Jaqueline Sousa de Araújo*
Josué da Costa Silva**
Ufac, Brasil
Email: jaquelinesaraujo@gmail.com
RESUMO: A segurança pública é fator de maior preocupação da sociedade brasileira, liderando todos os índices de pesquisas de opinião pública. A crescente estatística de homicídios ocorridos na capital acreana, nos últimos cinco anos, evidenciam uma realidade caótica para o aumento da sensação de insegurança da população. Nessa acepção objetiva-se analisar a distribuição espacial e temporal das mortes violentas no Acre, nos anos de 2012 a 2016 e uma abordagem sobre as causas determinantes do aumento de homicídios dolosos na capital. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida numa abordagem hipotético-dedutiva, baseada nas informações dos órgãos que compõem o Sistema de Justiça Criminal e adotou-se a metodologia de Libault, para os raciocínios simples e elementares numa articulação lógica entre as operações de análise e tratamento de dados estatísticos em geografia, de forma que foram considerados um conjunto de variáveis que representam o comportamento desses eventos no espaço e no tempo, atinentes ao modus operandi. Como resultado, percebeu- existir um avanço exponencial das organizações criminosas no estado do Acre, refletidos principalmente na capital.
Palavras-chave: Cartografia. Mortes Violentas. Organizações Criminosas. Segurança Pública.
RESUMO: Security is a major concern of Brazilian society, according to many public opinion surveys32 . The growing statistics of homicides in the capital of Acre in the last five years show a chaotic reality to increase the sense of insecurity of the population.
In this sense, the objective is to analyze the spatial and temporal distribution of violent deaths in Acre in the years 2012 to 2016 and an approach on the determinant causes of the increase of intentional homicides in the capital. To do so, the research was developed in a hypothetical-deductive approach, based on the information of the organs that make up the Criminal Justice System and adopted the Libault's methodology for simple and elementary reasoning in a logical articulation between the analysis and treatment operations of statistical data in geography, so that they were considered a set of variables that represent the behavior of these events in space and time, related to the modus operandi. As a result, there has been an exponential advance of criminal organizations in the state of Acre, mainly reflected in the capital.
Keywords: Cartography. Violent Deaths. Criminal organizations. Public security.
32 Data Folha Institute to the “Anuário Brasileiro de Segurança Pública – FBSP” Brazilian Public Security YearbookPara citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Jaqueline Sousa de Araújo y Josué da Costa Silva (2019): “A cartografia das mortes violentas no estado do Acre – 2012 a 2016”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (marzo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/03/cartografia-mortes-violentas.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1903cartografia-mortes-violentas
INTRODUÇÃO
Nas últimas três décadas, intensificaram-se os estudos sobre a criminalidade e a violência. Enquanto perspectiva acadêmica, as bases teóricas que nortearam esta pesquisa são evidenciadas de forma multidisciplinar, adentrando outras ciências como a Filosofia, a Sociologia e a História.
Dentro desta perspectiva, das bases teóricas, refaz-se o percurso da importância da ciência geográfica aos estudos sobre essa temática, a partir das prerrogativas dos geógrafos que discutem elementos essenciais, o que nos possibilita estabelecer uma relação explicativa entre os conceitos e suas recíprocas variações. Durante as narrativas, Haesbaert, Raffestin e Saquet, nos situaram sobre o espaço geográfico durante todo o processo científico. Trata-se de um resgate em que a ciência perpassa por diferentes causas e efeitos da violência, como um produto social, o que permite analisar todo o desencadeamento de um fenômeno que se encontra arraigado à sociedade mundial e que permanece resistente e cada vez mais atuante.
Segundo Bordin (2009), no Brasil, é crescente, na Geografia, as produções científicas relacionando a violência e o crime urbano, de forma a contribuir no aspecto da espacialização da criminalidade, bem como, na compreensão de como esses fatos originam-se e quais as consequências que eles geram, pautando em outras áreas do conhecimento científico.
É nesse contexto que destacamos Batella, Diniz e Teixeira (2008, p. 22), ao afirmarem que os primeiros estudos que envolvem a geografia do crime ocorreram na década de 70, nos EUA. No Brasil, pesquisadores geógrafos da PUC de Minas Gerais passaram a atentar para o espaço mais criticamente, realizando trabalhos que merecem destaque ao tratar sobre o fenômeno da criminalidade nas cidades médias mineiras.
É salutar definir a fenomenalidade urbana, tal qual o que seria inerente aos espaços potencialmente urbanos, onde o fenômeno delitivo acontece, ao passo que insta saber em que medida a urbanidade, ou sua ausência, interfere nas manifestações da violência.
Tal fenomenalidade apresenta uma escala e fisionomia progressivas. São notórios a mudança e o seu alcance, sobretudo o olhar que a sociedade lança sobre determinados tipos de crime, ou ainda, sobre as populações despossuídas e desprestigiadas (por status ou origem), que são quem, presumidamente, comete os crimes; sobre o lugar que elas ocupam na cidade e, sobretudo, a representatividade que essas populações podem estar sujeitas nos campos político e jornalístico.
Para Francisco Filho (2003, p. 27), uma geografia do crime configurar-se-ia da seguinte forma:
O espaço urbano se apresenta como algo complexo, campo onde as relações humanas se estabelecem e se cristalizam nas suas formas e nas relações entre elas. É nesse espelhamento entre as ações e sua dinâmica no território que surge uma geografia do crime, em que cada ação de quebra da ordem e, consequentemente, de um ato de violação dos direitos do cidadão, adquire uma dinâmica e personalidade própria, estabelecendo um conjunto de ações que se interligam a outros fenômenos urbanos, interferindo e moldando a percepção que cada indivíduo passa a ser do espaço onde vive, estabelecendo novas texturas e morfologias no crescimento do tecido urbano, como consequência final de todo o processo.
Essa configuração apresentada pelo autor pode representar a condição da maioria dos espaços, ao passo que denota a manifestação de sentimento de insegurança. Nesse contexto, Bauman (2007, p.7) expõe a passagem da fase sólida da modernidade para a líquida.
[...] ou seja, para uma condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotina, padrões de comportamento aceitáveis) não podem mais manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o façam), pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las, e uma vez reorganizadas, para que se estabeleçam.
Para ilustrar esse ponto, o sociólogo destaca que estamos vivendo em um estado de interregno1 , um momento no qual as pessoas não sabem o que fazer, onde as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais, diluindo certezas, crenças e práticas.
O Brasil é o primeiro lugar no mundo em mortes por armas de fogo2 , são 43,2 mil vítimas; a violência gerou 3,5 vezes mais mortes do que todos os ataques terroristas3 no mundo em 2017; o País ocupa o quinto lugar no ranking mundial4 de feminicídio; a cada cinco segundos, uma criança de menos de 15 anos não sobrevive a doenças, violência ou acidentes no mundo, em 2017, 6,3 milhões morreram5 ; o Brasil, com uma população carcerária de 725 mil pessoas em 2017, figura em terceiro lugar no ranking mundial de países que mais aprisionam 6. Atualmente, o Brasil é o oitavo país em números absolutos de suicídio no mundo7 , as vítimas, jovens entre 15 e 29 anos, que configuram uma morte a cada 45 minutos; ocupamos o quarto lugar em corrupção8 , em escala mundial; em 2017, foram 71 massacres, camponeses e lideranças, em conflitos agrários 9; ocupamos a primeira posição em assassinatos a indígenas, ambientalistas e ativistas, foram 57 mortes em 201710 , a grande maioria das vítimas lutava pela proteção e conservação da Amazônia.
Em 2017 pela primeira vez que a taxa de mortes violentas no Brasil, ultrapassou o patamar de 30 casos por 100 mil habitantes ficando com o índice em 30,8. A título de comparação, a média mundial é de 7,5 mortes por 100 mil habitantes, segundo estudo da ONG internacional Small Arms Survey, realizado com dados de 2016.
Esses dados e outros relatórios são contabilizados e divulgados oficialmente, é a violência explícita, que deveria nos levar a refletir sobre as consequências psíquicas e morais da vitimização da violência, que atinge diretamente não somente quem morre, mas o que sobrevive e aos seus familiares, traumas tão graves que marcam por toda a vida.
Estas são as primeiras palavras deste artigo, uma breve introdução a uma pauta crítica nacional e que, o interesse de grupos de pesquisadores da geografia na temática, talvez seja um alento para o final desse campo dramático.
A marca de mais de 60 mil homicídios nos últimos dois anos11 , é um dos piores cenários enfrentados pela sociedade brasileira. Falar sobre a criminalidade violenta na atualidade é um tanto complexo. E entre as vítimas estão: negros, jovens, pobres, de baixa escolaridade e moradores da periferia.
Diante desse cenário, poderíamos considerar que o traço que nos singulariza nos últimos anos tem sido a violência? Pesquisadores demonstram que a violência tem multissignificações, e para a academia, em particular, para a geografia, é desafiador compreender o enraizamento social desconsiderando a violência como um dado normal das relações sociais, sobretudo em um país onde há segmentos sociais, políticos e econômicos, fortemente interessados em propostas potencialmente indutoras da violência.
Violência: um fenômeno multifacetado
Durante a pesquisa, constatamos a vasta literatura e o interesse de pesquisadores ao conceituar a violência demonstrando suas multissignificações. Os conceitos aqui apresentados, não pleiteiam apresentar uma concepção integral e acabada do que “significa” a violência, do seu enfrentamento ou ainda de concepções relacionadas em suas várias faces. Destarte que, não há um conceito universal que estime todos os atos percebidos socialmente como violentos.
Nesta perspectiva, a criminalidade é o resultado da violência, e esta não se reduz a manifestação mais explícita, a da agressão física, mas sobretudo, pela forma que está diluída no cotidiano, implícita, e rotineiramente se manifestando como um ato natural, cuja fundamentação não é interpretada ou diagnosticada.
Teoricamente, a violência12 , se apresenta como um problema social e, portanto, não sendo exclusiva de nenhum setor e assim, contribuindo com a evolução destas questões teóricas, Gauer (1999, p. 13) denota:
[...] que a violência é um elemento estrutural, intrínseco ao fato social e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção. Esse fenômeno aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano.
Caldeira (2000, p.57) reforça que “as experiências de violência tendem a ser específicas em cada classe. Embora todos os grupos sociais sejam vítimas do crime”, corroborando às teorias de Gauer de que não há um grupo “privilegiado” ou potencial, a violência sempre esteve presente e em todos os grupos sociais, sendo as classes trabalhadoras as mais vitimizadas pelos crimes violentos.
De um modo contrário aos princípios básicos e gerais que orientam o pensamento humano, Gauer (1999, p. 14) esboça que,
[...] os tempos atuais assistem a uma escalada da violência com uma maior sensibilidade frente ao sofrimento humano. Os ícones da violência massificada no presente século trazem como resultado um estado geral de indiferença, no qual o bem e o mal expostos ao olhar, sem intermediação, tornam-se um simples dado do cotidiano, entre tantos outros, e talvez não o menos incômodo. Estabelece-se um estado de apatia, de tranquila “aceitação”, tanto nos que aplicam a violência, direta o indiretamente, como naqueles que a sofrem diuturidnte.
Esta premissa é apontada por Arendt (1989, p. 128) ao tratar sobre a aceitação da sociedade quanto a banalização e rotinização da violência, sobretudo ao excesso que tende a se cristalizar como um ato difícil de ser controlado,
A perversidade humana, quando é aceita pela sociedade, transforma-se, e o ato deliberado assume as feições da qualidade psicológica inerente, que o homem não pode escolher nem rejeitar, que lhe é imposta de fora e que o domina de modo tão compulsivo como a droga domina o viciado. Ao assimilar e transformar o crime em vício, a sociedade nega toda responsabilidade e estabelece um mundo de fatalidades no qual os homens se veem enredados.
As formulações teóricas conceituais sobre a violência, em Hannah Arendt, são expressas no conjunto de sua obra, é a luz desse entendimento, que a concepção arendtiana é centrada na condição humana, possibilitando um olhar que abrange o fenômeno em sua complexidade.
Com base no exposto, a postura crítica de Arendt (2016, p. 23) é expressiva, indicando o quanto a violência e sua arbitrariedade foram consideradas corriqueiras e, portanto, negligenciadas ao afirmar que “ninguém que se tenha dedicado a pensar a história e a política pode permanecer alheio ao enorme papel que a violência sempre desempenhou nos negócios humanos, e, à primeira vista, é surpreendente que a violência tenha sido raramente escolhida como objeto de consideração especial. ”
Na obra “Sobre a Violência”, Arendt (2016, p. 73) compreende, que poder e violência não se coadunam, embora sejam fenômenos distintos, usualmente aparecem juntos, onde quer que eles se destaquem, o poder é o fator primário e predominante, “onde um domina absolutamente, o outro está ausente. ”
É a luz desse entendimento que Chauí (2017, p.35) ressalta a definição e magnitude da violência como:
1. Tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2. Todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3. Todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4.Todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade definem como justas e como um direito (é espoliar ou a injustiça deliberada).
Diferentemente, vemos em Foucault uma relação entre força e poder, que difere no discurso de Arendt. Para Foucault, o poder se encontra por toda parte. O poder são as ações que ora se encontram no campo do direito, ora o campo da verdade. O poder deve ser entendido como uma relação flutuante, não está numa instituição e nem em ninguém, assim, para estabelecer o poder é preciso força.
Apesar da contrariedade nas acepções de Arendt e Foucault, consideramos que há uma proximidade nas abordagens discursadas. Quando a concepção arendtiana denota que a violência destrói o poder, e não o cria, mesmo considerando esse contexto, mas refletindo sobre os dados, acreditamos que as abordagens se aproximam. Se o poder não está presente quando a violência está, mas implicitamente a violência está com quem está no “poder”, e se utiliza dela para manter o uso de violência para “corrigir a própria violência”13 de forma que contribui sobremaneira para as análises dos dados e o seu entendimento. Ambos, os teóricos, norteiam a violência e é a partir desta, como objeto da pesquisa que, ora percebemos que a violência não está presente, mas o poder sim.
Nesta compreensão, retomamos o que diz Bauman (2009) ao tratar da fluidez dos processos sociais, o qual denota que não somente a sociedade está se dissolvendo, mas as relações sociais hoje são muito fluídas e se reconfiguram com muita facilidade, talvez as questões de resposta à violência já estejam dissolvidas dentro do processo social e que precisamos de um novo olhar para essas questões, um olhar mais humano, mais integrador, e sobretudo, seja a forma que temos de superar esse aspecto da violência, ou ainda, refletir sobre alternativas para vencê-la, diante da direção que se dá por uma série de valores e situações já dissolvidas, relações e estruturas sociais.
Espaço e território como categorias de análise geográfica
Geógrafos e outros teóricos como Haesbaert, Raffestin e Saquet delineiam o discurso do processo de análise geográfica empregados nesta pesquisa.
Adentrando nessa discussão, pontuamos na Geografia, o espaço como categoria e que se impõe ao conceito de território, e neste, discutiremos a problemática do poder em sua relação indissociável com a produção do espaço geográfico, e nesse viés, se torna o fio condutor para a compreensão dos motivos pelos quais esse mesmo espaço torna-se o lócus da desigualdade e, portanto, reflexo da violência.
Nesta perspectiva, o conceito de território utilizado coaduna-se com as reflexões propostas por Haesbaert (2014), Raffestin (1993) e Saquet (2015), norteamos a pesquisa, onde o território é visto como espaço delimitado, controlado, sobretudo no evidente exercício de algum tipo de poder, a relação entre território e poder, é aqui discutida, na perspectiva preeminente de que para existir o território, o poder está implícito nesta relação dialética, e a forma como os grupos sociais se espacializam, colidem na sua definição territorial.
Em vista disso, Haesbaert (2014, pág. 55) “(...) toma o pressuposto de que espaço, enquanto espaço geográfico, ou seja, aquele que parte da abordagem sobre a relação sociedade/natureza, é mais amplo que território – este sendo visto como um olhar sobre o espaço geográfico que coloca seu foco nas relações de poder, isto é, enfatiza as relações espaço/poder”.
Ainda em Haesbaert (2014, pág. 54), em sua definição territorial, reforça avaliar o uso que esses “agentes” fazem do território enquanto uma categoria da prática, que “por seu uso indiscriminado e sem rigor, acaba não tendo a capacidade problematizadora, explicativa e mesmo mobilizadora que poderia ter.”
Nestes termos, definidos por Haesbaert (2014), enquanto categoria da prática, sobretudo no uso frequente e para consubstanciar as análises nas discussões dos resultados, usamos o território da violência e a zona da violência, haja vista que, o fenômeno da violência e as naturezas criminais acontece no que é o conceito do primeiro e os agentes têm apenas uma relação com este território enquanto prática e aqui, no contexto, a prática delinquente.
Enquanto “zona”, sem colidir conceitualmente, tratamos como o local onde esse agente não se sente ameaçado, é a zona de conforto14 , é o local onde ele, o agente, ainda que delinquente, se identifica. A concentração de vários agentes e um local, definido ora pelos resultados das análises, ora por declaração15 , definimos como zona de violência.
Destacamos as premissas de Raffestin (1993) e Saquet (2015 p. 86) onde denotam que “o território é um lugar de relações a partir da apropriação e produção do espaço geográfico, com o uso de energia e informação, assumindo, desta maneira, um novo significado, mas sempre ligado ao controle e à dominação social. ”
Esta relação de poder, modifica o espaço então territorializado, firmando-se na perspectiva de um novo ponto de espaço, ora disputado por diversas vertentes ou atores, a exemplo, as igrejas, as lideranças comunitárias, e as organizações criminosas que se estabelecem num espaço desenvolvendo suas práticas delitivas. Para Raffestin (1993) não existe vazio de poder, onde o Estado não se faz presente, os agentes16 tendem a se territorializar.
O território, como projeção espacial de uma relação de poder, perfaz uma relação social vigente conforme o tempo em que foram determinados, assim, são caracterizados como aduz Ferreira; Penna (2005, p. 157),
[...] diferentes territórios da cidade não se definem apenas como uma base sobre a qual se formam as identidades urbanas, mas operam de forma ativa para a constituição dessas identidades sociais, sejam elas de posição social ou de violência.
Partindo do pressuposto que o território é reflexo de diversas variáveis sociais, relacionadas cultural, social, política e economicamente, a violência pode ser apontada como resultado dessa relação, o que poderia “justificar” a territorialidade da violência como destaca Souza (1995, p. 78) o território “é fundamentalmente, um espaço definido e delimitado por e a partir das relações de poder. ”
Raffestin (1993, p.78) corrobora com essa abordagem afirmando que:
[...] o território é tratado, principalmente, com uma ênfase político‐administrativa, como território nacional, espaço físico onde se localiza uma nação, um espaço em que se delimita uma ordem jurídica e política, medido e marcado pela projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras.
Ademais, é no território que esses diferentes aspectos do processo social se articulam, se completam e se contradizem, admitindo a possibilidade que a violência se territorialize. O território não é o espaço, todavia está ancorado nele em função das relações de poder constituídas no processo em que os indivíduos territorializam o espaço.
Haesbaert (2014) corrobora ao afirmar que a territorialidade incorpora uma dimensão mais política, mas que também diz respeito às relações econômicas e culturais e que está ligada ao modo como as pessoas utilizam esse território, e este tem a sua funcionalidade, pois as relações de poder têm no espaço um componente indissociável.
Souza (2016, p. 87) traz um importante questioidnto: “ quem domina, governa ou influencia quem nesse espaço, e como? ” Para o autor, o poder só se exerce com referência a um território e, muito frequentemente, por meio dele, portanto, ao se territorializar, a violência fixa no espaço aquelas condições inerentes aos processos que lhe deram origem e, assim, os realimenta.
Em vista dessa realidade, Saquet (2015, pág. 32) denota que “o poder é produzido nas relações, em cada instante; não é uma instituição, mas o nome que se dá a uma situação complexa da vida em sociedade. ”
Aliado a Foucault (1989, p.82),
O poder não é alguma coisa que se adquire (...); o poder se exercita a partir de inumeráveis pontos e no jogo de relações desiguais e móveis; (...) onde há poder, há resistência (...). Isto significa o caráter estritamente relacional das relações de poder.
Para se entender melhor esse raciocínio, voltemos as reflexões de Arendt sobre o conceito de poder. Para ela, o poder “não pode ser armazenado e mantido e reservado para casos de emergência, como os instrumentos da violência: só existe em sua efetivação” (ARENDT, 2015, p. 212).
Tal reflexão é revista em outra importante obra de Arendt (2016, p.11) ao afirmar que o poder não é algo palpável e sim uma qualidade natural de um indivíduo, correspondendo a habilidade humana de agir em uníssono, em comum acordo, ou seja, ao afirmar que alguém “está no poder, estamos na realidade nos referindo ao fator de encontrar-se essa pessoa investida de poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. ”
Divergindo em Arendt, Tavares dos Santos (2002) no contexto da microfísica da violência, reflete sobre o poder mantido por alguns indivíduos, e, na caracterização desta, o mais perigoso é a própria racionalidade apresentada pela violência que exercem o controle de espaços específicos dentro de um território.
Tavares dos Santos (2002, p. 25) compreende que “a violência se manifesta com o outro mediante o uso da força e da coerção, isto significa estarmos diante de uma modalidade de dispositivo que produz um dano social”, ou seja, uma relação que atinge o outro com algum tipo de dano, e o homicídio é a manifestação deste.
A abordagem é multidimensional, no que tange as relações de poder, que se traduz numa compreensão ampla do território como espaço de poder e violência, onde a violência, manifesta-se inicialmente num território por seus agentes; migra para outro território, ou seja, desterritorializa; a violência migra, reinicia o ciclo e assim, nota-se a sequência óbvia e lógica do que apresentamos no ciclo abaixo, ocorre a reterritorialização da violência, ocupação por novos agentes, ou até os mesmos agentes. A presença do Estado ou algum outro componente mitigador ou de oportunidade, cessa a ação de territorialização e ao mesmo tempo, oportuniza, ou dá condições para esses agentes se re-territorializar.
Método e Metodologia
Esta pesquisa requereu a aplicação do método hipotético-dedutivo, por entendermos que a abordagem precisa atingir um grau maior que o quantitativo, dado por aproximações estatísticas. Em razão do fato de que existem hipóteses de que a violência é um fato social presente em todas as sociedades. Os estudos relacionados à violência, em sua maioria, evidenciam a correlação de variáveis no que tange às características do indivíduo, a temporalidade e o espaço geográfico onde o fenômeno delitivo acontece, tendenciando a identificar o perfil dos indivíduos ou os espaços mais propensos à criminalidade, produzindo uma geografia do crime, de forma que direcione a subsidiar políticas públicas, mas de relevância limitada para o conhecimento teórico sobre o enredamento da violência.
A metodologia que norteia essa pesquisa é uma adaptação da proposta apresentada por Libault (1971), que divide as pesquisas geográficas em quatro etapas distintas, e que se integram para atingir os objetivos propostos, mantendo o controle operacional da investigação científica: a) o compilatório, b) o correlatório, c) o semântico e, d) o nível normativo.
Para a análise e discussão dos resultados, adotamos a divisão proposta pela Secretaria de Segurança do Estado, a qual consiste na divisão em 5 (cinco) regionais de segurança urbanas, instituídas em 201017 , com a proposta de seguir o mesmo modelo que o estado de Minas Gerais adotava.
As crescentes taxas da criminalidade violenta em Rio Branco, capital do estado do Acre, evidenciam essa trágica constatação, o da insegurança pública. A sensação de impunidade torna-se cada vez mais preocupante e representa uma ameaça aos direitos e garantias fundamentais, assegurados no Art. 5º, da Constituição Federal, que preconiza a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade dos indivíduos.
Números tão alarmantes da criminalidade e da violência nos últimos 5 (cinco) anos na capital acreana denotam uma das principais preocupações de gestores da segurança pública, e uma preocupação inerente a qualquer cidadão imerso nesse cotidiano que, consequentemente, incorre no risco de se tornar mais uma vítima.
No que tange ao recorte temporal, do período pesquisado, de 2012 a 2016 18, certifica-se do aumento do número de homicídios e roubos quando comparado a anos anteriores. Dados expressivos justificam a busca pela compreensão do fenômeno. Em números absolutos, Rio Branco, capital do estado do Acre, concentra 46% da população acreana, e é o município com o maior número de homicídios no ano de 2016, registrando 370 homicídios, o que representa 62,3% do total de ocorrências no estado e um aumento de 82% em relação ao ano anterior. Em 2017, como ponto de apoio e relevante à pesquisa, 504 pessoas foram assassinadas; destes, mais de 92% das vítimas eram do sexo masculino, na faixa etária de 15 a 29 anos, números que superam de forma exorbitante o total de vítimas de 2016.
De acordo com o levantamento feito pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), no período de 1º de janeiro a 31 de julho deste ano (2018), foram registrados 253 homicídios no Acre; 66,4% resulta da disputa entre facções criminosas pelo controle de território na capital e nos municípios do interior do estado.
Aliado ao fator da densidade populacional, a capital apresenta maior quantidade de áreas com instabilidade social e ocupações irregulares, o que reflete no maior número de ocorrências.
Nesse sentido, a abordagem geográfica em que se inscreve este trabalho ampara a forma que evidencia a importância em exercer um olhar multidisciplinar sobre a temática. Então, ao utilizarmos conceitos e teorias de outras áreas afins, todos os elementos aqui apresentados contribuem para uma ação voltada para a adoção de “práticas preventivas de controle” da criminalidade e da violência que, por sua vez, podem demandar ajustes nos padrões operacionais vigentes das instituições responsáveis, haja vista que a repressão inadequada apenas muda o foco da violência, que se volta para espaços onde encontra, novamente, condições favoráveis para se desenvolver.
Baseado no exposto, diversos fatores considerados pela geografia, sociologia e estatística são relevantes para a compreensão da causalidade de homicídios e roubos e, dessa forma, algumas questões colocam-se face a esta problemática; ou seja, estariam as relações sociais inflamadas frequentemente por razões fúteis? Estaríamos nos acostumando com a violência, ou, ainda, “ela seria natural à condição humana?” Estaríamos estigmatizando o outro pelo uso equivocado da força e do poder? Diante de dados tão alarmantes, seria possível pressupor que a sociedade possa estar alicerçada em um convívio aludido ao uso da força e da violência?
Como fundamentar o aumento irregular 19 de mortes violentas na cidade de Rio Branco? De que violência estamos falando nessa atualidade? Seria o homicídio o único indicador que afeta a dignidade humana?
Em um país onde prevalece a exclusão, que exibe uma democracia e cidadania frágeis, não estaríamos tratando de forma tímida o enredamento da violência?
Estaríamos vivendo uma violência seletiva? Onde somente negros, pobres, jovens e moradores dos bairros periféricos são brutalmente assassinados?
A temática demanda inúmeros questioidntos, os quais não pretendemos esgotar ou responder exaustivamente de forma categórica e absoluta, dada as suas multissignificações.
Análises e resultados
O conceito de regionais, usado pela Secretaria de Segurança Pública, consiste em aproximações dos bairros constituídos por lei ou reconhecidos pela população, caracterizando-se por relativa homogeneidade em termos sociais, econômicos e ambientais. Assim, a capital foi subdivida em cinco áreas, que apresentam interidnte características socioeconômicas similares, possibilitando explorar as dimensões da segregação espacial20 em uma escala representativa dos seus bairros.
Na divisão pelas cinco regionais, a mais populosa é a 4ª Regional, que conta com 34,1% do total; e a menos populosa é a 1ª Regional, que compreende 12,7% da população. Nos últimos 3 (três) anos houve um significativo aumento da população da 2ª Regional, considerando a transferência de famílias de pelo menos onze bairros alagadiços para as casas habitacionais da Cidade do Povo. A tabela 01, demonstra a distribuição estimada de habitantes por regional.
Na figura 2, é possível observar as delimitações de cada regional de segurança. Cada uma compreende a área de atuação da Polícia Civil do Estado do Acre. Essas áreas contam com uma Delegacia Regional que tem como função registrar Boletins de Ocorrências (BOs) de furto, extravio de documentos, vias de fato, lesão corporal dentre outros crimes, inclusive em casos de flagrante delito, exceto quando a sua especificidade se enquadrar em alguma das outras Delegacias Especializadas22 .
Aliada à política de segurança, a capital é atendida pelo Batalhão da Polícia Militar, instalado em cada regional, e objetiva realizar o policiamento ostensivo, diuturidnte e com várias modalidades de patrulhamento, por viaturas, motocicletas, rádio e cavalaria.
Cenário de Homicídios em Rio Branco
De acordo com Soares (2003, p.29) “o homicídio é um fenômeno estável e, no agregado, altamente previsível, cujas taxas variam pouco de ano a ano”. Partindo desse pressuposto, as mortes violentas, incluindo os homicídios, seriam previsíveis no seu conjunto, o quantitativo de homicídios, de forma estável, se assemelhando ao ano anterior, através de comprovações estatísticas dos anos anteriores de países, estados e na maioria das capitais brasileiras. O imprevisível é saber quais indivíduos serão as próximas vítimas. Quando os dados se alteram, as previsões estatisticamente definidas têm um aumento anormal. Logo, precisamos estudar a causa determinante do “por que” haver saído do previsto. Por isso não temos como saber quem serão as vítimas, é uma questão de oportunidade para o crime.
Ao analisarmos o gráfico, que trata sobre o histórico de vítimas na capital, no período de 2012 a 2016, nota-se a instabilidade após o segundo semestre de 2015, quando ocorreram os conflitos entre as facções B13 e CV e que deram início a diversas ações violentas na capital e que configuram em 2016, o aumento de 87,5% em relação ao ano anterior.
Dados recentes da Secretaria de Segurança Pública (Sesp), apontam que as mortes violentas pelos conflitos entre facções não cessaram e o estado do Acre continua acima da taxa nacional. Dos 253 homicídios registrados no primeiro semestre deste ano (2018) no Acre, 66,4% resultaram da disputa entre facções criminosas rivais pelo controle de território na capital e nos municípios do interior do estado.
O gráfico 2, apresenta os dados da 1ª Regional de Segurança em Rio Branco. É a parte central da cidade e concentra o menor índice de homicídios nos últimos cinco anos e não difere dos anos anteriores. A taxa de 2016 se assemelhou aos anos anteriores como podemos observar, não houve um decréscimo, porém, não ocorreu uma frequência maior nessa área que concentra os pontos históricos da cidade, o maior número de instituições, agências bancárias, praças e o maior fluxo de pessoas, estudantes e trabalhadores, durante a semana. Em atividade de campo, identificamos uma maior concentração nessa área, de homens, mulheres e indígenas em situação de rua, em sua maioria, dependentes químicos.
As circunstâncias dos homicídios configuram em sua maioria por motivos de brigas na hora do evento criminal: vingança, latrocínio, disputa por pontos de venda e cobrança de dívidas de drogas e em situações que o autor ou a vítima estava sob o efeito de entorpecentes e/ou álcool23 . Verificou-se ainda que, a maioria dos casos de homicídios têm uma relação secundária, ou seja, são autor e vítima, conhecidos ou rivais. Foram 54 vítimas nos últimos cinco anos na 1ª Regional de Segurança Pública em Rio Branco.
O gráfico 3 apresenta os dados da 2ª Regional de Segurança em Rio Branco, é a segunda regional mais populosa e possui algumas ocorrências nos últimos anos que contribuíram para 85% do aumento de vítimas de homicídios dolosos em 2016 em relação ao ano anterior.
A quantidade da população da 2ª Regional tem aumentado sobremaneira desde 2015, e é caracterizada por uma concentração de jovens adultos de 15 a 30 anos24 . Dados do levantamento realizado pela Secretaria de Habitação do Estado (Sehab), apontam que desde a inauguração do conjunto habitacional “Cidade do Povo”, a população cresceu e estima em quase 17 mil pessoas, foram 3.348 famílias de 12 bairros localizados em áreas de risco, que foram beneficiadas pelo programa e transferidas, gradativamente desde maio de 2015, na sua implantação. São áreas que concentram os maiores casos de estupro de vulnerável, famílias em situação de dependência química, e crianças em situação de risco e abandono.25
Foi possível constatar, pelo quadro, que a partir de 2015, após instalação da Cidade do Povo, houve o registro de 13 homicídios e que posicionou o conjunto/bairro em sexto lugar na distribuição dos homicídios por bairro na 2ª Regional. Pela análise, houve um decréscimo em alguns bairros, em média 1 homicídio por bairro, e que configura uma “migração” da criminalidade, sobretudo no contingente de pessoas que foram transferidas dos 12 bairros em situação de risco para nova estrutura habitacional.
A área da cidade do povo foi projetada e construída para uma independência funcional, sobretudo nos segmentos da educação e saúde, além de toda infraestrutura necessária para a garantia da qualidade de vida no ambiente ao qual foram inseridos.
A estrutura foi estabelecida nos limites do perímetro urbano, todavia, é crescente a urbanização nessa área denominada “zona rural sul”, que compreende a extensão pertencente à capital da Rodovia BR-364 sentido Porto Velho, da Rodovia BR-317 (estrada de Boca do Acre), da Rodovia AC-40 e ramais adjacentes.
Destarte que, o aumento da população, não configurou um aumento do efetivo e ações da polícia civil e militar nessa região, que continua sendo atendida pelo mesmo Batalhão e Delegacia Regional26 e o aumento de ações violentas têm se constituído, ao passo que alguns questioidntos são evidenciados, sobretudo se a 2ª Regional estaria potencialmente preparada para acolher e atender27 todas as famílias transferidas para área selecionada ou comportar um inchaço populacional no seu entorno.
No gráfico 4, temos o histórico de vítimas de homicídios dolosos ocorridos na 3ª Regional de Segurança em Rio Branco, as mortes no ano de 2015 aumentaram em 50%, registrando 33 homicídios dolosos em 2016. Essa regional é composta pelos bairros que ficam, em sua maioria, às margens do Rio Acre, e compõem uma população em situações de vulnerabilidade maiores que em outras áreas, e estigmatizadas como “a área mais violenta28 ” da capital.
Tem uma grande concentração comercial e atividades informais superiores as outras regionais. É nesta regional que está localizado o Restaurante Popular José Marques de Souza (Matias)29 e uma das Unidades de Pronto Atendimento 24 horas, a UPA Franco Silva.
O gráfico 5, apresenta o histórico de homicídios dolosos em uma das áreas que concentra o maior contingente populacional, cerca de 134 mil habitantes, as características da 4ª Regional, foram contextualizadas anteriormente e constitui o grupo de regionais 30 que tiveram um aumento expressivo de mortes em 2016, 140% em relação ao ano anterior.
Nesta regional está localizada a Unidade de Recuperação Social Francisco de Oliveira Conde (URS-FOC), o presídio, no bairro Distrito Industrial e concentra, conjuntamente, o maior índice de homicídios dolosos nos últimos cinco anos. Uma área que tem demonstrado muita “fragilidade”, é o da regional do Calafate, que concentra, em segundo, o maior número de homicídios. A regional administrativa Calafate, é uma das mais distantes da 4ª Regional e tem uma população estimada em 50 mil pessoas distribuídos, o equivalente a 38% da população de toda a Regional. A regional do Calafate, é uma das áreas mais assistidas por programas habitacionais em relação as outras regionais.
O gráfico 6, apresenta o histórico de homicídios dolosos em uma das regionais com as maiores áreas de invasão, uma população reconhecidamente vulnerável e com um índice alto de menores de idade como autores, coautores e partícipes em crimes, sobretudo os violentos. É na 5ª Regional que tem os maiores índices de violência escolar, que envolvem alunos, professores e parentes (pais) de alunos. Dados do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Acre (Sinteac) apontam a insegurança diária vivida pela classe e por funcionários de escolas instaladas nas áreas mais vulneráveis, os altos índices de evasão escolar, também estão concentrados nessa Regional, sobretudo pelas crianças e adolescentes que não têm participação nas práticas delitivas e que configura um desafio diário em ser vitimado numa ação violenta. A marca de 125% de homicídios dolosos ocorridos em 2016 em relação a 2015, configura a participação no grupo das três regionais mais violentas da capital.
A concentração das vítimas de homicídios, nos últimos cinco anos, se deu em pelo menos 10 bairros nessa área, repetidamente no período de 2012 a 2016. A característica de formação do bairro é um dos aspectos a ser considerado, sobretudo pelo constante processo de “expansão” das áreas de invasão.
Até 2011, não foram mais constatadas ações criminosas atribuídas à atuação de grupos criminosos no estado do Acre. Contudo, em meados de 2012, foi identificada a atuação da organização criminosa paulista, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que estava desenvolvendo a formação de uma célula no estado, fato que deu origem a investigações pelas instituições da segurança pública.
Em 2013, um grupo de traficantes da capital, que dominava o comércio de drogas nos bairros, com o objetivo de enfrentar o processo de expansão do PCC no estado do Acre, reuniu-se e, integrado por 13 criminosos, deu origem à organização criminosa denominada “Bonde dos 13” (B13).
Nesta série temporal, em 2015, foram constatadas pelas investigações da Polícia Civil, a atuação da organização criminosa Comando Vermelho (CV) no Acre. Em 2016, foram denunciados, 46 faccionados que integravam a referida Orcrim.
Mesmo identificados, o “braço” das organizações criminosas tende a se territorializar pela expansão e domínio do comércio de drogas. Assim, no segundo semestre de 2015, tiveram início diversas ações violentas no Acre, quando o B13, em represália à morte de dois de seus integrantes, iniciou uma onda de atentados à capital acreana, espalhando o toque de recolher e que deixou em pânico a população. Desse período de 2015 até a atualidade (2018), a característica marcante da violência na capital é a guerra entre as facções, ocasionando uma explosão nos índices de crimes violentos, em especial nos homicídios dolosos e roubos.
Os cenários apresentados, através da correlação de algumas variáveis, traçaram a natureza criminal em que a maioria das pessoas, autores e vítimas, tem um histórico e perfis heterogêneos. Crianças, jovens, adultos e idosos, em suas características de raça, gênero e classe social, independentes, levaram-nos a refletir se, individualmente, revelam situações intrínsecas de violência, ou são somente frutos de uma sociedade desigual; ou se seria suficiente a vinculação entre essas “variáveis” para compor um perfil de vítima, ou um perfil criminoso.
Pressupomos pensar as mortes violentas enquanto construção social e histórica, no espaço e no tempo, sobretudo, analisar a ausência ou a presença do Estado como uma “variável” e estabelecer a relação entre a permissão de outros poderes se constituírem em um território, sobretudo, um poder não paralelo ao Estado. Será que devemos nos acostumar com essa imbricação, onde o Estado e o crime nos convidam a nos “acostumar31 ” com essa realidade?
Um ponto salutar é problematizar a atuação das polícias, principalmente pelas estratégias carregadas de suspeitas prévias que, preferencialmente, têm pelos pobres e negros. Isso porque, repetidamente, apontam a causa da violência à pobreza, raça e desigualdades sociais. Todavia, é preciso definir em específico a que desigualdade nos referimos, sobretudo as desigualdades que carregam um estereótipo de um ciclo vicioso, “é jovem, é negro, mora na periferia, é, portanto, delinquente”. São vícios recorrentes e de uma classificação pré-concebida de uma condição social e baseados em argumentos pífios de que essa “parcela” constitua um perigo permanente à segurança.
A maior parte dos encarcerados provém de família de baixa renda que tiveram um histórico de vida muito desigual, e as famílias deparam-se com as situações de delinquência e não sabem lidar com isso, pois não tiveram condições de criar os seus filhos, sendo, esses, atraídos por diversas “modalidades” delitivas.
Considerações finais
É fato que, ao refletirmos sobre os direitos humanos, há uma profunda dicotomia entre sua positivação e sua efetividade, havendo no presente imensas desigualdades sociais. Os recentes massacres em presídios são problemas que precisam ser mais aprofundadas. A prisão não pode ser a casa definitiva, ela é temporária. Que identidade estamos formando onde vivemos, em uma sociedade que tira o direito de ser humano? O que define a alguns ter o direito a conviver socialmente e a outros, por terem cometidos crimes não possuam rotas alternativas, após pagarem suas dívidas com a sociedade, restando-lhes (em sua maioria) o caminho único da exclusão e morte?
Bauman (2008) diz que a luta contra os medos se tornou tarefa para vida inteira, enquanto os perigos que os deflagram passaram a ser companhias permanentes e indissociáveis da vida humana.
A pesquisa recomenda aprofundar os estudos no que tange a efetividade da implementação de políticas estruturantes, como os programas voltados à infância e adolescência; nas questões de gênero e desigualdades dentro dos sistemas dos presídios às mulheres; nos debates sobre o uso e abuso de drogas; na efetividade das políticas públicas voltadas para a ressocialização dos presos e presas; sobre a política de acesso às armas de fogo; a efetividade dos programas de capacitação continuada das polícias; nos métodos de trabalho nos sistemas de saúde voltados a um fluxo de acolhimento às pessoas vítimas da criminalidade e desigualdades sociais; e, nas alternativas que não sejam equivocadamente combater violência com mais violência, atribuindo à classe pobre, negra e da periferia o aumento da quantidade de mortes no país.
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