Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


VILA DE PEDERNEIRAS: CARTOGRAFIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE AUTO RECONHECIMENTO E AFIRMAÇÃO TERRITORIAL, MUNICÍPIO DE TUCURUÍ- AMAZÔNIA- BRASIL

Autores e infomación del artículo

Luciana de Oliveira Cruz*

Gilberto de Miranda Rocha**

Érika Renata Farias Ribeiro***

Universidade Federal do Pará, Brasil

gilrocha@ufpa.br


RESUMO

A Vila de Pederneiras é uma comunidade pertencente a área rural do município de Tucuruí, localizado no estado do Pará, onde foi realizado um estudo aplicando a cartografia social visando entender a autoafirmação territorial da comunidade, com base nos costumes e hábitos de sua população. O objetivo foi o levantamento de informações e dados históricos sobre a vila, visando sua sistematização em uma linha temporal. Assim, realizou-se um levantamento de informações sobre a origem a comunidade até suas configurações territoriais atuais, através de uma representação cartográfica elaborada pelos moradores. Para isso, foram desenvolvidos vários métodos como: entrevistas, registros fotográficos e o uso de um Veículo Aéreo não Tripulado (VANT). O propósito que movia o estudo foi alcançado, permitindo que os dados colhidos fossem sistematizados e inseridos conforme as convenções cartográficas, permitindo o conhecimento do lugar. Isso tudo, através da participação da comunidade por meio de memórias sobre seu espaço de vivência, valorizando o olhar do sujeito numa perspectiva cultural e territorial

Palavras-Chave: Cartografia; Social; Território; Cultura; Comunidade.

VILA DE PEDERNEIRAS: CARTOGRAFÍA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE AUTO-RECONOCIMIENTO Y AFIRMACIÓN TERRITORIAL, MUNICIPIO DE TUCURUÍ, AMAZÔNIA-BRAZIL

RESUMEN

La Vila de Pederneiras es una comunidad perteneciente al área rural del municipio de Tucuruí, ubicado en el estado de Pará, donde se realizó un estudio aplicando la cartografía social para entender la autoafirmación territorial de la comunidad, con base en las costumbres y hábitos de su población. El objetivo fue el levantamiento de informaciones y datos históricos sobre la villa, visando su sistematización en una línea temporal. Así, se realizó un levantamiento de informaciones sobre el origen a la comunidad hasta sus configuraciones territoriales actuales, a través de una representación cartográfica elaborada por los habitantes. Para ello, se desarrollaron varios métodos como: entrevistas, registros fotográficos y el uso de un Vehículo Aéreo No Tripulado (VANT). El propósito que movía el estudio fue alcanzado, permitiendo que los datos recolectados fueran sistematizados e insertados conforme a las convenciones cartográficas, permitiendo el conocimiento del lugar. Todo ello, a través de la participación de la comunidad por medio de memorias sobre su espacio de vivencia, valorando la mirada del sujeto en una perspectiva cultural y territorial

Palabras clave: Cartografía; Social; Territorio; La cultura; Comunidad.

VILA DE PEDERNEIRAS: SOCIAL CARTOGRAPHY LIKE INSTRUMENT OF SELF RECOGNITION AND TERRITORIAL AFFIRMATION, MUNICIPALITY OF TUCURUÍ, AMAZONIA-BRAZIL.

ABSTRACT

The village of Pederneiras is a community belonging to the rural area of ​​the municipality of Tucuruí, located in the state of Pará, where a study was carried out applying social cartography to understand the territorial self - assertion of the community, based on the customs and habits of its population. The objective was the collection of information and historical data about the village, aiming to systematize it in a timeline. Thus, a survey of information about the origin of the community was carried out to its present territorial configurations, through a cartographic representation elaborated by the residents. For this, several methods were developed such as: interviews, photographic records and the use of an Unmanned Aerial Vehicle (UAV). The results were positive and the purpose of the study was achieved, allowing the collected data to be systematized and inserted according to the cartographic conventions, allowing the knowledge of the place. All this, through the participation of the community through memories about their living space, valuing the subject's perspective in a cultural and territorial perspective.

Keywords: Cartography; Social; Territory; Culture; Community.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Luciana de Oliveira Cruz, Gilberto de Miranda Rocha y Érika Renata Farias Ribeiro (2018): “Vila de pederneiras: cartografia social como instrumento de auto reconhecimento e afirmação territorial, município de Tucuruí- Amazônia- Brasil”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (octubre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/10/cartografia-social-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1810cartografia-social-brasil


1. INTRODUÇÃO

A proposta deste estudo científico é demonstrar a autoafirmação territorial da comunidade da Vila de Pederneiras, pertencente ao município de Tucuruí-Pará, por meio da cartografia social, a partir dos conhecimentos empíricos e experienciados de sua população sobre o local. A necessidade de se abordar esse tema está relacionada a ausência pesquisas sobre o lugar com destaque para relações sociais estabelecidas neste espaço.
É imprescindível a compreensão de vários elementos para entender a constituição do território da comunidade a ser estudado, e um desses fatores são os grupos sociais que compõem o espaço do município de Tucuruí e suas proximidades.  Assim, os fatores históricos de imigração estão atrelados a origem do município citado, e que os grandes projetos implementados, estrada de ferro Tocantins-Araguaia e a construção de uma Usina Hidrelétrica no Rio Tocantins, alavancaram a chegada de inúmeras pessoas em busca de trabalho e promessas de melhorias para suas vidas.
A cultura da população da Vila de Pederneiras tem influência notória na territorialização da comunidade. Baseado nisso, temos alguns fatos hipotéticos que podem ter levado a consolidação da formação territorial da localidade estudada, na qual os aspectos culturais passados pelos ancestrais dos moradores da vila, podem estar associados à escolha do local a ser estabelecida a moradia da comunidade.
Deste modo, por reunir uma série de fatores convergentes para um desenvolvimento dos habitantes, como recursos naturais, por exemplo, assim como os elementos históricos da dinâmica regional, podem ter levado a população inicial a fixar-se e criar elementos caracterizadores de um território. São regras, relações de poder e relações econômicas, a exemplo, pode-se citar a saída das terras de origem dessa população devida diferenças ideológicas, já que a comunidade detém descendência quilombola e ribeirinha, ou seja, esses grupos podem ter se deslocado em busca de um referido local, onde poderia encontrar benefícios para os mesmos, conforme o modo de vida de cada grupo.
Atualmente a Vila de Pederneiras mantém seus aspectos de origem, diferentemente do município de Tucuruí, que hoje apresenta uma paisagem urbana. A carga cultural deixada por seus primeiros habitantes transpassou o tempo, e é bem evidente na comunidade que abriga uma pequena população com suas especificidades relacionadas ao seu modo de vida. Diante desse quadro, indaga-se como se pode compreender a territorialização existente na comunidade de Pederneiras?
Observou-se a necessidade de estudos nesse âmbito para atribuir uma relevância a Vila de Pederneiras enquanto patrimônio histórico e territorial do município de Tucuruí, PA, bem como a pesquisa proposta também colaborou para uma coleta de dados da comunidade, sistematizando-os para possíveis pesquisas sobre o assunto. Um elemento a enfatizar sobre o estudo dessa natureza é o registro em trabalho científico, relacionado à história, cultura e a territorialização da população na comunidade para que não se torne obsoleto.
Os objetivos desse trabalho são os de compreender o processo de territorialização da Vila de Pederneiras com base nos elementos culturais da população, que influenciam em sua territorialização. Deste modo, percebeu-se o modo de vida associado à existência da vila na atualidade, possibilitando construir representações cartográficas que expressem sua organização territorial.
Destaca-se que a Vila de Pederneiras foi modificada conforme o fluxo populacional que aumentava e (re)configurava o espaço da localidade e do entorno, influenciando diretamente no comportamento dos habitantes. A população atual é composta apenas por uma família, que está se adequando aos novos contextos sociais advindos das transformações causadas pela chegada dos grandes projetos na Amazônia.
Visando a busca de dados e informações, vários procedimentos metodológicos foram desenvolvidos, como: entrevistas, pesquisa documental referentes a vila e utilização de fotografias aéreas. Foram entrevistadas cinco famílias, onde um questionário foi elaborado com perguntas chaves, como por exemplo, questões de como era o atual modo de vida da população. A busca por documentos se sucedeu com idas a prefeitura do município e também com membros da comunidade, das quais disponibilizaram gentilmente todo material que pudesse embasar a pesquisa. Ocorreu a obtenção de um drone ou VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado) na qual puderam ser retiradas fotografias aéreas, tendo assim, uma melhor visão e compreensão do território da comunidade.
Diante dos levantamentos realizados, os resultados surgiram e ficaram dentro do esperado, demonstrando que os costumes e tradições dos moradores da vila foram decisivos para sua territorialização neste espaço. Nesse cenário existem quilombolas, ribeirinhos e uma paisagem marcada pela presença do rio, tornando-se quase que tangível por ser um elemento natural intimamente ligado a forma de vida de seus habitantes.

3. A CARTOGRAFIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE AFIRMAÇÃO TERRITORIAL DE POPULAÇÕES TRADICIONAIS

3.1. A CARTOGRAFIA SOCIAL, TERRITÓRIOS E POPULAÇÕES

Desde o seu surgimento nas civilizações antigas como a grega e a romana, passando pela era das grandes navegações, até os dias atuais, o mapa, enquanto instrumento de orientação e localização, sempre exerceu um papel de extrema importância em vários aspectos políticos, científicos e sociais. Moço (2011) fala que os mapas eram também utilizados como recursos para a expansão de civilizações e o seu desenvolvimento ficava a serviço do poder, pois eram fundamentais em estratégias militares e na conquista de povos.  “Os primeiros mapas eram feitos em rochas ou peles de animais, desta maneira inúmeras civilizações buscavam representar as suas relações espaciais de maneira gráfica.” (LIMA; JÚNIOR, 2011. pg. 01).
Nos séculos XV e XVI registrava-se o início das grandes expedições marítimas, fator que alavancou o exercício de cartografar, dando um salto evolutivo, dos quais vários motivos se tornaram responsáveis por esse avanço, um deles foi a busca pela perfeição dos mapas, confeccionados e elaborados a mão por equipes e indivíduos capacitados para tal, a bússola originada na China, torna-se um uma ferramenta imprescindível à criação dos mapas, o que consequentemente levou ao seu aperfeiçoamento.
Não obstante, essa desenvoltura cartográfica não se dava apenas por motivos expedicionários, dado o momento que a sociedade daquele determinado período percebia o poder e eficácia do mapa, seus usos se diversificaram. Ainda nos primórdios dos “descobrimentos” o mapa já se tornara um objeto de comércio, onde o sistema capitalista acentuava-se, e caminhava rumo sua ascensão. Concorda Martinelli (2003) que o grande avanço da cartografia se deu centrado na Europa, pois estava relacionado com o Renascimento (séculos XIV e XVI) época essa na qual começaram a surgir as relações capitalistas.
Um dos seus principais usos foram para guerras e conflitos em geral, situação essa que se sucede até os dias atuais, porém, não mais “rústicos” e “primitivos” quanto antes, agora compostos através de meios tecnológicos.
Durante muito tempo os mapas se restringiam apenas em finalidades distintas como as de caráter explorador ou militar, além disso, eram objetos referidos de simbolismo para disseminar e firmar a soberania de uma classe subjugadora, posto que, os mapas apresentam um caráter dominador e de poder. Entretanto, com o passar dos anos, os usos dos mapas ampliaram-se de maneira rápida e abrangente, acompanhando os novos contextos mundiais que surgiam. 
De acordo com Martinelli (2009) desde os primórdios, o homem registra o espaço onde vive, logo, trata-se de uma necessidade social. Essa retratação sócio espacial na verdade atendia somente a parcela elitizada da sociedade. Concorda Lima; Junior (2011) que esses grupos dominantes, ao mapear, desconsideravam o conhecimento da população local, no sentido que suas práticas subjugavam a apropriação e o uso do espaço que essas comunidades possuíam. Este pensamento perdurou durante um longo período de tempo, bloqueando a entrada de qualquer nova concepção em relação a um mapeamento que subsidiasse também as classes menos favorecidas e grupos marginalizados.
No Canadá e no Alasca, cerca de quatro décadas atrás, um grupo de esquimós participou do mapeamento de sua área de habitação, ação esta que visou o respaldo em relação a posse daquele território, somando também para uma fortificação cultural. Esta foi a primeira manifestação registrada de mapeamento participativo oriundo de uma Cartografia Social.
“Cartografia Social constitui-se como um ramo da ciência cartográfica que trabalha de forma crítica e participativa, com a demarcação e a caracterização espacial de territórios em disputa, de grande interesse socioambiental, econômico e cultural, com vínculos ancestrais e simbólicos”. (GORAYEB; MEIRELES, 2014. pg. 05).
Conceito esse complementado e reforçado por Herrera (2008), o qual afirma que cartografia social é utilizada para construir conhecimento de maneira coletiva, é uma abordagem da comunidade em relação ao seu espaço geográfico, histórico cultural, socioeconômico.
Inúmeros estudiosos também contribuem com suas pesquisas e tem sua visão própria sobre como se caracteriza a cartografia social, Farias Júnior (2010) coloca que a Cartografia Social possibilita a politização dos mapas, que antes eram dominados por estratagemas tecnicistas controlados por agências goveridntais e empresas multinacionais. Nesse sentido, os mapas são incorporados nas lutas sociais pondo em evidência os fatores étnicos, religiosos de gênero e as disputas por recursos naturais.
A cartografia social surge então como uma forma de manifestação e valorização dos conhecimentos empíricos da população, antes rejeitados e desnecessários para a elaboração de um mapa, que muitos pesquisadores e estudiosos ainda defendem esse pensamento. Podese compreender isso com base em Haley (1995), ao destacar que os mapas são essencialmente uma linguagem na qual se manifesta poder e não uma linguagem de contestação.
A cartografia social não está limitada apenas em atender somente grupos sociais ditos excluídos, também tem sido usada para fins que beneficiam os setores privados. Acselrad (2008) destaca que o debate contemporâneo sobre as cartografias sociais e mapeamentos participativos podem ser visualizados, ora como esforços de resistência às dinâmicas da globalização, ora como instrumento de apoio à efetivação mesma destas dinâmicas.
Nesse âmbito persiste a controvérsia sobre a cartografia social ser executada de maneira que realmente busque difundir o objetivo proposto, que é criar um mapa o qual seja deveras originário de uma participação coletiva. Desse modo, esses atores poderão entender o que nele está exposto, já que um mapa contém muito mais que uma simples representação de determinada área, estando presentes as relações dos indivíduos e sua interação com o meio ambiente.
Um assunto bastante pautado na discussão sobre fazer uma cartografia social é o uso dos SIG’s (Sistema de Informação Geográfica) que são basicamente um conjunto de sistemas computacionais (softwares e hardwares) aliados a recursos humanos que facilitam a análise e representação do espaço. A utilização dessas unidades tecnológicas “desconfigura”, de certa forma o seguimento da ideia central, posto que deveria se trabalhar em um grupo, onde todos possam manifestar suas opiniões e ideias, para ser acrescentado ao mapa.
Não obstante, muitos estudiosos defendem o uso dos SIG’s que podem ser considerados um alicerce para a construção do conhecimento social empregado, e outros relatam sobre o propósito, em benefício de áreas opostas da cartografia social. Segundo Acserald (2008), o uso de SIG tem sido promovido por membros dos setores públicos e privados, no qual acreditam que o acesso a essas ferramentas computacionais e formulários de dados digitais são uma parte essencial de uma democracia habilitada, pelas tecnologias da informação.

3.2. O MAPEAMENTO PARTICIPATIVO OU SOCIAL

A expansão, exploração e apropriação indevida de territórios onde habitam grupos sociais distintos ou comunidades tradicionais (principalmente no espaço amazônico) como pescadores, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, colonos e indígenas ocorre com bastante frequência, afetando os recursos naturais da região procedente, além da geração de conflitos entre os habitantes dessas áreas e aqueles que buscam obter, sem o respaldo legal ou de maneira ilícita, a posse desses locais específicos.
Um aliado recente desses povos tradicionais, na luta por seus direitos, e na resistência frente aos fatores que objetivam a tomada de seus domínios é o mapeamento participativo.  Para Linhares; Santos (2017) o mapeamento participativo é um método, que estabelece uma associação entre o conhecimento tradicional ao conhecimento científico. Desta forma, há sistematização de dados, informações a partir da ótica de grupos sociais, que muitas vezes, não tiveram oportunidade de expressar, de forma ampla, seus conhecimentos em relação as áreas que vivem, suas necessidades.
Para Silva (2012) com a ajuda de instrumentos tecnológicos como imagens de satélites, cartas, mapas, entre outros, o mapeamento participativo pode ser executado a partir de conhecimentos de um determinado grupo referente ao seu meio de habitação.
Andrade; Carneiro (2009) falam o quão importante é este instrumento para compreensão do uso do espaço pelas comunidades, que ficam encorajadas a modelar e desenhar os detalhes devem ser incluídos, apagados ou modificados durante a elaboração dos documentos cartográficos.
Costa et al. (2016) ainda acrescentam sobre o dinamismo que os mapas oferecem, sendo estes passivos de mudanças, pois, os atores ativos nessa prática têm a capacidade de produzir diversos mapas em diferentes momentos históricos sobre o mesmo espaço. Os mapas são dinâmicos e as lutas dos movimentos sociais não são fixas, novos desafios são postos a todo o momento para as comunidades, o que propicia a construção e reconstrução dos mapas.
Vale ressaltar também que a valorização dada à essas populações é muito significativa, quando se é sugerido um trabalho desse aspecto, Gorayeb (2014) menciona que um grupo de indivíduos não pode ser compreendido sem o seu território, no sentido de que identidade sociocultural das pessoas está, invariavelmente, ligada aos atributos da paisagem.
O primeiro registro desse tipo de ação no Brasil aconteceu na Amazônia pertencente ao estado do Pará, por volta de 1970, promovido pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, cujo coordenador é o professor Alfredo Wagner, da Universidade do Estado do Amazonas. Essa prática se originou a partir da instalação do Programa Grande Carajás, iniciado em 1980, cuja função era a exploração mineral, difundida pela empresa anteriormente chamada Vale do Rio Doce S.A, atualmente denominada Vale S.A.
A partir desse momento, o mapeamento participativo começa a ser utilizado em muitas situações semelhantes, baseadas principalmente na implementação de grandes projetos, com ênfase no território amazônico, como as usinas hidrelétricas, estradas de ferro, madeireiras e mineradoras, visto que as populações menores ficam, de certa forma, vulneráveis a esse tipo de imposição espacial, e precisam revogar seus direitos enquanto habitantes primários dessas áreas, o qual são, na maioria das vezes, remanejados sem qualquer auxílio por parte dos responsáveis pelos projetos.
Embora seja bastante vantajoso e com diversos benefícios, executar um mapeamento participativo exige algumas medidas que devem ser tomadas antes do momento principal, onde são elaborados os mapas pelas comunidades ou grupos. Nessa primeira etapa deve-se convocar um encontro com os moradores dos locais o qual se vai aplicar o mapeamento social, para repassar os fatores teóricos de como será executada a prática.
O pesquisador em questão precisa expor os conhecimentos que serão necessários para um desempenho satisfatório da atividade proposta, ou seja, fazer uma espécie de alfabetização cartográfica, explicando e ensinando os princípios básicos essenciais para a compreensão e produção do mapa advindo deste trabalho. Precisa-se mencionar que antes disso o pesquisador deverá fazer um levantamento bibliográfico, para obter um embasamento referente ao seu trabalho, lendo e estudando os autores que já detém pesquisas na área.
Andrade; Carneiro (2009) relatam que outros tipos de métodos são integrados ao mapeamento participativo. Reuniões, debates e capacitações são exemplos de métodos incorporados que auxiliam a integração entre geógrafo e comunidade. “A educação cartográfica é um elemento importante, pois a elaboração de documentos cartográficos exige que as comunidades possuam o mínimo entendimento de cartografia.” (ANDRADE; CARNEIRO, 2009. pg. 04).
Os métodos de aplicação do mapeamento participativo são variados, desde a criação de representações feitas com riscos e desenhos no chão, até aquelas constituídas com materiais tecnológicos, como: Imagens de satélites, uso de GPS (Global Positioning System), e utilização de programas de geoprocessamento desenvolvidos a partir de informações computacionais, como o ArcGIS e o QGIS. Obviamente o método escolhido deverá atender as necessidades da pesquisa, ter maior compatibilidade e acessibilidade para com a comunidade e o local onde será exercido.
Destaca-se também a relação entre pesquisador e os atores comunitários, que ao se engajarem em coletividade com o mesmo objetivo, desenvolvem um elo de confiança, fundamental para o bom andamento dos trabalhos relativos o mapeamento do local.
Acserald (2014) destaca que os mapeamentos, na maior parte das vezes, acontecem em contextos de conflito, como lutas territoriais e ambientais, nas quais as comunidades, se sentindo ameaçadas, começam a construir a sua representação do território.
Alguns materiais são indispensáveis na execução de um mapeamento participativo, pois muitos geógrafos, cartógrafos e pesquisadores em geral usam imagens georrefenciadas, impressas em tamanhos condizentes com o tipo da pesquisa e com a finalidade desta. Lápis, papeis sulfites, cartolinas, canetas, lápis de colorir, pinceis, réguas entre outros, devem ser providenciados, além da reserva de um ambiente na qual possam ser realizadas as atividades, onde o grupo de indivíduos que irá trabalhar consiga ficar à vontade.
Concorda Araújo et. al (2017) em sua fala, quando explique que a mobilização das pessoas envolvidas é algo fundamental e não deve existir falha. É importante que se tenha em mãos instrumentos que facilitem a disseminação da informação, caso o diálogo não possa ser efetivado com todos os membros da área a ser estudada.
Existem muitas maneiras de se gerar um mapeamento participativo, posto que o mesmo possui inúmeros métodos de aplicação, a exemplos, temos os croquis ou mapas de esboço, mapas sem escala, maquetes ou mapas em 3D, fotos-mapas entre outros. O pesquisador deve analisar a área e o grupo alvo do mapeamento social, para selecionar o método e os recursos mais vantajosos a serem usados, e que possam oferecer resultados mais satisfatórios.

4. CARTOGRAFIA SOCIAL DA VILA DE PEDERNEIRAS, TUCURUÍ- PARÁ.

4.1. AUTO RECONHECIMENTO E RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA E TERRITORIAL DA COMUNIDADE.

A Vila de Pederneiras (Figura 01) foi o primeiro local no qual deu-se origem o município de Tucuruí, pois em 1781, o governador José Nápoles Telles de Menezes fundou o lugarejo de São Bernardo de Pederneiras e, no ano seguinte, criou o Registro de Alcobaça. Já no século XIX, a região do Médio Tocantins, como cita Rocha (2008), passou a ser ocupada por aqueles que chegavam em busca de suas riquezas naturais, e também interessados na proximidade com as terras que hoje formam os estados de Goiás e Tocantins.
O núcleo populacional formado às margens do rio Tocantins, no lugar conhecido como Pederneiras, município de Baião, passou a ser a freguesia de São Pedro de Alcântara em 31 de outubro de 1870. Nova denominação foi dada em 19 de abril de 1875, o local foi chamado de São Pedro de Alcobaça até 30 de dezembro de 1943, quando passou a denominar-se Tucuruí1 .
Deste modo, a Vila de Pederneiras, considerada povoado do município, é parte imprescindível e de demasiada importância, para a história e entendimento dos fatores transformadores que geraram a região 2 em que se encontra. Situa-se à margem esquerda do Rio Tocantins, espaço atual pertencente a zona rural do município de Tucuruí, região sudeste do estado do Pará, onde localiza-se cerca de catorze quilômetros de distância da área urbana por via de acesso terrestre. Por via fluvial, a distância é aproximadamente dez quilômetros, possuindo atualmente uma área total de dez alqueires, na qual já chegaram a ser oitenta e seis hectares, como consta no documento oficial da terra. Segundo informações dadas pelos moradores, hoje o espaço da vila abriga cerca de vinte e três famílias.
Abaixo tem-se o mapa de localização da vila.

Através das entrevistas feitas os moradores da comunidade relatarem que a mesma teve sua fundação oficial em 1975, quando de fato foi reconhecida enquanto povoado e o senhor Raimundo Nonato deu entrada para elaboração dos documentos objetivando legalização das terras.
Todavia, a mesma tem seu registro histórico apontando mais de cem anos de existência, conforme datam os moradores mais antigos. Constituída inicialmente por duas famílias, uma descendente de quilombolas e a outra descendente de ribeirinhos, ambas advindas do município de Cametá. Esses grupos familiares lançaram-se em busca de novas terras procurando melhorias de vida e atividades que gerassem renda.
A família ribeirinha Pompeu, chegou no ano de 1959, mas não na vila em si, antes foram para o local onde hoje se instituiu o município de Tucuruí, antigo Alcobaça, após alguns anos depois é que efetivamente ergueram morada na comunidade, já a família quilombola Campos instalou-se em 1963, e a partir desde período, a população de Tucuruí aumentou notavelmente, como mostra o gráfico abaixo.

 Existia um grupo populacional pequeno que residia no entorno do que hoje é a vila, sendo alguns destes compostos pela família Martins e a família Clemente, na qual estas possuíam os domínios territoriais da região, posto que nesta época, a área em questão eram terras devolutas, ou seja, aqueles que chegavam iam fixando-se no local, construindo suas moradias e seu espaço de habitação.
Entretanto, a família Martins foi a responsável pela “venda” da terra de interesse dos ribeirinhos e quilombolas, a partir disso, as famílias iniciam a edificação de seu território, pois a conquista de seu próprio domínio faz parte da busca de autoafirmação pessoal de todos e atribui uma importância fundamental na relação do homem com o meio.
As duas famílias em questão uniram-se, formando somente uma, pois ocorreram alguns casamentos entre os membros das distintas famílias, criando assim uma nova geração miscigenada, na qual deu origem aos recentes moradores da comunidade, que embora tenham seu lado ribeirinho, buscam também seus direitos enquanto remanescentes de quilombolas.
Em outrora, o nome oficial documentado da comunidade era Sítio São Miguel, que situava-se dentro da fazenda Pederneiras, contudo, está nunca foi conhecida por essa nomenclatura, após isso a comunidade  possuiu muitas outras designações, por exemplo, já denominou-se Vila de São Bernardo de Pederneiras, que segundo os habitantes, foi um dos antigos e primeiros moradores dos arredores da região, na qual hoje é a comunidade.
O nome “Pederneiras” foi atribuído devido seu significado, pois sendo este uma variedade de quartzo, que ao provocar atrito entre esses dois agregados de sedimentos da mesma qualidade, gera-se uma faísca, e usava-se essa característica para produção de fogo, em razão que sempre houve um número expressivo desse tipo de rocha existente na localidade. Esta qualidade de quartzo é tão predominante na área pertencente a vila, que empresas já compraram grandes quantidades desses elementos para construção de casas, espaços de lazer, e até mesmo já foram exportadas para outros lugares do Brasil.

4.1.1 A VILA, SEU ESPAÇO E MODO DE VIDA DE SEUS MORADORES.

                No início da construção do espaço habitacional da vila, os presentes moradores enfrentavam inúmeros empecilhos, que dificultavam a vivência naquele determinado período, visto que, tudo era desempenhado rudimentarmente, em trabalhos braçais e com poucos recursos em termos de ferramentas.
O deslocamento das pessoas era feito unicamente por via fluvial, através de grandes embarcações, uma vez que ainda não haviam estradas ou qualquer acesso por terra firme, o que tornava a viagem lenta, podendo demorar vários dias para se chegar ao destino desejado, sem mencionar que, para distâncias menores, os moradores utilizavam somente canoas a remo, ou seja, fazia-se todo um trajeto usando apenas a força física como motor de locomoção, o típico estilo de vida  da grande maioria dos amazônicos, na década de 60.
O espaço primário era constituído de vegetação nativa, sendo este fator determinante no modo de vida3 das famílias e na produção daquele território, posto que, a base econômica, estrutural e alimentar era retirada em sua totalidade desse ambiente natural.
As primeiras moradias eram construídas essencialmente de palha de miriti (planta nativa amazônica), com seu assoalho de troncos dos açaizeiros. Foram criados espaços para montagem de roças, nas quais se plantavam todo tipo de alimento que a terra podia fornecer, como mandioca, para fazer a farinha, muito embora não existisse ainda um local na comunidade para este fim, a farinha era feita em lugares cedidos por pessoas que já residiam nas redondezas. Também plantava-se macaxeira, arroz, milho, feijão, melancia, abóbora, etc.
A atividade pesqueira foi e continua sendo até hoje, a maior fonte econômica da comunidade, posto que, o pescado servia tanto para o consumo quanto para a venda, por causa da fartura de espécies de peixes existentes na região, os moradores sempre tiveram uma relação íntima e indissociável com o rio, na qual esse corpo hídrico faz parte da história e fundamenta o modo de vida das famílias ali presentes. A caça de animais para alimentação também foi uma ação bastante exercida dentro deste contexto.
Uma parte importante da economia da época, meados de 1960, quando os primeiros moradores chegaram era a derrubada (para uso próprio) e a venda de madeira, já que o meio ofertava esse tipo de matéria-prima com abundância.
Os ribeirinhos e quilombolas uniam-se nesse trabalho para geração de renda voltada as famílias. Oriunda dessa atividade madeireira, criou-se uma “caeira”, que segundo os moradores, é um local destinado e propriamente exclusivo para queima de madeira com o objetivo de gerar carvão. Esse produto era utilizado como fonte de energia calorífera pelos habitantes, para cozinhar seus alimentos e também para venda, com o qual obtinham lucro para compra de outros itens necessários a eles.
Além disso, esse mesmo momento histórico, na década de 60, coincide com um período econômico extrativista, onde a castanha-do-pará4 reinava soberana, como maior produto de comercialização da região, e um dos motivos era a quantidade imensa de castanhas que havia, e claro, a procura e valorização destas. Sua importância era tamanha, que uma lei foi criada nesta época unicamente para alavancar e dá mais suporte na produção. “Esses esforços fizeram com que em 1956, as exportações de castanha-do-pará alcançassem o pico máximo do valor das exportações da Região Norte.” (HOMMA et al, 2000. pg. 10).

Essas práticas econômicas perduraram durante muitos anos, estimando-se um período entre as décadas de 40 e 80.  Muitas dessas ainda prevalecem, embora com menos intensidade, além do que houveram a inserção de outros meios de renda, como o turismo, por exemplo. A seguir pode-se observar imagens (Figuras 02 e 03) de uma antiga ferramenta de corte, ainda guardada pelos habitantes, usada na derrubada de madeira.

Conforme o tempo foi passando, os habitantes que ali estavam instalados foram construindo e fundamentando seu território, estabelecendo suas relações de poder e demarcando espaços para determinadas funções, como por exemplo, a área para se plantar a roça.
Esses fatores estavam fortalecendo e dando molde a formação da vila, posto que, as famílias estavam criando formas para que pudessem haver condições de habitação. As imagens a seguir (Figuras 4, 5 e 6) demonstram o encontro ocorrido na comunidade e a representação cartográfica realizada pelos seus habitantes, tendo como finalidade promover o resgate histórico e os aspectos territoriais da vila de Pederneiras.

A partir da implementação de elementos que deram subsídio a vida naquele local, as famílias se expandiam, aumentando a população da comunidade, o que consequentemente ampliava o espaço de habitação, assim como o uso e divisão dos recursos existentes, no qual se começa a definir o estilo de vida do povoado.
Os residentes anteriores difundiram um seguimento de convívio entre os mesmos, o qual sempre foi de respeito e colaboração, cuja característica mais notável foi o fechamento da vila para pessoas que não tivessem nenhum vínculo de parentesco com as famílias fundadoras, ou seja, formou-se uma vila restrita a morada de familiares, e apenas quem estabelecesse uma união matrimonial com algum membro da comunidade, tinha permissão de ali habitar.
Até mesmo união entre pessoas da comunidade com os indígenas da etnia Assurini aconteceram, embora não tenha nenhum registro de habitação indígena na comunidade. Contudo, atualmente existem filhos e netos, gerados pela união dos descendentes de quilombolas e os indígenas Assurinis. A seguir algumas imagens (Figuras 7 e 8) retratam um pouco do modo de vida alguns anos atrás.

4.2.1 APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS: O QUADRO ATUAL!

Os moradores da Vila de Pederneiras sempre se valeram do uso dos recursos naturais para sua vivência, como a pesca, o extrativismo, plantio de roças, entre outros. Atualmente, os espaços de produção atuais são bastante limitados, em relação a anos atrás, visto que as áreas destinadas as roças são mínimas e prioritariamente para subsistência das famílias. Isso ocorre porque com o passar do tempo, a diminuição do espaço total atribuído originalmente a vila agravou-se, tanto que recentemente a localidade dispõe de um território muito pequeno, em comparação a antes. Isso ocorreu devido compra de terras do entorno por fazendeiros.
A derrubada de madeira e o extrativismo praticamente acabaram, e, em decorrência do pouco espaço de plantio, atualmente existem apenas escassas espécies de raízes, cereais e legumes. Isso tudo, utilizado unicamente para subsistência, com o predomínio da mandioca, para a produção de farinha, como mostram as imagens abaixo. (Figuras 09 e 10)

O rio representa uma paisagem de extrema relevância para comunidade de Pederneiras, posto que, e através deste que a subsistência é adquirida por meio da pesca. Todavia, é necessário mencionar o impacto ambiental gerado pela construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, que modificou drasticamente a maneira que esse recurso hídrico se comportava. Assim, com o objetivo de produzir energia utilizando a força das águas do Rio Tocantins foi realizada a construção de um barramento e a criação de um lago artificial em 1984.
De acordo com Tavares (2008) os grandes projetos amazônicos emplacaram com a abertura das rodovias na década de 50, pois nesse período inicia-se a implementação de inúmeros órgãos goveridntais de integração na Amazônia, como a SPVEA (Superintendência para Valorização Econômica da Amazônia - 1953), e a SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia).
A realização dessa obra de tamanha magnitude, gerou modificações que ocorreram em todos os aspectos, desde as mudanças nos elementos espaciais até o modo de vida das pessoas. Paralelo a instalação da usina hidrelétrica, consequências começaram a surgir e afetar o cotidiano dos moradores da vila, sendo a principal delas: escassez do pescado, levando a diminuição da renda das famílias, que dependiam prioritariamente dessa atividade para seu sustento. A elevação e baixa das águas também implicou no dia a dia dos habitantes. Os impactos causaram a erosão da margem onde a vila está fixada, transformando completamente a paisagem da comunidade. Agravou-se a incidência de doenças, como a malária, além disso, começa-se a perceber pequenos indícios de poluição do rio.
Com o inchaço populacional, provocado pelo atrativo de empregos relacionados a construção da usina hidrelétrica, o aumento do fluxo de pessoas torna-se notável na comunidade, em forma de turismo, o qual buscavam lazer e descanso, sendo esta uma situação positiva, visto que, os moradores beneficiavam-se com atividades de prestação de serviços, como aluguel de embarcações para travessias, passeios e vendas de alimentos. Abaixo pode-se ver um gráfico 2 onde se demonstra a evolução da população da região do lago, no município de Tucuruí. Gráfico 02. Evolução

Todavia, esse período durou somente enquanto as obras de erguimento da usina estavam ativas, ao término desta, a comunidade se vê sem movimento turístico decorrente. A atividade de caça também enfraqueceu, já que não há mais tanta vegetação nativa, tanto por motivos de derrubadas, quanto pela invasão de fazendas, que retiravam a floresta e inseriram pastos.
Além de toda importância atribuída ao rio, este também é o recurso mais usado para locomoção dos moradores da vila, muito embora haja uma via de acesso terrestre, o transporte fluvial é dominante, até por que todas famílias dispunham de uma “rabeta” (canoa composta com um motor de navegação manuseável), que usam para vários objetivos, como transporte de cargas, viagens, passeios, alugueis, para pescar, entre outros. A imagem a seguir (Figura 11) demostra a vista da paisagem Rio Tocantins.

Atualmente a economia da comunidade baseia-se em: atividades pesqueiras, principalmente para sustento próprio; pequenas plantações; turismo; benéficos goveridntais como bolsa família; aposentadorias e o seguro defesa da pesca (dado aos pescadores que fazem parte de uma associação municipal), que consiste em um repasse de um salário mínimo na época da piracema (período do ano que normalmente se estende de outubro a fevereiro), no qual os peixes iniciam seu período de reprodução.

4.2.2 OS ESPAÇOS MEMORÁVEIS E AS REPRESENTAÇÕES CULTURAIS

                A vila de Pederneira, composta por ribeirinhos e descentes de quilombolas, possui uma gama imensa de manifestações culturais e espaços memoráveis, sendo estes espaços de vida e vividos como expresses da cultura e suas manifestações, tais como festas, eventos, movimentos, danças, músicas entre outros. Com a unificação de uma família, gerada pela relação entre os habitantes dos grupos distintos, houve também a mistura de culturas, o que agregou volume e diversidade aos eventos.
O ritmo e a dança do carimbó são elementos obrigatórios durante as festas na comunidade, caracterizado por uma roda de dançarinos, todos participam sem limitação de gênero ou idade.
A comunidade é predominantemente católica, cuja padroeira é a Nossa Senhora de Nazaré, a qual se celebra com vigor todas as datas referentes as comemorações religiosas ligadas ao catolicismo, inclusive o Círio Fluvial (Figura 12).  A imagem sai de uma área portuária, no município de Tucuruí, levada em uma embarcação principal, escoltada por outros barcos secundários, até a vila de Pederneiras. Chegando no local, a imagem é carregada até o altar da igreja da comunidade.  Uma missa é celebrada em homenagem a santa, e em seguida uma festa acontece na localidade, com músicas, danças, comidas típicas e etc.

                Outro evento católico muito festejado na comunidade é o Círio de São Pedro, que acontece no mês de junho, onde se segue basicamente os mesmos procedimentos do Círio de Nazaré, porém em menor escala, como demonstram as imagens abaixo.

Comunidades vizinhas também são convidadas a participar dessas festividades, agregando mais animação e importância a esse evento religioso.
No período natalino, outras celebrações católicas são promovidas, como uma apresentação teatral, interpretadas pelos próprios moradores de várias histórias bíblicas, denominada “Festa da Pastorinha”, antes comemoradas em um barracão antigo, hoje essa estrutura abriga a escola da comunidade, e agora são realizadas na igreja da localidade. Em seguida tem-se as imagens do antigo barracão (Figura 15) de eventos e também da “Festa da Pastorinha”.

4.2.3. O ENTORNO, COOPERAÇÃO E CONFLITO

                Quando as famílias começaram a ocupar o espaço o qual se tornou a vila atualmente, já existiam moradores na região, fazendeiros, donos de amplas extensões de terra. Portanto, vale ressaltar que as terras atuais da vila foram obtidas através de compra e venda com um desses fazendeiros, por volta da década de 1970, legalizada e documentada somente em 1982.  O Sr. Raimundo Nonato, considerado o fundador da comunidade, regularizou essas terras que se encontram nas proximidades do território indígena da etnia Assurini.

Estes indígenas vagavam e se deslocavam por toda área das proximidades de sua aldeia, caçando, pescando, colhendo frutos, e etc. Todavia, quando acontece a chegada dos primeiros moradores na vila, ocorre um choque inicial com os indígenas, posto que estes estavam acostumados com aquele local, e o consideravam parte de seu território.
Um conflito de dominação deslancha, e os Assurinis, chegaram a invadir as moradias dos ribeirinhos e descendentes de quilombolas, levando seus bem. Os habitantes ficavam com medo e várias vezes tinha que fugir de suas próprias casas.
Essa contenda durou pouco tempo, por que com o passar dos anos, esses diferentes grupos começam a se socializar e abrem um canal de comunicação. O cacique em pessoa se desloca até a comunidade, com a finalidade diplomática, afim de estabelecer a paz entre as populações, o que de fato aconteceu, e os indígenas se tornaram amigos dos habitantes da comunidade, as relações se estreitaram de tal forma, que até mesmo uniões matrimoniais se sucedem entre os distintos povos.
Após a legalização e posse das terras da vila, atrelada ao início das obras de implementação da usina hidrelétrica, muitas pessoas despertaram interesse no território da localidade, com propostas de compras de terrenos, tanto para construção de moradias, quando para inserção de pastos, caraterizada como grilagem.
Essa é uma prática muito recorrente na Amazônia há muito tempo, assim como explica Oglio (2006) na qual fala que a região se torna palco de disputa entre vários atores, com interesses distintos que geram problemas pela disputa da terra e dos recursos naturais. São violações dos direitos das populações tradicionais.
Todavia, a política de vivência das famílias sempre foi de manter a comunidade fechada a morada de terceiros, ou seja, isto se fazia enquanto forma de proteção de sua própria sociedade e de seus hábitos culturais.            
Essa situação acarretou pequenos conflitos entre os negociantes e as famílias, visto que divergências de opiniões dentro da comunidade fortalecia a oferta de compra dos interessados, na qual alguns moradores queriam vender parte das terras e outros não concordavam. Mesmo posicionados desta maneira, parte do território correspondente ao o povoado foi vendido. As imagens abaixo (Figuras 19 e 20) demostram o território da comunidade de Pederneiras.

Na contemporaneidade, a Vila de Pederneiras enfrenta diversos confrontos internos, no sentido de organização política e luta por melhorias estruturais, já que os moradores não possuem uma associação legalizada. Cerca de dez anos atrás, habitantes com ajuda de lideranças políticas tentaram oficializar a regularização do local, mas até os dias atuais o valor para a conclusão desse processo não foi pago, e a questão permanece obsoleta.

O lugar não dispõe de uma unidade de saúde, ou um prédio adequado para as crianças estudarem, visto que, o local onde funciona à escola se encontra em precárias condições de atendimento. Em relação as condições de saneamento básico a comunidade não tem acesso a água potável, tendo que se abastecer por meio de um poço amazônico (água subterrânea). Segundo os habitantes, a prefeitura do município não disponibiliza nenhum serviço para comunidade, exceto a manutenção do local onde funciona a escola. A imagem abaixo (Figura 21) destaca a configuração atual da comunidade.

Assim como relatam os habitantes, existe ainda que pouco perceptível, uma sensação de abandono, por parte dos representantes administrativos do município em relação a comunidade. Não existe à valorização da história do município de Tucuruí, que originou-se a partir deste lugar, contribuindo para perda de memória e identidade da população em geral.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

                A Vila de Pederneiras é uma comunidade tradicional situada às margens do Rio Tocantins, que hoje, abriga uma única família, anteriormente composta por dois grupos distintos, um identificando-se enquanto descendentes de quilombolas e ou outro enquanto descendentes de ribeirinhos. Porém, destaca-se que essas identificações são bastante relativas, visto que, ambos se caracterizam enquanto povos tradicionais e possuem inúmeras características sociais, econômicas e culturais mútuas.
Gerou-se então uma comunidade histórica, edificada em um espaço, dos quais os recursos naturais existentes favoreceram a vivência daqueles que ali estavam chegando, como o rio, o solo para plantio e a vegetação. E não somente os fatores físicos, mas atreladas a estes temos também as relações sociais, dais quais são indiscutivelmente a base deste trabalho. Sendo estes fatos responsáveis pela configuração espacial da vila, são de grande importância na explicação de como ocorreu o desenvolvimento do município de Tucuruí.
Fazer um estudo sobre esse povoado foi deveras desafiador, posto que, executar uma cartografia social exigiu buscas por referenciais teóricos coerentes com o tema abordado, com engajamento aplicado necessário para que a pesquisa pudesse ser feita da forma mais satisfatória e com os melhores resultados possíveis.  Além disso, nenhum estudo dessa natureza já fora realizado antes, e nesse sentido, houve grande responsabilidade na apuração das informações.
Destaca-se que o objetivo proposto por este estudo foi alcançado, o que possibilitou a construção de uma representação espacial do território da Vila Pederneiras por seus moradores. Deste modo, a partir da cartografia social valorizou-se o conhecimento empírico de sua população e ao mesmo tempo em que tornou-se um estudo pioneiro sobre a formação desta comunidade.
Esta atividade de pesquisa contribuiu para a sistematização de informações relacionadas a comunidade em questão, resgatando fatos históricos e consolidando-os em um trabalho acadêmico, dando mais valorização a vila e a sua população.

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TAVARES, M. G. C. 1992. O município do Pará. Dinâmica territorial-municipal de São João do Araguaia (Pará). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

*Graduada em licenciatura plena em Geografia pela Universidade Federal do Pará. E-mail: lucititania@hotmail.com
** Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Professor da Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil. E-mail: gilrocha@ufpa.br
*** Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará e Professora da Secretaria Estadual de Educação do Pará. E-mail: erikadearies@yahoo.com.br
2 TAVARES, M. G. C. 1992. O município do Pará. Dinâmica territorial-municipal de São João do Araguaia (Pará). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

Recibido: 15/10/2018 Aceptado: 19/10/2018 Publicado: Octubre de 2018


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