Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER: UM ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO DA FIGURA FEMININA NA ARTE

Autores e infomación del artículo

Daniela Cristina Menti *

Anelise Rublescki**

Universidade FEEVALE, Brasil

danielamenti@gmail.com


Resumo: A pesquisa tem como objetivo refletir sobre os arquétipos femininos nas artes plásticas, através da análise imagética de alguns cânones da pintura ocidental. Questões como a construção da idealização do corpo feminino, relações de gênero e de poder são discutidas ao longo do texto. Foram analisados os contextos históricos e sociais de duas obras importantes para as artes plásticas, a Vênus de Urbino, de Ticiano, (1538), e Les demoiselles d"Avignon, de Pablo Picasso (1907), para o questioidnto sobre a consolidação dos padrões estéticos e comportamentais das mulheres na sociedade de cada época. Evidencia que as representações decorrem como parte do imaginário masculino.
Palavras-chave: Arte. Gênero. Cultura. Figura feminina.

GENDER AND POWER RELATIONS: A STUDY OF FEMININE FIGURE REPRESENTATION IN ART

Abstract: The research aims to reflect on the female archetypes in the plastic arts, through the imaginary analysis of some canons of Western painting. Issues such as the construction of the idealization of the female body, gender relations and power are discussed throughout the text. The historical and social contexts of two important works for the plastic arts, Venus of Urbino, by Ticiano (1538), and Les demoiselles d "Avignon by Pablo Picasso (1907), were analyzed for the questioning on the consolidation of aesthetic and behavioral patterns of women in the society of each period. It shows that representations derive from the masculine imaginary.
Keywords: Art. Gender. Culture. Female figure.

RELACIONES DE GÉNERO Y PODER: UN ESTUDIO DE LA REPRESENTACIÓN DE LA FIGURA FEMENINA EN EL ARTE

Resumen: La investigación tiene como objetivo reflexionar sobre los arquetipos femeninos en las artes plásticas, a través del análisis imagético de algunos cánones de la pintura occidental. Las cuestiones como la construcción de la idealización del cuerpo femenino, las relaciones de género y de poder se discuten a lo largo del texto. Se analizaron los contextos históricos y sociales de dos obras importantes para las artes plásticas, la Venus de Urbino, de Ticiano, (1538), y Les demoiselles d "Avignon, de Pablo Picasso (1907), para el cuestionamiento sobre la consolidación de los patrones y en el sentido de que las representaciones se derivan como parte del imaginario masculino.
Palabras clave: Arte. Género. Cultura. Figura femenina.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Daniela Cristina Menti y Anelise Rublescki (2018): “Relações de gênero e poder: um estudo da representação da figura feminina na arte”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (septiembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/09/relacoes-genero-poder.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1809relacoes-genero-poder


considerações iniciais

Gênero e sexualidade são construídos e modelados através de práticas discursivas. Uma destas práticas é o campo das artes visuais, visto que arte é conhecimento, sendo uma das primeiras manifestações culturais da humanidade.
Estudar as relações de gênero na história da arte é uma proposta desafiadora. A história da humanidade, desde a pré-história, teve seus registros de figuras femininas idealizadas, como é o exemplo da Vênus de Willendorf, que data de 25.000 a 28000 antes de Cristo, que foi a primeira figura feminina que se tem notícias a ser retratada com curvas voluptuosas, seios fartos e quadris largos numa forte alusão à fertilidade. A problemática que este estudo aborda pode ser resumida na seguinte pergunta: de que modo o estudo da figura feminina na arte reflete possíveis relações de poder e gênero? Segundo Smelik apud Loponte (2002), poder este que de uma forma não unitária, estável ou fixa vem privilegiando e reforçando um determinado ‘olhar masculino’. A pesquisa debruça-se sobre duas obras, Vênus de Urbino, de Ticiano (1534) e demoiselles d’Avignon, de Picasso (1907). De cunho teórico-empírico, metodologicamente utiliza a semiótica para a análise e interpretação de obras de artes, junto a uma pesquisa bibliográfica, a partir de Loponte (2002).
Quando se busca a representação da figura feminina ao longo da História da Arte, percebem-se as implicações ideológicas enfrentadas por elas em cada época. A mulher aparece de acordo com idealizações, elaboradas segundo os valores de cada momento histórico. Em qualquer sociedade ou período artístico que se recorte para estudar, sempre haverá uma representação feminina que é o reflexo do pensamento social da época. Geralmente elas aparecem como arquétipos, ou seja, imagens formadas no inconsciente coletivo da humanidade, que transmitem diversas informações ao longo dos anos.
O modo de ver particularmente masculino de uma sociedade ocidental na arte fez com que estas imagens sejam estruturadas com uma forte base nas relações de poder e de gênero.
Através das imagens pictóricas da arte ocidental, as mulheres constituíram-se como objetos de um discurso que produz a sexualidade feminina a partir de um olhar masculino, um olhar daqueles autorizados em uma determinada prática discursiva a ver e representar. Um olhar que, congelado na definição de ‘arte universal’, subjetiva e molda nossas concepções do que é arte e artista, e (...) inventa’ sexualidades, feminidades e também masculinidades. Há uma rede de saberes e verdades legitimada através das imagens canônicas da arte ocidental (LOPONTE, 2002, p. 290). 
As relações de poder de acordo com a visão masculina na normatividade ocidental através das artes plásticas são reforçadas por Louro (1999) na qual a sexualidade envolve processos culturais e plurais, e como uma invenção social se constitui historicamente a partir de inúmeros discursos que a regulam e a normatizam, produzindo saberes e verdades.
A REPRESENTAÇÃO FEMININA E SEUS ARQUÉTIPOS
John Berger (1999) argumenta que a maneira como vemos as coisas é afetada pelo que somos ou pelo que acreditamos, ou seja, o ser humano é carregado de referências e pré-conceitos, que são o reflexo de um determinado contexto social. Segundo Berger (199. p.11) " Nunca olhamos para uma coisa apenas; estamos sempre olhando para a nossa relação entre as coisas e nós mesmo. Nossa visão está continuamente ativa, em movimento, captando coisas num círculo a sua própria volta."
A sexualidade e o gênero são fatores que passam a ser modelados por processos culturais e plurais. Discursos que "inventam sexualidades femininas e masculinas circulam em torno das imagens produzidas por artistas" (LOPONTE, 2002 p.286). No campo das artes é comum notar-se um número expressivamente grande de representação de nus femininos, principalmente no Renascimento.
Durante a Idade Média, o corpo desnudo das mulheres não era retratado em obras pelo fato do pudor na sociedade ter se intensificado, e o corpo ter passado a ser um objeto secundário. A pintura da Idade Média representava a figura de Deus como o centro do universo, e o corpo humano não seguia suas devidas proporções na arte.
Com o fim desta moral ideológica que deixava o corpo em segundo plano e a alma em lugar de protagonismo característica da idade Média e a chegada do Renascimento, o pensamento social tomou rumos diferentes. Este foi o período de ascensão da burguesia e de valorização do homem no sentido individualista. Esta mudança trouxe conceitos clássicos de volta para a arte, e corpos nus voltam a ser vistos em quadros. A beleza, a
sensualidade e o erotismo passam a ser retratados sem embaraço por artistas. Abaixo, a representação do corpo feminino, Vênus de Urbino. A imagem reflete o espírito do Renascimento, destacando a perfeição das formas e a beleza do corpo feminino.

O corpo da jovem desnuda representa o ideal de beleza e gostos eróticos do Renascimento pleno 1, a mulher está totalmente nua, ornada com brincos e uma pulseira, sua mão levemente cobrindo suas partes íntimas. Sua cintura e quadris são largos, características que remetiam a uma mulher fértil e de uma família abastada. Os seios pequenos, redondos e rígidos também constituem parte de um ideal da beleza feminina, significando que eles ainda não haviam atingido a maturidade. Por fim, ela carrega flores em sua mão, possivelmente são rosas vermelhas que possivelmente eram símbolo da feminilidade atribuídas à Vênus.
De acordo com Carr-Gomm (2010) a nudez no ponto de vista da religião pode significar vergonha e uma luxúria a ser conquistada, ou mesmo simbolizar a inocência, uma falta de pudor e também uma negação do corpo. Na esfera política pode significar força bruta e autoridade, ou vulnerabilidade e escravização. Segundo Eco (2001), a evolução e as mudanças do modo de pensar fossem representadas na arte através da figura feminina.
Entre os séculos XVI e XVII, a imagem feminina transformou-se, sendo retratada pelos artistas de maneira mais recatada, assumindo papéis como de dona de casa, educadora, administradora. No século XVIII, observa-se a presença das mulheres em salões femininos, bem como sua afirmação como sujeito, nas pinturas, essas mulheres eram retratadas de maneira mais solta, sem o uso do corpete e com os cabelos flutuantes (ECO, 2001, p.72).
Neste exemplo da representação dos nus femininos, nota-se que é a sexualidade masculina que está como a suas projeções de arquétipos da feminilidade, tendo assim muito pouco a ver com a própria sexualidade feminina. No século XX, Levi-Strauss (1982) afirmara que a "mulher é um bem que os homens trocam entre si", esta afirmação pode ser vinculada com a representação da figura feminina, que durante a arte moderna tomou uma forma boêmia, tratando a sexualidade como uma moeda de troca.
Mulheres em bordéis, bares ou no divã do artista são cenas comuns na pintura francesa do final do século XIX. As representações de corpos femininos, como signos da sexualidade masculina, afirmavam a modernidade dos homens artistas e sua posição de vanguarda (LOPONTE, 2002. p. 288).

Uma das pinturas mais importantes do século XX, com autoria do cânone cubista Pablo Picasso, Les demoiselles d’Avignon, traz um questioidnto similar sobre a relação da sexualidade masculina com o corpo nu feminino na arte.
Les demoiselles d’Avignon, retratam o conjunto de Picasso, onde a mulher era o tema central de suas obras, as demoiselles, são prostitutas de algum bordel de calle Avinyó, rua em Barcelona, onde foram retratadas nuas, carregando panos que remetem a lençóis sujos e exibem uma feição de cansaço.  Os blocos desconjuntados de carne das figuras, sem seguir uma regra de representação deram início ao Cubismo. Duas das mulheres estão ocultas por máscaras africanas. Nota-se que estão expostas de maneira sugestiva, exibindo seus corpos a ponto que algum cliente a escolha.
Os corpos das mulheres são apenas objetos lapidados pela inventividade e criatividade de Picasso. Se na época em que foi produzida a obra chocou também por ser a representação de prostitutas, os discursos enciclopédicos que chegam a nosso tempo, em livros de história da arte de mais fácil acesso, minimizam essa questão. Há uma ‘naturalidade’ da mulher como objeto do olhar na arte’ (...). A nova ‘concepção estética’ de Picasso traduz-se na supremacia de valores masculinos, brancos e europeus. (LOPONTE 2002. p. 296)

            Tanto as demoiselles como a Vênus de Urbino, obras importantes de seus períodos, refletem o olhar masculino sobre o corpo da mulher. Esta rede de verdades sobre as relações de gênero e violência simbólica vistas através das artes plásticas é legitimada através do estudo destas diversas obras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As artes visuais são um campo desafiador para o estudo do gênero e da sexualidade feminina, bem como a formação dos arquétipos de feminilidade através do olhar masculino. A ideia da sexualidade é percebida através da análise de diversos cânones da História de Arte e tem-se o reflexo dos valores sociais de cada época estudada, refletindo na representação da figura feminina.
Ao fazer esta pequena análise em períodos distintos da História da Arte, entende-se que tais imagens não são neutras, existe por trás delas um discurso, no qual a sexualidade e o poder tornam-se articulados.
A articulação do gênero com as relações de poder, não são temas que possam ser afastados na hora de analisar as imagens, pois estes são construtos culturais. As produções destes artistas podem ser entendidas como metáforas para a compreensão da representação feminina de seu tempo histórico.

REFERÊNCIAS
BERGER, John. Modos de Ver. Rio de Janeiro. Editora Rocco, 1999.
CARR-GOM, Phillip. A Brief Story of Nakedness. Reaktion Books, 2010. p.99.
ECO, U. A história da beleza. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
LOPONTE, Luciana Gruppelli. Sexualidades, artes visuais e poder:pedagogias visuais do feminino. Rev. Estud. Fem.,  Florianópolis ,  v. 10, n. 2, p. 283-300,  jul.  2002 .  Disponível em <https://goo.gl/SHgaqk>. Acesso em  04  ago  2018
LEVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982.
LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 11-12.
SMELIK, Anneke. What Meets the Eye: Feminist Film Studies. In: BUIKEMA, Rosemarie, and SMELIK, Anneke (eds.). Women’s Studies and Culture: a Feminist Introduction. London: Zed Books, 1993. p. 66-81.
TICIANO. Vênus de Urbino. 1538. Original de arte, óleo sobre tela, 119 cm  × 165 cm . Disponível em: < https://goo.gl/pH1avi>. Acesso em: 19 ago 2018.
PICASSO. Les demoiselles d’Avignon. 1907. Original de arte, óleo sobre tela, 243.9 cm  × 233.7  cm . Disponível em: < https://goo.gl/omFms6 >. Acesso em: 19 jul 2018.

*Mestranda em Processos em Manifestações Culturais (FEEVALE). E-mail: danielamenti@gmail.com
** Pós-doutora em Comunicação Midiática. Doutora e Mestre em Comunicação e Informação. Jornalista. Prof. adjunta do PPG Processos e Manifestações Culturais (FEEVALE) e Assessora de Imprensa da Secretaria do Planejamento Governança e Gestão (RS/Brasil). aneliserublescki@hotmail.br
1O Renascimento Pleno (1495-1520), no qual as conquistas artísticas foram elevadas a sua máxima expressão.

Recibido: 01/09/2018 Aceptado: 11/09/2018 Publicado: Septiembre de 2018


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