Débora Aquino Nunes*
Bianca Caterine Piedade Pinho**
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Brasil
Correo: debora.aquino@ifpa.edu.br
RESUMO
Parauapebas-PA possui em seu território uma das maiores jazidas de ferro do mundo, sendo explorada principalmente pela empresa Vale. Tal atividade domina a economia do município e vem, constantemente, passando por mudanças tecnológicas, produtivas e mercadológicas. Temos como objetivo, então, analisar a relação entre a dinâmica da mineração, no período de redemocratização brasileira, e a organização socioespacial de Parauapebas. Para isso, usamos os seguintes procedimentos metodológicos: a) levantamento bibliográfico sobre o objeto de pesquisa; b) levantamentos de dados secundários; c) levantamento de dados documentais; d) sistematização dos dados e produção deste artigo. Destaca-se que a fase, em sua essência neoliberalista, de exploração mineral regional, com uma grande importância da empresa Vale, tem interferência direta tanto em relação ao boom populacional de Parauapebas quanto a organização desigual e contraditórias do seu espaço urbano.
Palavras-chave: Fronteira econômica; Amazônia; Desigualdades socioespaciais; Parauapebas; Mineração
ABSTRACT
Parauapebas-PA has one of the largest iron deposits in the world, and is mainly exploited by Vale company. This activity leads the municipality’s economy, plus is constantly undergoing technological, productive and market changes. Therefore, this study aims to analyze the relationship between the dynamics of mining in the period of Brazilian redemocratization, and the socio-spatial organization of Parauapebas. Thus, we use the following methodological procedures: a) bibliographic survey about the research object; b) secondary data surveys; c) collection of documentary data; d) systematization of data and production of this study. It should be emphasized that the neoliberalist phase of regional mineral exploration, and the influence of Vale company, have a direct interference both regarding the population boom of Parauapebas, such as the unequal and contradictory organization of its urban space.
Keywords: Economic frontier; Amazônia; Socio-spatial inequalities; Parauapebas; Mining
RESUMEN
Parauapebas-PA tiene en su territorio uno de los depósitos de hierro más grandes del mundo, siendo explotado principalmente por empresa Vale. Esta actividad domina la economía del municipio y está experimentando constantemente cambios tecnológicos, productivos y de mercado. El propósito de este estudio es analizar la relación entre la dinámica de la minería en el período de la redemocratización brasileña y la organización socio-espacial de Parauapebas. Para ello, utilizamos los siguientes procedimientos metodológicos: a) investigación bibliográfica sobre el objeto de investigación; b) levantamiento de datos secundarios; c) Investigación documental; d) Sistematización y producción de este artículo. Cabe destacar que la fase neoliberalista de la exploración mineral regional, con una gran importancia para Vale, tiene una interferencia directa tanto en relación con el crecimiento de la población de Parauapebas como en la organización desigual y contradictoria de su espacio urbano.
Palabras clave: frontera económica; Amazônia; Desigualdades socio-espaciales; Parauapebas; Minería
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Débora Aquino Nunes y Bianca Caterine Piedade Pinho (2019): “Mineração e urbanização na amazônia pós redemocratização brasileira: a privatização da vale e as transformações urbanas em PARAUAPEBAS-PA”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (julio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/07/mineracao-urbanizacao-amazonia.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1907mineracao-urbanizacao-amazonia
INTRODUÇÃO
A partir de 1960, adota-se definitivamente no Brasil um projeto desenvolvimentista baseado na modernização, industrialização e urbanização do País. Os nexos econômicos, ligados tanto ao mercado externo quanto à crescente formação e expansão do mercado interno, passaram a ganhar enorme relevo, impondo suas dinâmicas à totalidade do território (SANTOS, 2009).
A indústria foi direcionada para bens duráveis e a agricultura recebeu incentivos para se modernizar por meio da tecnificação das grandes propriedades, criando condições de ampliação do mercado para o setor industrial produtor de insumos modernos. A proposta era incentivar a implantação de novas industrias no País e, concomitantemente, aumentar a produção agrícola sem mexer na estrutura fundiária vigente (COSTA, 2012).
Nessa Amazônia, os grandes projetos, apoiados pelo Estado militar, chegaram, então, apropriando-se de tudo, exportando tudo. A exportação era a palavra mágica que fez mover o processo de rapina identificado na região. Esse processo fascinou a burguesia nacional e soldou sua aliança com o grande monopólio internacional (OLIVEIRA, 1990).
No sudeste paraense, vários acampamentos foram abertos para a construção do Projeto Ferro Carajás (PFC), um dos projetos beneficiados pelo Programa Grande Carajás (PGC), que visava, principalmente, desenvolver a mineração, com a instalação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), e agropecuária no sudeste paraense. Para isso, os acampamentos foram base para a abertura e asfaltamento da PA-275 (ligação de El Dorado de Carajás a Parauapebas), da instalação da Estrada de Ferro Carajás, da abertura do núcleo urbano de Parauapebas, do núcleo de Carajás, que servia de company town ao PFC, e de obras da ponte sobre o rio Parauapebas (ROCHA, 2018). As company town são cidades planejadas, enclaves urbanos, criados para comportar a mão de obra mais qualificada que vinha para a região (BECKER, 1990).
Parauapebas surge, então, com estrutura e aspecto de acampamento provisório, processo comum das cidades que surgiram no período militar na Amazônia. Tal aglomerado populacional sofreu rápida expansão e incremento populacional. Em 2018, 30 anos após sua emancipação do município de Marabá, Parauapebas contava com aproximadamente 200 mil habitantes e sua economia girava ainda em torno do setor industrial mineral, segundo o censo (IBGE, 2019).
Ademais, entende-se que atualmente a economia tornou-se mundializada e todas as sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos total ou explícita, um modelo técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recursos naturais e humanos (SANTOS, 1998). As diversas frações do espaço são postas ao alcance dos mais diversos capitais, que guiam os investimentos, a circulação de riquezas e a distribuição de mercadorias, sendo o Estado conivente. Assim, cada lugar é ponto de lógicas que trabalham em escalas diferentes, reveladoras de níveis diversos e, às vezes, contrastantes na busca da eficácia e do lucro, no uso das tecnologias do capital e do trabalho (SANTOS, 1998).
O neoliberalismo se fez presente na política nacional, principalmente no inicio do período de redemocratização brasileira. Com isso, sobre a desculpa de inviabilidade do governo de gerir as estatais, a CVRD é, então, privatizada em 1997, ou seja, vendida para o capital internacional por 3,3 bilhões de doláres (COELHO et al, 2007)
Dessa maneira, o papel do Brasil na divisão internacional do trabalho, que é fornecer matérias-primas e commodities baratas para o mundo, aprofunda-se. É necessário aumentar a produção em uma mesma área e em um menor espaço de tempo (ELIAS, 2012). O Estado do Pará destaca-se em nível nacional pela sua economia mineral, atual e potencial, que compõe parte significativa de seu Produto Interno Bruto (PIB). Grande parte do dinamismo econômico do Estado, no período recente e nos próximos anos, deriva dos projetos de extração de minérios, como: cobre, bauxita, ferro, manganês, níquel, estanho e ouro, dentre outros em menor escala. Contudo, muito se questiona sobre o rebatimento da economia mineral na melhoria da qualidade de vida da população (FAPESPA, 2015).
Assim, este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre a dinâmica da mineração, no período de redemocratização brasileira, e a organização socioespacial de Parauapebas. Este que é um município que vem passando, desde de sua gênese a 31 anos, por intensas e rápidas mudanças, está localizado no sudeste paraense e é uma das principais bases para exploração de ferro no Brasil (COELHO, 2015).
Para isso lançamos mão das seguintes metodologias: a) levantamento bibliográfico sobre o objeto de pesquisa e histórico-geográfico sobre Parauapebas, o sudeste paraense e a Amazônia oriental; b) Levantamentos de dados secundários, com consulta aos censos demográficos do IBGE e ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) instituído pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); c) levantamento de dados documentais; d) sistematização dos dados e produção deste artigo.
Destaca-se que atualmente é importante discutir e analisar os desdobramentos e o desenvolvimento de grandes projetos na região amazônica. Nesse sentido, identificamos que a cada mudança na estrutura da exploração mineral implementada na região, o espaço urbano de Parauapebas se modifica, aumentando a pressão sobre o trabalho e o ambiente.
Assim, esta analise traz a tona as desigualdades e contradições que marcam a produção do espaço de Parauapebas, centro de exploração de uma das maiores e mais puras jazidas de ferro do mundo. Tal espaço urbano está diretamente ligado com a instalação da Companhia Vale do Rio Doce (empresa estatal), no período militar. Essa que se privatiza em 1997, sendo, atualmente, a principal empresa de mineração de Parauapebas, uma das maiores do mundo (COELHO, 2015; OLIVEIRA, 1988; BECKER, 1990).
1. O FLORESCER DA CIDADE DE FERRO: PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS EM PARAUAPEBAS
Destaca-se que a Amazônia aparece, cada vez mais, para o mundo como fronteira do capital, sendo (des)envolvida por lógicas econômicas externas. A fronteira é um espaço em incorporação ao capital global (BECKER, 1990) e um lugar, essencialmente da alteridade (MARTINS, 2009). Para os atores hegemônicos, a fronteira amazônica aparece como espaço de projeção para um futuro mais “promissor”, nova fonte de recurso a ser explorada e onde se pode implantar rapidamente novas estruturas (BECKER, 1990). Além disso, ela é lugar dos conflitos sociais, do (des)encontro de perspectivas que denotam tempos históricos distintos, ritmos de vida diferentes e formas de apropriação do espaço que se misturam dialeticamente (MARTINS, 2009).
Tal fronteira é historicamente caracterizada por ser um espaço em incorporação às novas lógicas e exigências dos atores hegemônicos. Nesse contexto, frisa-se que o Estado brasileiro teve e ainda tem papel importante no processo de abertura e de manutenção da fronteira amazônica ao capital nacional e internacional. O poder público já realizou diversas campanhas de marketing, a qual tal fronteira apareceu para a nação como símbolo de possível prosperidade nacional e fato político, uma vez que sua “ocupação” traria a possibilidade de desenvolvimento para todos. Para o capital transnacional, ela é reserva energética e de matérias-primas, fácil de ser explorada, pois conta também com o apoio do Estado (BECKER, 1990).
Em relação à população da região e aos trabalhadores, a Amazônia pode aparecer de maneira diferente. Muitas vezes ela se faz abrigo - espaço que possibilita a reprodução da vida e das diversas culturas que ali se encontram (OLIVEIRA, 1988). A intensa migração direcionada à Amazônia levou essa região a ser também uma fronteira da alteridade, onde o diverso se (des)encontra, num misto entre conflitos, novas articulações, necessidades de sobrevivências na diferença e negação de sociabilidades pretéritas (MARTINS, 2009).
O sudeste do Pará foi uma das regiões que mais sofreu com o processo de “ocupação” concentrado nos grandes grupos econômicos que se dirigiam à Amazônia (OLIVEIRA, 1990). Desde a década de 1960, essa região experimenta uma expansão econômica e demográfica elevada, que se intensificou principalmente com a instalação da grande indústria extrativa mineral e da atividade agropecuária. Em suas cidades as técnicas presentes e o modo de vida urbano se expandiram de maneira intensa (SILVA; DINIZ; FERREIRA, 2013).
Atualmente, destaca-se que Parauapebas, cidade que possui sua gênese diretamente ligada ao processo de mineração e que mantém a sua base econômica assenta na atividade mineral, é intensamente impactada com as oscilações do capital, visto que sua economia gira em torno do mercado internacional e suas variações no setor da produção de ferro.
Destaca-se que concomitante ao processo de expansão urbana está também o crescimento populacional de Parauapebas, que foi intenso desde a sua gênese.
Entre os 1.388 municípios que se emanciparam no ano de 1988, apenas Palmas, capital do Tocantins, experimentou crescimento demográfico superior nesse período. Em 2010, Parauapebas já contava com 153.908 habitantes, mais que dobrando a sua população em apenas 10 anos, apresentando um crescimento de 115%. Em 2018, a sua população estimada foi de 202.882 habitantes, marcando uma diminuição no ritmo de crescimento, passando a ser de 32% de 2010 a 2018.
Identificamos também que a maioria da população de Parauapebas se concentra na cidade. O boom populacional maior ocorre, então, no período pós privatização da CVRD, marcada pela intensificação da exploração mineral e do trabalho. A expansão urbana e a evolução demográfica de Parauapebas acompanham os condicionantes econômicos da mineração em larga escala e as políticas públicas de incentivo a essa atividade.
Segundo Becker (1990), para a transnacionalização da CVRD, o estado usou de métodos como: superposição de um novo território - de 800.000 à 900.000 km² foram superpostos a divisão administrativa oficial, onde empresas passaram a usufruir de concessão especial de incentivos tributários e financeiros, da implantação de novas redes de comunicação e um sistema logístico enorme de transporte.
Observado as características da Amazônia como fronteira, a mobilidade do trabalho constituiu fator fundamental para que as novas atividades econômicas se consolidassem na região, com a demanda urgente para exploração mineral. Tais atividades trouxeram imigrantes, porém não houve planejamento para recebê-los, com terras desigualmente distribuídas (BECKER, 1990).
Assim, novas cidades surgiram e se desenvolveram, como Parauapebas. É ainda presente a estratégia de atração e concentração de mão de obra em seu território. Assim, a mobilidade da força de trabalho na Amazônia tem sido condição, produtora e produto da fronteira.
A maioria das pessoas são atraídas pelas propagandas públicas ou privadas de acesso ao emprego e renda ou de boas condições de vida. Vários slogans circundam a imagem de Parauapebas, a saber: “Parauapebas, a capital do minério de ferro” e “Pebinha de açucar”. Essa imagem de riqueza, que nem sempre condiz com a realidade, é construída principalmente baseada na economia e arrecadação do município. Desde de 2008, Parauapebas possui o segundo maior Produto Interno Bruto (P.I.B) dos municípios paraenses.
Identificamos que, após um forte crescimento entre 2007 e 2011, a economia de Parauapebas vem passando por uma intensa instabilidade entre os anos de 2012 e 2016, possuindo relação direta com a crise econômica que se abateu sobre mundo. Além disso, identificamos que ao contrario dos outros três municípios, que baseiam sua economia no setor de comércio e serviço, Parauapebas tem na industria, principalmente mineral, o seu principal setor econômico. Isso contribui para sua instabilidade, pois a interferência da variabilidade do preço de ferro no mercado internacional tem a força de atingir rapidamente o município de Parauapebas. Apesar disso, o município permanece como a segunda maior economia do Estado, apenas atrás da capital Belém.
É importante destacar que com a crise do capitalismo financeiro mundial, que inicia em 2008 e que se rebate mais diretamente em Parauapebas após 2011, diminui-se o ritmo de crescimento urbano e populacional do município. Isso porque atualmente com a maior especialização do espaço, hierarquização produtiva, financeirização e conexão dos mercados e da produção, uma crise imobiliária gerada em outro país, mais especificadamente nos Estados Unidos, por excesso de crédito e aumento da inadimplência, atingiu de forma diferente e desigual a maioria dos espaços do mundo, inclusive a Amazônia oriental e Parauapebas. A falta de confiança no mercado gerou a queda de preço de alguns produtos primários, como o ferro (MACHADO; FONSECA, 2010), base econômica do município.
Apesar dessa fase de crise financeira mundial, também destacamos que a empresa Vale, maior mineradora instalada em Parauapebas e umas das maiores do mundo, vem batendo recordes de produção ano após ano, sobretudo após a sua privatização em 1997, sendo, no final da década de 2000, a segunda maior empresa mundial de exploração de minérios (THÈRY; THÈRY, 2009; COELHO, 2015).
Atualmente, a Vale aumenta, anos após ano, sua produtividade e lucro no complexo Carajás. Aprofunda-se, então, o processo de exploração dos recursos naturais e da mão de obra na região. Essa que é impactada, atualmente, com a reforma trabalhista e mais especificamente no caso dos trabalhadores da mineração em Parauapebas, entre outros fatores, com a extinção das horas in itinere. Tal horas são o tempo gasto com deslocamento ida e volta para local de trabalho considerado de difícil acesso ou não servido por transporte público regular, desde que transportado por condução fornecida pelo empregador. Estas horas eram pagas e contabilizavam na carga de trabalho antes do ano de 2017. Atualmente, com a nova legislação, esse tempo não é mais computado na jornada de trabalho, por tanto não é mais pago ao trabalhador (BRASIL, 2017). As horas de deslocamento de subida e descida da portaria da FLONA dos Carajás até as minas de extração de ferro, realizada por terceirizadas contratadas da Vale, não fazem mais parte da carga horaria de trabalho. Diminui-se a renda do trabalhador, mantendo a sua jornada de trabalho.
Em relação a intensificação da produção, em 2013, Parauapebas foi o município que mais exportou no Brasil e, ainda neste ano, foi inaugurado a Usina 02, que amplia em 40 milhões de toneladas a produção de ferro de Carajás. Em 2014, a empresa começou a duplicar o seu ramal ferroviário, a estrada de ferro Carajás. Em 2016, na cidade vizinha a Parauapebas, Canaã dos Carajás, a Vale inaugura um dos seus maiores projetos de exploração mineral do mundo, a S11D. Destaca-se mais uma vez que o teor do ferro encontrado nas jazidas de Carajás é o mais alto do mundo, tendo no entorno de 65% a 70% de pureza (VALE 2014, 2016). Nem o mercado internacional consome o ferro nesse teor. A Vale mistura, então, o ferro de Carajás com o de Minas Gerais para conseguir exportar1 .
Assim, verificamos uma ligação direta entre as políticas públicas, com as novas legislações e renovações de incentivos fiscais, e o grande capital que vem impactando de forma direta e relevante os processos e as dinâmicas que produzem, intensamente, o espaço urbano de fronteira de Parauapebas. Há um esforço desses agentes para sempre aumentar a exportação de minérios e de produtos agropecuários, seja para aumentar seus lucros, no caso das empresas, ou para elevar o saldo da balança comercial do Brasil, o que faz com que a região de Carajás continue ganhando destaque no cenário nacional e internacional (SILVA; DINIZ; FERREIRA, 2013).
2. A MINERAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO DE PARAUAPEBAS: DESIGUALDADES, CONDIÇÕES DE VIDA E EMPREGO E RENDA
Destacamos que a importância econômica de Parauapebas não se reflete automaticamente em boas condições de vida e em emprego e renda na cidade. Além da explicita segregação socioespacial na cidade, que vem desde a sua gênese, alguns indicadores municipais também apontam problemas sérios no que tange as condições de vida da população..
Constantemente figurando entre os 5 maiores P.I.B’s do Estado do Pará, Parauapebas, como identificado no gráfico 01, apresenta bons indicadores no que se refere: a) ao bom acesso à energia elétrica; b) ao bom abastecimento de água, apesar desse serviço, na prática, em diversos bairros não ser regular e a falta d’água por horas é constante; c) ao bom serviço de coleta do lixo, apesar da cidade ainda não contar com a aterro sanitário como prevê a Lei 12,305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010); d) ao baixo índice de extrema pobreza no município; e) ao bom P.I.B per capta, que só demonstra também a grande concentração de renda, já que os domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, em 2016, contabilizavam 38.5% do total de domicílios na cidade, o que a colocava numa das piores posições no Estado do Pará, a de 141 de 144 cidades do Estado (IBGE, 2019); f) ao baixo desmatamento e ao bom estoque de floresta - é importante frisar que Parauapebas possui diversas unidades de conservação ambiental, que ocupam a maior parte do seu território, como a Floresta Nacional dos Carajás, onde a Vale tem atuação direta, e a Terra Indígena Xikrin do rio Cateté.
Em relação aos dados relacionados à segurança, saúde, educação, esgotamento sanitário e queimadas (focos de calor), os indicadores são intermediários ou críticos, indicando a precarização desses serviços públicos na cidade, bem como a falta de controle e fiscalização de queimadas no período do verão Amazônico. Nesse sentido, é comum os casos de mortes por conta de conflito entre facções criminosas, falta de medicamentos e filas em hospitais e postos de saúde, bem como anualmente, no verão, a cidade fica tomada por fumaça e aumenta os casos de doenças respiratórias. No inverno, período de chuvas, é comum também o alagamento de alguns bairros, como o Liberdade. No ano de 2018, o prefeito decretou situação de emergência por conta das chuvas e alagamentos na cidade.
No que se refere ao emprego, identificamos uma relação direta entre a chamada “crise” do capital e a reestruturação do mercado de trabalho em Parauapebas quando tal crise atinge o mercado das commodities.
Ao analisar a tabela 02, identificamos que no período de 2009 a 2018, foram criados no município apenas 6.202 empregos formais, sendo que a população teve um crescimento de 48.974 habitantes no período de 2010 a 2018; o que é um dado preocupante. Os piores anos em relação ao desemprego foram 2013, 2015 e 2016. Após três anos consecutivos de maior índice de desemprego do que de emprego, o número de posto de trabalho formal voltou a aumentar no ano de 2018. Neste ano, Parauapebas foi o município que mais empregou no Estado do Pará. O setor de serviços, com 1.681 novos postos de trabalho, e a construção civil, com 1.413 novas possibilidades de emprego formal, foram os que mais empregaram. O setor mineral ficou apenas em terceiro lugar, com saldo de 201 novos postos de trabalho (MT, 2019). Identificamos, então, o grande problema de desemprego na cidade, onde, apenas entre os anos de 2010 e 2018, a população cresceu 8 vezes mais do que a quantidade de novos postos de emprego formal.
Destaca-se também que em 2016, o salário médio mensal era de 3.1 salários mínimos e a proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de apenas 24.9%. Ao levantar os dados sobre domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, identificamos que Parauapebas tinha 38.5% da sua população nessas condições (IBGE, 2019); o que reflete uma grande concentração de renda na cidade e desigualdade social.
Assim, entre as décadas de 1990 a 2010, em Parauapebas houve uma conformação de novos bairros muito rapidamente, expandindo o tecido urbano e ocasionando, do mesmo modo, grande especulação do solo urbano, surgimento de bairros com precárias infraestruturas e em áreas de risco, bem como o aumento da demanda sobre os serviços públicos (IDESP, 2014).
É importante destacar que os primeiros bairros e a configuração urbana de Parauapebas até o final da década de 1990 se restringia ao que está contornado de amarelo no mapa acima, ou seja, aos bairros: Cidade Nova, União, Rio Verde e Bairro da paz. Frisamos que o crescimento urbano de Parauapebas foi tão acelerado que atualmente ela conta com 107 bairros. Alguns bairros não aparecem no mapa acima, pois datam do período pós-2013 ou são ocupações não legalizadas.
Parte da população que se encontra nessas áreas, são famílias de baixa renda que chegam à cidade em busca de melhores condições de vida. Há ainda os lotes irregulares, que são vendidos a preços baixos sem registro no cartório de compra e venda. Muitos são comprados por moradores dos bairros consolidados para uma especulação imobiliária futura.
Assim, em 30 anos, Parauapebas mais que quadruplicou o seu território ocupado. Tal processo tem uma participação direta da mineração e das políticas públicas. A cada novo ciclo mineral, a cidade incha e os postos de emprego são bastante disputado. A população ocupa, então, áreas de risco como as encostas da serra e áreas alagadas. Segundo o ultimo censo realizado, em 2010, Parauapebas contava com 20% da sua população vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, de cada cinco pessoas uma se encontrava abaixo da linha da pobreza, sendo que cerca de 28% dos domicílios não apresentavam minimamente condições dignas de moradia (IBGE, 2010).
A ideia vendida de “capital do ferro” se reflete, na realidade, em uma cidade com vários problemas de infraestrutura e serviços urbanos. A dinâmica econômica da cidade, guiada pela mineração, vem produzindo um espaço urbano notadamente segregado e desigual, com forte concentração de renda, problemas de emprego e renda, rápida ocupação urbana e extensas áreas marginalizadas, ou seja, que estão a margem das políticas públicas e dos benefícios do avanço do capital internacional na região.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identifica-se que a atividade minerária está alicerçada, atualmente, no estado do Pará ainda em forma de enclaves produtivos, que geram poucos efeitos multiplicadores para o restante da economia regional, não priorizam a verticalização da produção e a diversificação da base econômica do estado – e como consequência internalizam pouca renda e riqueza –, funcionam como espaços indutores de migração de mão de obra com baixa empregabilidade para o seu entorno, além de pouco contribuírem para a capacidade de promoção de políticas públicas mitigatórias por deixarem poucos recursos para o estado e municípios; principalmente em função da ausência de regulamentação das compensações como a desoneração das exportações de bens primários e semielaborados alinhavada pela Lei Complementar nº 87/1996, conhecida correntemente como Lei Kandir (FAPESPA, 2015).
Atualmente, a mineração vem aprofundando sua exploração em Parauapebas e região com: a) às novas áreas de extração mineral; b) ao aumento da capacidade produtiva e da produção; c) à construção de novas usinas; e d) à duplicação da estrada de ferro Carajás.
Tem-se o objetivo de ampliar a capacidade de circulação e exportação do ferro da região. Aprofunda-se também a exploração do trabalho, com a nova legislação trabalhista e o aumento das terceirizadas. Apesar de ser um dos municípios mais ricos do Pará, Parauapebas também apresenta preocupantes índices sociais e de desemprego que são produto e produtores da grande desigualdade presente em seu espaço.
Identificamos que atualmente a atividade mineral e o Estado continuam a influenciar diretamente a dinâmica urbana de Parauapebas. Primeiramente, com a privatização da CVRD e o novo incentivo à migração, levando a um grande inchaço urbano. Já nos atuais tempos de “crise” do capital, vem ocorrendo um aumento da exploração dos recursos naturais e da mão de obra trabalhadora no município, com o aval do Estado. O dinamismo econômico e a importância de Parauapebas no P.I.B. do Estado não se reflete nas condições de vida, na qualidade dos serviços públicos e no seu setor de emprego e renda.
Assim, frisamos que mudanças políticas, especialmente na transição do governo militar para o civil, refletiram também em mudanças no espaço intraurbano da cidade de Parauapebas. Destaca-se que com a pressão do capital internacional aprofundada nos governos de Fernando Color e FHC, o projeto neoliberal se tornou inevitável. A iniciativa privada passou a ter uma maior oportunidade direta de mostrar o seu desempenho quanto aos investimentos econômicos e à exploração dos recursos naturais brasileiros (COELHO, 2015).
Impactos positivos e negativos contrastam-se nos municípios e em localidades de exploração mineral. Busca-se o equilíbrio da balança comercial brasileira com aumento das exportações de commodities e, com isso, também da arrecadação federal, estadual e municipal. Porém, a extração mineral não é sustentável. O minério é um recurso finito e a instabilidade dos seus preços no mercado internacional causa insegurança social e econômica. Soma-se a isso, as práticas públicas de isenção fiscal para as multinacionais, a problemática das rápidas transmissões de crises internacionais para o espaço urbano, a dependência econômica e social da mineração, a elasticidade de preço da oferta desfavorável, o baixo dinamismo de mercado interno, a baixa elasticidade-renda de demanda, a pequena absorção de benefícios técnicos e o baixo valor agregado dos produtos exportados (COELHO, 2015).
Por fim, destaca-se que a fase, em sua essência neoliberalista, de exploração mineral regional, com uma grande importância da empresa Vale, tem interferência direta tanto em relação ao boom populacional e urbano de Parauapebas quanto a organização desigual e contraditórias do seu espaço urbano. A “crise” aprofundou a exploração do trabalhador e do meio ambiente no município, bem como criou dificuldades em absorver a mão de obra migrante que continua chegando à cidade, alocando-se nas periferias e áreas com pouco infraestrutura, serviços urbanos e precárias condições de vida; processos que (re)produziram conexões entre o local, a região e as lógicas globais e que tem na articulação entre poder público e atividade mineral um elo transmutado porém continuo com grandes impactos na vida urbana de Parauapebas.
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