Marcelo Augusto Sousa Andrade*
Teciano Carvalho Araújo**
Universidade do Estado da Bahia, Brasil/p>
marceloandradeuneb@hotmail.com
Resumo
As mulheres sempre foram alvo de agressões por parte dos homens ao longo da história. Numa sociedade machista, que não aceita a ascensão feminina, as agressões verbais, físicas e são comuns. Atualmente, as mulheres têm conquistado o seu espaço em áreas que antes eram dominadas pelo homem, o que se tornou numa justificativa para a agressão. Registros de agressão são diários e as mulheres contam com o amparo jurídico para assegurar seus direitos, no entanto é preciso denunciar os abusos. Este texto tem como objetivo analisar o fenômeno da violência de gênero, em suas dimensões subjetiva, histórica, social, cultural e jurídica.
Palavras-Chave: Gênero, Preconceito, Feminicídio.
Abstract
Women have always been the target of male aggression throughout history. In a macho society, which does not accept female ascension, verbal and physical aggressions are common. Today, women have gained their place in areas that were once dominated by men, which became a justification for aggression. Records of aggression are daily and women have the legal protection to assert their rights, however it is necessary to denounce the abuses. This text aims to analyze the phenomenon of gender violence in its subjective, historical, social, cultural and legal dimensions.
Keywords: Gender, Prejudice, Feminicide.
Resumen
Las mujeres siempre han sido objeto de agresiones por parte de los hombres a lo largo de la historia. En una sociedad machista, que no acepta el ascenso femenino, las agresiones verbales, físicas y son comunes. Actualmente, las mujeres han conquistado su espacio en áreas que antes eran dominadas por el hombre, lo que se convirtió en una justificación para la agresión. Los registros de agresión son diarios y las mujeres cuentan con el amparo jurídico para asegurar sus derechos, pero hay que denunciar los abusos. Este texto tiene como objetivo analizar el fenómeno de la violencia de género, en sus dimensiones subjetiva, histórica, social, cultural y jurídica.
Palabras clave: Género, Preconcepto, Feminicidi
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Marcelo Augusto Sousa Andrade y Teciano Carvalho Araújo (2018): “Etno-história da violência contra a mulher”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (septiembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/09/etnohistoria-violencia-mulher.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1809etnohistoria-violencia-mulher
1 INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é um tema complexo e crescente, constituindo um grande problema social. Esse fenômeno sempre esteve presente nas mais diversas sociedades ao longo da história, não sendo, portanto, um problema advindo com a modernidade (GUIMARÃES; PEDROZA, 2015).
A Organização Mundial de Saúde - OMS (2015) define a violência psicológica como sendo qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e a autodeterminação.
Segundo a OMS (2015), uma em cada três mulheres é vitima de algum tipo de violência no mundo, podendo as mesmas serem classificadas em violência física, sexual, moral e psicológica. Esta ultima, por ser a forma mais subjetiva de agressão, é aquela que possui maior dificuldade em combatê-la.
Para Gutmann (2015), a violência contra a mulher não é um resultado da natureza masculina e sim um resultado do machismo, definido como a relação que o mesmo possui com os seu corpo e o corpo feminino, sendo que nessa relação há uma posição hierárquica. Nesse sentido, o machismo é um componente ideológico, uma forma pré-definida de enxergar e se comportar perante o sexo feminino.
Estudos como os de Chauí, (2003); Diniz &Angelim, (2003); Machado, (2000); Saffioti, (1999) têm demonstrado o quanto os valores machistas e patriarcais estão diretamente associados à grave recorrência das violências perpetradas contra as mulheres, materializando-se num conjunto de desigualdades de poder e de direitos (ainda) enfrentados por elas em nossa sociedade.
Nesse sentido, torna-se imperioso a análise desse fenômeno visando articular uma perspectiva de violência de gênero, em suas dimensões subjetiva, histórica, social, cultural e jurídica, objetivo deste manuscrito.
2 METODOLOGIA
Para a construção dessa revisão bibliográfica foram utilizados como critério de inclusão textos que versavam sobre a temática violência contra as mulheres e violência de gênero. Foram selecionados 13 textos, dentre os quais: artigos, dissertações e livros nas bases de dados do Scielo, Lilacs e Google acadêmico. Os descritores utilizados na busca bibliográfica foram: história da violência contra a mulher, violência de gênero, violência contra a mulher. Não houve nesse estudo uma delimitação relacionada ao período de publicações por considerar que alguns textos, embora antigos, possuem elevada relevância para a análise da temática.
3 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER AO LONGO DA HISTÓRIA
A análise de um problema social, para ser compreendido na sua plenitude, deve ser encarada sob o viés histórico precedente que lhe deu origem. A história é um fenômeno contínuo onde o ontem forma o hoje, refletindo a cultura de aceitação ou não de fatos sociais (AQUINO; DENISE; OSCAR, 1980)
. Nesse sentido, é importante verificar que, ao se analisar a violência de gênero, deve-se ter em mente que a mesma não é uma criação contemporânea. A violência de gênero possui precedentes históricos que a inseriram na nossa cultura. Precedentes esses que criaram a falsa ideia de que a diferença e a dominação são fatos naturais que devem ser exercidos sem o sentimento de culpa por parte do dominante e aceita, sem direito a resistência por parte daqueles (nesse caso específico, daquelas) que se encontram na situação de subjugação. (LAMOGLIA; MINAYO, 2007)
A filósofa Simone de Beauvoir, no seu livro, O Segundo Sexo, diz que “a humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; não é considerada um ser autônomo." É o segundo sexo, como o título sugere, mas não no sentido numérico e sim no sentido de importância. Assim, é correta a constatação de que as mulheres foram, historicamente, vítimas de violência só pela razão de serem mulheres.
Há uma diferença conceitual entre sexo e gênero, não sendo, portanto, sinônimos. Sexo é um fator biológico enquanto que o gênero é uma construção social. O Dicionário Aurélio (2010), ao diferenciar os dois, define sexo como sendo “a conformação particular que distingue o macho da fêmea, nos animais e nos vegetais, atribuindo-lhes um papel determinado na geração e conferindo-lhes certas características distintivas” e gênero é “a forma culturalmente elaborada que a diferença sexual toma em cada sociedade, e que se manifestam nos papeis e status atribuídos a cada sexo e constitutivos da identidade sexual dos indivíduos”.
Já Scott (1986), na sua definição de gênero, baseia-se na conexão integral de duas preposições: gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e uma forma primeira de significar as relações de poder. Nesse sentido, gênero é uma percepção e uma hierarquização sobre as diferenças sexuais, baseado nos símbolos e significados construídos culturalmente.
Minha definição de gênero tem duas partes e várias subpartes. Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser analiticamente distintas. O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente um sentido único. Como elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre diferenças percebidas entre os sexos, o gênero implica quatro elementos relacionados entre si: primeiro – símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações múltiplas (frequentemente contraditórias) – Eva e Maria, como símbolo da mulher, por exemplo, na tradição cristão do Ocidente, mas também mitos da luz e da escuridão, da purificação e da poluição, da inocência e da corrupção (SCOTT, 1986).
Segundo Mocellin (2014), o interesse pelo assunto, mulheres na história, é relativamente recente. Tem início com os movimentos feministas da década de 60, e, apesar de possuir apenas meio século de produção historiográfica, conta hoje com uma vasta produção bibliográfica, abrangendo diversos povos e épocas.
Analisando a história dos povos da antiguidade, vemos que a diferença de gênero era uma marca cultural. Os sumérios, que viviam na mesopotâmia, por exemplo, traziam a seguinte punição para eventual conflito matrimonial: “se uma mulher praticar o adultério deve-se jogá-la no rio! Se o marido praticar o adultério, ele deve pagar meia mina de prata”. Na literatura egípcia, obras produzidas por homens, a maioria sacerdotes, encontramos a descrição da mulher como sendo vulgar, caprichosa, infiel, mentirosa e vingativa (MOCELLIN, 2014).
Na cultura grega, houve grandes progressos científicos, culturais e filosóficos, mas as mulheres, independente de classe social, não eram consideradas cidadãs das polis e não podiam receber educação escolar, com exceção das espartanas, e assim como os escravos, ocupavam posição de inferioridade dentro daquela sociedade (KOPPER, 2014).
Mesmo na idade do ouro, no auge da civilização, em 400 A.C, os homens eram considerados tão superiores às mulheres que só a eles era atribuída a capacidade para sentir as grandes paixões da vida. Por exemplo, para vivenciar o amor, um jovem se unia não a uma mulher, mas a um homem mais velho. Posteriormente, embora o jovem se casasse e tivesse filhos, ele continuava amando aquele homem, lutando ao seu lado até a morte no campo de batalha. O casamento era, segundo o dramaturgo grego Menandro, “um mal, mas um mal necessário” (MILLER, 1999).
Mesmo em Atenas, poção territorial grega que nos legou a democracia, as mulheres eram proibidas de participar da assembleia do povo, ficando excluídas das decisões políticas que interessavam toda a comunidade. Mudando da sociedade grega para a sociedade Romana, verificamos que na Roma Antiga as mulheres não eram julgadas pelos tribunais públicos. Cabia ao pater-famílias1 , ser o juiz em sua própria casa. O marido era o juiz de sua própria mulher: se ela cometia alguma falta, ela a punia, se ela bebia vinho ele a condenava, se ela tivesse relação com outro homem ele tinha autoridade para matá-la (KOPPER, 2014).
O pensamento norteador da idade média, no ocidente, foi dado pelos clérigos cristãos. Antes mesmo do início desse período histórico, que teve início com a queda do império romano do ocidente, em 476 D.C, Tartuliano, pensador cristão que nasceu por volta de 150 e 155 D.C., e que entre 197 e 220 D.C. se dedicou à defesa e explicação da doutrina cristã, aproximando tal doutrina da filosofia grega e romana, deixou na sua obra os seguintes conselhos:
Tu deverias usar sempre luto, estar coberta de andrajos e mergulhada na penitência, a fim de compensar a culpa de ter trazido a perdição ao gênero humano. Mulher, tu és a porta do diabo. Foste tu que tocaste a árvore de satã e que, em primeiro lugar, violaste a lei divina (DELUMEAU, 1989).
Ideias como estas se mantiveram durante a idade média e foram propagadas como verdades absolutas, não tendo sequer o direito de serem contestadas por estarem envolta sobre o véu do dogma. Nesse sentido, a participação e o lugar da mulher dentro do contexto social e cultural continuaram sendo negligenciados, continuando elas à sombra de um mundo dominado pelo gênero masculino (NASCIMENTO, 1997)
Para os clérigos desse período, as mulheres eram pecadoras em potencial, pois todas elas descendiam de Eva, a culpada pela queda do gênero humano, sendo dessa forma todas portadoras e disseminadoras do mal. Com a instituição do casamento pela Igreja católica, no século XI, a maternidade e o papel da boa esposa passaram a ser exaltados. Criou-se assim uma forma de salvação feminina a partir de três modelos: Eva (a pecadora), Maria (o modelo de perfeição e santidade) e Maria Madalena (a pecadora arrependida). O matrimônio vinha como forma de saciar e controlar as pulsões femininas. No casamento a mulher estaria restrita a um só parceiro, que tinha função de dominá-la, de educá-la e de fazer com que tivesse uma vida pura e casta (SILVA, 2015)
Já na idade moderna, período que vai da queda de Constantinopla (1453) até o início da Revolução Francesa (1789), o parco conhecimento médico envolto ainda sobre um misticismo herdado da idade média, fez com que os dois campos do pensamento humano servissem de mecanismo legitimador da violência de gênero.
O corpo feminino era visto tanto por pregadores da Igreja Católica, como por médicos, como um palco nebuloso e obscuro, no qual, Deus e o Diabo digladiavam. Teólogos defendiam que o sexo feminino era mais frágil em face às tentações por estar repleta de paixões ferozes e violentas. “Se as mulheres tinham ossos mais pequenos e redondos era porque a mulher era mais fraca que o homem, suas carnes mais moles, contendo mais líquido, seu tecido celular esponjoso e cheio de gordura em contraste com o aspecto musculoso do homem, expressava igualmente sua natureza amolengada e frágil, os seus sentimentos mais suaves e ternos. Tudo isto as tornava mais vulneráveis as ações demoníacas. Pensava-se que ao mesmo tempo em que mantinha sua função reprodutora, a madre (o útero) lançava a mulher numa cadeia de enfermidades, que ia da melancolia e da loucura até a ninfomania, e esta, tinha conexão íntima com o Demônio”. O conhecimento médico sobre o corpo feminino se limitava ao que dizia respeito à reprodução. O útero (madre) representava o Depósito Sagrado, que precisava frutificar, e o homem é que depositaria a vida (VICENTE, 2015).
Na idade contemporânea, verificamos que os ideais da revolução francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade, questionaram no plano jurídico, filosófico e político os velhos esquemas de poder, não se debruçaram sobre as questões femininas. A idade das luzes, marco teórico que serviu de base para a Revolução Francesa, objetivava colocar a razão humana no centro do universo, tinha um claro objetivo de fugir a uma visão teocêntrica que marcou os séculos anteriores. Houve assim, a necessidade de se repensar vários campos do pensamento, levando a humanidade para um novo caminho (DELUMEAU, 2005)
Denis Diderot, ainda no século XVIII, falando sobre o período em que vivia e no qual era ele um dos que repensavam essa nova realidade disse que “nunca a humanidade conseguiu enxergar tão longe, nem tão alto”, entretanto, no tocante ao sexo, manteve inalterada a velha forma de encarar as diferenças, perpetuando as diferenças e alimentando a violência. (FERREIRA; FERNANDES, 2005)
Jean-Jacques Rousseau (1779), ao analisar o tipo ideal de mulher na obra: Emílio ou Da educação, disse que “Ele deve ser ativo e forte, ela passiva e fraca” nessa ótica, para que haja harmonia entre um casal é necessário que “Um queira e possa; basta que o outro resista pouco”. Complementando esse entendimento, em outro trecho, citando como deve ser a relação ideal entre um casal, Rousseau diz: “A relação entre os sexos é admirável. Desta sociedade resulta uma pessoa moral cujo olho é a mulher e cujo braço é o homem, mas com tal dependência entre um e outro que é com o homem que a mulher aprende o que deve ver e é com a mulher que o homem aprende o que deve fazer.” Essa obra foi considerada pelo autor como sua obra prima e tinha como objetivo explicar como educar um cidadão ideal, mantendo sua bondade natural diante de uma sociedade inevitavelmente corrupta. É considerado o primeiro tratado de filosofia da educação no mundo ocidental e, durante a Revolução Francesa, serviu de inspiração para o novo sistema educativo nacional. Portanto, visões como essas, mais do que aceitas, foram transformadas em políticas de ensino por um movimento que contestou velhos esquemas de dominação do poder (BRUCHARD, 1994)
Tal situação de subjugação independia da classe social na qual a mulher estava inserida. Mesmo as princesas, mulheres que pertenciam a alta classe social, não estavam imunes a violência de gênero praticada pelos seus pares. Para Gomes (2011) no livro 1822, ao tratar sobre o nascimento do Estado Brasileiro, tem um capítulo dedicado a imperatriz Maria Leopoldina chamado “A princesa triste”:
Na corte de Viena, as princesas eram preparadas de forma metódica para servir ao Estado, o que significa engravidar e parir a prole mais numerosa e saudável possível para os seus futuros maridos príncipes, reis e imperadores. Nessa função, amor e felicidade no casamento eram coisas acessórias, com as quais jamais deveriam contar. “Uma princesa nunca pode agir como quer”, escreveu Leopoldina em 1916 à irmã Maria Luiza, a esta altura já separada de Napoleão também por imposição política. “Nós, pobres princesas, somos como dados que se jogam e cuja sorte e azar depende de resultado”, repetiria em outra carta dez anos mais tarde” (GOMES, 2011).
No mesmo capítulo, ao falar sobre a irmã da imperatriz, a princesa Maria Luiza, o autor diz:
A suprema humilhação viria em 1810, ano em que sua irmã mais velha, Maria Luísa, se viu obrigada a desposar o odiado imperador francês em troca da promessa de uma paz que se revelaria efêmera. Com a conivência do papa, Napoleão decidira anular seu primeiro casamento, com a imperatriz Josefina, sob a justificativa de que ela não lhe dera herdeiro. Leopoldina viu a partida da irmã para a França como a imolação de uma vítima inocente no altar dos interesses, sete anos mais tarde seria a sua vez de partir para a América (GOMES, 2011).
Foram essas ideias que chegaram com as caravanas em 1500, e que permanecem na nossa cultura até hoje, já que o Brasil foi colonizado por europeus na idade moderna (GUIMARÃES; DRESCH, 2014).
Mas, mesmo antes da chegada dos portugueses, já existia a prática da violação entre os povos indígenas que aqui habitavam. Segundo Fausto (2014), os índios que aqui viviam, apesar de possuírem uma cultura de subsistência, entrava em contato com outras tribos com o intuito de trocar “mulheres e bens de luxo, como penas de tucano e pedras para fazer botoque 2”
Ainda na idade contemporânea, constata-se que a humanidade tem se modificado muito nos últimos anos, em razão da inserção de novas tecnologias no nosso dia-a-dia. Infelizmente, essas novas tecnologias vêm sendo usadas como meio de difusão de violência psicológica e controle social da mulher, por meio do ataque ou possibilidade de ataque a sua imagem social (ALMEIDA, 2015).
Ao se debruçar sob a relação estabelecida entre machismo e violência, Minayo (2005) analisa de que forma os homens, ao encarnar tais valores, agem na relação com o sexo feminino, encarando a violência de gênero como sendo uma função disciplinadora e ate mesmo protetora dos valores que o mesmo encarna. Partindo dessa lógica, a vítima passa a ser a culpada e merecedora da violência que sofre.
A prática cultural do "normal masculino" como a posição do "macho social" apresenta suas atitudes e relações violentas como "atos corretivos". Por isso, em geral, quando acusados, os agressores reconhecem apenas "seus excessos" e não sua função disciplinar da qual se investem em nome de um poder e de uma lei que julgam encarnar. Geralmente quando narram seus comportamentos violentos, os maridos ou parceiros, costumam dizer que primeiro buscam "avisar", "conversar" e depois, se não são obedecidos, "batem". Consideram, portanto, que as atitudes e ações de suas mulheres e por extensão, de suas filhas, estão sempre distantes do comportamento ideal do qual se julgam guardiões e precisam garantir e controlar (ALMEIDA, 2015)
Segundo Toigo (2010), a associação da mentalidade patriarcal que realiza o controle das mulheres e a rivalidade presumida entre homens estão sempre presentes nas agressões por ciúme, como o medo da perda do objeto sexual e social, cujo ponto culminante são os homicídios pelas chamadas razões de honra. As explicações comumente usadas para justificar posturas violentas por parte de alguns homens não condizem com a realidade, visto que há homens que não usam da agressividade na relação com suas parceiras, fugindo, portanto, a ideia de que a violência de gênero é guiada por fatores biológicos.
Há pensadores que dizem que a violação feminina é natural, é uma necessidade masculina física biológica, que não é por isso que temos que aceitá-la, mas há que reconhecer que é algo que vem da natureza. Alega-se que os machos, os animais de todas as espécies, são assim (GUTMANN, 2015).
Ao pensar assim, a violação, teria que ser controlada de alguma forma. Porém, como esse comportamento não é resultado biológico e sim do machismo, de um pensamento de superioridade, de controle e de poder, faz-se necessário mudar a sociedade, as ideias e o comportamento dos seres humanos. Não podemos sentar com animais e lhes dizer: “Por favor, não coma mais carne, ok? Não quero que coma mais ninguém por aqui. Por favor, leão, deixe de ser leão”. Isso não funciona, pois sua biologia é assim. Mas se os homens são assim, não podemos falar com eles, teríamos de prender todos. Mas todos os leões buscam carne para comer, sem exceção. Se não procuram, morrem. Mas não são todos os homens que violam, que batem. Se é algo biológico, por que há tantos homens que não violam? (GUTMANN, 2015)
Segundo Prateano (2015), a inversão de valores que coloca a vítima como culpada pela violência sofrida; a ideia de que um ‘não’ pode significar um ‘sim’ caso não seja dito com ênfase; a naturalização das cantadas masculinas nas ruas; o mito de que a vítima pode evitar o estupro; a falsa ideia de que existe roupas e acessórios antiestupro; a naturalização, por parte da sociedade, de achar engraçado piadas contadas sobre estupro; a prática de minimizar o fato quando o estuprador é uma pessoa famosa e que eram as mulheres quem buscavam sexo com o mesmo, provocando, portanto, o ato; minimizar o estupro quando ele acontece com minorias como transexuais, travestis, prostitutas a até mesmo com as mulheres casadas na relação conjugal com seu parceiro; menosprezar o fato de que homens também são vítimas de estupro; o medo de denunciar, com receio do impacto que tal fato irá gerar na sua imagem pública; a crença de que as mulheres são objeto prontos para serem conquistados num jogo, numa corrida por sexo e achar que existe um meio termo, um meio caminho entre a negação e o consentimento no ato sexual, criaram no país uma cultura do estupro onde as pessoas não são ensinadas a não estuprar, mas sim ensinadas a não ser estupradas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise destes dados permite concluir que a violência contra a mulher possui um conteúdo histórico, filosófico e sociológico que estruturou e ainda estrutura um sistema de valores machistas, sempre galgado na ideia de uma possível superioridade hierárquica natural. Tal construção social acaba por criar um ambiente propício à violação de direitos, devendo, portanto ser repensado e, acima de tudo, combatido nas várias esferas da sociedade onde o mesmo se apresenta.
Partindo dessa perspectiva, visualiza-se uma necessária reflexão ética e política que abarque a problemática como um todo, levando a uma compreensão crítica da sociedade, da história, das leis e costumes, dos direitos e violações e das próprias noções de humanidade e dignidade.
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*Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. marceloandradeuneb@hotmail.com
**Bacharel em direito pela Universidade do Estado da Bahia. Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina e Assessor de Juiz - Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. É Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul da Santa Catarina - UNISUL (2010), bem como em Direito Processual Penal, pela Faculdade Damásio (2018). teciano@hotmail.com
1 A família romana era formada por um conjunto de pessoas e coisas que estavam submetidas a um chefe: o pater famílias (DANTAS JR, 2005).
2 Botoque é o termo que designa os discos de cerâmica, madeira ou conchas que os indígenas, usam encaixados nos lóbulos das orelhas ou do lábio inferior. Representam a autoridade e maturidade de um homem (RIBEIRO, 1998).
Recibido: 15/08/2018
Aceptado: 12/09/2018
Publicado: Septiembre de 2018