Danniel Ferreira Coelho*
Fabiola Dourado Fulgêncio**
Unimontes. Brasil
Correo: dannielcoelho65@yahoo.com.br
RESUMO
O presente trabalho busca discutir acerca das diversas concepções em torno dos temas Estado e política (o), demonstrando o quanto tais conceitos e suas importâncias variaram de tempos em tampos. Há de se destacar que o presente debate se encontra engajado em um propósito de realizar o que o historiador francês Pierre Rosanvallon determina enquanto um “retorno ao político” do ponto de vista da produção historiográfica (2010, p.39). Contudo, antes de se aprofundar sobre as razões que levaram ao tal retorno, é necessário se debater a priori os motivos que levaram primeiramente a um abandono do político.
Palavras-Chave: Estado, Política, História, Contratualismo, Modernidade
RESUMEN
El presente trabajo trata de discutir sobre las diversas concepciones en torno a los temas Estado y política (o), demostrando en qué medida estos conceptos y su importancia variaron de un momento a otro. Cabe señalar que el presente debate está dedicado a lograr lo que el historiador francés Pierre Rosanvallon determina como un "retorno a lo político" desde el punto de vista de la producción historiográfica (2010, p. 39). Sin embargo, antes de profundizar en las razones que llevaron a tal retorno, es necesario debatir a priori los motivos que condujeron primero a un abandono del político.
Palabras clave: Estado, política, historia, contractualismo, modernidad.
ABSTRACT
The present work tries to discuss about the diverse conceptions around the themes State and politics (o), demonstrating how much these concepts and their importance varied from times in tops. It should be noted that the present debate is engaged in a purpose of accomplishing what the French historian Pierre Rosanvallon determines as a "return to the political" from the point of view of historiographic production (2010, p.39). However, before going deeper into the reasons that led to such a return, it is necessary to debate a priori the motives that led first to an abandonment of the politician.
Key words: State, Politics, History, Contractualism, Modernity
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Danniel Ferreira Coelho y Fabiola Dourado Fulgêncio (2019): “Algumas considerações sobre o estado e a(O) politica(O)”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (julio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/07/consideracoes-estado-politica.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1907consideracoes-estado-politica
O presente trabalho busca discutir acerca das diversas concepções em torno dos temas Estado e política (o), demonstrando o quanto tais conceitos e suas importâncias variaram de tempos em tampos.
Há de se destacar que o presente debate se encontra engajado em um propósito de realizar o que o historiador francês Pierre Rosanvallon determina enquanto um “retorno ao político” do ponto de vista da produção historiográfica (2010, p.39). Contudo, antes de se aprofundar sobre as razões que levaram ao tal retorno, é necessário se debater a priori os motivos que levaram primeiramente a um abandono do político.
Em que pese filósofos gregos da idade clássica, como Platão, em “A República”, e Aristóteles, em “A política”, terem abordado o tema, o debate acerca do político, e principalmente suas esferas estatais, se inicia ainda nos primórdios da Idade Moderna, relacionado intrinsecamente com o nascimento do próprio Estado Nacional na Europa.
Os precursores desta abordagem política são: Nicolau Maquiavel (1469-1527), italiano que propunha, em sua obra clássica “O Príncipe”, os métodos de se gerir os negócios públicos tendo como norte a centralização do poder político na península itálica, além de ter também em seu livro “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio” feito um extenso debate acerca da república (WELFORT, 1998), e o inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que buscava em sua obra clássica “O Leviatã” justificar a gênese do estado absolutista como sendo fundamental para a garantia da segurança humana, pois antes do deste todos os homens eram iguais no medo, e na ameaça da morte violenta (2003).
"A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade.(...) Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas.” (HOBBES, 2003, pg.109)
A proposta de Estado hobbesiano, portanto, é a origem da abordagem moderna que servirá de base para os teóricos posteriores prosseguirem, tanto na concordância mas especialmente na crítica, os estudos que envolvem estado e sociedade. Autores como John Locke e Jean Jaques Rousseau se utilizarão inclusive dos mesmos termos, como contrato social e estado de natureza, contudo sobre outra perspectiva. (CHAUI, 2000)
Esses três autores são denominados contratualistas, pois em todos os casos partem da premissa que havia um “estado de natureza”, isto é, um momento pré-societário, e que a passagem deste para a construção efetiva de uma sociedade se dá a partir de um “contrato social” que forma o Estado. A perspectiva lockeana e rousseauniana difere da de Hobbes, acima citada, no sentido de que ambos afirmam que o contrato social se dá em torno da garantia da propriedade privada. Em Rousseau, de forma negativa, e em Locke, positiva, fundando a partir daí a visão liberal de Estado, que terá como missão principal a garantia da propriedade privada. (CHAUI, 2000)
A partir do iluminismo, corrente da qual Rousseau também é partidário, o direito à propriedade privada ainda será um aspecto fundamental das obrigações do Estado. Contudo, novas atribuições serão apresentadas a fim romper definitivamente com as amarras autoritárias do absolutismo. A obra primordial nesse sentido é “O espírito das leis”, de Claude Louis de Secondat, mais conhecido como Barão de Montesquieu, que afirma que o modo de se garantir a liberdade é com a divisão entre os poderes do Estado, criando assim a famosa fórmula de tripartição dos poderes, em legislativo, executivo e judiciário, para que um sirva de freio para o outro. (CHAUI, 2000)
É a partir de Locke que se fundará uma tradição que inspirará profundamente os estados ocidentais que se formarão a partir da “Revolução Gloriosa” inglesa. (CHAUI, 2000). Contudo, a contribuição iluminista será ainda mais importante, pois se apresentará como a perspectiva majoritária das repúblicas que surgirão com a independência dos Estados Unidos da América (1776) e com a Revolução Francesa (1789), eventos de vital importância para a exportação global deste modelo de Estado, que norteará as nações ocidentais. (CHAUI, 2000)
Contudo, com o nascimento da era contemporânea, cujo marco é a Revolução Francesa, e a expansão da Revolução Industrial para o restante da Europa e além-mar, o modelo liberal apresentará seus primeiros “efeitos colaterais”, advindos das péssimas condições materiais em que a classe trabalhadora estará exposta. O aumento da riqueza proveniente da utilização das máquinas na produção das mercadorias gerará índices de crescimento econômico extraordinários para os grandes industriais, mas servirá também para aprofundar ainda mais o fosso da desigualdade entre estes e aqueles que estavam no chão de suas fábricas, em jornadas de trabalho que muitas vezes superavam as 14 horas diárias, ou pior, aqueles desempregados que almejavam se encontrar nessa situação.
É dessa situação que aparecem os primeiros movimentos, e as primeiras teorias de resistência a essa situação. É nesse contexto que surge o jovem Karl Marx, que construirá em torno de si uma corrente filosófica que representará essencialmente o antagonismo ao liberalismo apregoado por Locke e pelos teóricos iluministas, que a essa altura já dominavam amplamente o mundo ocidental, em que pese ser também o marxismo considerado um herdeiro do que Cardoso (1997) denomina de “paradigma iluminista”, devido a seu enfoque analítico que privilegia o “racional” e o “estrutural”. (CARDOSO, 1997, pg.4)
É ainda no jovem Marx que se encontrará o cerne fundamental que o norteará (além dos marxistas daí em diante) em torno da questão do Estado. Em sua obra publicada primeiramente em 1848, o “Manifesto do Partido Comunista”, escrita em parceria com Friederich Engels, está contida a proposta central sobre o Estado: “O poder executivo do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os assuntos comuns de toda burguesia". (1999, pg.12).
A passagem acima citada demonstra o caráter classista que o Estado tem para Marx (e para os marxistas), o que representou uma ruptura com a visão liberal que propunha a existência de um Estado que representasse o conjunto da sociedade, que se colocasse acima dos interesses particulares e fosse o representante-mor do bem comum.
Para Marx, o Estado era em essência o agente reprodutor das relações sociais vigentes, e com tal função reproduzia também as relações de dominação intrínsecas ao sistema capitalista de produção. (MARX, ENGELS, 1999)
Sendo, pois, o Estado um reprodutor das relações sociais, fazia-se mais importante estudá-las, do que investigar o Estado em si. Dentro dessa perspectiva a política, portanto, seria um epifenômeno das demais relações. Além disso, outro fator que impediu um aprofundamento maior no estudo do Estado foi o fato de os marxistas também o entenderem enquanto algo transitório, que na esperada sociedade comunista não existiria e, portanto, vários autores se dedicaram mais a como tomá-lo, em especial Vladmir Lênin, o futuro chefe de Estado da primeira nação onde os comunistas tomariam o poder. (BOBBIO, 1979)
Cabe ressaltar, entretanto, que, apesar de não ser nem a política nem o Estado os aspectos principais da teoria marxista, não é correto afirmar que esses temas não foram tratados por Marx, haja vista a obra “O dezoito Brumário de Louis Bonaparte” (1852).
Somente no decurso do século vinte é que autores marxistas se dedicaram de forma mais aprofundada à questão do Estado, em especial o italiano Antônio Gramsci (1897-1937), cuja contribuição se tornará um referencial obrigatório para os marxistas que se engajarão no tema que possivelmente constitui a principal lacuna do pensamento de Karl Marx.(BOBBIO, 1979)
Em que pese Gramsci partir do mesmo norte que unifica o pensamento marxista em relação à questão do Estado, isto é, considerado enquanto um elemento vinculado às classes dominantes, o intelectual italiano avança ao não considerá-lo apenas sob a ótica de aparelho repressivo, mas sim como um “aparato jurídico-político cuja organização e intervenção varia de acordo com a organização social, política, econômica e cultural da sociedade, mediada pelas correlações de força entre as frações de classes vigentes”. (SILVA, 2005)
Para Gramsci, o Estado é constituído através da organização da própria sociedade, sendo esta entendida como constituída de instituições complexas (públicas e privadas) que se articulam entre elas, e cujo papel histórico varia de acordo com as lutas em busca da garantia da hegemonia de seus interesses.(SILVA, 2005)
Hegemonia nesse contexto sendo entendida como a direção moral e intelectual de uma classe, ou fração de classe, sobre as outras. (PEREIRA,2012)
Essa hegemonia se dá no âmbito do que o autor chama de “sociedade civil”, que segundo Gramsci é o conjunto das “organizações coletivas às quais se aderia espontaneamente e que desempenhavam papel decisivo na formação e difusão de ideias e valores”, características de Estados ocidentais. É sob essa lógica da sociedade civil é que surge o elemento central da perspectiva gramsciana de Estado ampliado, que distingue sociedades ocidentais das orientais (PEREIRA, 2012, pg. 9).
As sociedades orientais, de acordo com o esquema de Gramsci, seriam aquelas em que a sociedade civil é frágil ou até mesmo não existe. Neste caso, Gramsci afirma que ocorre o “Estado-Coerção”, que seria a existência apenas de uma “sociedade política” e, portanto, a classe que dirige tal Estado o faria através da dominação, da coerção, e não da hegemonia. (PEREIRA, 2012, pg. 9)
Já nas sociedades ocidentais ao Estado, além da presença da sociedade política, se acresceria a esta a sociedade civil, o que consequentemente faz com que o poder em si não esteja somente localizado no Estado, mas também no seio da sociedade civil, onde se localiza a hegemonia. (PEREIRA, 2012)
Faz-se imperativo destacar ainda que a distinção de Gramsci não é de acordo com os cânones geográficos que dividem o Ocidente do Oriente pelo meridiano de Greenwich (até por que se assim o fosse a própria Itália, seu país natal, seria oriental), isto é, tal “distinção não é meramente espacial, mas sim temporal e diacrônica”, pois sob a ótica gramsciana é possível afirmar que “todas as sociedades teriam sido orientais em tempos mais afastados, e aquelas que ainda o eram poderiam se ocidentalizar”(PEREIRA, 2012,pg.9).
Esse conceito de Estado ampliado se tornou um marco no arcabouço marxista, possibilitando assim que essa vertente pudesse se tornar mais atualizada no estudo do político.
Além do marxismo, outros autores clássicos tais como Emile Durkheim (1858-1917) e de Max Weber(1864-1920) também abordaram o tema, embora a partir de outras perspectivas. Assim como em Marx, tanto em Weber quanto em Durkheim, o tema “Estado”, apesar de não ser o elemento fundamental, será abordado. (QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA, 2002).
O conceito de dominação, essencial em Marx, também aparece em Weber, contudo de outra forma. A dominação é fundamental em Weber tanto para se compreender o Estado, quanto a sociedade como um todo. O Estado é oriundo de um exercício de dominação, em que este possui o monopólio legítimo do uso da força. Portanto, o Estado, e consequentemente a política, também se encontra sobre a lógica da dominação, todavia diferentemente de Marx, que o via sobre a ótica de que esta era exercida por uma classe sobre outra. Weber, entretanto, não vê dessa forma, pois a dominação para este autor é do homem sobre o homem, forjando assim a situação em que este é a única fonte de uso da violência. (WEBER, 1991)
Nessa relação de dominação tem de haver dois elementos que, segundo Weber, constituem o Estado, que são a autoridade e a legitimidade. A partir desses dois elementos o autor cria o seu mecanismo analítico chamado de “tipos ideais puros de dominação legítima” que por sua vez geram outros “tipos” de autoridade. Faz-se imperativo ressaltar que esses “tipos puros” criados por Weber são abstrações que somente se apresentam no interior de sua teoria, pois na realidade concreta o que ocorre são combinações de cada um desses. (WEBER, 1991, pg. 33)
O primeiro tipo de dominação proposto por Weber é a chamada tradicional. Para o autor a dominação tradicional é aquela em que a obediência dos indivíduos ao agente público ocorre oriundo do seu enraizamento cultural. Em sociedades com tal situação as pessoas não são cidadãos e sim súditos, e não obedecem a um estatuto instituído, mas sim a uma pessoa cuja autoridade foi instituída pela tradição, sendo portanto todos os seus atos legítimos por natureza, pois é sua prerrogativa exclusiva determinar essa legitimidade.(WEBER, 1991)
O segundo tipo de dominação é o carismático. Este tipo de dominação se assenta no fato de aqueles que se subordinam acreditarem na superioridade daquele que os lidera, que pode ser fruto de algo sobrenatural ou de características inigualáveis, tais como coragem ou inteligência. Assim como na dominação tradicional na carismática também não há a constituição de um ordenamento jurídico racional e estável, pois a ordem está inserida exclusivamente nas afirmativas propostas pelo tal chefe carismático. (WEBER, 1991)
E por fim o tipo de dominação legal, também chamado de racional ou burocrático. Neste tipo ocorre a priori a definição de um conjunto de normas legais que rege a gestão da coletividade, e em que repousa a autoridade estatal sobre todo o conjunto de pessoas inseridas nesse contexto. Neste caso a legitimidade se assenta na premissa de que o ordenamento jurídico vigente fora criado apenas sobre a lógica da racionalidade. O cidadão neste caso não é dominado pelo soberano, seja ele um monarca ou um presidente, e sim pela lei. O exercício desta autoridade racional se vincula a um corpo administrativo hierarquizado do Estado composto por profissionais que Weber designa enquanto burocracia. (WEBER, 1991).
Weber afirma ser este último tipo o mais adequado para a gestão do Estado moderno, além também de ser o melhor modo de se gerir empreendimentos empresariais privados. Diferentemente de Marx, para Weber a dominação não necessariamente é algo negativo, pois o tipo racional-burocrático pode atuar enquanto mecanismo de integração social (1991).
Já Durkheim, assim como Weber e Marx, parte de um pressuposto valorativo de Estado, isto é, em sua produção ele aponta características que fazem com que este seja mais ou menos adequado. Contudo há de se destacar que para Durkheim, assim como que para Marx e ao contrário de Weber, o Estado se subordinava à sociedade (QUINTANEIRO, BARBOSA e OLIVEIRA, 2002).
Dentro dessa lógica, Durkheim acreditava ser o Estado, na sociedade moderna, o substituto da Igreja enquanto o agente responsável pela disciplina e pela organização moral dos membros de determinada sociedade. Para o autor, inclusive a individualidade moral é fruto do Estado, pois este “tende a assegurar a individuação mais completa que o estado social permita. Longe de ser o tirano do individuo é ele quem o resgata da sociedade”. (DURKHEIM, 2002, pg. 96).
A visão durkheimiana em suma propõe que a própria existência do indivíduo, portanto, é fruto da atuação estatal porque é dele, e de seus conflitos, que nascem “as liberdades individuais”. (DURKHEIM, 2002, pg. 88)
E é na crítica a essa perspectiva que superlativa o papel do Estado, e consequentemente de seus líderes, que ocorre o tal “abandono à política”, apontado nas primeiras linhas do presente trabalho.
O intelectual francês François Dosse é um dos que apontam os principais motivos para esse abandono do político. Segundo Dosse, é a ascensão da chamada “Escola dos Annales”, enquanto corrente historiográfica preponderante a partir da década de 30, o fator fundamental para tal virada, pois os “pais fundadores” desta, Lucien Febvre e Marc Bloch, ao iniciarem seu periódico em 1929, elegem novas prioridades para o conhecimento científico. (DOSSE, 2003)
Essa virada é um dos traços mais marcantes dos Annales. Essa escola historiográfica nasce na crítica à produção anterior, de caráter positivista, influenciada pela metodologia durkheimiana, que se centrava em uma história eminentemente biográfica, política e factual, ou seja, a vertente anterior se ligava nos grandes feitos, dos grandes líderes, acreditando serem esses aspectos os pontos fundamentais. O ponto de fixação dos Annales é a oposição sistemática a essa historiografia positivista. Bloch e Febvre destroem esses “três ídolos” (DOSSE, 2003, pg.372) e traçam seu percurso “centrado nos aspectos econômicos e sociais abandonando completamente o campo político, que para eles se torna supérfluo, anexo, ponto morto”. (DOSSE, 2003, pg.39)
Ao abandonarem a política, consequentemente se rejeitou o Estado e suas esferas, o “jogo político, a vida parlamentar, os partidos políticos são postos de lado por esses intelectuais”. (DOSSE, 2003, pg.38)
Dosse concluiu esse raciocínio afirmando que o Estado, para os Annales, é rejeitado como sendo algo exterior à sociedade, “como corpo alógeno”. (DOSSE, 2003, pg.38)
Essa característica de recusa do político é uma das principais continuidades entre as chamadas “gerações” dos Annales. Na segunda geração dos Annales, liderada por Fernand Braudel, essa característica se torna mais evidente. (DOSSE, 2003)
A história, segundo a concepção braudeliana, alarga o conceito do tempo. Segundo Braudel, história seria a principal ciência social por ser a única capaz a dialogar com os três tipos de duração: o curto, do evento; o médio, da conjuntura; e o longo, da estrutura. A história seria a “ciência humana mais completa e complexa”, pois é a única que considera a “interação entre estrutura, conjuntura e evento”. (BARROS, 2010, pg.15)
Por esta visão Braudel fortalece a perspectiva da importância da história se focar na longa duração, isto é, em uma história que seja estrutural. Por esta razão, o evento da curta duração, local onde se encontram os acontecimentos da esfera do político, é cada vez mais desvalorizado. Em Braudel se potencializa a ambição de construção de uma história total, já apregoada pela primeira geração. E nesta lógica braudeliana o tempo curto da política seria apenas “vagalumes que se encaixam no tempo médio da estrutura”, que por sua vez se “apoiam no tempo longo das estruturas articuladas”. (BARROS, 2010, pg.16)
Quando a partir 1969 ascende uma nova geração a frente dos Annales (a 3ª), que se autointitula “Nova História”, se propõe novas abordagens à construção da produção historiográfica. Essa “Nova História” rompe com diversos pressupostos defendidos pelas gerações anteriores, rompendo inclusive, de acordo com Cardoso (1997), com o paradigma moderno que norteava a produção dos Annales. Essa 3ª geração produz uma história, denominada por Cardoso (1997) de pós-moderna, que se caracteriza pelo rompimento com o pressuposto fundamental que havia marcado o grupo desde 1929, que era a já citada ambição de uma história total.
Esta nova história abandona o “analítico, o estrutural, a macroanálise e a explicação” em favor da “microhistória, das interações e da história como narrativa literária”. (CARDOSO, 1997, pg.17).
Contudo, como resultado de tais mudanças, ocorre que a 3ª geração intensifica ainda mais a negação do político, presente nas gerações anteriores. A nova geração “annalista” desloca suas preocupações historiográficas cada vez mais para o campo da cultura, passando de uma “história geoeconômica” para uma “história das mentalidades” ou “antropologia histórica”, cada vez mais voltada aos fragmentos do que à totalidade. Abandona-se a perspectiva de uma história do todo, para uma história de tudo. (DOSSE, 2003, pg. 370).
Todavia, concomitantemente a essa nova abordagem dos novos diretores dos “Annales”, ocorre o movimento que Rosanvallon de “retorno ao político”.
De acordo com Pereira (2012) esse retorno se inscreve em uma transformação que é um processo maior, pelo qual toda a história esteve envolvida.
Dentre os aspectos que levaram a tal acepção há de se destacar o “alargamento das categorias política e poder”, que teve como um dos principais artífices o francês Michel Foucaut, que concebe o poder enquanto algo que circula e que funciona em cadeia. (PEREIRA, 2012).
Contudo, Rosanvallon deixa claro que em sua opinião o entendimento de Foucault acerca do político ainda é “bastante limitado”, pois este último ainda seria “prisioneiro de uma abordagem ainda muito estrita” que pensa o político somente relacionado à questão do poder. (2010, pgs. 60, 61)
Rosanvallon por sua vez é partidário de uma visão amplificada que percebe a política, a filosofia e a história de maneira interligada, para assim promover o que ele entende enquanto “história filosófica do político” cujo objetivo seria propiciar o entendimento em torno do modo por que são projetados e se desenvolvem os sistemas representativos, que permitem conceber não só a instância estatal e de poder, mas sim toda a vida comunitária, de forma que se identifiquem as “constelações históricas em torno das quais novas racionalidades politicas e sociais se organizam”. (2010, pg.44).
Nesse sentido, por mais paradoxal que pareça, o autor acredita que essa proposta da história filosófica do político representa “uma tentativa de dar um novo significado ao projeto de Fernand Braudel de uma história total”, de forma que construa o sentido do poíitico em toda a sua complexidade. (ROSANVALLON, 2010, pg. 47)
Ao final do seu raciocínio, Rosanvallon conclui seu texto, que, a partir do próprio título, já deixa claro suas intenções, com um ensinamento que serve para todos aqueles que buscarem se engendrar nos tortuosos, porém promissores, caminhos do político.
Uma última palavra a título de conclusão. A história filosófica do político não tem uma receita que possa ser aplicada mecanicamente a fim de se escrever um livro ilustrativo das aspirações subjacentes ao programa – que, na melhor das hipóteses, não passaria de uma desajeitada declaração de intenções. Cada parte do trabalho não é mais que uma tentativa frágil de produzir, por meio da escrita, os meios adicionais para tornar inteligível a matéria – nesse assunto, talvez, mais que em qualquer outro. (ROSANVALLON, 2010, pg.63)
Referências
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QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de; Um toque de clássicos. Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2002.
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