Ercilene de Cássia Ferreira Rodrigues*
Alfredo Kingo Oyama Homma**
Osvaldo Ryohei Kato***
Antônio José Elias Amorim de Menezes****
UFPA, Brasil
Email: ercilene.ferreira@ufra.edu.br
RESUMO
Este artigo 1 analisou pequenos produtores que realizam manejo de bacurizeiros e a importância da coleta dos frutos para a estratégia de reprodução social dessas famílias na Amazônia Paraense. A pesquisa de campo ocorreu em municípios das Mesorregiões Nordeste Paraense e Marajó, no Estado do Pará, Brasil, devido a informação corrente de que são áreas produtoras que respondem pela maior oferta de frutos de bacuri. Foram aplicados ao total 77 questionários entre os 7 municípios estudados, sendo 57 na Mesorregião Nordeste Paraense e 20 no Marajó. As principais estratégias de reprodução encontradas pelos pequenos produtores do Nordeste Paraense e Marajó foram manejo de bacurizeiros, diversificação da produção, autoconsumo e trabalho em atividades não agrícolas. Notou-se que o manejo de bacurizeiros a fim de aumentar a produção de frutos, relaciona-se com várias outras atividades da família, influenciando na gestão da mão de obra familiar e no conjunto de estratégias da família.
Palavras-chave: Agricultura familiar, autoconsumo, manejo de bacurizeiros, economia rural, estratégias, bacuri.
ANÁLISIS DE PEQUEÑOS PRODUCTORES CON MANEJO DE BACURIZEIROS (Platonia insignis MART.) EN LA AMAZÔNIA PARAENSE: un abordaje sobre la óptica de estrategias de reproducción social.
RESUMEM
El presente artículo analizó pequeños productores que realizaron manejo de bacurizeiros y la importancia de colectar los frutos para la estrategia de reproducción social de esas familias de la Amazonia Paraense. La investigación de campo se llevó a cabo en los municipios de las Mesorregiones Nordeste Paraense y Marajó, en el Estado de Pará, Brasil. Debido a la información corriente de que son áreas productoras que responden por las mayores ofertas de frutos de bacuri. Fueron aplicados un total de 77 cuestionarios entre los 7 municipios estudiados. Siendo 57 en la Mesorregión Nordeste Paraense y 20 en Marajó. Las principales estrategias de reproducción encontradas por los pequeños productores del Nordeste Paraense y Marajó fueron manejo de bacurizeiros, diversificación de la producción, autoconsumo y trabajo en actividades no agrícolas. Se notó que el manejo de bacurizeiros a fin de aumentar la producción de frutos, se relacionó con otras actividades de la familia, influenciando la gestión de mano de obra familiar y en el conjunto de estrategias de la familia.
Palabras –clave: Agricultura familiar, autoconsumo, manejo de bacurizeiros, economía rural, estrategias, bacuri.
ANALYSIS OF SMALL FARMS WITH BACURI (Platonia insignis Mart.) CROPS MANAGEMENT IN THE PARAENSE AMAZON: An approach from the perspective of social reproduction strategies
ABSTRACT
This article studied the small farmers whom have worked with bacuri (Platonia insignis Mart.) crops and the importance of the fruit gathering on the social reproduction strategies of the families involved in the process. The field research was conducted in the Northeastern and Marajó Mesoregions of the State of Pará, Brazil; these areas correspond to the main sources of the fruit. In total, 77 questionnaires were applied amongst the 7 studied municipalities, 57 on the Northeastern Mesoregion and the remaining 20 on the Marajó Mesoregion. The main reproduction strategies found were the Platonia handling, diversification of the production, selfconsumption and the work on non-agricultutal activities. It was noticed that the handling of Platonia with the intention of increasing the production of the fruit is related to other family activities, having an impact on the management of the family labor force and on the ensemble of the family strategies.
Key Words: Family farm, self-consumption, management of bacurizeiros, Rural economy, strategies, bacuri.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Ercilene de Cássia Ferreira Rodrigues, Alfredo Kingo Oyama Homma y Antônio José Elias Amorim de Menezes (2019): “Análise de pequenos produtores com manejo de bacurizeiros (platonia insignis mart.) na Amazônia Paraense: Uma abordagem sob a ótica de estratégias de reprodução social”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (marzo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/03/pequenos-productores-amazonia.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1903pequenos-productores-amazonia
O bacurizeiro (Platonia insinis Mart.) é encontrado na região Bragantina de duas formas: preservada pelos agricultores como parte do sistema de cultivo itinerante em áreas recém-desmatadas; e mantidas como árvores frutíferas em seus quintais de capoeiras e alguns pomares produtivos com apenas esta espécie (MEDINA & FERREIRA, 2004; FERREIRA, 2008).
Obacurié o fruto do bacurizeiro, utilizado tradicionalmente na alimentação humana, principalmente na Região Norte do Brasil. Nas áreas de ocorrência natural, essa espécie desempenha papel importante na recuperação de áreas após o cultivo no sistema tradicional de agricultura na Amazônia (corte e queima seguido de período de pousio para recomposição), pois tem o comportamento de pioneira, sendo a primeira espécie que aparece (FERREIRA, 2008).
As pesquisas com bacurizeiros são recentes e o interesse pela espécie supõe-se que tem crescido principalmente devido a sua valorização econômica. O bacuri ainda hoje provém do extrativismo, pois os cultivos comerciais estão iniciando, dos bacurizeiros mantidos em quintais, de indivíduos em capoeiras deixadas para coleta e alguns pomares produtivos com apenas esta espécie (FERREIRA, 2008; MATOS, 2008; MENEZES, 2010).
O bacurizeiro começa a produzir frutos com aproximadamente 10 anos de idade, porém algumas pesquisas registraram a produção de frutos em áreas manejadas a partir dos 6 anos (FERREIRA, 2008; MATOS, 2008; MENEZES 2010).
Matos (2008) em seu trabalho detectou nove tipos de manejo de bacurizais como respostas dos pequenos produtores às possibilidades de mercado onde alguns desses bosques de bacurizeiros apresentam idades superiores a 50 anos, outros são mais recentes, entre 20 a 30 anos. Segundo este autor, provavelmente, os bacurizeiros manejados mais antigos foram realizados pelos emigrantes nordestinos que se dirigiram para a região amazônica durante o ciclo da borracha.
Nos últimos anos, o bacuri teve um aumento comercial significativo sendo que o mercado local e regional possui ainda espaço para crescimento podendo gerar mais emprego formal e informal. Com isso, muitos agricultores, como os da região Bragantina, começam a notar que o bacuri, que antes era utilizado prioritariamente para o consumo familiar, pode ser incluído como uma fonte de renda para as suas famílias (MEDINA & FERREIRA, 2003).
Entretanto, é importante ressaltar, que apesar da integração ao mercado, as lógicas e as estratégias dos pequenos produtores são diferenciadas. Desde o conhecido processo de modernização da agricultura no Brasil, após a Revolução Verde, que os pequenos produtores por conta própria buscaram alternativas que garantissem sua reprodução social.
Os agricultores se articularam em dois níveis complementares: o autoconsumo e a integração ao mercado, onde o acesso a uma atividade mercantil foi buscado por meio de alternativas econômicas que os integrasse positivamente à economia local e regional, sendo uma prática comum manterem um certo produto como carro-chefe do seu estabelecimento além dos outros produtos que garantem o consumo familiar (WANDERLEY, 1996).
Nesse contexto, esta pesquisa pretende analisou pequenos produtores que realizam manejo de bacurizeiros e a importância da coleta dos frutos para a estratégia de reprodução social dessas famílias na Amazônia Paraense.
O bacurizeiro é uma espécie arbórea de porte médio a grande com aproveitamento frutífero, madeireiro e energético, com centro de origem na Amazônia Oriental. Ocorrem espontaneamente, em todos os estados da Região Norte e no Mato Grosso, Maranhão e Piauí. É encontrado também nas Guianas, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador (MENEZES, 2012).
Assume importância econômica nos estados do Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí, onde se concentram densas e diversificadas populações naturais, em áreas de vegetação secundária, sendo que o Pará é o principal produtor e consumidor de fruto e polpa de bacurizeiro (MENEZES, 2012).
Em ecossistemas de vegetação primária, o bacurizeiro ocorre em agrupamentos de cinco a sete plantas. Porém, quando se considera toda a área de ocorrência, a densidade de bacurizeiros por hectare é muito baixa, inferior a uma planta por hectare, a exemplo do que ocorre com a maioria das espécies arbóreas da Floresta Amazônica (FERREIRA, 2008; MENEZES, 2010).
O bacurizeiro possui característica ímpar de efetuar o rebrotamento a partir de raízes. Dessa forma, nas antigas áreas de ocorrência de bacurizais, verifica-se o rebrotamento dessa espécie, como se fosse uma erva daninha, na luta pela sobrevivência (MEDINA; FERREIRA, 2003).
Muitos produtores transformam esses rebentos que nascem espontaneamente, mediante o manejo, dispondo-os em espaçamento apropriado, com controle das copas, brotos e ervas invasoras, permitindo a formação de bosques de bacurizeiros e, com isso, criando alternativas para as áreas degradadas das Mesorregiões do Nordeste Paraense e Marajó. As plantas de bacurizeiros, graças à facilidade de rebrotamento, podem ser indicadas também para reflorestamento para produção de lenha, carvão vegetal e madeira, sem a necessidade de produção de mudas e tratos culturais mais delicados (MATOS, 2008).
O rebrotamento de bacurizeiro ocorre em alta densidade, especialmente nas áreas onde a floresta já foi derrubada, podendo alcançar até 15.000 rebentos por hectare, conforme verificado em levantamento efetuado no Município de Maracanã (HOMMA, 2004; HOMMA et al. 2007). O rebrotamento é um mecanismo fisiológico de algumas espécies vegetais e no caso do bacurizeiro alia-se o fato de ser favorecida com o sol.
O manejo do bacurizeiro pode ser efetuado a partir das brotações radiculares dessa planta, nas áreas que são preparadas para os roçados e, em seguida, abandonadas. A produção dos frutos ocorre se forem salvas de derrubadas futuras e da entrada do fogo, num período de oito a dez anos na floresta secundária. Trata-se de uma planta rústica que, graças ao crescimento do mercado de frutos, passou a receber maior atenção de pequenos produtores, com manejos que favorecem essa espécie nas áreas geralmente próximas das residências, como os quintais. O manejo consiste em privilegiar as brotações mais vigorosas, deixando um espaçamento aleatório que varia de 4 a 8m entre os indivíduos, nos roçados abandonados. Os cuidados posteriores referem-se a roçagens anuais quando adultas, para facilitar a coleta dos frutos (MATOS, 2008; MENEZES, 2010).
O bacurizeiro está passando da fase extrativa, para manejada e do início da domesticação tendo em vista o seu potencial para produção de polpa e para recuperação de áreas degradadas.
A despeito do seu potencial, muitas áreas de ocorrência de bacurizeiros continuam sendo derrubadas para a formação de roçados, retirada de lenha para as olarias, fabricação de carvão, madeira para a construção civil, expansão da soja, feijão caupi e abacaxi. O longo tempo para frutificação faz com que a opção de curto prazo seja mais importante para estes produtores (MENEZES, 2010).
Matos (2008) em sua dissertação de mestrado realizou um trabalho com agricultores do Nordeste Paraense e do Marajó onde conseguiu identificar oito tipos de manejo de bacurizais realizados por eles, a saber: 1) bacurizeiros nativos da vegetação primária; 2) bacurizeiros adultos manejados em áreas limpas; 3) bacurizeiros adultos manejados em vegetação secundária; 4) bacurizeiros nativos manejados em sistemas adensados; 5) bacurizeiros adultos de quintais; 6) reboleiras de bacurizeiros em vegetação secundária; 7) áreas de rebrotamento de bacurizeiros nativos; 8) bacurizeiros plantados (pé franco e enxertados). Esse autor também identificou bacurizeiros urbanos existentes na cidade de Belém, Pará. Nota-se que destes tipos de manejo, pelo menos seis datam de mais 20 anos o que remete a importância não só econômica dos bacurizeiros, como também cultural.
Menezes (2010) em sua tese de doutorado traz a importância de estudar o bacurizeiro como alternativa ao desenvolvimento sustentável e partindo da tipologia de Matos (2008) propõe três sistemas de padrões de bacurizeiros existentes nas Mesorregiões do Nordeste Paraense e Marajó: Sistema Extrativo, Sistema Manejado e Sistema de Plantio. Para este trabalho, importa conhecer os sistemas manejados (bacurizeiros adultos manejados em áreas limpas; bacurizeiros adultos manejados em vegetação secundária; bacurizeiros nativos manejados em sistemas adensados; bacurizeiros adultos de quintais; reboleiras de bacurizeiros em vegetação secundária; áreas de rebrotamento de bacurizeiros nativos).
O manejo é entendido como um processo de aperfeiçoamento do extrativismo simples da coleta, procurando aumentar a produtividade da terra e da mão-de-obra, com o aumento da densidade ou criando condições mais favoráveis para os bacurizeiros (MENEZES, 2010, p.165).
Recentemente as instituições de pesquisa tem buscado conhecer e estimular o manejo de bacurizais a partir de premissas técnicas para o cultivo. As técnicas de manejo preconizadas pela Embrapa Amazônia Oriental consiste em fazer desbastes selecionando as brotações mais vigorosas que nascem nos roçados abandonados, num espaçamento aproximado de 10m x 10m, podendo fazer culturas anuais nas entrelinhas nos primeiros anos, para reduzir os custos de implantação, e a semeadura de plantas perenes, formando os sistemas agroflorestais. Os desbastes podem ser de duas maneiras: radical, em que se retiram todas as outras espécies, deixando somente as plantas de bacurizeiro selecionadas (mais vigorosas); e o moderado, no qual se deixam outras espécies vegetais de valor econômico, além do bacurizeiro (FERREIRA, 2008; MENEZES et al., 2010).
A Embrapa Amazônia Oriental identificou no período de 2006 a 2013 a existência de aproximadamente 100 produtores, com área total de 25 hectares, nas Mesorregiões do Nordeste Paraense e Marajó, utilizando estas práticas de manejo. Já existem os primeiros bacurizeiros produzindo nas áreas manejadas e existem também plantios enxertados e de pé franco, formando sistemas agroflorestais, visando o grande mercado dessa fruta (HOMMA et al., 2013).
Segundo Menezes et al. (2016) o plantio de bacurizeiros de pé-franco e enxertado já está sendo realizado por diversos produtores fora da área de ocorrência natural de bacurizeiros nos municípios Acará, Goianésia, Altamira e Tomé-Açu, no Estado do Pará, tanto em monocultivo quanto em sistemas agroflorestais.
Entende-se neste trabalho que ao estudar pequenos produtores deve-se compreender as estratégias adotadas, os desafios enfrentados e os instrumentos que estão ao seu alcance para continuar se reproduzindo enquanto tal, dando ênfase ao manejo de bacurizeiros enquanto alternativa de complementação de renda.
Baseado em Redin (2011) remete-se o uso do conceito de “estratégia” para o campo das relações que compreendem os pequenos produtores e suas formas de desenvolvimento no meio rural contrapondo com as relações internas e externas a propriedade. Este autor afirma que:
“a estratégia é fruto de decisões tomadas em determinados contextos influenciadas por diversos elementos no tempo e no espaço. [...](E que) as estratégias são influenciadas por inúmeros fatores sociais, culturais, político-institucionais, econômicos, religiosos, legais, ambientais, etc. (relações externas); fatores estruturais, ambientais, de localização, saber fazer intergeracional, sociais familiares (relações internas), entre outros.”.
Na perspectiva de Wanderley (2001, p.27) “[...] a família define estratégias que visam, ao mesmo tempo, assegurar sua sobrevivência imediata e garantir a reprodução das gerações subsequentes”.
Para Artigiani e Arraes (2013) “o estudo de estratégias dos indivíduos ou grupos (família, por exemplo) está geralmente associada ao termo reprodução” (p. 3). Segundo a revisão proposta por estes autores, vários são os trabalhos que tratam desta questão sendo que a grande maioria parte da definição proposta por Bourdieu (1994).
De acordo com as definições de Bourdieu (1994), as estratégias podem ser divididas em cinco classes: a) estratégias de investimento biológico: são ligadas à fecundidade e as profiláticas - cuidado com o corpo; b) estratégias de sucessão: destinadas a garantir a transmissão de patrimônio entre as gerações; c) estratégias educativas: envolvem o uso da educação e conhecimento formal (escolas) e a ética que determinam o comportamento da família; d) estratégias de investimento econômico: que estão dirigidas ao aumento de capital em suas diferentes espécies, que podem envolver relações sociais como as estratégias matrimoniais e a reprodução biológica; e) estratégias de investimento simbólico: envolvem o reconhecimento, as percepções, as aparências do grupo familiar, tencionando positivamente, perante as pessoas da sociedade.
Para este autor, as estratégias das famílias seriam mediadas a partir da dinâmica social, caracterizada pela formação das condições de sobrevivência, o que geraria estratégias de reprodução.
Artigiani e Arraes (2013) citando o estudo de Sant’Ana & Artigiani (2002) definiram
“estratégias de reprodução como reações, alternativas ou adaptações, referentes a alguma restrição imposta pelas condições objetivas de trabalho e de vida; que tendem a ser edificadas com base em suas tradições e nem sempre são produto de ações conscientes e orientadas para determinados fins. Está relacionado não apenas a uma construção individual, mas pode referir-se à família ou a um grupo mais amplo.” (p.2).
As relações na agricultura assim como a reprodução social são processos dinâmicos os quais sofrem diversas influencias e variam de acordo com as especificidades locais, gerando uma heterogeneidade de contextos sociais. Essa heterogeneidade deriva de diversas transformações e adaptações constantes referentes à propriedade, às experiências anteriores, bem como o contexto externo que influenciam na tomada de decisão por determinadas estratégias na unidade de produção, levando em consideração ainda a forma de gestão da família se é mais integrada ao mercado ou mais autônoma (REDIN, 2011).
Sob a mesma ótica, Conterato e Schneider(2017) apontam que a reprodução dos pequenos produtores é entendida em suas múltiplas dimensões, pois não é mais possível uma análise que se limite somente aos aspectos produtivos, visto que é fundamental levar em consideração a diversidade dos problemas sociais e culturais que envolvem as tomadas de decisões individuais e coletivas dos indivíduos.
Exemplificando essa heterogeneidade das estratégias de agricultores familiares, pode-se citar Silva (2015) que em sua tese de doutorado apontou que apesar das dificuldades encontradas no espaço agrário, as famílias continuam encontrando formas de manter sua reprodução social através de diversas estratégias e, em sua pesquisa no município de Catalão em Goiás, encontrou que dentre elas destacam-se: a) produção diversificada de alimentos e de animais; b) atividades extra propriedade, como trabalhadores temporários e/ou diaristas; c) participação em feiras livres na cidade de Catalão; d) participação no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); e) comercialização de excedentes para vizinhos, mercearias, entre outros.
Assim, compreender como o manejo de bacurizeiros se insere na vida das famílias sob a ótica de estratégias de reprodução social é importante para conhecer e caracterizar estes atores sociais bem como ampliar os estudos sobre a heterogeneidade das estratégias adotadas por pequenos produtores do Nordeste Paraense e Marajó, não apenas pela ótica das lógicas produtivas como também valorizando aspectos que não são mensurados, ou seja, a experiência e conhecimento destas famílias adquiridos ao longo do tempo.
A pesquisa de campo ocorreu em municípios das Mesorregiões Nordeste Paraense e Marajó, no Estado do Pará, Brasil, devido a informação corrente de que são áreas produtoras que respondem pela maior oferta de frutos de bacuri. Segundo Cavalcante (1991), a área de maior concentração do bacurizeiro é o estuário do rio Amazonas, com ocorrência mais acentuada na microrregião do Salgado, no Marajó e em alguns municípios da microrregião Bragantina.
No Nordeste Paraense, as pesquisas foram realizadas com famílias dos municípios de Bragança, Tracuateua e Augusto Corrêa pertencentes à microrregião Bragantina, e no município de Maracanã, pertencente à microrregião do Salgado. No Marajó, foram realizadas nos municípios de Cachoeira do Arari, Salvaterra e Soure pertencentes à microrregião do Arari.
Os procedimentos metodológicos foram baseados em abordagens qualitativa e quantitativa. Brumer et al (2008) apontam que na abordagem quantitativa é possível generalizar os resultados para grupos semelhantes e na abordagem qualitativa examina-se em profundidade as qualidades de um fenômeno. A abordagem quantitativa foi realizada no intuito de generalizar os tipos de sistema de produção por município e a abordagem qualitativa foi realizada para compreender as motivações e transformações que ocorreram no interior do sistema de produção dos tipos encontrados.
A pesquisa contou tanto com dados primários quanto com dados secundários. Os dados secundários, que são aqueles existentes oriundos de diversas fontes, serviram de apoio para conhecer a economia local dos municípios estudados. Os dados primários foram obtidos através de questionários.
Essa pesquisa foi baseada nos instrumentos da metodologia de Análise de diagnóstico de Sistemas Agrários, proposto por Garcia Filhoet al., (1995), visto que os métodos permitiram identificar e caracterizar o sistema de produção das áreas avaliadas.
Foram definidas duas escalas de análise: a da região e dos pequenas propriedades buscando não apenas descrever e sim compreender as estratégias das famílias, com enfoque no manejo de bacurizeiros, para fazerem suas escolhas produtivas e tecnológicas, relacionando e posicionando-as numa perspectiva histórica, a fim de compreender a influência do sistema agrário e das variáveis socioeconômicas sobre as percepções, possibilidades e limitações dos agricultores.
Foi realizada uma análise de estudos pré-existentes através da documentação científica produzida pela Universidade Federal do Pará/UFPA, sob o Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural/NCADR, Embrapa Amazônia Oriental, base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES, revistas cientificas e livros.
Partiu-se da tipologia de manejo de bacurizeiros proposta por Matos (2008) para compor o questionário e analisar o sistema de produção das famílias entrevistadas. Como não existem estudos prévios no nível de estabelecimento ou dos sistemas de produção que caracterizem a produção de frutos de bacuri nestes municípios, visto que os dados que quantificam a produção do bacuri são enquadrados juntamente com produtos florestais não madeireiros (dados da produção agrícola municipal, produzidos pelo IBGE), buscou-se aplicar a maior quantidade possível de questionários. Dessa forma foram aplicados ao total 77 questionários entre os 7 municípios estudados, sendo 57 na Mesorregião Nordeste Paraense e 20 no Marajó.
Para realização do levantamento de campo, optou-se por uma amostragem intencional, considerando-se somente os pequenos produtores que possuem bacurizeiros em suas propriedades e que realizavam algum tipo de comercialização dos produtos. Segundo Marconi e Lakatos (1996) a amostra intencional é a mais comum entre aquelas consideradas não-probabilísticas e por isso não permite fazer generalizações dos resultados mas é válida, dentro de um contexto específico, para dar suporte às interpretações dos dados secundários buscando-se caracterizar os sistemas de manejo de bacurizeiros desenvolvidos pelos agricultores familiares.
Os pequenos produtores foram entrevistadas seguindo a técnica metodológica snowball, (“Bola de Neve”) a qual é uma forma de amostra não probabilística utilizada em pesquisas onde os participantes iniciais de um estudo indicam novos participantes que por sua vez indicam novos participantes e assim sucessivamente, até que seja alcançado o objetivo proposto. De acordo com Vinuto (2014), esta técnica é um método de amostragem de rede útil para se estudar populações difíceis de serem acessadas ou estudadas ou que não há precisão sobre sua quantidade.
O questionário abordou temas gerais sobre a família e o estabelecimento, assim como, focou o manejo de bacurizeiros e sua relação com as outras atividades agrícolas. Foram analisados: identificação do informante (nome, naturalidade, profissão, idade); Composição familiar (quantidade de pessoas, idade, se trabalham fora da propriedade, que tipo de trabalho); Aspectos da produção dos bacurizeiros (informações gerais sobre a característica das árvores, catação dos frutos, tipo de fruto, beneficiamento da polpa do fruto, comercialização); situação fundiária da propriedade; estrutura da propriedade; uso da terra ( tamanho da área de mata, tamanho da área de cultivos, etc.) e composição da renda familiar.
A partir do levantamento socioeconômico realizado nas Mesorregiões do Nordeste Paraense e Marajó, foram analisados os dados de maior relevância que permitisse gerar o perfil dos agricultores que realizam o manejo de bacurizeiros e que realizam algum tipo de comercialização dos frutos ou da polpa de bacuri.
5.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PEQUENOS PRODUTORES ENTREVISTADOS
Do total de entrevistas realizadas, obteve-se que aproximadamente 98% dos entrevistados das Mesorregiões do Nordeste Paraense e 95% do Marajó são naturais do estado do Pará. Dentre as pessoas entrevistadas 65% das pessoas eram do sexo masculino e 35% do sexo feminino.
As idades das pessoas entrevistadas tiveram maior concentração na faixa etária entre 31 a 50 anos, sendo 37% no Nordeste Paraense e 50% no Marajó.
De acordo com a Tabela 2 nota-se que a grande maioria dos pequenos produtores possuem famílias com até 4 membros. De acordo com Schneider (2003), a racionalidade familiar busca uma otimização na utilização de terra, capital e força de trabalho, estabelecida a partir do tamanho da família e seu grau de auto-exploração em relação às condições objetivas dos meios de produção. A composição e a união entre a unidade doméstica (de consumo) e a unidade de produção, é o que faz com que a família funcione como um todo, principalmente no que se refere à gestão da renda.
Em relação a escolaridade das famílias, foi realizado um extrato da composição familiar e verificou-se que na faixa etária de 6 a 15 anos, todos os membros das famílias frequentam escolas, tanto na Mesorregião Nordeste Paraense quanto no Marajó. Já na faixa etária de 16 a 25 anos, essa média passa para 43% e 40% respectivamente (Quadro 1). As pessoas entrevistadas acima de 55 anos não têm acesso às escolas nos municípios estudados.
Dentre os principais motivos pela baixa escolaridade apontados pelos produtores destacam-se a necessidade de começar o trabalho em atividades agrícolas visto a pouca quantidade de mão de obra disponível nas famílias, além do acesso às escolas que geralmente são distantes. Entre o público acima de 55 anos os motivos apontados foram a falta de interesse e a grande distância das escolas. Um dado Importante é que todas as famílias que possuíam crianças e adolescentes de até 16 anos tinham acesso ao recurso do Bolsa Família, e este fator foi evidenciado como estímulo aos pais para manterem seus filhos frequentando as escolas regularmente.
Com relação a característica das moradias das famílias, os dados levantados apontaram que a maioria é de alvenaria nas duas Mesorregiões estudadas. Em pesquisa feita por Menezes (2010) as moradias predominantes eram de taipas 2, o que indica melhoria de condições de vida entre as famílias que realizam o manejo de bacurizeiros, visto que pelo menos 10% das pessoas entrevistadas nas duas Mesorregiões afirmam que utilizam o valor gerado na safra do bacuri para investir na compra de materiais de construção e na construção da casa. De acordo com os dados da pesquisa, as moradias de taipa nos municípios estudados representam a menor frequência de moradia das famílias com apenas 5% das entrevistas, e as moradias de madeira representam 14% nas Mesorregiões do Nordeste Paraense e 10% no Marajó.
Em relação a fonte de água para uso doméstico, observou-se que a maioria das famílias possuem poços artesianos tanto nas Mesorregiões Nordeste Paraense quanto no Marajó. Em pesquisa anterior realizada por Menezes (2010) com famílias produtoras de bacuri, a grande maioria possuía poços amazônicos como principal fonte de água. Um dado importante que foi levantado é o sistema de abastecimento de água realizado nas comunidades do Marajó. Nessas comunidades já havia água encanada sem o pagamento de taxa, representando 40% das famílias entrevistadas e com o pagamento de taxas variando de R$6,00 a R$15,00, representando 15% (pesquisa de campo, 2017). Nos Quilombos visitados, todas as famílias entrevistadas já possuíam água encanada pelo sistema de abastecimento da comunidade.
Em relação ao tamanho das propriedades observou-se que 26% das famílias entrevistadas no Nordeste Paraense possuem áreas de 1 a 10 hectares, 26% áreas de 21 a 50 hectares, 11% com áreas menores que 1 hectare e 16% das famílias entrevistadas não souberam informar o tamanho da propriedade. Já no Marajó a maioria das famílias entrevistadas possuíam áreas menores de 1 hectare representando 30%, áreas com até 10 hectares representando 25% e 10% não sabiam informar. A maioria dessas famílias que não souberam informar o tamanho de suas propriedades tiveram suas áreas adquiridas através de herança e devido à divisão com outros parentes não sabiam ao certo o tamanho dos lotes.
A área destinada ao manejo de bacurizeiros varia de acordo com o tamanho das propriedades, mas em geral equivale até a 25% do tamanho das propriedades.
Na Mesorregião do Nordeste paraense notou-se que 51% dos entrevistados adquiriram suas propriedades através de herança e 35% através de compra e no Marajó foram 60% e 30% respectivamente. Para Carneiro (2001), a sucessão patrimonial é um processo de essencial importância para os pequenos produtores, visto que constitui transferência de responsabilidades, a seguridade da reprodução social indo além que a simples transferência de terra.
No Marajó, 20% recebeu financiamento pelo menos uma vez nos últimos 20 anos e utilizou o recurso para cultivar abacaxizeiro (Ananas comosus). Das 57 famílias entrevistadas na Mesorregião do Nordeste Paraense, 17 famílias, ou seja, 23% receberam algum tipo de financiamento e utilizaram o recurso predominantemente na roça de mandioca. O acesso ao crédito é importante para impulsionar a agricultura, principalmente para propriedades que possuem famílias pequenas ou sem condições de força de trabalho que necessitam da contratação de mão de obra, porém existem diversos entraves que dificultam a liberação do recurso às famílias, como a falta de informação em como acessar o crédito, falta de documentação das propriedades e outros fatores.
Do total das 20 famílias entrevistadas no Marajó, 20% possuem outra propriedade agrícola com área total de no máximo 2 hectares. Na Mesorregião do Nordeste Paraense, das 57 famílias entrevistadas, 10 famílias, ou seja 17,5% possuem outra propriedade agrícola com áreas que variam de 1 a no máximo 50 hectares.
Buscou-se observar o conforto e bem-estar dos agricultores que vem praticando o manejo do bacurizeiro e os principais bens duráveis disponíveis nas pequenas propriedades. Observou-se que a televisão está disponível na grande maioria das propriedades nas duas Mesorregiões e constitui-se na principal fonte de informação entre as famílias pesquisadas. No Marajó observou-se que 50% das famílias possui moto como meio de transporte. O fogão a gás e geladeira já são encontrados na maioria das pequenas propriedades tanto na Mesorregião do Nordeste Paraense quanto no Marajó. Um bem que antes era pouco frequente entre as famílias e que agora se mostra presente em 65% entre as entrevistas realizadas no Marajó, é o freezer. A presença de diversos bens duráveis nas famílias pesquisadas demonstra uma melhoria de vida que pode ser atribuída à valorização do fruto do bacuri e da comercialização de polpa, pois estudo realizado por Menezes (2010) demonstraram outra realidade para famílias produtoras de bacuri.
Nesta seção propõe-se identificar e caracterizar as atividades produtivas, que compõem os estabelecimentos agrícolas, num sistema de produção, a partir do entendimento de “Sistemas” proposto por Bertalanffy (2008), o qual define que as partes constituintes de um sistema não podem ser analisados isoladamente e sim como um conjunto organizado e complexo. Posteriormente, é realizada uma análise sobre as estratégias de reprodução que foram identificadas entre as famílias entrevistadas.
Nos municípios estudados, foram observadas uma variedade de espécies frutíferas destinadas para o consumo familiar, distribuídas nos quintais próximos das residências bem como uma série de atividades realizadas fora da unidade de produção.
As atividades agrícolas possuem finalidade tanto de autoconsumo familiar quanto para comercialização, com exceção da roça de abacaxizeiro no Marajó que é totalmente voltada para comercialização.
A atividade agrícola denominada bacurizeiros manejados se referem às áreas em que as famílias mantém destinando força de trabalho ao longo do ano para manter a área limpa, seja por harmonização dos quintais ou visando a produtividade dos frutos.
O extrativismo animal nesta pesquisa se refere exclusivamente à coleta de caranguejo, visto que não foi registrado nenhuma família que realize algum tipo de caça. O extrativismo do caranguejo foi identificado como predominantemente para autoconsumo entre as famílias entrevistadas. Poucas famílias realizavam o extrativismo para fins de comercialização, mas entre as que praticavam o valor da unidade variou de R$1,00 a R$2,50 e de R$ 30,00 a R$60,00 o quilo da polpa (pesquisa de campo, 2017). Foi informado que uma pessoa pode catar até 70 caranguejos numa manhã, dependendo das condições da maré.
Entre as atividades não agrícolas notou-se uma nova atividade que é exclusivamente realizada por mulheres, que são as tiradoras de polpa de bacuri. Essa atividade ocorre da seguinte maneira: os atravessadores ou marreteiros (que são os compradores do fruto) reúnem em um local as tiradoras de bacuri que cortam e embalam a polpa em sacos de 1 kg. A remuneração dessa atividade ocorre por semana, sendo que cada mulher recebe o valor de R$2,00 por quilo de polpa. Cada pessoa tira em média 5 quilos por dia, recebendo geralmente aos sábados o valor de R$50,00 (pesquisa de campo, 2017).
A atividade não agrícola com destaque observada em todas as comunidades pesquisadas foi o comércio informal, que são pequenos produtores com venda de produtos alimentícios, vestuário e perfumaria, oferecendo também serviços de bar. Alguns desses comércios realizavam a venda de gasolina comercializadas em garrafas pet e botijões de gás.
No caso das famílias pesquisadas, observa-se que o resultado de escolhas individuais e coletivas se faz em função das possibilidades e restrições com que essas famílias se deparam. Sendo assim, pode-se afirmar que as estratégias desenvolvidas pelos membros priorizam a reprodução social da família.
Nesse contexto, é importante destacar as estratégias desenvolvidas pelas famílias nesta pesquisa de campo que são: o manejo de bacurizeiros, a diversificação da produção, a produção para o autoconsumo e o emprego em atividades não agrícolas.
5.2.1 O Manejo de bacurizeiros como estratégia de reprodução social
Nesta pesquisa pode-se afirmar que o manejo de bacurizeiros constitui-se uma importante estratégia de reprodução social das famílias entrevistadas por diversos fatores. Um deles é que a renda obtida através da venda dos frutos ou da polpa, é utilizado por algumas famílias para financiar outras atividades do lote, como por exemplo o pagamento de mão de obra para ajudar na atividade da colheita da mandioca e produção de farinha, para compra de insumos como adubos químicos entre outros.
Outro fator importante é que com a valorização do fruto as famílias passaram a conduzir seus terrenos com o manejo de bacurizeiros produtivos como uma forma de valorização financeira do imóvel da família.
A venda de frutos também se constitui importante para as crianças da família, visto que o período de maior safra corresponde com o período de retorno escolar, onde as crianças procedem a compra de calçados e material escolar.
A renda obtida através da venda dos frutos e polpa geralmente é utilizada para comprar alimentos pela maioria das famílias, mas também para comprar vestuário, medicamentos e material de construção para melhoria das moradias.
Dessa forma pode-se afirmar que o manejo de bacurizeiros constitui-se em uma estratégia capaz de garantir a permanência dessas famílias no campo.
5.2.2 Diversificação da produção
Uma das estratégias de reprodução social nas comunidades pesquisadas é a diversificação produtiva verificada pelas pesquisas de Lamarche (1993), Mendes (2005) Casari (2006), entre outros. Essa diversificação destina-se além de atender o consumo familiar, como também busca manter um certo grau de envolvimento com o mercado para atender as necessidades das famílias para comprar os produtos que não são produzidos no estabelecimento. Esta diversificação de produção constitui também uma estratégia de diminuir o risco frente às oscilações dos preços dos produtos agrícolas. Mas pode ser também uma opção na ampliação de renda e investimentos na propriedade, como também foi observado por Casari (2006) entre os agricultores do município de Fernandópolis em São Paulo.
Verificou-se que 88% das famílias entrevistadas desenvolvem entre 4 e 6 atividades agrícolas na propriedade as quais são utilizadas para seu consumo, sendo comercializado o excedente, como no caso da criação de animais (suínos e aves); cultivos como o feijão, o milho, o arroz, e principalmente a mandioca para a produção de farinha, além da variedade de frutas regionais como bacuri, cupuaçu e açaí mantidos nos quintais.
Segundo Ellis (2000) a diversificação produtiva é uma estratégia que os grupos domésticos desenvolvem em suas propriedades para diversificar seus meios de vida ou estratégia de vivência, estabelecendo alternativas com várias atividades e recursos para sobreviver e melhorar suas condições de vida.
5.2.3 Autoconsumo
O autoconsumo permanece uma estratégia recorrente entre os agricultores familiares sendo de fundamental importância para a reprodução social destas unidades (GRISA e SCHNEIDER, 2008). Gazolla (2004) afirma que o autoconsumo é responsável por reduzir a vulnerabilidade e insegurança alimentar das famílias, o que contribui para minimizar a pobreza no meio rural
A criação de aves (galinhas, frangos) surgiu em 88% das propriedades pesquisadas. Constatou-se que o objetivo principal dessas atividades é atender ao consumo familiar e comercializar o excedente da produção. Para o agricultor, o desenvolvimento da atividade de criação de animais representa uma contribuição na produção do alimento para a família e em um complemento da renda, pois poderá vender os animais (frangos e suínos) e produtos como os ovos.
O frango caipira, como é chamado, tem certa procura pelos consumidores urbanos, sendo que a venda se realiza diretamente na propriedade rural entre o produtor e o consumidor ou mediante encomendas.
Em relação ao bacuri, as famílias costumam consumir os frutos pequenos, de menor valor comercial, tanto in natura como para tirar polpa para fazer doces.
5.2.4 Trabalho em atividades não agrícolas
O desenvolvimento de atividades não agrícolas é uma estratégia adotada pelas famílias cuja renda obtida na propriedade é insuficiente para garantir o seu sustento, principalmente no caso de famílias que possuem poucos membros que possam fornecer força de trabalho no lote agrícola.
No Marajó 10% dos entrevistados possuem pelo menos um membro da família com salário formal e 30% realizam a venda de mão de obra temporária seja em serviços de construção civil, como roçadeiros ou como diaristas. No Nordeste Paraense, 8,77% das entrevistas possuem algum membro da família com salário formal e 12,28% realizam a venda de mão de obra em serviços temporários. Os dados demonstram que a participação das famílias em atividades não agrícolas é uma estratégia de reprodução social que vem contribuindo para a geração de renda e manutenção das famílias.
5.2.4.1 Transferências goveridntais no meio rural
O papel das transferências goveridntais como aposentadoria, Bolsa Família e seguro defeso, além de contribuir no orçamento familiar, também é capaz de influenciar o nível de atividade econômica.
No Nordeste Paraense, 43.85% e no Marajó 30%, das entrevistas possuem um aposentado ou dois em sua família recebendo o valor de um salário mínimo. Para Biochi & Schneider (2003), as aposentadorias têm permitido a viabilização de muitas famílias rurais, mesmo que sua contribuição seja apenas na manutenção dos pequenos produtores baseados quase que exclusivamente à subsistência e ao autoconsumo.
Em relação ao recebimento de Bolsa Família, constatou-se que no Nordeste Paraense 42,10% e no Marajó 40% recebem este benefício. Foram encontradas de 1 até 6 benefícios por família, sendo que os valores variam entre R$ 87,00 a R$ 680,00 (Pesquisa de campo, 2017).
Diversos autores já debateram sobre o papel do bolsa família nas comunidades rurais. Por um lado, existem os que apontam as transferência de renda como um meio de acomodação, onde as famílias deixam de trabalhar (MARINHO et al., 2011). Por outro lado existem os estudos que comprovam o aspecto positivo, como Castilho e Silva (2014) que em sua tese demonstra a escolarização das crianças e a ausência destas como força de trabalho nos lotes agrícolas. Nesta pesquisa este dado também pôde ser observado visto que todas as famílias, tanto no Nordeste Paraense quanto no Marajó, possuem todos os filhos de até 15 anos frequentando escolas.
Diante dos resultados da pesquisa, notou-se que muitas famílias utilizam estes recursos para fazer investimentos no lote agrícola, como pagamento de mão de obra, compra de ferramentas entre outras, além de suprir as necessidades dos idosos como medicamentos, e contribuir na manutenção das famílias. Sendo assim, pode-se afirmar que estas rendas são de fundamental importância na composição das estratégias de reprodução das famílias entrevistadas.
As principais estratégias de reprodução adotados pelos pequenos produtores do Nordeste Paraense e Marajó foram manejo de bacurizeiros, diversificação da produção, autoconsumo e trabalho em atividades não agrícolas. Notou-se que o manejo de bacurizeiros a fim de aumentar a produção de frutos, relaciona-se com várias outras atividades da família, influenciando na gestão da mão de obra familiar e no conjunto de estratégias da família.
São poucos os trabalhos acadêmicos sobre o bacurizeiro e pesquisas com o objetivo de perceber a espécie e outros produtos florestais não madeireiros (PFNM) como parte integrante do sistema de produção na Amazônia (MEDINA & FERREIRA, 2003). São importantes trabalhos de campo que busquem resgatar o conhecimento das pessoas que vem manejando suas áreas com bacurizais e a importância que elas têm atribuído ao fruto. Dessa forma é importante que o governo fomente esta atividade através do fornecimento de crédito para agricultores familiares voltados ao manejo de bacurizeiros para suprir a necessidade da contratação de mão de obra para os anos iniciais de manejo, bem como realize parcerias com as Instituições de pesquisa como a Embrapa Amazônia Oriental e Universidades a fim de promover a capacitação dos agricultores para realizar o manejo de bacurizeiros de forma consciente, eficiente e sustentável. Através destas parcerias, o governo poderia oferecer aos produtores capacitações tecnológicas organizacionais e empreendedoras para que as comunidades possam através de cooperativas oferecer um produto final de maior qualidade para o consumidor, o que também agregaria valor e consequentemente um maior desenvolvimento da região.
O manejo de bacurizeiros constitui-se, portanto, uma estratégia familiar importante para a manutenção das famílias no campo e apresenta potencial de crescimento capaz de atender demanda de exportação, importante para geração de emprego local e regional.
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