Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


HOMOGENEIDADE PRODUTIVA E DEFINIÇÕES SOCIOESPACIAIS: CONSEQUÊNCIAS DA NOVA GOVERNANÇA

Autores e infomación del artículo

Nayana Rosa Freire*

Claudiana Aparecida Leal de Araújo**

Françoise de Fátima Barbosa***

UNIMONTES, Brasil

nay_rosa@yahoo.com.br


RESUMO
As transformações ocorridas à partir da segunda metade do século XX modificaram as relações socioeconômicas e culturais nos espaços rurais e urbanos impondo uma nova caracterização a eles. Uma das principais mudanças ocorridas foi a industrialização da agricultura que deixou evidente a distinção do mundo rural em duas realidades divergentes: o mundo rural moderno e o mundo rural tradicional. Uma das consequências dessa agricultura moderna é a homogeneização produtiva através de normas e padrões tanto público quanto privados. Essas estratégias visam reduzir os custos da cadeia produtiva do agronegócio e ampliar a competitividade através de boas práticas agrícolas conferido aos produtos maior qualidade. Neste sentido, considerando os diferentes recortes metodológicos e teóricos acerca das definições do rural e do urbano no Brasil, este estudo visa analisar as influências da homogeneidade produtiva, impostas pela nova governança, nas definições socioespaciais do rural e do urbano.
Palavras-chave: Agricultura. Rural. Urbano. Modernização. Nova governança.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Nayana Rosa Freire, Claudiana Aparecida Leal de Araújo y Françoise de Fátima Barbosa (2018): “Homogeneidade produtiva e definições socioespaciais: consequências da nova governança”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (octubre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/10/consequencias-nova-governanca.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1810consequencias-nova-governanca


1 URBANO E RURAL: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
A dicotomia entre rural e urbano surgiu após a “urbanização da industrialização” notada pela maior oferta de emprego, com o desenvolvimento de novas infraestruturas e pelos avanços tecnológicos provocados pela Revolução Industrial (CÔRTES, 2008).
Nesse contexto, o urbano passa a ser compreendido como um local de oferta de infraestrutura física e material, ou seja, sinônimo de progresso e desenvolvimento. Enquanto que o rural além de ser o local de realização das atividades primárias era associado ao conservador e atrasado (CÔRTES, 2008).
Na perspectiva o conceito de urbano pode ser associado ao desenvolvimento das cidades que, por sua vez, conforme Wolf (1976), pode ser relacionado ao desenvolvimento da civilização. Portanto, a cidade é um local útil por centralizar e exercer diversas funções voltadas ao atendimento de uma sociedade complexa e possui diversas formas. Nesse contexto, o camponês é alguém que tem um relacionamento duradouro com a cidade através da troca de seus cultivos.
Entretanto, para Wolf (1976, p.26): “não é a cidade, mas o Estado que constitui o critério decisivo para o reconhecimento da civilização, sendo o aparecimento do Estado o limiar da transição entre cultivadores de alimentos em geral e camponeses”.
Há um contraste entre a cidade e a vida rural, especialmente no que se refere à multiplicidade social, econômica e ocupacional proporcionada pela metrópole. Neste sentido, nota-se que o ritmo de vida no campo possui uma dinâmica de tempo diferente das cidades, o que pode explicar as relações mais emocionais e próximas existentes na área rural (SIMMEL, 1973).
Essas interações são retratadas por Mendras (1978) como relações sociais homogêneas que permite o reconhecimento entre a sua população, que passa a desenvolver uma série de relações de vizinhança compartilhando um mesmo sistema de valores.
Na visão de Wirth (1973) o urbanismo deve ser encarado como um modo de vida sem apresentar uma delimitação física, pois se assim fossem, as características urbanas deveriam prevalecer até um limite fronteiriço, o que para o autor, não pode ser possível haja vista que o desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação e transporte expandiu o modo de vida urbano para além das cidades.
Torna-se relativo relacionar urbano com a densidade populacional, por isso, outros critérios devem ser encarados como relevantes para a caracterização das cidades. Na perspectiva sociológica “...uma cidade pode ser definida como um núcleo relativamente grande, denso e permanente, de indivíduos socialmente heterogêneos” (WIRTH, 1973, p.96).
Na visão gradualista tem-se a noção de continuum, ou seja, uma perspectiva de que a divisão territorial ente o urbano e rural tendia a ter um espaço intermediário que as mediava. Nesta representação espacial, na primeira metade do século XX, a ideia de continuum era representada através da delimitação de três tipos de sociedade: pequenas comunidades (primitivas), sociedades camponesas e as sociedades urbanas. As primeiras não possuem ligação com qualquer tipo de território e são autossuficientes; as segundas estabelecem algum tipo de relação com os meios urbanos, são sendo completamente autônomas; as últimas são identificadas pelas cidades desenvolvidas (CARMO, 2009).
Á partir da década de 1960, a urbanização passa a atingir o interior do país desenvolvendo cidades médias e pequenas e aumentando os fatores de dispersão e concentração. Nesse cenário, ocorreram diversas transformações estruturais e científicas que definiram uma nova configuração para os setores produtivos, especialmente aos processos relacionados à agropecuária.
Desse modo, sob a égide da revolução tecnológica criou-se, desde a década de 1960, um modelo de modernização agrícola baseado na acumulação de capital e que modificou toda a estrutura técnica, social e econômica da agricultura e pecuária, que passamos a chamar de agronegócio. Á partir de tal fato, a noção de continuum passou a se relacionar a forma que os processos de urbanização e modernização se inserem nos territórios rurais combinando aspectos urbanos e rurais. No entanto, nem é a tradição que se apropria dos aspectos urbanos nem é o moderno que invade os espaços rurais (CARMO, 2009). Segundo essa concepção:

[...] o processo de urbanização expande-se de forma contínua por zonas rurais consideradas mais tradicionais, o que significa que as áreas contíguas e próximas dos centros urbanos terão primazia, em termos de modernização, relativamente às localidades rurais mais distantes. Como podemos depreender, a noção de continuum é estruturada a partir da dualidade próximo-distante, estabelecendo-se, para o efeito, uma relação unívoca entre densidade material e densidade dinâmica, que tendem a desenvolver-se no mesmo sentido. Ou seja, as áreas periurbanas integram um maior dinamismo econômico, ao mesmo tempo que conhecem um significativo aumento populacional, quando comparadas com as zonas rurais mais periféricas (CARMO, 2009, p. 264-265).

           
A modernização da agricultura ocorreu com a inserção da biotecnologia, de novos produtos químicos e com a utilização mais intensiva de maquinário agrícola, alterando a composição tanto orgânica quanto técnica da terra e modificando os modos de produção agrícola (ELIAS E PEQUENO, 2006).
As consequentes mudanças nas relações sociais e de trabalho advindas da introdução do capitalismo no campo tornaram mais difíceis diferenciar os pequenos vilarejos ou arraiais de cidades a partir de hábitos culturais ou de características econômicas, pois, tal fato provocou uma generalização de valores, formas de sociabilidade, ideais, instituições, entre o mundo rural e o urbano (CARNEIRO, 1998).
A disseminação das inovações técnicas, científicas e informacionais no espaço agrário, pode explicar, em parte, a interiorização da urbanização, uma vez que o agronegócio demanda os espaços urbanos e a sociabilidade neles inseridos juntamente com o uso de terras agricultáveis, localizadas normalmente no interior do país (ELIAS E PEQUENO, 2006).
Essas áreas demandam mais assistência técnica e utilizam maior quantidade de bens científicos como inseticidas, fertilizantes, corretivos e novas sementes para o tratamento da terra e para o desenvolvimento dos produtos. Portanto, são essas condições que passam a coordenar os processos de armazenamento, plantio, colheita, empacotamento, transporte e comercialização, e difundem processos que perpassam os territórios e sociedades, levando a certa homogeneização e racionalização de práticas (SANTOS, 2000).
Dessa forma, a emergência de novos sistemas produtivos agrícolas exigiu uma nova funcionalidade das cidades, neste caso porque a organização territorial urbana tornou-se fundamental ao campo moderno, especialmente por viabilizar a formação de redes voltadas à produção e comercialização agrícola (FREDERICO, 2011)
Nessas localidades, há uma intensa e imediata oferta de informação necessária à atividade agrícola e que produz uma atividade urbana intimamente especializada e voltada ao atendimento do consumo das famílias e da administração. Surgem cidades polos indispensáveis ao comando técnico da produção e que servem de residência tanto de funcionários de empresas e da administração pública quanto de trabalhadores do campo, os quais Milton Santos denomina de urbano residentes (SANTOS, 2000).
O atendimento das principais demandas de recursos financeiros, mão de obra, insumos, máquinas, aportes jurídicos e assistência técnica, etc, ou seja, o suprimento dos principais bens e serviços inseridos na cadeia produtiva do agronegócio é realizado pelas cidades mais próximas da atividade produtiva aumentando a economia urbana e provocando redefinições regionais que Milton Santos chamou de cidade campo e adaptado para cidades do agronegócio por Elias e Pequeno (2007). 
As cidades do agronegócio materializam as características da reprodução do capital do agronegócio globalizado, em que há uma crescente demanda por produtos e serviços especializados juntamente com o atendimento de suas funções principais promovendo um crescimento tanto do tamanho quanto do número de cidades brasileiras. Dessa forma, mais urbana se torna a normatização, gestão e a regulação da agropecuária. E quanto mais globalizados os círculos de cooperação e circuitos espaciais da produção mais complexas as relações campo-cidade se tornam, provocando a organização de um novo sistema urbano composto de pequenas e médias cidades importantes para a realização do agronegócio (ELIAS E PEQUENO, 2007).
Esse processo de adaptação das regiões agrícolas modernas, ou seja, dessa maior inter-relação entre campo e cidade é, para Santos (2000, p.45):
[...] criador de ambiguidades e de perplexidades, mas também de uma certeza dada pela emergência da cidade como um lugar político, cujo papel é duplo: ela é um regulador do trabalho agrícola, sequioso de uma interpretação do movimento do mundo, e é a sede de uma sociedade local compósita e complexa, cuja diversidade constitui um permanente convite ao debate.

Essa cidade também tem um papel político frente à produção até o momento em que a produção agrícola ainda não tem uma vocação global, à partir desse ponto, o papel político da cidade torna-se limitado e incompleto (SANTOS, 2000). Nesse sentido, o acesso ao mercado do agronegócio globalizado enfrenta diversos desafios relacionados ao aumento da interdependência dos diversos agentes presentes na cadeia produtiva do setor, especialmente ligados a mecanismos comerciais, restrições mercadológicas, regras e controles cada vez mais exigentes ao mercado agropecuário.
No entanto, os instrumentos modernizadores sobre a agricultura que seguiram os modos de vida e padrões de produção urbano-industrial não apresentaram consequências tão uniformes nas diferentes categorias de produtores se expressando de formas diferentes em universos sociais, econômicos e culturais heterogêneos. A propriedade tornou-se ainda mais concentrada com consequentes aumentos do êxodo rural e das desigualdades de renda, piorou a qualidade de vida da classe trabalhadora do campo com o aumento da taxa de exploração da força de trabalho nas atividades agrícolas e da auto-exploração das atividades menores (PALMEIRA, 1989; BUAINAIM, 2007).
As empresas agrícolas passaram a fazer parte de um mercado em que a concorrência demanda não só custos baixos como necessita também atender as certificações, normas e padrões de produção, gestão e comercialização que se encontram nas boas práticas agrícolas, rastreabilidade e análises biológicas. No entanto, a adoção de rígidos padrões de qualidade exige investimentos que deem condições para seu uso, caso contrário, não produzem efeitos.
A rastreabilidade e a certificação de produtos podem ser vistas sob dois pontos de vista: atendimento ao mercado interno e às exigências internacionais. No primeiro caso observa-se a agregação de valor através da diferenciação do produto; no segundo, têm-se a identificação das barreiras sanitárias – técnicas - (CONCEIÇÃO E BARROS, 2006)

2 NORMAS E PADRÕES PRIVADOS: A ESTRATÉGIA SEM FRONTEIRAS NO MERCADO AGRÍCOLA

            Um produto ou um processo produtivo padronizado pode ser definido como aquele que atende a um conjunto de especificações relacionadas ao tamanho, design, peso, dimensão ou qualquer outro atributo. Quando essas características passam a fazer parte das exigências de grande parte do mercado, tornam-se uma norma. Mesmo que não esteja dentro das demandas estabelecidas, um produto pode ainda ser vendido sem qualquer penalidade. Contudo, os produtos em conformidade com as normas podem ganhar uma parcela maior de mercado por terem na padronização uma sinalização de qualidade (STEPHENSON, 1997).
O principal objetivo das normas é facilitar as transações comerciais e dar apoio ao desenvolvimento do mercado. Como incorporam informações sobre o conhecimento tecnológico, aderir a elas pode ajudar a disseminar as tecnologias adotadas em processos e produtos e melhorar a alocação de recursos. Sendo assim, a padronização estimula às empresas a melhorarem a confiabilidade e a qualidade de seus produtos ao nível exigido pelo mercado, especialmente entre empresas da mesma cadeia produtiva, em que os padrões são necessários para promover o crescimento de toda rede (MASKUS e WILSON, 2000).
Além disso, com a normatização dos produtos, a demanda por bens complementares aumenta, assim como a elasticidade de substituição da demanda entre produtos semelhantes (HARRISON, ET AL, 1996). As normas e regulações podem gerar também economias de escala, uma vez que os produtores lidam com uma gama limitada de características do produto ou processos (STEPHENSON, 1997). Nota-se que como os bens intermediários também estão sujeitos à padronização, a qualidade dos bens finais tende a melhorar.
Por outro lado, a adesão às normas e regulamentações técnicas gera custos às empresas que poderiam reduzir a competição. Os custos de adesão referem-se a gastos com design do produto, desenvolvimento de um sistema administrativo, controle e testes de qualidade e certificação, e reformulação de ingredientes de um produto.
Existem três tipos de normas: i) normas referentes à produção, estabelecendo condições em que os produtos devem ser fabricados; ii) normas relacionadas ao produto, em que são exigidas características básicas de desempenho, nível máximo de emissões nocivas ou toxidade, teor nutritivo mínimo, ou compatibilidade com redes de componentes; iii) exigências de rótulo, que possibilita que os consumidores tenham conhecimento acerca das características do produto ou da produção (MASKUS e WILSON, 2000).
As normas podem resultar de um "consenso voluntário" ou por um "processo coordenado formal" em que os participantes de um determinado mercado concordam voluntariamente em aderir àquelas determinações. Essas normas podem ser desenvolvidas no âmbito global, através da normatização de organismos internacionais, ou nacional (STEPHENSON, 1997).
Destaca-se que apesar dos termos padrão privado e padrão voluntário serem frequentemente utilizados como sinônimos, eles não são. Os governos podem definir normas cujo cumprimento é voluntário ou mesmo, podem exigir que as normas privadas sejam cumpridas. O Quadro 1 distingue as normas obrigatórias e voluntárias estabelecidas por entidades públicas ou privadas.

            Os padrões privados são entendidos como critérios desenvolvidos por entidades privadas, tais como organizações não-governamentais, empresas ou outras formas de governança. A definição das normas voluntárias depende da forma e do nível de poder exercido pelas entidades para a adoção das normas. Normas privadas mesmo que se tornem obrigatórias, podem ser impostas pelo setor privado, tornando-as obrigatórias apesar da sua não-legalidade. Por outro lado, elas podem ser adotadas pelo Estado, através de imposições legais. Nesse caso, são definidas como padrões voluntários legalmente impostos, pois o seu cumprimento é obrigatório. A exemplo desse tipo de norma temos a ISO 9000, que engloba pontos referentes a qualidade das empresas (HENSON, 2009).
Os governos também adotam normas voluntárias que podem ser denominadas de "leis opcionais". Pode ocorrer de uma norma pública voluntária se tornar norma privada voluntária, é o caso da Safe Quality Food (SQF), que foi desenvolvido pelo governo da Austrália Ocidental e classificado como uma norma pública voluntária, mas que foi posteriormente adotada pelo Food Marketing Institute (indústria de atacado e varejo no setor de alimentos) passando a ser reclassificada como padrão voluntário privado (HENSON, 2009).
As certificações e normas públicas podem facilitar o funcionamento de mercado, pois apresentam características do produto como processo produtivo, impacto em seu uso, ingredientes, reduzindo as externalidades negativas e a assimetria de informação entre vendedor e comprador. Uma medida muito adotada por diversos governos para o controle da segurança alimentar é o sistema padronizado do Hazard Analysis and Critical Control Point (HACCP).         
Já os padrões privados são aqueles estabelecidos por instituições privadas e a obrigatoriedade de suas normas depende do poder de mercado que elas possuem, dessa forma, eles são considerados voluntários quando a empresa que os cria não tem poder para impô-los. De um modo geral, a padronização é utilizada para que os processos, os produtos, os materiais, os sistemas de gestão e serviços possam cumprir suas funções de forma adequada (AMARAL, 2014).
Diversos fatores estão por trás da evolução das normas privadas, entre eles estão: a preocupação com a segurança alimentar; ampliar a responsabilidade coorporativa para reduzir os riscos de reputação; globalização das cadeias produtivas e sua integração vertical através de um maior relacionamento entre comprador e fornecedor; e expansão de supermercados de varejo de alimentos no nível nacional e internacional (OMC, 2007). O principal objetivo de um processo de padronização relaciona-se a meta que a instituição visa alcançar à partir do cumprimento de tais critérios. Pode-se agrupar esses objetivos em: diferenciação dos produtos, promoção de valores éticos e suprimentos.
A padronização privada tem uma série de vantagens como: i) criar vantagens competitivas; ii) ampliar o número de fornecedores; e, iii) alcançar objetivos comuns em uma plataforma não competitiva. Além do mais, as normas podem ser consideradas como um instrumento eficiente de gestão das cadeias produtivas por padronizar o suprimento de insumos e reduzir os custos de transação. As empresas adotam as normas como meio de construir sua marca com credibilidade e garantir a oferta qualitativa e quantitativa de seus produtos (ITC, 2011).
O Quadro 2 apresenta os conjuntos de normas privadas que são formadas com intuito de harmonizar os esforços de várias instituições para reduzir o risco de toda a cadeia produtiva. A primeira categoria mostrada pelo Quadro 2, apresenta os padrões definidos por firmas individuais em que os padrões são estabelecidos ao longo da cadeia produtiva e seu alcance vai depender do poder de mercado que o varejista possui. Esses são entendidos como submarcas das empresas e como um indicador de qualidade dos produtos. A segunda categoria refere-se aos padrões coletivos nacionais que executam suas operações dentro de determinado território.
Por isso, são indicadores de qualidade de um produto em regiões específicas, mas podem ter um alcance internacional na medida em que forem adotados por varejistas que queiram se integrar à cadeia produtiva. São identificáveis por meio de selos e rótulos que, no interesse de obter alguma vantagem competitiva, podem ser utilizados por produtores de outras regiões. Na terceira, estão os padrões coletivos internacionais, realizados por organizações industriais e não governamentais, ou alguma organização coletiva internacional mas que representam os interesses de entidades específicas.

            Uma norma privada possibilita ampliar o mercado por meio da criação de comércio, mas ela apresenta alguns desafios especialmente para os fornecedores dos países em desenvolvimento. As dificuldades estão relacionadas às preocupações com o conteúdo dos regimes privados; e com a capacidade dos operadores em reconhecê-los.

3.1 Normas privadas na cadeia produtiva de frutas

            O comércio de frutas é largamente afetado por barreiras sanitárias e fitossanitárias, por isso, a implantação de normas de qualidade do produto e a obtenção de certificados pode contribuir para reduzir tais impedimentos (HERRERA, V.E. et al., 2010)
Para a ampliação de seus mercados em ambientes internacionais de alta exigência de qualidade, a certificação de frutas tornou-se quase que obrigatória. Nesse sentido foram criados mecanismos públicos e privados para assegurar padrões de qualidade e proteção aos mercados. A Tabela 3, apresenta a classificação e alguns exemplos desses.

            As normas resultam em três funções principais para as grandes redes de varejo alimentar: primeiramente, podem melhorar a gestão sobre a qualidade do produto ao longo da cadeia alimentar; segundo, permite reduzir os riscos de contaminação alimentar adequando o processo produtivo e/ou produto padrões técnicos mínimos exigidos pelas regulamentações nacionais e/ou internacionais, ou seja, reduz o "risco-padrão-mínimo"; e terceiro, proporciona ampliar estratégias de diferenciação produtiva e valorização da marca comercial da empresa (JÚNIOR, 2013).
No entanto, a adoção de normas pode elevar os custos de produção, tendo em vista os custos iniciais de implantação da certificação e os custos de manutenção relacionado ao novo parâmetro produtivo. Esses custos são mais elevados para os pequenos produtores e tendem a ampliar quanto maiores os esquemas de certificação que o produtor adere (JÚNIOR, 2013).
O Quadro 3 mostra alguns exemplos, de normas e regulamentações no setor de frutas e sucos.

            A GlobalGap é uma organização privada cujo objetivo é estabelecer critérios para a certificação de produtos agrícolas. Tem uma aceitação mundial e funciona como um sistema de gestão de qualidade. Essa certificação, anteriormente denominada de EuroGAP, iniciou suas atividades em 1997 através da organização de varejistas europeus pertencentes ao Euro-Retailer Produce Working Group (EUREP). Esses agricultores formaram um órgão cujo interesse era homogeneizar as diferentes normas adotadas por eles e que atendiam aos interesses dos consumidores no que se refere a segurança alimentar, relações de trabalho, responsabilidade ambiental.
Com esses intuito, eles desenvolveram as normas e procedimentos das Boas Práticas Agrícolas (BPA) na agricultura convencional, dando importância à Gestão Integrada das Culturas e ao bem-estar dos trabalhadores de setores como: café, aquicultura, frutas e vegetais, flores ornamentais, e Integrated Farm  Assurance (IFA) (JUNIOR, 2010).
A adesão das agroindústrias e produtores ao sistemas de gestão baseados em Boas Práticas de Fabricação (BPF's) e Boas Práticas Agrícolas (BPA's), dão garantias de qualidade do produto ao consumidor por meio de certificações, indicando que a produção respeita as normas de preservação ambiental, adequação à legislação, condições justas e seguras de trabalho e produtos finais inócuos. Por meio desses sistemas, a produção é rastreada garantindo o controle rígido de cada área de produção (IBRAF, 2013).
Dentro da inovação na gestão de produção de frutas, criou-se no Brasil um protocolo de certificação pública denominado Produção Integrada de Frutas (PIF), e que serve de estímulo a atividade em questão. Logo, torna-se relevante sua apresentação tendo em vista que tem fundamentos bastante parecidos com o GLOBALGAP e, por isso, auxilia aqueles produtores que desejam alcançar tal certificação.
Observa-se também que desde que foi implantada no Brasil a Produção Integrada de Frutas reduziu em 44% os custos do mamão e 40% da maçã. Tal fato pode ser associado ao menor uso de defensivos químicos nos plantios (BUAINAIN E BATALHA, 2007).
Ademais as normas estabelecidas para a PIF possibilita o maior acesso dos produtores brasileiros ao mercado europeu e norte-americano. A União Européia (UE) é a nossa maior importadora, em torno de 65% do volume total de frutas exportado, e uma das suas principais exigências, a partir de 2003, é a proibição das exportações das maçãs que são produzidas pelo sistema convencional (BUAINAIN E BATALHA, 2007).

3 CONCLUSÃO

            O debate acerca da caracterização do rural e o urbano coloca em evidência as divergências e dificuldades de tal definição intensificadas pela evolução da produção agrícola que tem se tornado cada vez mais moderna e competitiva.
Neste aspecto, a ideia de continum tem ganhado espaço não só em termos teóricos quanto nas representações práticas. As estratégias de normatização e padronização da produção agrícola são exemplos disso, uma vez que são traçadas para ampliar os mercados e facilitar a comercialização dentro da cadeia produtiva do agronegócio reduzindo as restrições comerciais e aproximando o mercado de trabalho, o consumo e os modos de vida urbano e rural.
Nota-se, portanto, que a definição de rural e urbano tende a se tornar cada vez mais complexa reduzindo cada vez mais as variáveis condicionantes dessa relação.

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*Mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Montes Claros (2006). Atualmente é responsável pelas cadeiras de Economia Rural; Políticas Governamentais do Agronegócio; Macroeconomia voltada à Gestão Pública; Introdução à Economia, Indicadores Econômicos e Sociais; e Fundamentos do Comércio Exterior na Unimontes.
** Graduada em Ciencias Contábeis (2008) e Mestre em Desenvolvimento Social (2014) pela Universidade Estadual de Montes Claros. Atua na Docência do ensino superior dos cursos de Ciências Contábeis, Gestão Pública e Tecnólogo em Agronegócio da Unimontes e nos cursos técnicos em EAD pelo Instituto Federal de Norte de Minas.
*** Mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. MBA especialização em Gerência de projetos pela Fundação Getúlio Vargas - FGV (2006). Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Montes Claros (2003). Atualmente é responsável pelas cadeiras de Economia Internacional I, Economia II e pela Coordenação do Curso de Ciências Econômicas da UNIMONTES.

Recibido: 27/09/2018 Aceptado: 02/10/2018 Publicado: Octubre de 2018


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