatrimonial, principalmente em relação à violação ao patrimônio do empregado, pode surgir de qualquer ato do empregador, seja decorrente de sua culpa ou dolo, ou simplesmente pela atividade desempenhada, caracterizando respectivamente a possibilidade de responsabilização subjetiva ou objetiva. 6
Ocorre que a controvérsia sobre a possibilidade ou não de incorrer em danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho foi superada há muito pela doutrina e jurisprudência, inclusive no que diz respeito à possibilidade de reparação por indenizações pecuniária, sendo que, atualmente, é perfeitamente reconhecida a possibilidade de reparação, através de indenização por danos extrapatrimoniais, os chamados danos morais.
Outra controvérsia já superada reside na competência para processar e julgar os casos envolvendo danos extrapatrimoniais trabalhistas pois encontra-se superado e positivado o entendimento de que a competência para julgar casos dessa natureza é da Justiça do Trabalho. Assim sendo, desde 2004, a partir da emenda constitucional 45, consolidou-se esse entendimento, excluindo da Justiça Comum essa atribuição. Portanto, a competência para processar e julgar as ações indenizatórias oriundas da relação de trabalho, ainda que o objeto dessa ação seja exclusivamente a reparação por danos morais, é da especializada, conforme leitura do texto do artigo 114, VI.
É importante também reafirmar que, para configuração de um dano extrapatrimonial trabalhista, será necessário que os sujeitos dessa relação estejam ligados por um contrato de trabalho, expresso ou tácito. Porém, a natureza jurídica dessa responsabilização pode transitar entre contratual, quando decorrente de descumprimento de obrigações previstas no contrato ou natureza aquiliana, quando fere os deveres legais, como, por exemplo, violações aos direitos da personalidade do trabalhador. Caso contrário, não se tratará de competência dessa justiça especializada. 7
Somente a título de ilustração, um exemplo de incompetência da Justiça do Trabalho e incorreção no termo responsabilidade extrapatrimonial trabalhista seria a violação de direitos da personalidade de sujeito contratual, quando se tem duas pessoas jurídicas ligadas por um contrato civil, ainda que uma delas preste diretamente o serviço. Nesse caso, havendo a ocorrência de um dano extrapatrimonial entre os contratantes, a busca de qualquer reparação será tratada na esfera judiciária cível, sob suas normas e sem qualquer identificação com a esfera trabalhista, desde que, obviamente, não haja nenhuma ilegalidade ou simulação para descaracterizar a prestação de serviço, casos em que se reconhece o vínculo empregatício e automaticamente a incompetência civil.
No que diz respeito à possibilidade da aplicação do instituto da teoria do dano e das normas de Responsabilidade Civil, no âmbito do Direito do Trabalho regendo as intercorrências na relação entre empregador e empregado, esta foi introduzida no Direito do Trabalho por força do entendimento de que havendo uma lacuna nesse direito especializado deveria recorrer-se ao enunciado no artigo 769 da CLT, buscando a integração da norma civil ao processo do trabalho, o que se verá a seguir.
3- A Responsabilidade por danos extrapatrimoniais do Direito Civil e sua aplicação subsidiária ao Direito do Trabalho.
Para que se possa analisar o instituto da responsabilidade por danos extrapatrimoniais trabalhista, é imprescindível que se conheça, ao menos panoramicamente, o instituto oriundo do Direito Civil que trata sobre o dano e a sua responsabilização. Tais institutos encontram-se normatizados no artigo 5ª, X da Constituição Federal e artigos 186 à 188 e 927 à 954 do Código Civil de 2002.
Historicamente, a responsabilidade civil tem sua origem remota, mas é na Lex Aquilia Damno que podemos encontrar o conceito mais próximo do que se aplica atualmente. Em suma, a Lex Aquilia trouxe ao Direito Romano a possibilidade de “atribuir ao titular de bens o direito de obter pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens” 8. Essa possibilidade de haver indenização fora de uma relação contratual, que era única possibilidade anterior de haver reparação por ação, foi introduzida e possibilitada a partir da Lex Aquilia, a partir da qual se passou a visualizar que qualquer causador de dano tinha obrigação de reparar, desde que houvesse o elemento central dessa obrigação, a culpa.
Mais recentemente e no contexto brasileiro, o código civil de 1916 trazia em seu artigo 159 o dever de indenizar a lesão a direito ou o dano causado a outrem. Clóvis Bevilaqua, idealizador do Código de 1916, já afirmava em seus comentários a esse código que também era indenizável o dano moral, como consequência de violação ao direito, uma vez que o texto legal, ao não especificar que tipo de direito compreendia, impedia o interprete também de fazê-lo, ou seja, se a lei não diz se o direito é patrimonial ou moral, o julgador não pode concluir ser somente patrimonial. 9
Firmando esse pensamento, a Constituição Federal de 1988 trouxe no seu artigo 5º, X a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, como forma de consolidar o dever de indenizar por ato ofensivo, ainda que praticado somente à ordem subjetiva do ofendido. Esse entendimento foi posteriormente reproduzido no Código Civil de 2002.
Atualmente, a definição de dano extrapatrimonial encontra-se descrita a partir do artigo 186 do Código Civil de 2002, no qual, a princípio, estaria vinculada a ocorrência de um ato ilícito, conforme enuncia o artigo 186 que diz que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Porém, são facilmente verificadas outras possibilidades de aplicação do dever de indenizar a partir do próprio Código Civil de 2002, sem que tenha havido a ocorrência de qualquer ato ilícito. Segundo Rosenvald e Farias, é necessário desvincular o fato ilícito da responsabilidade civil, pois são inúmeras as situações em que o dever de indenizar decorre de ato lícito, como exemplo os artigos 929 e 930 do Código Civil de 2002. 10
Também é considerado, pelo ordeidnto civil, que o exercício de direito em manifesta extrapolação deste configure um ato ilícito de acordo com artigo 187. Enuncia o artigo, em linhas gerais, que, ao exercer um direito é possível exceder seus limites, dado a imposição de fazê-lo observando seus fins econômicos ou sociais; pela observância da boa-fé e dos bons costumes. Nesse caso, o ato ilícito se dá pelo exercício legítimo de um direito, porém excedendo manifestamente os seus limites.
O artigo 927 enuncia que haverá o dever de reparar o dano, nos casos do artigo 186 e 187, a chamada responsabilidade civil subjetiva (teoria da culpa), com obrigação de comprovar o dano, o nexo causal entre fato e dano e a culpa do agente (latu senso - imprudência, negligência, imperícia ou dolo) e no seu parágrafo único trouxe a responsabilidade civil objetiva que se opera independentemente de culpa (teoria do risco), segundo a qual não se necessita demonstrar que o elemento culpa está presente, pois o dever de indenizar é decorrente da lei ou da atividade desenvolvida com inerente potencial de risco a direitos.11
Seguindo essas possibilidades, o Código Civil também dispõe sobre a forma de composição da indenização nos artigos 944 ao 954, enunciando que a indenização se mede pela extensão do dano causado pelo ofensor, sem quantificar o valor da indenização por se constituir verificável somente ao caso concreto.
Nas reparações civis, a doutrina elenca três requisitos a serem observados na composição da indenização, quando apresentado o caso concreto como sendo: o caráter sancionador da indenização, seu caráter compensatório àquele que foi lesado e o caráter preventivo da medida, visando inibir de agressões futuras.12
Ainda nesse sentido Silvio de Sávio Venosa aponta alguns critérios para se mensurar o quantum indenizatório reproduzindo que:
... a) os danos morais não devem necessariamente guardar proporção com outros danos indenizáveis, os quais inclusive, podem nem existir; b) o dano moral não está sujeito a cânones estritos; c) devem ser levados em conta as condições pessoais de quem será indenizado, os padecimentos causados, as circunstâncias traumáticas da conduta do ofensor e as sequelas que afetam a vítima; d) deve ser considerada a idade da vítima. 13
Ainda nesse sentido, prossegue Venosa, agora fazendo referência ao texto de Antonio Jeová Santos:
... a) não deve aceitar uma indenização meramente simbólica; b) deve ser evitado o enriquecimento injusto; c) os danos morais não se amoldam a uma tarifação; d) não deve haver paralelismo ou relação na indenização por dano moral com dano patrimonial; e) não é suficiente a referência ao mero prudente arbítrio do juiz; f) há que levar em consideração a gravidade do caso bem como as peculiaridade da vítima e do ofensor; g) os casos semelhantes servem de parâmetro para indenizações; h) a indenização deve atender ao chamado prazer compensatório, que preferimos chamar de lenitivo e, finalmente, i) há que levar em conta o contexto do país.14
Ao se observar as considerações citadas por Venosa, é possível verificar qua a legislação poderá trazer parâmetros específicos para se calcular o valor de uma indenização por danos extrapatrimoniais. Porém, não se pode intentar criar cânones ou tarifações prévias para o instituto, pois é necessária a aplicação de todas as demais mensurações, ao caso concreto, para que a partir daí quantificar-se o valor indenizatório.
Relembrando que a esfera extrapatrimonial é individual e que cada um sente-se mais ou menos ofendido a depender de conceitos pessoais e formação própria inerente cada indivíduo.
A despeito dessas conceituações doutrinárias, a jurisprudência há muito tem intentado limitar as indenizações por danos extrapatrimoniais, partindo do princípio de que a indenização não pode ser causa de enriquecimento ilícito, sendo que, nos idos de 2009, o Superior Tribunal de Justiça chegou a divulgar tabela de valores mínimos e máximos de indenizações abordando as situações mais recorrentes no tribunal, o que se mostrou ineficaz frente às peculiaridades de cada caso apresentado ao judiciário.
Finalizando esse item, salientamos que o conceito de dano e o instituto da reparação por danos extrapatrimoniais civis há muito eram utilizados, por subsidiariedade, tanto para definir o dano como para fixar indenizações, até que em 2017, a lei 13.467 positivou no seio trabalhista os conceitos próprios e regaras de quantificação para indenizações no âmbito das relações de trabalho.
4- As possibilidades de indenização elencadas nos artigo 223-A ao 223-G da CLT, trazidos pela Reforma Trabalhista.
Para a investigação que se propõe neste trabalho, objetivamos analisar o instituto da responsabilidade por danos extrapatrimoniais trazidos nos artigo 223-A ao 223-G, inclusive seus incisos e parágrafos, pois disciplinam com exclusividade as possibilidades, condições e limitações de condenação em danos que extrapolam a esfera patrimonial, seja do empregado pelo empregador, seja da empresa pelo empregado.
Ao salientarmos que os referidos artigos disciplinam com exclusividade o instituto de responsabilidade extrapatrimonial das relações de trabalho, fazemos com observância ao enunciado no artigo 223- A, que em sua redação traz a proposição de que “aos danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho, serão aplicados apenas as disposições deste título II da CLT. Ao enfatizar que a norma aplicável será apenas aquela elencada neste título, automaticamente exclui a possibilidade de aplicação de outras normas como ocorria antes do advento da lei 13.467/17. Como exemplo, a princípio, exclui a possibilidade de aplicação de norma mais benéfica ao trabalhador.
Durante toda trajetória do Direito do Trabalho até a inserção desse dispositivo na CLT, havia a aplicação subsidiária das normas de Direito Civil em relação ao dano extrapatrimonial. Porém, a partir desse momento, a reparação por dano extrapatrimonial torna-se matéria exclusivamente disciplinada pela norma trabalhista, segundo os artigos 223-A à 223-G.
Ocorre ainda que o legislador, ao contrário dos artigos 186,187 e 927 do Código Civil, que somente tratam de conceituar o ato ilícito e o dano moral/extrapatrimonial sem restringir a aplicação destas normas; na lei trabalhista tratou de especificar o que causaria o referido dano de maneira taxativa, informando que a causa do dano seria “a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica” e que, em relação à pessoa física, estão inseridos nessa esfera somente a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física, conforme leitura dos artigos 223-B e 223-C, ambos trazidos pela Reforma Trabalhista.
Nesse mesmo sentido, qual seja, a taxatividade das possibilidades de aplicação do instituto do dano extrapatrimonial, também temos o artigo 223-D, elenca os bens jurídicos tutelados por esta norma, no que se refere à pessoa jurídica. A taxatividade, portanto, limitou a esfera patrimonial da pessoa jurídica a sua a imagem, marca, segredo empresarial e o sigilo das correspondências.
A responsabilidade é solidária, pois haverá o dever de indenizar todos os que, de alguma maneira, tenham colaborado para a lesão ao bem jurídico, observadas a proporção de cada ação ou omissão, o que corresponde à necessidade de comprovação da parcela de culpa de cada participante da lesão. A redação do artigo 223-E deixa claro que se pretender ser menos ou mais responsabilizado, caberá ao réu demonstrar em que concorreu para geração do dano para que a partir desse ponto se apure a sua maior ou menor responsabilidade, propiciando-se assim a distribuição do percentual da indenização a ser paga por cada responsável.
Uma alternativa deixada pelo legislador nesse conjunto de normas foi a possibilidade de cumulação dos pedidos de reparação a título de danos extrapatrimoniais com reparações a título de danos materiais, o que será abordado mais à frente neste trabalho. Ainda que haja uma taxatividade nos bens jurídicos tutelados, o fato de poder haver cumulatividade com danos materiais, conforme enunciado no artigo 223-F, pode ampliar, consideravelmente, a indenização a ser requerida, devendo o magistrado discriminar o quantum indenizatório de cada parcela, sem que uma interfira na atribuição de valor da outra.
Seguindo com a análise do instituto, temos o artigo 223-G, seus incisos e parágrafos. A começar pelo caput e os incisos I ao XII desse artigo, é possível observar que houve, no legislador, um desejo de limitar, consideravelmente, as possibilidades de aplicação da sanção indenizatória ao determinar elementos específicos para conclusão do grau da ofensa da ação ou omissão. Entre tais elementos específicos, salienta-se que alguns, inclusive, extrapolam a esfera de atribuição do magistrado por se tratarem de elementos de ordem médica/psicológica.
Nesse sentido, é possível apontar que nenhum magistrado teria condições técnicas de fazer juízo de valor do elencado no artigo 223-G, itens II, III, IV, no que se refere aos reflexos pessoais e VI no que tange ao prejuízo moral, por se tratarem de elementos exclusivamente psicológicos, que devem ser analisados por profissional da área médica. Assim, se intentar considerar sobre esses elementos, será imprescindível a confecção de laudo técnico por profissional médico/ psicólogo.
O item V, trata da duração e extensão dos efeitos da ofensa, e neste caso se observados como lesão a bem jurídico de pessoa física, também só poderão ser mensurados por profissionais da área, pois ofendem a ordem psicológica do indivíduo, devendo ser observado segundo item anterior, por ser no mínimo desaconselhável tentar mensurar os efeitos de uma ofensa a uma pessoa física pelo senso comum, pois cada ser humano reage de uma forma individualizada e por um determinado tempo, às ofensas que recebe.
Nesse sentido, o professor Paulo Eduardo Vieira de Oliveira leciona que a fixação do quantum indenizatório, levando-se em consideração esses fatores, se fará por arbitramento e nessa modalidade alguns requisitos são imprescindíveis. Informa também que:
Pode haver, em determinadas situações, necessidade de apuração do quantum indenizatório através de arbitramento da extensão dos danos sofridos pelo ofendido, o que levaria a necessária realização de uma perícia em que se considerasse diversos fatores... Ao final do trabalho, o Juiz, deve analisar o laudo apresentado e, com base em seus parâmetros, fixar o valor que entender justo para reparar o assédio ocorrido.15
Quanto ao inciso I desse artigo, salienta-se que todos os bens jurídicos elencados nos artigos 223-C são direitos da personalidade, tutelados pelo artigo 5º da Constituição Federal. Portanto, todos têm natureza jurídica de direito fundamental e devem ser considerados igualmente, e na sua acepção sem possibilidade de distinção de qualquer natureza.
No que se refere aos demais incisos, quanto aos reflexos sociais da ação ou omissão (IV, b), as condições em que ocorreu a ofensa (VI, a), o grau de dolo ou culpa (VII), a ocorrência de retratação espontânea (VIII), o esforço efetivo para minimizar a ofensa (IX), o grau de publicidade da ofensa, (XII), poderiam ser mensurados pelo senso do magistrado a partir do conteúdo probatório do processo, pois são inerentes ao próprio procedimento jurisdicional.
E ainda, no que se refere ao perdão tácito e perdão expresso (X), ainda que válida para as violações contra pessoa jurídica, pois esta detém condições de reação imediata, quando a violação for em relação a pessoa física pode-se concluir que seria impossível haver tal reconhecimento. Primeiramente pela condição de hipossuficiência do trabalhador que, raramente, durante a relação de trabalho/emprego se oporá ao empregador pelo ato ofensivo cometido por ele. Posteriormente, por haver, na própria legislação, o prazo prescricional do direito de ação em 2 anos, conforme artigo 7º, XXIX da Constituição Federal, devendo ser este prazo, então, o período que se deva considerar para falar que o empregado perdoou tacitamente a ofensa.
Por fim, temos os parágrafos do artigo 223-G, que tratam da efetiva limitação de valores às indenizações a serem aplicadas no âmbito trabalhista, gerando um rompimento com os princípios do próprio instituto da responsabilidade por danos extrapatrimoniais. Enuncia o caput e os incisos do parágrafo primeiro que a indenização será fixada a partir da verificação, segundo os critérios anteriores, do grau da lesão causado ao bem jurídico, sendo vedada a acumulação.
Em um juízo subjetivo, poderá o magistrado atribuir a lesão ao bem jurídico a natureza leve, média, grave ou gravíssima, limitando as indenizações respectivamente até três, cinco, vinte e cinquenta vezes o salário do ofendido podendo, em caso de reincidência, elevar ao dobro o valor da indenização.
Ao atribuir uma limitação ao valor das indenizações e ainda, atribuindo a estas a base de cálculo, o valor do salário auferido pelo ofendido, há uma violação ao princípio constitucional da isonomia e um abandono dos princípios que norteiam o instituto da reparação extrapatrimonial, conforme veremos a seguir.
A medida provisória, MP 808, no que diz respeito às indenizações, tentou ampliar o rol dos direitos tutelados pelo instituto da reparação extrapatrimonial trabalhista, acrescentando no artigo 223-C outros seis bens jurídicos que deveriam ser objetos de tutela desse instituto. São eles; etnia, idade, nacionalidade, imagem, gênero e orientação sexual. Todos inerentes aos direitos fundamentais, que por si só deveriam ser igualmente tutelados independente de previsão expressa.
A mesma medida intentou manter a isonomia entre os ofendidos, atribuindo ao parágrafo primeiro do artigo 223-G nova redação, em que a base de cálculo para indenizações deixaria de ser o salário do trabalhador, para ser calculada sobre o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Com isso, independentemente do valor auferido pelo ofendido, o valor indenizatório seguiria uma lógica isonômica.
Contudo, a medida provisória MP 808 não foi apreciada pelo congresso nacional, perdendo sua validade e sendo excluída do ordeidnto, voltando a valer a redação original da lei 13.467/2017.
Após a análise dos artigos introduzidos pela lei 13.467/17 na CLT, está evidente que há algumas incompatibilidades com o ordeidnto jurídico pátrio, pois a gênese desse instituto, como já salientado, apresentam ao menos três importantes funções, quais sejam, a função reparatória em favor do ofendido e a outra sancionatória em detrimento do ofensor e também a função pedagógica em favor da sociedade.
5- A crítica à quantificação prévia do valor de indenização e a inconstitucionalidade da norma.
A alteração legislativa introduziu no ordeidnto celetista a possibilidade de prévia valoração dos danos extrapatrimoniais a serem pagos pelo ofensor, sendo que, a partir da regra do parágrafo primeiro do artigo 223-G, é possível calcular o valor máximo a ser pago ao ofendido, limitando-se a indenização a cinquenta vezes o seu salário contratual.
Nesse sentido, é possível verificar que a norma favorece a lesão de direitos extrapatrimoniais, pois sendo possível quantificar a indenização a ser paga, com base em parâmetros objetivos e sem acumulações, também há possibilidade de calcular até onde poderá ser perpetrada a lesão. Com essa afirmação, pretende-se chamar a atenção a situações que, a depender do poder econômico do empregador, por exemplo, este se preocupará mais, ou menos, com atitudes capazes de lesar os direitos extrapatrimoniais de seus funcionários, inclusive sendo possível selecionar quais grupos de funcionários poderão ter seus direitos violados e quais direitos serão violados, sendo possível ainda calcular de antemão quais lesões gerarão os menores danos e maiores benefícios à empresa.
Somente a título de exemplo, citando o posicioidnto majoritário do Tribunal Superior do Trabalho quanto à possibilidade de dano moral em razão de cobrança para o atingimento de metas, assim enuncia o Ministro João Oreste Dalazen em sua decisão:
RECURSO DE REVISTA.ASSÉDIOMORAL. CUMPRIMENTO DE METAS. EXIGÊNCIA. EMPREGADOR. PODER DIRETIVO. ABUSO. DANO MORAL.CONFIGURAÇÃO.1. A cobrança de metas pelo empregador, caso extrapole os limites da razoabilidade e afronte a dignidade da pessoa humana, configura prática de assédio moral. Precedentes. 2. Caracteriza assédio moral, porque ofensa à dignidade e à intimidade da pessoa humana, a prática sistemática e reiterada do gerente da empresa, ofender verbalmente, impingir castigos e expor a constrangimento e humilhação os vendedores que não lograram atingir as metas preestabelecidas. 3. Recurso de Revista da reclamada de que não se conhece. (TST- RR 683008920095090012, Relator João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 22/03/2017, 4ª Turma, Data da Publicação: DEJT 25/08/2017.16
Partindo do pressuposto de que haverá a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais em casos semelhantes, seria possível, até mesmo no início do processo, prever qual o valor máximo a ser dispendido pela empresa com cada funcionário, caso haja ação trabalhista, e também seria possível decidir se essa prática lesiva deve ou não ocorrer outras vezes, pois com tal previsibilidade é possível uma análise de “custo/benefício”, vindo o instituto indenizatório a perder seu caráter sancionatório e pedagógico. O exemplo pode parecer exagerado, mas a lógica empresarial e capitalista trabalha com a aceitação do risco sempre que se tem a possibilidade de benefícios/lucros superiores.
Em uma lista publicada pelo Tribunal Superior do Trabalho em 2018, entre os vinte maiores litigantes do Brasil, responsáveis por um total de 68.438 ações, temos cinco Bancos, sendo que três deles são privados e dois bancos de economia mista, que juntos somam 43,39% dessas ações. 17
Também temos nesse mesmo relatório que, entre os vinte assuntos mais recorrentes no TST, destaca-se em quinto lugar as ações que versam sobre danos morais/extrapatrimoniais e, em décimo primeiro, ações sobre o arbitramento de indenizações em ações que versam sobre danos morais/extrapatrimoniais, ou seja, uma grande fatia das ações discute danos extrapatrimoniais, podendo, inclusive, serem os Bancos os maiores violadores desta esfera de direitos. 18
Nesse sentido, Marcia Novais Guedes escreveu:
Os bancos contratam escriturário, todavia, os bancários, com ou sem vocação, são obrigados a acumular a função de escriturário e vendedor de papéis e serviços. E, para aumentar seu já fabuloso lucro, os bancos empregam a pressão psicológica e a ameaça da dispensa. À medida que o volume de papéis aumenta e se diversifica as metas fixadas também vão sendo ampliadas, as pressões vão crescendo e as ameaças se confirmando com as demissões programadas, sob a irônica justificativa de excesso no quadro de pessoal.... Acontece que essa estratégia assentada na pressão psicológica para o cumprimento de metas de produtividade cada vez mais rigorosas, aliada à exploração intensiva do trabalho vivo, pelas frequentes violações do sistema de controle eletrônico dos horários de entrada e saída, combinada com as constantes ameaças da perda do emprego, implica em violação do direito fundamental ao trabalho saudável, e revela a face perversa da gestão por estresse, conhecida por straining.19
Com esses apontamentos, pretende-se demonstrar que: em primeiro lugar, entre os maiores litigantes, encontram-se também as empresas com os maiores faturamentos anuais, os Bancos privados e de economia mista; segundo, grande parte dos objetos destas ações são violações de direitos extrapatrimoniais que inclusive são causados pela pressão sofrida para o atingimento de metas,; e por fim, havendo uma limitação do quantum indenizatório, leva a uma previsibilidade de custo que permite a avaliação do risco aceitável.
Somadas, essas questões tornam-se responsáveis pelo agravamento das situações nas quais é possível verificar a precarização do trabalho, a transformação do trabalhador em mero objeto do capital e, como já exposto acima no texto colacionado, tem-se a violação, entre outros, ao direito fundamental ao trabalho saudável; um flagrante retrocesso em matéria de direitos sociais. E, a despeito de toda essa situação, a norma ainda possibilita antever o impacto das indenizações no capital da empresa, como também já exposto, e a partir dessa possibilidade, decidir se a violação de direito é aceitável ou não em detrimento das metas financeiras.
Outro ponto a ser levado em conta é a vinculação do valor máximo de indenização ao do salário base do trabalhador, o que leva a duas questões importantes, quais sejam, a previsibilidade no valor máximo da indenização, o que pode ser utilizado como parâmetro para deliberação sobre risco aceitável e a violação aos princípios da igualdade e da não discriminação pois a reparação do patrimônio imaterial do trabalhador passa a variar de acordo com o valor de seu salário. Em outra palavras, a reparação à ofensa a moral do trabalhador vai ser condicionada a sua própria condição social, tendo maior desvantagens àqueles que ganham menos. Quanto mais alto o salário (e sua posição social), maior o valor de seu patrimônio imaterial, quando na verdade todos os direitos fundamentais deveriam ser vistos de forma isonômica na sua igualdade formal.
Nesse sentido, há a ideia de que com a quantificação das indenizações tendo por base o salário base do trabalhador, pode ocorrer um fenômeno de avaliação de custo/benefício pelas empresas. Essa é uma situação iminente e com ela também é possível concluir que a norma tem potencial para criar um ambiente de violações aos direitos fundamentais do trabalhador e, portanto, gerar enorme retrocesso em matéria de direitos sociais, o que a torna passível de questioidnto quanto a sua constitucionalidade.
Assim sendo, é possível amparar-se no princípio constitucional da vedação ao retrocesso em matéria de direitos sociais, pois esse princípio prevê a impossibilidade de retrocesso em matéria de direitos fundamentais e sociais.
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 enuncia no artigo 30 que, ao interpretar suas disposições, em nenhum momento isso poderia ser feito com a intenção de se modificar os direitos nela contidos e preservados, utilizando-se do temo “destruir”20 para classificar a desvirtuação de suas normas em detrimento de outros direitos, ofuscando assim as liberdades contidas nela mesmo. A própria Declaração foi responsável por limitar a sua interpretação com elementos descritos no seu próprio texto.21 Assim, o que se pretendeu com essas limitações internas foi melhor elucidado no artigo 5º do texto contido no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que tratou de enunciar que os direitos fundamentais jamais poderiam ser utilizados ou interpretados de forma a restringir ou derrogar-se, seja de expressa ou tacitamente. Nesse mesmo pacto ainda foram incluídos os artigos 6º, 7º e 8º, que tratam dos direitos básicos do trabalhador, elevando-os ao patamar de Direitos Fundamentais.22
Observa-se que, no mesmo artigo 5º desse pacto, no item 2, encontra-se a proibição de se praticar atos que visem o retrocesso sob o argumento de que certo direito não faça parte do pacto ou que o pacto os ampare em menor grau.
Apesar de ser possível encontrar esse princípio expresso desde a década de 40, somente a partir dos anos 70, ele passou a fazer parte das discussões acadêmicas, quando, inclusive, surgiu a discussão e posterior entendimento de que não há viabilidade da sobreposição de normas econômicas sobre as sociais. Em Portugal, Canotilho defendia que um direito social efetivado não era passível de retrocesso, sendo cabível ação judicial contra a tentativa de sua relativização. Salientava, ainda, que após a efetivação de um direito social, sua constitucionalização é uma garantia e, portanto, passam a constituir um núcleo essencial do ordeidnto jurídico daquele Estado, sendo incompatíveis com alterações que os desconstituam ou tornem a situação ao estado igual ou pior do que o anterior.23 Então, escreveu:
Em primeiro lugar devem trazer-se à colocação os direitos fundamentais: saber se a nova normação jurídica tocou desproporcionada, desadequada e desnecessariamente dimensões importantes dos direitos fundamentais (cfr. Ac. TC 759/95), ou se o legislador teve o cuidado de prever uma disciplina transitória justa para as situações em causa. 24
E continua:
Verdadeiramente fundamental no princípio da abertura da via judiciária é a sua conexão com a defesa de direitos. Reforça o princípio da efectividade dos direitos fundamentais proibindo a sua inexequibilidade ou eficácia por falta de meios judiciais. Essa efectiva proteção jurídica implica um controlo das questões de facto e das questões de direitos suscitadas no processo, de forma a possibilitar uma decisão material do litígio feita por um juiz em termos juridicamente vinculantes.25
O princípio da vedação ao retrocesso, decorre do próprio Estado Democrático e Social de Direito26 , estando diretamente ligado aos princípios da Dignidade da Pessoa Humana e Valor Social do Trabalho, no artigo terceiro da Constituição de 88 e ainda se relaciona com outros, tais como o da Máxima Eficácia, o da Proteção da Confiança, do Mínimo Existencial e, na seara trabalhista, conforme o artigo sétimo da Constituição, está relacionado a princípios tantos quantos visem a melhoria da condição social. Esse princípio, que também pode ser encontrado sob outras nomenclaturas tais como: regra de não retorno da concretização, proibição da revolução reacionária (efeito cliquet)27 , ou proibição do retrocesso; impede que conquistas normativas ou principiológicas sejam excluídas do ordeidnto sem que se apresentem meios para compensação dos direitos já efetivados, impondo um dever de progressividade nas conquistas fundamentais e sociais.28
Aliado a isso, a Constituição Federal brasileira, promulgada em 1988, elevaram os direitos sociais à categoria de fundamentais e, assim como estes, constituem seu núcleo rígido, sendo que os atentados ou perpetrações de violações a esses direitos são passíveis de questioidnto junto aos tribunais superiores utilizando-se do sistema de controle de constitucionalidade.
Portanto, após a apresentação desses aportes teóricos, pode-se concluir o presente trabalho como se segue.
6- Conclusão.
Para responder a pergunta inicial, qual seja, se seria possível pré fixar indenizações por danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho, sem que se incorra em inconstitucionalidade da norma, uma vez que esta quantificação subverte o presente instituto, retirando dele seus objetivos principais e ainda, potencializa as possibilidades de violação e perpetuação de violações a direitos fundamentais causando grande retrocesso social, é importante ter-se em mente que a norma abordada neste artigo e insculpida nos artigos 223-A ao 223-G da CLT é discriminatória quanto ao valor do patrimônio imaterial do trabalhador.
Também é notório que o instituto trabalhista não guarda relação com seu antecessor civil, pois fere seus princípios: a) quando não se preocupa com o caráter sancionador da medida, tornando-se previsível e fixando limites ao valor indenizatório; quando mensura o caráter reparador, passando a mensagem de que o patrimônio moral de quem ganha mais é maior do que o patrimônio moral de quem ganha menos; e deixa de apresentar seu lado pedagógico, pois conforme exposto, poderá ser usado para, inclusive, parametrizar ou perpetuar violações a direitos extrapatrimoniais/morais.
Com isso, o retrocesso torna-se latente. Quando a norma é observada sob o prisma de coisificação do ser humano e de uma possível análise de viabilidade da lesão a direitos a partir do custo/benefício empresarial, torna se ainda mais preocupante, pois empresas com os maiores faturamentos financeiros, assim como ocorre hoje com as demandas trabalhistas, podem incluir em suas planilhas de custo as possíveis despesas resultante de condenações em danos imateriais, inclusive, podendo de antemão quantificar o suposto prejuízo.
Pelo outro lado deste mesmo prisma, conforme já mencionado, a norma é responsável em quebra da isonomia formal dos trabalhadores, colocando-os em desigualdade por um critério econômico. Portanto, ela é inconstitucional, pois fere o princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei, aumentando a desigualdade social.
Por fim, há que se refletir que as violações a direitos constitucionais fundamentais e sociais devem ser impedidas pela declaração de sua inconstitucionalidade, ou seja, a norma que efetivamente retira direitos sociais, inclusive sem oferecer qualquer contrapartida a estes direitos deve ser extirpada do ordeidnto jurídico pátrio, através do Sistema de Controle de Constitucionalidade.
Assim, a resposta ao questioidnto inicial é que não é possível quantificar indenizações por violações a direitos extrapatrimoniais, pois haverá o esvaziamento do instituto e a certeza de que essa taxatividade será responsável, a médio e longo prazo, por violações e perpetuação de violações a direitos fundamentais e sociais do trabalhador.
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