Marcos Henrique Prudencio da Silva*
PPGGEO/CPTL/UFMS, Brasil
Email: marcosprudencio22@gmail.com
Resumo
O presente artigo se pauta no estudo da formação territorial do estado de Mato Grosso do Sul/Brasil. O território foi articulado inicialmente com vias para exploração de recursos naturais presentes no território. Acompanhando o crescimento e a necessidade da produção bovina, da erva-mate e do ouro o território é perpassado por fixos de transportes para dar circulação aos produtos, ao em que criam e recriam os espaços urbanos sul-mato-grossenses, Campo Grande/MS, Dourados/MS, Corumbá/MS e Três Lagoas/MS são exemplos destas ações. Estes fixos de transportes continuaram importantes não só pelos elementos citados mas especialmente no presente momento, pois suas novas funções garantem novos usos à esta porção do território.
Resumen
El presente artículo se basa en el estudio de la formación territorial del estado de Mato Grosso do Sul / Brasil. El territorio fue articulado inicialmente con vías para la explotación de recursos naturales presentes en el territorio. En el caso de la producción de vacuno, de la yerba mate y del oro, el territorio es atravesado por fijos de transporte para dar circulación a los productos, al que crean y recrean los espacios urbanos sur-mato-grossenses, Campo Grande / MS , Dourados / MS, Corumbá / MS y Tres Lagunas / MS son ejemplos de estas acciones. Estos fijos de transporte siguieron siendo importantes no sólo por los elementos citados pero especialmente en el presente momento, pues sus nuevas funciones garantizan nuevos usos a esta parte del territorio.
Abstract
The present article is based on the study of the territorial formation of the state of Mato Grosso do Sul / Brazil. The territory was initially articulated with ways to exploit natural resources present in the territory. Accompanying the growth and the necessity of the bovine production, the yerba mate and the gold the territory is crossed by fixed transport to give circulation to the products, in which they create and recreate the urban spaces south-mato-grossenses, Campo Grande / MS , Dourados / MS, Corumbá / MS and Três Lagoas / MS are examples of these actions. These fixed lines of transport continued to be important not only for the aforementioned elements but especially at the present moment, since their new functions guarantee new uses to this part of the territory.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Marcos Henrique Prudencio da Silva (2019): “A influência dos transportes na formação do território de Mato Grosso do Sul/Brasil”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (marzo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/03/transportes-formacao-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1903transportes-formacao-brasil
Desde a era colonial, a preocupação com as vias1 de escoamento da produção e também de abastecimento de produtos alimentícios oriundos do interior, interviram na organização do território.
Como afirma Furtado (1969) a estrutura produtiva do açúcar, no início da colonização brasileira forçou a entrada lusitana para além da faixa litorânea, fenômeno este, advindo da necessidade de carne para alimentação da população, especialmente dos escravos, a força de trabalho da produção, pois:
Os conflitos provocados pela penetração de animais em plantações devem ter sido grandes, pois o próprio governo português proibiu, finalmente, a criação de gado na faixa litorânea. E foi a separação das duas atividades econômicas - a açucareira e a criatória - que deu lugar ao surgimento de uma economia depende na própria região nordestina (FURTADO, 1969, p.62).
Ora, se a criação de gado se distancia das margens oceânicas, há a necessidade de caminhos que liguem à principal atividade colonial. Os sertanistas são os primeiros desbravadores e assentadores de estradas, estes se juntarão mais tarde aos bandeirantes.
Bem como Furtado (1969) afirma que a separação, das produções geram um desenvolvimento da última atividade, as vias se tornam a condição indispensável deste desenvolvimento, em um sistema que se baseia na exportação e importação de mercadorias, não pode existir isolado.
Em Queiroz (2008a, 2011) as vias exercem papel crucial no povoamento e ordeidnto do território mato-grossense (e logo sul mato-grossense). A edificação da cidade de Cuiabá se da pela descoberta de jazidas auríferas em seu território, regidas pela febre do ouro que ocorre no Brasil colônia (séc. XVIII), as forças de atração do extrativismo mineral, resultam no adensamento urbano da capital.
No século XIX as vias continuam com este papel de impulsionadores ao desenvolvimento econômico, as boiadas criadas na região dos pantanais, mais especificadamente em Corumbá, são transitadas do Mato Grosso, à Goiás, de lá para Minas Gerais, seguindo ao Rio de Janeiro - parte permanecendo, para suprir a capital colonial - e vão até São Paulo, centro econômico da época. O gado é conduzido pelo mesmo caminho que fora utilizado pelas monções no povoamento do oeste (QUEIROZ, 2008a).
É importante frisar que o oeste, na sua porção que se tornaria Mato Grosso do Sul (Ver Figura 1), recebe grande impulso colonizador, devido à expansão cafeeira de São Paulo, e com a chegada da família real no Rio de Janeiro;
As coisas começariam a mudar, com relação ao SMT 2, depois que passaram a entrar em cena novos grupos de povoadores não-índios, a partir da terceira década do século XIX. Tratou-se aí de um movimento claramente conectado às novas realidades do centro-sul do Brasil, surgidas depois da vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. O aumento das necessidades de abastecimento dessa cidade, bem como a expansão da monocultura cafeeira no vale do Paraíba, repercutiram, como se sabe, sobre todo o interior da colônia, levando, por exemplo, a uma expansão da pecuária bovina em direção aos territórios situados cada vez mais a oeste (QUERIOZ, 2011, p.113).
A partir desta expansão da pecuário, o que Queiroz (2011) denomina frentes de expansão, se dá a ocupação de territórios do então SMT. A figura 2 demonstra de maneira mais abstrata esta reflexão.
Em um segundo momento, o território A² esta totalmente ocupado, e perde parte de sua cadeia de suprimentos para dar lugar à produção primordial - cana de açúcar, minérios, café, ou outra mercadoria que seja o centro econômico -, consequentemente a frente de expansão é direcionada ao território B², dotado de condições que supram o primeiro.
Neste escopo de expansão é possível que ao longo das vias de comunicação, vilarejos, e núcleos urbanos sejam edificados ou tenham uma propulsão em seu desenvolvimento econômico.
É o caso de Mato Grosso do Sul, nos trabalhos de Sodré (1941), Martins & Trubiliano (2010) e Queiroz (2008, 2011), fica claro a participação dos modais de transporte na estruturação histórica do território do estado. Para corroborar com essa assertiva, mostra as cidades que nasceram ou se expandiram dessa maneira.
Em sua história econômica os rios, Paraguai e Paraná, foram - e são ainda hoje, - importantes vias para o escoamento e a importação de produtos.
As ferrovias, em segundo momento, alavancaram o aumento de várias cidades sul mato-grossenses. Desde o início de sua implementação, até o atual momento as cidades cortadas por elas desempenham significativos polos da formação sócioespacial do estado. A formação sócioespacial, e os setores produtivos serão discutidos mais a frente, neste trabalho.
Como forma de melhor compreensão dos fenômenos a serem estudados neste trabalho, os mapas estaduais, serão divididos em mesorregiões, a partir da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim o mesmo órgão divide o estado de Mato Grosso do Sul em quatro mesorregiões; Mesorregião dos Pantanais Sul Mato-grossense, Mesorregião Leste; Mesorregião Centro Norte, e Mesorregião Sul.
Na mesorregião dos Pantanais, se percebe a forte atuação dos modais na formação de seus municípios, a hidrovia e a ferrovia dividem a influência neste local, haja visto, a presença do rio Paraguai e a ferrovia Noroeste do Brasil (N.O.B.), modais que estiveram ligados a estrutura produtiva da pecuária e do comércio de exportação e importação portuário.
A mesorregião Leste também apresenta esta mesma situação da porção oeste, a hidrovia do rio Paraná e da Ferrovia N.O.B. perpassam a maioria dos municípios. Estes modais foram importantes para o crescimento da cidade de Três Lagoas. Além de futuramente a situação de vizinha ao estado de São Paulo se efetivar em vantagem locacional.
Enquanto a mesorregião Centro Norte se especifique mais no comércio e serviços a serem ofertados pela futura capital estadual Campo Grande, desenvolvimento advindo do prolongamento da N.O.B.
Por fim, a mesorregião Sul, assim como as demais, também é influencia pela ferrovia, mas, sobretudo pela constituição do complexo ervateiro e pecuarista, no início de sua formação. E logo mais com a Marcha para o Oeste de Getúlio Vargas, a formação da Colônia Agrícola de Dourados, garante a cidade homônima o status de segunda cidade mais dinâmica após Campo Grande.
Neste início de trabalho se optou por uma explicação de cunho mais teórico e geral, para demonstrar como os transportes são influenciadores na organização do território. Estes necessitam serem estudados à luz de métodos que efetuem uma ligação entre o local e o global, pois, estão intimidante ligados ao movimento do capital, isto é, a própria divisão internacional do trabalho. Logo a categoria de formação sócioespacial e território usado serão abordados mais adiante, pois, se julga que sejam capazes de conformarem uma melhor interpretação do todo, senão o mais próximo disto, visto que o todo é um sistema muito complexo.
Ao utilizar a noção de território usado, não se estende a percepção do território em si, puro, balizado somente por relações de poder, e sim compreende-lo como um meio, o próprio espaço geográfico, dotado de técnicas, objetos, formas, funções, processos e estruturas, e até rugosidades.
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas naturais e de coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de análise em disciplinas históricas, como a geografia. É o território usado que é uma categoria de análise (SANTOS, 2007, p. 14).
É no exercício das atividades, na interação entre os sistemas naturais, e artificiais que o território se faz, é no reuso do território, culminando na formação de um novo meio, “Assim é o território ajuda a fabricar a nação, para que a nação depois o afeiçoe” (SANTOS 2007, p.14).
Silveira corrobora;
Um período histórico pode ser reconhecido por uma dada afeição do território ou, em outras palavras, pela existência de uma base técnica e de uma organização da vida política, econômica e social. [...] Afastar-se-ia, desse modo, o risco de vê-lo como um conjunto de pontos mensuráveis ou como uma relação matemática entre tempo e distância. As localizações deixam de ser uma mera topologia para ganhar a espessura de um contexto histórico (2011, p. 4).
Território usado, adensamento de técnicas, sociedade e natureza, rugosidades, e objetos atuais. O espaço próprio da produção humana, e possível da operação de novas estruturas. Destarte, a cada vez que se utilizar a categoria território neste trabalho, ela deve ser entendida como território usado.
Neste sentido de uma conjunção de elementos, de diferentes temporalidades, ao território usado, ele é intrínseco a noção de formação sócio-espacial.
Santos (2009) elenca as formas, as funções, processos, e estruturas, em uma relação dialética, compondo um sistema de ações e objetos, resultando no próprio espaço geográfico, que Santos (2007) iguala a território usado, e, associando ao pensamento de Santos (2007, 2012) teríamos a formação sócio-espacial.
Ainda em Santos (2012), o movimento de uma parte da totalidade corresponde a uma função advinda do todo. Desta feita cada território esta ligado em maior ou menor profundidade com as interações do global. Logo, a formação socioespacial obedece a uma lógica mundial, mas também, a uma lógica local, em um par dialético. “Toda realidade concreta é particular e em cada particularidade está presente todo o Universo (RANGEL, 2005, p. 293)”.
Deste modo o momento imperialista do capital, leva a busca por novos territórios dentro das colônias, a busca pelo ouro, no século XVIII leva a descoberta de jazidas no local que daria origem a Cuiabá, a primeira formação do território de Mato Grosso (QUEIROZ, 2008a). Esta febre pelo minério é resultado de uma economia propriamente primária exportadora da era da colonial (PRADO, 1959; FURTADO, 1969).
Para o abastecimento desta nova zona mineradora, são utilizadas vias fluviais e/ou terrestres, longos e rudimentares, haja vista os perigos da mata fechada e dos indígenas, para o tráfego direto por esta capitania. Por isto o caminho feito foi via São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Cuiabá, ou através dos
rios Tietê, Paraná, Pardo, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. Esse seria, com efeito, o caminho percorrido, durante muito tempo, pelas célebres monções, expedições fluviais que constituíram uma corrente regular de comunicações e comércio (QUEIROZ, 2008b, p.17).
São estes fluxos que iniciaram timidamente um desbravamento e ocupação do que será Mato Grosso do Sul.
Contudo, o governo imperial, em vista das descobertas auríferas, realiza a ocupação de áreas mais distantes do Sul de Mato Grosso (SMT 3), dando origem as cidades de Corumbá, o Forte Miranda, Forte Coimbra, e mais ao sul o Forte Iguatemi, forma de integrar o território frente a possível invasão dos países vizinhos, colonizados pela coroa espanhola, Paraguai e Argentina.
Entretanto, o estabelecimento do Iguatemi sucumbiu aos espanhóis já em 1977, e as demais povoações oficiais, embora tenham subsistido, não chegaram nessa época a funcionar como autênticos núcleos de irradiação de povoamento - situadas, como estavam, num contexto marcado pela carência de efetivos estímulos econômicos à ocupação produtiva. Desse modo, pode-se dizer que somente mais tarde, isto é, a partir da terceira década do século XIX, começariam a estabelecer-se no SMT atividades econômicas, desenvolvidas por não-índios, destinadas a uma longa duração (QUEIROZ, 2008b, p.20).
A esta referência de novo impulso na ocupação do território do SMT, Queiroz (2008a; 2008b) identifica como frentes de expansão, bem como foi representado na Figura 2. É devido à expansão cafeeira no sudeste que a necessidade de novos locais para produção de bens primários no leste do SMT se fez. A pecuária é a nova economia de exportação, fornecendo carne e charque para esta região.
Apesar de a produção bovina se estabelecer por quase todo sul de Mato Grosso, a porção leste devido à proximidade ao mercado consumidor de São Paulo possui maior relevância neste cenário. As invernadas são conduzidas para o território mineiro para engorda e redirecionadas para os abatedouros em São Paulo e Rio de Janeiro. Este último desponta no consumo de carne, com a chegada da família real (QUEIROZ, 2011).
Tratou-se aí de um movimento claramente conectado às novas realidades do centro-sul do Brasil [...]. Desse modo, num movimento típico de uma frente de expansão, encaminharam-se para o SMT migrantes provenientes da província de Minas Gerais e do norte da província de São Paulo - vale dizer, as regiões nucleadas pelas povoações de Uberaba (MG) e Franca (SP). Tais populações encaminharam-se, sobretudo para os campos limpos e cerrados do planalto sul-mato-grossense, situado na bacia do Paraná (QUEIROZ, 2011, p.113).
Segundo Sodré a pecuária não deixou resquícios consideráveis de sua atuação, e afirma:
Só a cultura pastoril não teve essa sorte. Ficou presa ao seu destino ingrato. Nômade e dispersiva sem acarretar a fixação, a casa, o arraial, a correspondência - deixou poucos sinais exteriores e pouquíssimos documentos. Eles existem, embora raros, é verdade. Mas não têm abundancia de detalhes, não possuem riqueza de dados e, principalmente, não fixam pormenores imprescindíveis (1941, p.56).
Sodré peca ao entender como não frutífera a atividade pecuarista. As formas e funções que foram erguidas são bases futuras para realizações de outras produções. Cidades como Três Lagoas, Corumbá, Água Clara, Campo Grande, Dourados, Ribas do Rio Pardo, e Aparecida do Taboado, são exemplos de formas herdadas, ou seja, rugosidades, deste tipo de produção. Não foi a pecuária que deu origem a todos estes municípios, mas serviu de base para economia dos mesmos.
O próprio autor mais adiante admite certa continuidade da pecuária no SMT:
Na região em que o regime pastoril se estabeleceu, estendeu os seus domínios, o desenvolvimento foi lento mas constante, monótono mas continuo. Só a via férrea viria quebrar essa aceleração pouco sensível, imprimindo-lhe novo impulso, com um progressivo adensamento de população, e a articulação desse mercado com a zona pastoril do Oeste, compensada pela simultânea articulação com um parque industrial destinado a permanecer como principal fornecedor das necessidades, acrescentaria um novo fator, de capital importância, ao desdobramento civilizador do Oeste pastoril (SODRÉ, 1941, p. 122).
Mesmo concordando que o mercado bovino e certas estruturas, permanecem, a subestimação deste é notável. Queiroz (2004, 2008a, 2008b, 2010, 2011) enfatiza que a via férrea não foi o fator o único de desenvolvimento econômico e responsável pela ascensão do SMT para nação.
A economia ervateira é outra atividade produtiva de importância para o mercado regional e nacional. Os ervais nativos encontrados especialmente no sul do SMT possibilitam o prodigioso mercado desta produção, que irá exportar para os países vizinhos e para o próprio sul do Brasil.
A efetiva exploração, contudo, precisou esperar a abertura do rio Paraguai à navegação brasileira, em fins da década de 1850, quando a região obteve um fácil acesso ao principal mercado consumidor da erva (a Argentina). Mesmo assim, a economia ervateira sul-mato-grossense somente ganhou maior impulso após a guerra contra o Paraguai, que tendo desorganizado a produção nessa república, ampliou os espaços para a entrada do produto brasileiro no mercado platino (QUEIROZ, 2011, p. 2).
A produção da erva é feita, sobretudo pela Companhia Erva Mate Laranjeira, de Tomás Laranjeira. O mesmo inicia suas atividades em 1882, logrando uso de uma vasta área, então habitada por populações indígenas e não-índios.
Por ter boas relações com o primeiro governador de Mato Grosso, já na república, em 1890, lhe é concedido a expansão de sua área, passando para 5 milhões de hectares, compreendida entre algumas características físicas do relevo como (Ver Figura 5);
[...] ao norte, o rio Ivinhema e seus formadores, isto é, os ribeirões das Onças e S. João e os rios Dourados e Brilhante; a leste o rio Paraná; ao sul a serra de Maracaju; a oeste, a serra de Amambai, até as cabeceiras do mencionado Ribeirão das Onças (QUEIROZ, 2010, p. 3).
A comercialização da erva é garantida como foi dito pela abertura da navegação pelo Rio Paraguai, até os países vizinhos e a região sul via estuário do Prata, como mostra a Figura 5.
Todavia, uma primeira tentativa de abertura desta via já teria sido realizada antes da Guerra do Paraguai, em 1853. Esta realidade acontece por motivos antes de proteção territorial, do que para realização efetiva de um comércio, mas, de toda forma aciona este último elemento (QUEIROZ, 2011).
Com a possibilidade do uso via fluvial, a cidade de Corumbá recebe um impulso por possuir um porto, se tornando um polo na exportação e importação de produtos advindos da metrópole paulista, antes feito via terrestre e/ou rios pelas monções. As casas comerciais presentes nesta cidade comandam a disseminação desses fluxos (QUEIROZ, 2008).
Negociando não só os ervais, mas também a produção de charque e carne pelo novo modal, a economia do SMT é impulsionada mais uma vez. A devastação deixada pelo embate militar impede a concorrência da república paraguaia na produção de erva, e abre a necessidade desta mercadoria e de bovinos, antes produzidos em suas terras (QUEIROZ, 2011).
A nacionalização do território que era de suma importância ao império continuou presente na república. Com vistas a nacionalizar tanto a exportação, quanto a importação do Oeste, se executa a construção da ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) em meados da década de 1910;
De fato, num contexto ricamente contraditório, o objetivo político-estratégico da ferrovia (eliminar a dependência brasileira em relação à via platina) devia cumprir-se mediante o desempenho de uma missão econômica (desviar os fluxos de comércio da calha do rio Paraguai no rumo direto do Sudeste Brasileiro). Assim, a despeito de suas deficiências técnicas, que persistiram por muitos anos, essa ferrovia efetivamente garantiu a definitiva integração do Extremo Oeste aos mercados nacionais brasileiros (QUEIROZ, 2011, p.130).
A via férrea parte de Bauru/SP e chega até as margens do rio Paraná, onde se encontra com o povoado iniciado próximo a três lagoas, e o estrutura, dando origem a cidade homônima, e segue à Campo Grande até Porto Esperança, desviando seu curso inicial que seria a Cuiabá, devido ao alto potencial de Corumbá, mais tarde o complemento da linha até esta cidade é feita (ARANHA-SILVA, 1992; QUEIROZ, 2004).
Os motivos de nacionalização atingem os ervais do SMT, como Tomás Laranjeira4 possuía o monopólio de uma grande área e mantinha mais relações comercias com os países fronteiriços, utilizando o porto paraguaio, ainda que o governo republicano houvesse construído um porto em território nacional (1892 - Porto Murtinho) e abertura de vias terrestre que chegassem a este, o poder estatal desarticula a concessão das terras e reparte as terras com colonos sulinos (SODRÉ, 1941; QUEIROZ, 2008b).
Não obstante, duas outras medidas de integração territorial tomadas por outro governo, que é a ditadura de Getúlio Vargas, conhecida como Estado Novo reorganizam o território do sul de Mato Grosso. Uma é a criação da Marcha para o Oeste, plano que convidava a população brasileira a rumar para o “vazio” e “promissor” Oeste brasileiro, e a segunda a estruturação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) (MARTINS & TRUBILIANO, 2010; QUEIROZ, 2011).
Com a conclusão das obras da estrada de ferro que ligava Bauru/SP à Corumbá/MS, a cidade de Campo Grande, toma a frente desta última em termos econômicos e políticos. O município é tido com um chamariz para a massa migratória advinda principalmente do sudeste. A presença estatal, materializada pela NOB, e a modernidade a ela ligada, libertam um espírito de grandiosidade nos cidadãos locais, e ratificam o possível “progresso” para os recém chegados, Martins e Trubiliano (2010) afirmam que;
De fato, a construção da Ferrovia Noroeste do Brasil pode ser destacada como fator decisivo da consolidação econômica e demográfica do sul de Mato Grosso. Articulando essa região com São Paulo, a NOB impulsionou fortemente o fluxo migratório, permitindo a implantação de um importante pólo agropecuário e de industrialização de seus derivados, assim como o surgimento de vários municípios ao longo de seu traçado e o aumento gradativo da importância econômica de Campo Grande, tendo como impactos mais visíveis desse processo de transformação a consolidação desta cidade como área de atração de investimentos e de contingentes populacionais provenientes das mais diversas regiões do Brasil, bem como de países vizinhos (p. 396).
Desta dinamização de Campo Grande, se apreende três facetas, a primeira esta ligada resistência à chegada de novas pessoas à cidade, os classificando com pessoas de má índole, (MARTINS E TRUBILIANO, 2010).
Em um segundo momento se percebe que a política de colonização de Vargas, também é uma maneira de expulsar aqueles que foram mais afetados pela crise financeira de 1929, e assim reduzir o inchaço da metrópole paulista. Como retrata o Álbum de Campo Grande, ao dizer que “os indesejáveis” são engraxates, prostitutas, vagabundos, ex-militares, ou seja, aqueles marginalizados das grandes cidades.
A terceira diz respeito à contradição das outras duas, ou seja, as mesmas pessoas que são tidas como indesejáveis, são as que proporcionaram o surgimento de novas atividades na cidade. Os descendentes de imigrantes turcos, libaneses por exemplo, erigem comércios e serviços em Campo Grande, consolidando o alto nível do setor secundário, que representará em um importante aspecto para torna-lá capital estadual (MARTINS & TRUBILIANO, 2010).
No caso da CAND, a repartição das terras, obedece a uma lógica da produção de alimentos para a região de São Paulo que agora desponta como centro industrial. O fim da empresa Mate Laranjeira em 1943 abre as portas para constituição do que deveria ser o “celeiro agrícola” do país. A parte do sul do SMT, antes voltada para a produção ervateira, reutilizada para o fim de produção de gêneros básicos, como feijão, milho, soja, arroz, mandioca e entre outros (QUEIROZ, 2011).
O Estado provê não só de recursos financeiros, mas também de centros técnicos para profissionalização da mão de obra, como também de vias para o escoamento da produção, a BR-168 é eregida com este intuito (QUEIROZ, 2011).
A estruturação do território do futuro estado e Mato Grosso do Sul pode ser apreendido em quatro tempos, a que Santos (2009) chama de temporalidades.
Uma formação socioespacial, engendrada por distintos processos, em diferentes escalas geográficas. O território marcado por usos que obedecem a lógicas globais, todavia não subvertendo totalmente as interações do local. Os modais de transportes atuaram ativamente na conformação do SMT.
A vasta hidrografia em seu território balizou as primeiras incursões e escoamentos da produção. Foram alvos também das primeiras normatizações, com abertura de portos e pontos fiscais para exportação e importação.
Os caminhos terrestres mesmo não possuindo veículos rápidos, foram suficientes para desempenhar um papel de desbravamento do território. Articularam os povoados e futuras cidades. As ferrovias seguem estes caminhos e mais à frente o modal rodoviário efetuou os mesmos traçados.
Considerações finais
Está reflexão possibilitou entender como a construção dos fixos de transportes serviram tanto para atender as produções atuantes naquele período quanto na formação de cidades. Estes mesmo fixos influenciaram diretamente os novos usos do território no estado de Mato Grosso do Sul/Brasil, e especialmente nas cidades de maior porte econômico e populacional.
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*Mestre em Geografia, pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia/PPGGEO/CPTL/UFMS. Realiza pesquisa na área de Geografia da Circulação, Transportes e Logística, Geografia Econômica, Geografia Urbana e Regional. Licenciado em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.