Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NOS TEMPLOS DE RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Autores e infomación del artículo

Gesliane Sara Vieira Chaves*

Universidade Federal da Grande Dourados, Brasil

geise_sara@hotmail.com


RESUMEN: El objetivo del ensayo es analizar el papel del Estado y de las Políticas Públicas en relación a la aplicación de la inmunidad tributaria de los templos de cualquier culto, en particular a las religiones de matriz africana: Umbanda y Candomblé. En el artículo 150, VI, "b" de la Constitución Federal de 1988, en relación a las religiones afrobrasileñas, tratándose la discusión sobre la eficacia de la aplicación de la inmunidad tributaria de los templos de cualquier culto, encontrada en el artículo 150, VI, "b" de la Constitución Federal de 1988. Para ello, proponemos presentar una breve discusión sobre el desarrollo del Estado capitalista, Políticas Públicas e inmunidad tributaria en los templos religiosos. Se percibe la ineficacia de la norma inmunizante en las religiones afrobrasileñas, por diversos factores, como: la no institucionalización debido a la esencia anárquica de esos cultos, el no reconocimiento histórico como religión, el desconocimiento de la legislación por los practicantes de esas religiones, y el prejuicio. De la falta de comprensión de lo que serían estas religiones se propone el reconocimiento de las particularidades de cada religión y de cada templo religioso, a fin de proporcionar la aplicación de la inmunidad a todas las religiones.

PALABRA-CLAVES: Inmunidad Tributaria- Templos - Umbanda- Candomblé.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Gesliane Sara Vieira Chaves (2019): “Imunidade tributária nos templos de religiões afro-brasileiras”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (enero 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2019/01/imunidade-tributaria.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1901imunidade-tributaria


INTRODUÇÃO

O presente texto objetiva analisar o papel do Estado e das Políticas Públicas em relação à aplicação da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, em particular à Matriz africana 1.
A imunidade tributária nos templos de qualquer culto é encontrada no artigo 150, inciso VI, alíneo “b” da Constituição Federal de 1988, assegura a imunidade de impostos nos templos de qualquer culto.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...] VI - instituir impostos sobre:
b) templos de qualquer culto [...] (CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, 1988)
O fundamento está justamente na garantia de promover uma pluralidade religiosa, de todas as religiões, garantindo a laicidade estatal e assistência estatal na imunidade tributária.

METODOLOGIA

 Para atingirmos os objetivos propostos, realizamos levantamento bibliográfico com base no referencial teórico da disciplina “Estado e Políticas Públicas” e textos sobre imunidade tributária para templos religiosos.
Quanto os exemplos apresentados das religiões afro-brasileiras na cidade de Dourados, são resultados de reuniões com dirigentes das religiões, no ano de 2016 e entrevista com um pesquisador de religiões afro-brasileiras.

O ESTADO

Para discutir a imunidade tributária dos templos de religiões afro-brasileiras, devemos apresentar primeiro a teoria de Estado (o elemento central no modo de produção capitalista) e das Políticas Públicas.
O autor Florenzano, citando Max Weber (na obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”), argumenta que a civilização ocidental desenvolveu um capitalismo racional, com significado e valor universal:

[...] e o desenvolvimento de um Estado como uma “entidade política, com uma ‘Constituição’ racionalmente redigida, um direito racionalmente ordenado, e uma administração orientada por regras racionais, as leis, e administrado por funcionários especializados (2007: 11).
Florenzano (2007) descreve ainda, que a tese de Weber de Estado enquanto entidade política, não estava totalmente desenvolvida, mas que em sentido amplo, seria uma entidade de poder e dominação. Desse modo, a teoria de Marx e Engels, diria que a sociedade é dividida em classes e o Estado é responsável pela “exploração-dominação de uma classe sobre outras, de modo que luta de classes e Estado formam um par historicamente inseparável”.
Costa quando dialoga sobre as origens do Estado Moderno, relata que se devem buscar as ideias que inspiraram a formação, a partir do Renascença na Itália setentrional:

Historiadores e cientistas políticos concordam, em geral, num ponto fundamental. O Estado moderno, em sua conformação básica atual, tem as suas origens nos séculos XV e XVI, no contexto da dissolução dos impérios e do poder temporal da Igreja, então acossados pela emergência do poder dos príncipes. O contínuo fortalecimento do poder destes últimos sobre parcelas territoriais no cenário europeu está na base da formação desse tipo de Estado, forma política que lhes permitiu enfrentar exteridnte as ameaças dos impérios e da Igreja e, interidnte, as iniciativas dos senhores feudais (COSTA, 2010: 266).
A partir deste rompimento dos impérios e do poder que à igreja exercia, fora possível a formação de uma organização, para governar pelas classes.
Desse modo, o governo (no Estado Democrático) deveria servir os interesses do povo, já que são eleitos pelos mesmos. Garantindo os interesses daqueles que os elegeram, embora na prática não seja assim.

Está implícita nas análises do Estado que se apóiam na visão pluralista 2 a ideia de que o governo pretende servir aos interesses da maioria, mesmo que, na prática, nem sempre o faça. O governo está a serviço do povo, colocado lá por esse povo para cumprir tal função.
A concepção de que os indivíduos, coletivamente, devem ser capazes de determinar as leis que os governam é tão antiga quanto as próprias ideias dos direitos humanos e da democracia (CARNOY, 1986: 20).
Sobre o Estado democrático, se entende que exista de uma relação simultânea entre a igualdade civil e a desigualdade social. O que não ocorreu, pois apenas após lutas árduas, a classe menos abastada foi considerada parte deste povo.

Então o capitalismo tornou possível conceber uma “democracia formal”, uma forma de igualdade civil coexistente com a desigualdade social e capaz de deixar intocadas as relações econômicas entre a “elite” e a “multidão trabalhadora”. Entretanto, a possibilidade conceitual de uma “democracia formal” não fez dela uma realidade histórica. Houve muitas lutas árduas antes que o “povo” passasse a incluir a multidão trabalhadora [...] (WOOD, 2003, sem página).
Então “democracia formal” é a configuração de igualdade civil concomitantemente com a diferença social, que não alcança as relações econômicas entre burguesia e proletário. No entanto, a “democracia formal” não se concretizou tão facilmente, muitas lutas foram necessárias para incluir a classe trabalhadora entre os cidadãos.
Sendo assim, desde as origens do Estado até o presente, às lutas de classes estiveram presentes nos conflitos buscando uma visibilidade e garantia de direitos sociais.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Sobre a configuração da política social na América Latina, as autoras Beatriz Paiva, Mirella Rocha e Dilceane Carraro, argumentam que:

De acordo com nossa perspectiva teórica, a política social deve ser referida àquelas modalidades de intervenção do Estado na esfera dos conflitos que envolvem o processo de produção e reprodução das relações sociais. No âmbito do modo de produção capitalista consolidado, a política social surge como produto próprio da sociedade liberal-burguesa, como amortizadora do conflito social decorrente da luta operária, refuncionalizando-se também - simultânea e contraditoriamente - para atender as demandas decorrentes da reprodução social tipicamente capitalista [...] (PAIVA; ROCHA; CARRARO, 2010: 157).
Diante do modo de produção capitalista, que não propicia a igualdade de lucros para todos, as políticas sociais surgem como reembolso à classe social menos abastada.
Diante disso, os conflitos sociais são as formas de manifestação e reivindicação de condições mínimas de sobrevivência.
O welfare state3 (Estado de bem estar) é o termo que serve basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos.
A política social ou o welfare state teriam o papel de decisão e de ações, que visem o bem estar social.

[...] política social e Welfare State seriam a mesma coisa. Constituiram fenômenos equivalentes surgidos nos fins do século XIX em resposta a conflitos sociais adensados pelo avanço da industrialização e por uma progressiva conquista popular de direitos (PEREIRA, 2008: 23).
Sobre as políticas publicas a autora Eloisa de Mattos Höfling (2001) relata não serem reduzidas apenas ao “Estado como o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras”, mas também ao “Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros)”.

As políticas públicas são aqui compreendidas como as de responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada (HÖFLING, 2001: 31).
Então podemos entender políticas publicas como a “ação” do governo para com os que o elegeram. Buscando atender e garantir os direitos básicos do povo.

Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006: 26).
A autora Sônia Miriam Draibe (2007) em seu trabalho sobre Estado de bem estar social, em um dos eixos pesquisados “as dimensões da família e gênero na estruturação dos tipos de welfare states”, aponta os aspectos que envolvem os sistemas familiares.

O conhecimento acumulado pelos estudos de gênero e outros mostrou, entre outras coisas, que a família é parte inseparável das estruturas do Estado de Bem-Estar. Que os sistemas familiares são complexos, envolvem aspectos econômicos, morais, culturais, religiosos, todos eles com fortes correspondências em regras, normas e instituições que presidem a estruturação familiar (DRAIBE, 2007: 28) (grifos nossos).
Desse modo, o cultural e o religioso estão impregnados nas relações sociais, nas normas, regras e instituições. De modo que as políticas públicas devem abranger esses aspectos.
Chegamos então ao objeto deste trabalho, a imunidade tributária dos templos de religiões afro-brasileiras. Embora, seja garantido o direito, na prática não ocorre de maneira tão simples.

[...] uma política pode simplesmente não chegar a ser implementada, seja pela reação de interesses contrariados, seja por reação ou omissão dos agentes públicos envolvidos, seja por reação ou omissão até mesmo dos possíveis beneficiários. Ou, alternativamente, pode ter apenas algumas de suas partes decisão e seus objetivos. Pode ter partes implementadas de maneira diversa - embora não contrária - do que foi previsto. Pode ter partes implementadas contraditoriamente entre si. E muitas outras coisas podem ocorrer, gerando resultados absolutamente diferentes daquilo que se pretendia com a decisão (RUA, 1998: 17).
A existência de uma política pública não garante a consumação, ora pela conduta dos contrariados, omissão dos atores públicos ou de seus beneficiários.
A imunidade tributária de templos de qualquer culto é garantida pela Constituição Federal de 1988. Porém não contempla por igual a todas as religiões, sendo executada de maneira diversa, não gerando resultados iguais ao que se objetivava com a deliberação.

O QUE É IMUNIDADE TRIBUTÁRIA?

Imunidade Tributária ocorre quando a Constituição, ao realizar a repartição de competência, coloca fora do campo tributário, certos bens, pessoas, patrimônios ou serviços.
Oliveira (2010) conceituando imunidade tributária argumenta que: “quando falamos que determinada situação está imune, estamos a dizer que está protegida contra o poder de tributar do Estado, não corre o risco de ser tributada”.

Do latim immunitas (isenção, dispensa), entende-se privilégio outorgado a alguém, para que se livre ou se isente de certas imposições legais, em virtude do que não é obrigado a fazer ou a cumprir certos encargos ou certa obrigação, determinada em caráter geral. Em princípio, é atribuída a certas pessoas, em face de funções públicas exercidas (parlamentares, congressistas, diplomatas). E por ela, é assegurada às mesmas uma soma de regalias, e prerrogativas excepcionais em relação às demais pessoas. A imunidade coloca as pessoas, a quem se atribuem semelhantes prerrogativas ou regalias, sob proteção especial (PLÁCIDO E SILVA, 2007, p. 719 apud PEREIRA, 2010: 26).
Vantagem conferida a alguém, isentando de encargos legais, devido a não tributação de impostos. A isenção ou dispensa de tributos nos templos de qualquer culto então é um privilégio, de modo que o Estado não pode atribuir cobranças fiscais.
Entende-se que ”imunidades tributárias são hoje ferramentas para a garantia de direitos fundamentais e o que ab initio era um privilégio de poucos hoje deve ser entendido como garantia de todos” (PEREIRA, 2010: 29).

Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcioidnto ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, 1988).
Os artigos 5 e19 da Constituição garantem direitos básicos aos cidadãos. O artigo 5 assegura à liberdade de crença, possibilitando o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção dos templos/locais de cultos.
O artigo 19 proíbe o Estado, Distrito Federal e os municípios a permissão de determinar os cultos ou igrejas, beneficiar, perturbar o andamento ou manter relações de aliança com eles.
Desse modo, Pereira nos apresenta o que compreende por “culto” e por “templo”. 

Então, culto para nosso estudo deve ter interpretação ampliativa, isto é, qualquer manifestação religiosa deve ser considerada, excluindo-se apenas aquelas cujo objetivo e prática atentem contra valores consagrados pela Constituição, como a vida, as diversas liberdades, a dignidade da pessoa humana entre outras (PEREIRA, 2010: 36).
Culto então é toda expressão religiosa, exceto apenas às práticas inversas aos princípios destacados pela Constituição, sendo eles; a vida e a liberdade humana.
Plácido e Silva (2007 apud Pereira, 2010) define templo como; “Do latim templum (terreno consagrado, santuário), é geralmente empregado, no sentido religioso, para indicar o local, em que se celebram cultos, ou cerimônias religiosas”.
Templo pode ser definido como santuário, local de celebração de cultos ou eventos religiosos.
Eduardo Sabagg apresenta três concepções de templo:

1 Teoria Clássico-restritiva (Concepção do Templo-coisa): conceitua o templo como o local destinado à celebração do culto. Pauta-se na coisificação do templo religioso (universitas rerum, ou seja, o conjunto de coisas), que se prende, exclusivamente, ao local do culto. Exemplo: não deve haver incidência de IPTU sobre o imóvel- ou parte dele, se o culto, v.g, ocorre no quintal ou terreno de casa- dedicado à celebração religiosa; não deve haver incidência de IPVA sobre o chamado templo-móvel (barcaças, caminhões, vagonetes, ônibus etc.); entre outras situações.
2 Teoria Clássico-liberal (Concepção do Templo-atividade): conceitua o templo como tudo aquilo que, diretamente ou indiretamente, viabiliza o culto. Nessa medida, desoneram-se de impostos o local destinado ao culto e os anexos deste (universitas júris, ou seja, o conjunto de relações jurídicas, afeta os direitos e deveres).
3 Teoria Moderna (Concepção de Templo-entidade): conceitua o templo como entidade, na acepção de instituição, organização ou associação, mantenedoras do templo religioso, encaradas independentemente das coisas e pessoas objetivamente consideradas. No sentido jurídico, possui acepção mais ampla que pessoa jurídica, indicando o próprio “estado de ser”, a “existência”, vista em si mesma. (SABAGG 2009, p. 283 apud PEREIRA, 2010: 37) (grifos do autor)
Templo para Sabagg então é classificado em três concepções, oriundas de três teorias. A teoria clássico-restritiva que concebe templo como coisa, ou seja, o local do culto como coisificação, impedindo a tributação de impostos sobre o imóvel que acontece o culto e também do templo-móvel (carros, ônibus, barcos) ligados ao culto religioso.
Na segunda teoria, clássico-liberal, que concebe templo-atividade, o templo como tudo o que possibilita o culto, imunizando o local e os anexos destinados ao culto religioso.
A terceira teoria, moderna, concebe o templo-entidade, interpretando o templo como instituição, organização ou associação, defensoras do templo religioso, vista livre das coisas e pessoas.
Para os templos de religiões afro-brasileiras acreditamos que optar por uma teoria, reduz as possibilidades das outras teorias.

A escolha da definição de templo implica na amplitude da norma imunizante, pois ao adotarmos a teoria clássico-restritiva estaríamos reduzindo a aplicação da imunidade, adotando a teoria moderna claramente teríamos uma ampliação da norma constitucional (PEREIRA, 2010: 38).
Deste modo, dicotomizar as teorias, prejudicam a garantia da isenção tributária. Seguir apenas uma das teorias anularia as possibilidades das outras, para tanto entender as especificidades de cada templo religioso, antes de escolher uma teoria possibilitaria uma melhor execução dos direitos desses templos. 

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NOS TEMPLOS DE RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS
A Constituição federal legitima e reconhece as religiões afro-brasileiras, mas não é o bastante, a sociedade tem que reconhecer como religião e ser imunizada. O preconceito e a intolerância com as religiões afro-brasileiras são evidentes.
A Umbanda 4 e o Candomblé 5, principais religiões afro-brasileiras, são invisibilisadas e algumas vezes negadas. Como é possível observar no censo de 2010, a porcentagem dos que se declaram umbandistas e candomblecistas.
As religiões prevalecentes no Brasil (censo IBGE, 2010) são a Católica e os Evangélicos.

Dentro do conjunto de religiões praticadas no Brasil, as religiões Católicas e Evangélicas ainda são predominantes. O catolicismo que durante muitos anos fora maioria no Brasil, reduz a porcentagem, enquanto as religiões Evangélicas aumentam o número de praticantes. Segundo Antoniazzi, em sua pesquisa sobre as religiões segundo o censo de 2000:

Os principais resultados, relativos à questão “religião”, que foram ressaltados nas manchetes dos jornais do dia 9, são três:
- a diminuição da porcentagem dos católicos, de 83,8% (1991) para 73,8% (2000); em números absolutos, os católicos aumentam de 121,8 milhões (1991) para 125 milhões (2000);
- o aumento da porcentagem dos evangélicos, de 9,05% (1991) para 15,45% (2000); em números absolutos, de cerca de 13 milhões para 26 milhões; (ANTONIAZZI, 2003: 75).
Trouxemos os dados do IBGE para apontar a dominância das religiões judaico-cristãs e a invisibilidade das religiões afro-brasileiras.
Segundo os dados do censo de 2010, apenas 0,31% dos entrevistados são praticantes da Umbanda e do Candomblé. Porém, esse número pode der maior, pois muitos praticantes da Umbanda se declaram espíritas ou católicos, ou frequentam ambas as religiões concomitantemente, deturpando assim, os dados.
Por serem religiões discriminadas, alguns praticantes acabam negando a mesma, e declarando-se espírita ou católico, poupando assim, possíveis represálias e preconceito. Conforme notícias de jornais digitais:

A intolerância, o preconceito e a invisibilidade fazem parte da história destas religiões no Brasil. Um exemplo disto, foi o Decreto de 11 de outubro de 1890 que nos artigos 156, 157 e 158, que estabeleceu dispositivo reguladores de controle aos feiticeiros, instituindo o Código Penal” (MAGGIE, 1992).
Citando o questioidnto tão pertinente de Pereira (2010: 44): “como, então, considerarmos a cultura africana e as religiões afro-brasileiras iguais às outras, se há pouco as tratávamos como crime?”
O Estado prevê que todas as religiões usufruam dos direitos, porém, na prática isto não ocorre. Bennett (2010), em seu artigo intitulado “isenção de IPTU para todas as religiões”, argumenta que; “mas não só as questões jurídicas impedem a garantia do direito. O preconceito também é uma das maiores razões da recusa em se aceitar os terreiros como templos religiosos”.
O não reconhecimento histórico das religiões afro-brasileiras, o preconceito arraigado na sociedade e o desconhecimento dos direitos, são fatores que influenciam o não usufruto da imunidade tributária.
Bennett (2010) relata que, “religiões como o candomblé, são formadas por pessoas de baixa renda, sem instrumentos legais necessários para obter informações e ter acesso ao aparato jurídico e advogados, como em outras religiões”.
A maioria dos terreiros6 , não possui ata e estatutos registrados em cartório que comprove a existência do templo religioso para serem isentos do IPTU.
Assim, como, a institucionalização das religiões afro-brasileiras não condiz com sua essência, de certo modo, anárquica. Pois os templos de religiões afro-brasileiras não seguem os modelos institucionais com características ocidentais, como; uma diretoria, uma organização maior, assembleias. Enquanto que nestas religiões os templos são em fundos de quintais no próprio terreno do dirigente, não separado juridicamente, não constituído uma diretoria. (SÁ JUNIOR, 2004)
Sendo assim, o preconceito, o não reconhecimento histórico das religiões afro-brasileiras, a falta de instrumentos legais e o desconhecimento dos direitos, são os principais fatores responsáveis pela não isenção de impostos dos templos de religiões afro-brasileiras.
A FECAMS (Federação de Cultos Afro-brasileiros e Ameríndios do MS) localizada em Campo Grande é o órgão responsável pelo reconhecimento e registro de templos de religião afro-brasileira do Mato grosso do Sul.
No ano de 2016, o ogãn7 Karles Denis empenhou se em formar uma chapa para eleger uma seccional da FECAMS em Dourados, juntamente de alguns pais e mães de santo de casas de Umbanda e Candomblé. Dentre eles: mãe Nadir, pai Lorival, mãe Lorice, mãe Nice, pai Júlio, mãe Nely e pai Mozart.
Algumas reuniões aconteceram na casa da mãe Nadir, com o intuito de formação da chapa, definir cargos, prazos, divulgação, entre outras. Porém para instalar a seccional da FECAMS em Dourados, era necessário um local para instalar os documentos e arquivos referentes à federação.
Como a maioria dos dirigentes de Umbanda e Candomblé da cidade não dispõe de prédio próprio para seus terreiros (alguns são arrendados) ou salões/cômodos anexos às casas, também não possuem alvará de funcioidnto.
Desse modo, a possível chapa e seccional de Dourados não aconteceram, o prazo para lançamento da candidatura expirou e os dirigentes envolvidos não disponibilizavam de infraestrutura e condições financeiras para possibilitar a instalação da mesma, adiando mais uma vez a possibilidade de ter uma federação defendendo os direitos dos praticantes de religiões afro-brasileiras perante o Estado.
Segundo o pesquisador de religiões afro-brasileiras, Mario Teixeira de Sá Junior:

A legislação ela requer um conjunto de regras para reconhecer uma instituição religiosa, como ter alvará, diretoria, reuniões de assembleias, atas, etc.
Aquilo que as religiões ocidentais tem, mas, que as religiões como a afro-brasileira não possuem. Esse conjunto de regras que são necessárias e que as religiões afro-brasileiras não possuem.
Então se a instituição for apenas pensada desta forma, as religiões de matriz afro-brasileiras não podem ser consideradas instituições religiosas, ou seja, é a questão burocrática, é o código burocrático que ela tem que se submeter e que ela não é igual às outras religiões.
Neste sentido, por exemplo, a questão da espacialidade do terreiro, ou das diversas formas como são chamados os locais das religiões afro-brasileiras apresentam essa problemática. Normalmente para que você tenha um dos pré-requisitos para você ter imunidade tributária, é que se tenha um local específico da casa de cultos religiosos. No caso das matrizes afro-brasileiras, grosso modo, existem exceções, mas, grosso modo, essas casas estão juntas com habitação dos líderes religiosos, e esse é um problema, porque a legislação não reconhece uma casa como um espaço de culto, ou seja, você tem que ter toda a documentação comprovando que aquele espaço, é um espaço religioso.
Quando o espaço religioso e o espaço da casa se confundem no que diz respeito às religiões de matriz afro-brasileiras é um exemplo desta burocracia, desta forma de abordar a religião, que gera problemas para as afro-brasileiras. (Entrevista concedida em 15/02/2018).
Conforme apontamos no decorrer do trabalho, o caráter anárquico dos terreiros não condiz com a burocratização da legislação. O desconhecimento dos direitos, o não aparato jurídico e advogados junto dos dirigentes destas religiões, são favores determinantes para o não cumprimento da política social perante os terreiros, além do Estado não considerar as especificidades das religiões afro-brasileiras, principalmente o fato dos templos religiosos serem agregados às casas dos dirigentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutimos neste ensaio, a imunidade tributária dos templos de religiões afro-brasileiras, ou a não imunidade. Dizemos não imunidade, pois como observado, a teoria garante direitos que na prática não são executados.
Observamos que o não reconhecimento histórico das religiões afro-brasileiras e o seu caráter anárquico, que não permitiria encaixá-las no mesmo padrão das religiões judaico-cristãs, também contribuem para a não execução da imunidade tributária.
O desconhecimento jurídico, a falta de instrumentos legais dos praticantes destas religiões e o descaso do Estado com as especificidades da religião e dos praticantes, não permitem o usufruto dos direitos e isenções garantidos pela Constituição Federal.
Desse modo, percebemos que na teoria todas as religiões possuem os mesmos direitos, são agrupadas por igual, enquanto na prática apenas aquelas que se encaixam nos padrões da sociedade e que conheçam os parâmetros legais são contempladas com a imunidade tributária.
De modo que, a pluralidade religiosa é exaltada e garantida pelas leis, porém na prática acontece o inverso, uma tentativa de agrupar/homogeneizar todas as religiões, como se fossem iguais, negando assim, suas particularidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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*Gesliane Sara Vieira Chaves é mestranda no programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados, no estado de Mato Grosso do Sul, Brasil.
1 São aquelas religiões originadas da cultura de diversos povos africanos, trazidos como escravos ao Brasil, as mais conhecidas são a Umbanda e o Candomblé.
2 Sobre a visão pluralista Carnoy (1986) diz que diferentes grupos e o povo definem as políticas sociais, ou seja, o povo em geral detém o poder, por meio de eleições.
3 O welfare state foi lançado principalmente por dois fatores: a Revolução Industrial e as lutas sociais pela conquista de direitos civis e políticos.
4 A Umbanda é uma religião sincrética, originalmente brasileira, resultado do encontro de bases religiosas africanas (Culto aos orixás, voduns e antepassados) em diálogo com outras religiões (do Catolicismo, trazido pelos colonizadores europeus, Kardecismo, trazido da França no século XI) e de religiões indígenas do Brasil.
5 Religião animista trazida de algumas nações africanas(bantos, jejê, angola, entre outros) que cultuam os orixás, voduns e antepassados.
6 Como é denominada a casa, onde acontecem os cultos (ou giras).
7 É o sacerdote escolhido pelo orixá para estar lúcido durante todos os trabalhos. Ele não entra em transe (não incorpora). É responsável pelos atabaques do terreiro e tocar/cantar os pontos (músicas) para as entidades, médiuns e assistência. Na umbanda este é denominado atabaqueiro.

Recibido: 12/11/2018 Aceptado: 24/01/2019 Publicado: Enero de 2019


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