Felipe da Silva Justo *
Filipi Vieira Amorim**
Universidade Federal do Rio Grande – FURG/Brasil, Brasil
Email: felipejusto@furg.br
RESUMO
As ideias neoliberais adotadas no Brasil, bem como a política de desmonte do Estado, intensificadas pelo governo Bolsonaro, são de extrema gravidade para a manutenção da autonomia das Colônias e Associações de Pescadores. A possibilidade de se perder o propósito destas instituições, em consequência do enfraquecimento de suas atribuições, afetam significativamente os trabalhadores. O reflexo da questão será o sufocamento dos movimentos de resistência, fragilizando-os e fragmentando-os. Assim, a proposição deste ensaio é refletir sobre o empoderamento dessa classe trabalhadora a partir das possibilidades de contribuição da Educação Ambiental. Nessa linha, a Educação Ambiental exsurge como um anteparo crítico ao Poder Estatal, alinhando-se às Colônias para que possa fortalecer a luta contra os desmandos do Estado.
Palavras-chave: Brasil. Educação Ambiental. Pescadores. MP 871.
RESUMEN
Las ideas neoliberales adoptadas en Brasil, así como la política de desmonte del Estado, intensificadas por el gobierno Bolsonaro, son de extrema gravedad para el mantenimiento de la autonomía de las Colonias y Asociaciones de Pescadores. La posibilidad de perder el propósito de estas instituciones, como consecuencia del debilitamiento de sus atribuciones, afectan a un gran número de trabajadores. El reflejo de la cuestión será el sofocamiento de los movimientos de resistencia, fragilizándolos y fragmentándolos. Así, la proposición de este ensayo es reflexionar sobre el empoderamiento de esa clase trabajadora a partir de las posibilidades de contribución de la Educación Ambiental. En esa línea, la Educación Ambiental exsurge como un anteparo crítico al Poder Estatal, alineándose a las Colonias para que pueda fortalecer la lucha contra los desmanes del Estado.
Palabras clave: Brasil. Educación ambiental. Pescadores. MP 871.
ABSTRACT
The neo-liberal ideas adopted in Brazil, as well as the policy of dismantling the State, intensified by the Bolsonaro government, are extremely serious for the maintenance of the autonomy of the Colonies and Fishermen's Associations. The possibility of losing the purpose of these institutions, as a result of the weakening of their attributions, affect a large number of workers. The reflection of the question will be the suffocation of the resistance movements, weakening them and fragmenting them. Thus, the purpose of this essay is to reflect on the empowerment of this working class from the possibilities of contribution of Environmental Education. In this line, the Environmental Education exsurges like a critical bulk to the State Power, aligning itself to the Colonies so that it can strengthen the fight against the desmandos of the State.
Keywords: Brazil. Environmental Education. Fishermen. MP 871.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Felipe da Silva Justo y Filipi Vieira Amorim (2019): “Aproximações entre legislação, pesca artesanal e educação ambiental”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (abril 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/04/legislacao-pesca-educacion.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1904legislacao-pesca-educacion
1. INTRODUÇÃO
Neste ensaio, serão esboçadas algumas reflexões sobre a Medida Provisória – MP 871 e seus possíveis impactos nas comunidades pesqueiras. Trata-se de uma análise preliminar que busca compreender as particularidades desse segmento. A discussão justifica-se pela possibilidade de a referida medida inviabilizar a organização das comunidades tradicionais de pescadores, o que acarretaria em desarticulação imediata pelo viés da produção de suas condições materiais de existência.
Nesse cenário, apresenta-se a Educação Ambiental como uma possibilidade de colaboração com a causa comunitária, sobretudo vinculada à concepção e ao entendimento de que as práticas educativas são caminhos para a transformação da sociedade. Assim, não se trata de uma Educação Ambiental naturalista e romântica, mas de uma perspectiva que tem como princípio o reconhecimento das contradições sociais.
É importante destacarmos o caráter temporal imanente a este ensaio, isto é, de que essa escrita é historicamente datada. Uma vez tratando de elementos legislativos, como é o caso da MP 871, corre-se o risco de que uma nova proposta seja apresentada e esta seja alterada ou, até mesmo, substituída: isso justifica o propósito destacado no título sob a razão de “aproximações”. Em outras palavras, admite-se a necessidade de que esse ensaio seja, perenemente, revisitado.
2. A DIMENSÃO ATUAL DA PROBLEMÁTICA
O ano de 2019, no Brasil, pressupõe dificuldade para aqueles que acreditam na necessidade de um Estado que trabalhe pelas populações hipossuficientes e minorias. Uma série de políticas adotadas, no intuito de combater o que se tem chamado de “ideologias comunistas” e desconstrução do “gigantismo estatal” na administração pública, conforme o discurso do atual presidente1 , tem causado temor em parcela significativa da sociedade, principalmente por conta de gestos que se concretizam a partir dos cortes 2 no orçamento público que prejudicam algumas das pastas fundamentais à população brasileira, como Saúde, Educação, Cidadania e Meio Ambiente. Tal situação é oriunda do congelamento dos gastos públicos promovida pela Emenda Constitucional 953 . Ela vem sendo aprofundada pela política de desmonte do Estado, intensificada pelo governo de Jair Bolsonaro.
Nesse contexto de fragilizações e ataques às instituições, é preocupante o futuro que se manifesta com a Medida Provisória 871 (BRASIL, 2019). A Medida Provisória está elencada na Constituição Federal, no seu artigo 62 – Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. Assim, tal medida, caso aprovada no Congresso, passará a viger, produzindo seus efeitos de forma “legal”.
A análise preliminar da proposição mostra que a medida busca suprimir a atuação das associações que atendem aos segurados especiais. Com a implementação de tal medida, o papel de atuação dos sindicatos e associações de agricultores e pescadores artesanais perderia parte de sua atuação e autonomia, deixando de representar diante do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS os seus membros e associados, conforme se depreende da leitura da Medida Provisória 871 (BRASIL, 2019) que, em seu artigo 25, altera a Lei nº 8.213 (BRASIL, 1991), em especial o artigo 38-A e 38-B, que passam a ter nova redação.
Nesse primeiro momento, para que possamos comparar com as alterações mencionadas, vejamos a redação da Lei nº 8.213 (BRASIL, 1991), vigente antes 4 da MP 871:
5Art. 38-A. O Ministério da Previdência Social desenvolverá programa de cadastramento dos segurados especiais, observado o disposto nos §§ 4o e 5o do art. 17 desta Lei, podendo para tanto firmar convênio com órgãos federais, estaduais ou do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com entidades de classe, em especial as respectivas confederações ou federações. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 1o O programa de que trata o caput deste artigo deverá prever a manutenção e a atualização anual do cadastro, e as informações nele contidas não dispensam a apresentação dos documentos previstos no art. 106 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 1o O programa de que trata o caput deste artigo deverá prever a manutenção e a atualização anual do cadastro e conter todas as informações necessárias à caracterização da condição de segurado especial. (Redação dada pela Lei nº 13.134, de 2015)
Parágrafo único. Havendo divergências de informações, para fins de reconhecimento de direito com vistas à concessão de benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos previstos no art. 106 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015) (Revogado pela Medida Provisória nº 871, de 2019).
Com a alteração proposta pela Medida Provisória 871, os artigos 38-A e 38-B passam a ter a seguinte redação:
Art. 38-A. O Ministério da Economia manterá sistema de cadastro dos segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, observado o disposto nos § 4º e § 5º do art. 17, e poderá firmar acordo de cooperação com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal para a manutenção e a gestão do sistema de cadastro. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
§ 1º O sistema de que trata o caput preverá a manutenção e a atualização anual do cadastro e conterá as informações necessárias à caracterização da condição de segurado especial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
[...]
Art. 38-B. O INSS utilizará as informações constantes do cadastro de que trata o art. 38-A para fins de comprovação do exercício da atividade e da condição do segurado especial e do respectivo grupo familiar. (Incluído pela Lei nº 13.134, de 2015)
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá exclusivamente pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A. (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
Essas alterações, que buscam retirar a competência das Associações, Colônias e Sindicatos, transferindo tal atribuição para outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal, causarão duas problemáticas iniciais: primeiramente, de que é a demanda de mais um serviço nos setores públicos, exigindo estrutura e servidores – o que inclusive contraria a ideia proposta de se diminuir a atuação do Estado; e por segundo, o desaparelhamento das estruturas já existentes, que possuem uma conexão com as comunidades tradicionais, sendo, inclusive, representantes e defensores dos interesses dos pescadores e agricultores associados.
Neste sentido, convém analisar as implicações que decorrem desse instrumento com força de lei, adotado pelo Presidente da República parase garantir que as Colônias de Pesca permaneçam hígidas em suas atividades, garantidas e asseguradas conforme o artigo 8º da Constituição (BRASIL, 1988), possuindo, segundo o inciso III do mencionado artigo, autonomia e competência para “defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.
A importância do protagonismo da associação, que deve estar sempre alinhada aos anseios dos seus membros, garantindo que seu objetivo seja sempre o bem-estar de sua comunidade, é essencial e basilar para a sua existência. Se perder seu propósito, não há motivo de existir, mas é essencial que se mobilize, posicionando-se ativamente e atuante para efetivar a práxis, que, tal como definida por Freire (1970, p. 40), é aqui entendida como “a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. Assim, num contexto de difícil perspectiva como o atualmente posto, em que, conforme Moura (2016, p. 22) já havia observado, faz-se mister que os pescadores se mantenham organizados, principalmente, com o objetivo de garantirem suas existências:
Os pescadores estão se organizando de modo a não sucumbirem enquanto categoria profissional diante da crescente poluição das águas e o consequente declínio do chamado recurso pesqueiro, seja pela pesca predatória, pela pesca industrial, mudanças climáticas, especulação imobiliária em áreas litorâneas, turismo, dificuldade de acesso às políticas públicas e de compreensão e adequação ao excessivo e, muitas vezes, contraditório regramento para o setor, além de tantos outros fatores que intervém direta e indiretamente nesta atividade.
É nesse contexto de organização que se compreende a importância da associação, enquanto gestora, possuindo know how6 e competência para reunir seus associados, “dialogando, de forma problematizadora” (FREIRE, 1982, p. 145), sem que se estabeleça, de fato, uma hierarquia entre uns e outros.
3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO CENÁRIO PESQUEIRO
A pesca é uma das atividades humanas mais antigas de extrativismo, praticada pela humanidade desde a pré-história com o intuito de obter alimentos necessários à sua subsistência a partir do meio aquático. Entretanto, para além da importância para a subsistência humana, a pesca é uma atividade econômica importante, implicando várias outras atividades complementares, como por exemplo: o transporte, armazeidnto, transformação e venda dos produtos da pesca, construção e reparação das embarcações de pesca, construção de artes e utensílios de pesca. Ou seja, contribuindo direta e indiretamente com fatores que geram renda e aumentam o número de empregos.
A questão que se apresenta diz respeito ao fato de que essa atividade também sofreu influências com o chamado advento da modernidade, de forma que a pesca manual, imediatamente em pequena escala, foi substituída pela pesca industrial, que objetiva e visa o lucro em detrimento aos cuidados e preocupações com o meio ambiente. O impacto incalculável de anos de exploração ecossistêmica, gerou transformações negativas sem precedentes nos ambientes costeiros, marítimos e lacustres. Em termos éticos, a transformação das atividades pesqueiras trouxe consigo a necessidade do estabelecimento de formas jurídicas capazes de regular e coibir determinadas práticas predatórias. Razão pela qual, nesse sentido, existem acordos internacionais, como por exemplo, o acordo internacional para regulamentar a caça às baleias azuis, ratificado pelo Brasil, vigente a partir de 1973 (BRASIL, 1974).
O cerne da questão, de maneira geral, diz respeito à racionalidade antropocêntrica e aos modos de vida empreendidos no sistema capitalista, especificamente. Trata-se de uma percepção imediatista e exploratória, de modo que se resume ao entendimento simplório de que a espécie humana tem absoluto poder sobre a natureza. Por consequência, é como se fosse possível que a sociedade se excluísse da noção de ecossistema. Sem essa vinculação à natureza, impera o ímpeto da dualidade, como se dela não fizesse parte a própria humanidade. Neste sentindo, Guimarães (1995, p. 12) discorre sobre a relação estabelecida, historicamente, entre seres humanos e natureza:
Nas sociedades atuais o ser humano afasta-se da natureza. [...] O ser humano, totalmente desintegrado do todo, não percebe mais as relações de equilíbrio da natureza. Age de forma totalmente desarmônica sobre o ambiente, causando grandes desequilíbrios ambientais.
Com essa compreensão acerca do agir dos homens e mulheres da nossa sociedade, baseado no extrativismo e consumo desenfreado, o qual promove um esgotamento dos “recursos”, percebeu-se o risco ao Planeta, e por consequência à espécie humana, de forma que novas propostas surgiram visando a “preservação”. Equivocadamente, esse ideal cristalizou-se com base em uma série de contradições, visto que se justifica com base no desejo de garantir o consumo eterno. Não bastasse isso, o ciclo do consumismo acaba por desencadear o aumento das desigualdades sociais, pois apenas uma fração de pessoas usufrui dos lucros adimplidos nessa exploração desenfreada. Em outras palavras, uma parcela da população fica com os lucros, abstendo-se das consequências de sua exploração; e outra parcela, significativamente maior, não apenas é explorada, mas acolhe as consequências dessas desigualdades. Fato é que as formas de degradação e poluição são diversas e extrapolam o universo dualista daquilo que seria a “natureza”, de um lado, e a sociedade, de outro.
No processo de degradação – do ambiente local e dos seres humanos – cada agente contribui de um modo, isto é, de acordo com as capacidades que lhe cabem (asseguradas pelo sistema neoliberal de mercado), de forma que seria, no mínimo, absurdo comparar uma mineradora poluidora com uma família de pescadores tradicionais que enceta sua atividade em período proibido, o chamado defeso: são atividades que poluem e afetam o equilíbrio natural, mas devem ser observadas em perspectivas baseadas na proporcionalidade do dano, como aponta Reigota (2009, p. 50):
Os impactos ambientais que provocamos com o nosso estilo de vida são diferentes e diferenciados e precisam ser enfatizados e não camuflados na afirmativa simplificadora de que ‘o homem destrói o meio ambiente’.
Nesta senda, busca-se questionar para além da concepção preservacionista e biologizante das problemáticas ambientais relacionadas aos pescadores artesanais, mas sim pretender-se-á um questioidnto das ações goveridntais para tratar das demandas dessa população, assim como construir na proposta de fortalecimento das associações e colônias uma consciência de luta pela superação das desigualdades e injustiças sociais:
[...] o direito a um ambiente seguro, sadio e produtivo para todos, onde o ‘meio ambiente’ é considerado em sua totalidade incluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, estéticas e econômicas. Refere-se, assim, às condições em que tal direito pode ser livremente exercido, preservando, respeitando e realizando pleidnte as identidades individuais e de grupo, a dignidade e a autonomia das comunidades (ACSELRAD et al. 2009, p. 16).
Observa-se que a pesca artesanal, tal como é praticada, sem o viés predatório e potencialmente agressivo, que é costumeiro da atividade industrial em que se utilizam redes de arrasto que tocam o solo subaquático e danificam espécies vegetais, além do “naturalizado” descarte dos espécimes menores ou não rentáveis, conquanto a pesca artesanal permita uma maior vinculação do pescador ao ambiente que lhe fornece alimento. Percebe-se que, assim como o consumo consciente, a pesca artesanal garante um modelo que permite a regeneração das “espécies-alvo”, lesando minimamente (se comparado com a pesca industrial) as demais espécies vegetais e animais, além de garantir a existência de um mercado fomentado no consumo consciente.
4. A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, ASSOCIAÇÕES E SINDICATOS DE PESCADORES
No cenário apresentado, percebe-se a Educação Ambiental como uma das possíveis propagadoras de compreensões que, não apenas ou sempre imediatas, em longo prazo, auxiliaria no intuito de reformar as políticas sociais para uma perspectiva mais humana e próxima daqueles que podem ser alcançados pelos saberes disponíveis no seio da comunidade em que vivem e sobrevivem. Neste sentido, conforme o questioidnto proposto por Pereira (2006, p. 49):
A educação ambiental e o processo de construção da gestão compartilhada do recurso pesqueiro não se descolam da realidade onde está inserida. É nela que se darão as relações, os conflitos de classe, o uso dos recursos e as disputas de hegemonia dentre as diferentes visões de mundo. Não é possível aceitarmos a visão de que o pescador de pequena escala é o único responsável pela degradação ambiental no estuário da Lagoa dos Patos [local citada por conta da área de abrangência do referido estudo]. Por outro lado, entendo que a responsabilidade de mudar esta situação de desigualdade, de degradação, passa necessariamente pelo pescador artesanal, em suas estratégias e alianças entre setores sociais.
Pereira (2006, p. 53, grifo da autora) continua, e afirma o seguinte:
[...] temos o dever, como educadores, de propor novas possibilidades, quando essa constitui motivo de alienação e mantenedora do status quo, construindo coletivamente conhecimentos, ampliando a compreensão da realidade complexa e chegando a alternativas aceitas como válidas para o grupo ou classe social.
De modo semelhante, Reigota (1996, p. 18-19) assinala:
A educação ambiental deve orientar-se para a comunidade, para que ela possa definir quais são os critérios, os problemas e as alternativas [...] auxiliar e incentivar o cidadão e a cidadã a participarem da resolução dos problemas e da busca de alternativas no seu cotidiano de realidades específicas [...] influir decisivamente para isso, quando forma cidadãos e cidadãs conscientes dos seus direitos e deveres. Tendo consciência e conhecimento da problemática global e atuando na sua comunidade e vice-versa haverá uma mudança na vida cotidiana que, se não é de resultados imediatos, visíveis, também não será sem efeitos concretos.
Portanto, o ideal é que o conhecimento produzido possa alcançar aqueles que são o próprio fomento dos estudos, investigações e intervenções relacionadas à Educação Ambiental, algo que está para além das meras deliberações no “mundo das ideias”, pois como coloca Reigota (2016, p. 19), “o homem e a mulher criam os problemas ambientais e lhes compete buscar a devida solução”, não sendo possível delegar essa competência (apenas) para a ciência, políticos ou até mesmo para a vizinha ou o vizinho.
Tal importância da Educação Ambiental justifica-se pela razão mesma de onde advém, ou seja, da crise de vínculo em que o ser humano se tornou incapaz de perceber o que o liga ao animal e ao natural, embora este indivíduo seja incapaz de existir sem aquilo (animais e natureza) que não lhe é percebido, o que resulta na atual crise socioambiental, como evidenciado por François Ost (1995). Dessa forma, necessita-se, através da Educação Ambiental, uma problematização capaz de partir do local para o global e, ao mesmo tempo, do global para o local, de modo a revisitar o fundamento mesmo da racionalidade. Não se trataria de uma nova racionalidade, mas da complementação e do resgate dos elementos que oportunizaram a sobrevivência da espécie humana.
Ao campo da Educação Ambiental não são mais suficientes as abordagens mecânicas de juízo comportamental. É imprescindível, hoje, que se estabeleça um pensamento organicista, de reconhecimento ao mundo a que pertencemos, como seres dependentes, e que seja capaz, entre outros, de demonstrar a nossa necessidade de buscarmos e mantermos um equilíbrio ecológico. Fundamentada essa importância da Educação Ambiental no que se refere à pesca artesanal, denota-se necessário aquilo que se propõe buscar, que é desenvolver uma compreensão do que as Colônias de Pesca, Associações e Sindicatos representam, bem como a importância destes para o enfrentamento dos desafios vivenciados pelos seus membros e comunidades.
Num país como o Brasil, em que há fome e carências que dificultam uma existência humaidnte digna, a vulnerabilidade contamina, muitas vezes, as iniciativas deliberativas cujo intuito é de preservar recursos ambientais. O sucesso do associativismo coloca em pauta a necessidade de se observar os pré-requisitos mínimos para alguém poder ser considerado cidadão, a possibilidade de sobrevivência material e cultural (PEREIRA, 2006, p. 47).
Tal é necessário, inclusive para que se possa alcançar o necessário protagonismo das associações e sindicatos, no intuito de que sua existência alcance o máximo de indivíduos, e que também se torne eficientemente atuante na região, no sentido de gestão, apoio e enfrentamento, resistindo e garantindo que, além dos seus membros, os demais indivíduos da comunidade reconheçam sua importância e engajem-se a esse propósito.
Portanto, a proposta de fortalecer a instituição encontra respaldo também no que se refere à fiscalização dos solicitantes de seguro-defeso, no intuito de se garantir que não ocorram fraudes, uma vez que a percepção do benefício por aqueles que não preenchem os requisitos legais deve ser combatida e punida, ao rigor da lei penal. Isso se justifica porque a impunidade acaba por fragilizar as políticas de auxílio, de tal modo que acabam justificando a implementação de burocracias que atrasam o recebimento dos benefícios requeridos pelos que realmente são dependentes do valor pecuniário pago pela seguridade social. Tal situação é apontada por Pereira (2006, p. 90), ao relatar que:
[com] o aumento do desemprego e da miséria no país, muitos se voltam à pesca para sobrevivência, outros se dedicam a atividades pouco honestas buscando os benefícios que essa classe conquistou. É o caso de pessoas que se apresentam como despachantes e ‘arranjam’ documentos necessários para que um cidadão possa usufruir o seguro desemprego que é oferecido ao pescador [...]. Esse fato causa um inchaço no número de pessoas que se dizem pescadores, já que, segundo denúncias, há pessoas de posse usufruindo dos benefícios da pesca.
Com base nesse pressuposto, é perceptível que a retirada das funções das Colônias, Sindicatos e Associações, transferidas para outros órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal, resultaria em extinção e relegá-las-ia ao simples papel de coadjuvantes, o que seria um profundo enfraquecimento da representatividade proposta pelo disposto no artigo 8º e seu inciso III, da Constituição Federal (BRASIL, 1988):
É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: [...] III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.
Esse exemplo denota um dos elementos que se fazem imprescindíveis ao fato de que a associação seja devidamente fortalecida para que possa beneficiar os pescadores de sua região, até mesmo aqueles não vinculados, diretamente, aos sindicatos. Assim, o advento da procedência da Medida Provisória 871 é um retrocesso para toda a coletividade representada pelas Colônias e Associações.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa discussão acerca dos impactos da Medida Provisória 871, observadamente, não se encerrará, ainda que, quiçá não seja aprovada, ou então alterada, pois continuadamente haverão ataques às minorias e comunidades tradicionais, seja pelo interesse econômico de empresas, mineradoras, pecuaristas e outras classes de latifundiários, que mesmo não disputando o produto da pesca, irão contribuir para o esgotamento dos recursos naturais da área, através dos impactos causados pelas atividades nocivas.
Portanto, requer-se necessário e urgente a consolidação de fortalecimento das associações, sindicatos e demais órgãos que protejam a atividade de subsistência desenvolvida pelos pescadores artesanais. Esse fortalecimento é essencial para que se alcance uma consciência coletiva nesses indivíduos, no intuito de que compreendam a sua importância nesse meio, assim como entendam que são frágeis e somente com uma coletividade alinhada para resistir aos avanços e desafios da contemporaneidade poderão subsistir e sobreviver.
A integração da comunidade, fomentada por uma associação fortalecida, permite que se alcance um maior impacto nas demandas requeridas junto das organizações públicas, bem como se permitirá que, após esse despertar da consciência coletiva, seja possível que as contribuições propostas pela Educação Ambiental sejam recebidas, compreendidas, e, assim como defendido por Paulo Freire, aqueles que ensinam irão aprender e os que aprendem irão ensinar, numa troca de saberes e práxis. Tal argumentação se embasa na dificuldade que há em alcançar esse alinhamento entre os trabalhos e atividades de Educação Ambiental – quando externos à comunidade pesqueira – e os saberes populares dessas comunidades.
Por tal razão, acredita-se que o saber só possui um valor real quando alcança outro ser humano, extravasando dos textos e discursos retóricos. A verdadeira pretensão deste trabalho é conclamar acadêmicos, teóricos, sindicalistas e pescadores ao diálogo e construção de uma resistência, calcada na troca de saberes entre todos, no sentido de compelir o Estado a sentar-se à mesa e, igualmente, abrir-se ao diálogo com os trabalhadores, garantido os direitos desses homens e mulheres, muitas vezes esquecidos pela classe política e sociedade. Assim, pretende-se demonstrar que o enfraquecimento das associações que representam a classe dos segurados especiais é um retrocesso social que deve ser repelido e combatido, inclusive por educadores e educadoras ambientais ligadas direta ou indiretamente ao campo, para fim de garantir uma vida digna para toda uma população historicamente hipossuficiente e sofrida.
Nesse pressuposto, percebe-se a importância da Educação Ambiental, enquanto congregadora de saberes diversos que convergem para uma integração crítica entre sociedade, natureza e Estado. As contribuições que a Educação Ambiental propõe integram outras áreas do conhecimento, permitindo que a diversidade desabroche, garantido o necessário respeito e atenção às angústias e necessidades do outro, seja enquanto indivíduo ou coletividade.
6. REFERÊNCIAS
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*Mestrando em Educação Ambiental (PPGEA/FURG); Bacharel em Direito (FURG); integrante do Grupo de Pesquisa Cidadania, Direitos e Justiça – CIDIJUS (CNPq). Bolsista da CAPES.