Luana Maria Gutierres Barbosa *
Marcos Mondardo**
UFGD, Brasil
luanagutierres@hotmail.com
Resumo: O artigo analisa a reterritorialização dos imigrantes árabes na fronteira de Pedro Juan Caballero (Paraguai) e Ponta Porã (Brasil). As concepções de “mundo” do Ocidente e do Oriente fazem parte, embora de forma desigual, da reelaboração identitária destes imigrantes árabes nesta área de fronteira. Segundo Hall (2009) toda identidade é hibrida, e para Sayad (1998) todo migrante é ao mesmo tempo e/imigrante; tem sua história, sua cultura e seus costumes dispostos no novo lugar. Já para Haesbaert (2004), essa mescla participa do processo de reterritorialização do imigrante que, no caso dos árabes na fronteira de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, manifesta-se nas relações religiosas, nos relacioidntos e no trabalho do comércio. O imigrante traz em si, em seu corpo e sua mente, a cultura Oriental, mas no processo de reterritorialização vai sendo incorporada como parte do Ocidente.
Palavras Chaves: Migrantes Árabes. Ocidente. Fronteira.
Abstract: The article analyzes the reterritorialization of the Arab immigrants in the border of Pedro Juan Caballero (Paraguay) and Ponta Porã (Brazil). The "world" conceptions of the West and the East form part, albeit unequally, of the identity reworking of these Arab immigrants in this frontier area. According to Hall (2009) all identity is hybridized, and for Sayad (1998) every migrant is at the same time is emigrant and immigrant; has its history, its culture and its customs arranged in the new place. For Haesbaert (2004), this mixture is part of the process of reterritorialization of the immigrant, which, in the case of the Arabs on the frontier of Pedro Juan Caballero and Ponta Porã, manifests itself in religious relations, relationships and the work of commerce. The immigrant brings in himself, in his body and his mind, the Eastern culture, but in the process of reterritorialization is being incorporated as part of the West.
Key words: Arab migrants. West. Border.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Luana Maria Gutierres Barbosa y Marcos Mondardo (2018): “A reterritorialização dos imigrantes árabes na fronteira de Pedro Juan Caballero (PY) e Ponta Porã (BR): entre o oriente e o ocidente”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (julio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/07/reterritorializacao-imigrantes-arabes.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1807reterritorializacao-imigrantes-arabes
Introdução
A reelaboração da identidade do imigrante árabe em áreas de fronteira, hoje, perpassa os “dois mundos” conhecidos como Ocidente e Oriente. Esta “separação” entre Ocidente e Oriente funciona como se fossem limites territoriais entre países. É uma linha tênue das relações em que um olha o outro como um estranho, diferente, o estrangeiro, o imigrante, o refugiado. Esta diferenciação faz com que o imigrante árabe vivencie, de certo modo, uma condição de estranhamento em seu cotidiano.
Existe nesta divisão Oriente e Ocidente uma fronteira. De forma geográfica, o mediterrâneo é um bom exemplo, pois os imigrantes árabes também são com o seu deslocamento, seus corpos, seus objetos, seus sentimentos, que trazem o Oriente com eles, mas, ao mesmo tempo, passam a viver em países do Ocidente, a exemplo daqueles que vivem em áreas lindeiras em países como Brasil e Paraguai. Seu cotidiano está marcado cotejado pelos dois mundos, com maior influência externa no movimento de reterritorialização do Ocidente.
O imigrante árabe na fronteira de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, embora trabalhe em grande parte no lado paraguaio e resida predominantemente do lado brasileiro, estabelece contatos variados com a comunidade transfronteriça. Por isso, ao longo do tempo e em variados lugares, vai construindo elementos que reelabora a sua identidade na fronteira.
Assim, os árabes deste trabalho são migrantes da região Sul do Líbano chamada por eles de (Jnoub), a vila é chamada Majdel Selem, e todos são muçulmanos xiitas. Na fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero existem, embora em menor número, libaneses de outras religiões e árabes de outras nacionalidades.
1. Imigrantes árabes: o comércio na fronteira como fator de atração
Os imigrantes árabes se concentram nos grandes centros urbanos do Brasil. Sua entrada não é uma coincidência, em seus países vivenciam vários conflitos de ordem política, econômica e religiosa, em países como a Síria, o Líbano e a Palestina.
No início do século XX, no Brasil, os imigrantes árabes eram vistos como uma possível “imigração de sucesso”, devido à necessidade de industrialização do país, naquele momento, em conjunto com a expansão do comércio e serviços (levando em consideração a história comercial destes).
Para Sayad (1998, p. 55), “a estadia autorizada ao imigrante está inteiramente sujeita ao trabalho”. Para os imigrantes árabes muçulmanos o trabalho é fundamental, os imigrantes árabes são conhecidos como “o povo da caixa” (ahlal kacha). Segundo Hajjar (1985), assim que chegavam no Brasil, por volta da década de 1930 e 1940, em São Paulo e Rio de Janeiro, compravam mercadorias (meias, tecidos, panelas, espelhos, dentre outros), colocavam em carrinhos de madeiras e vendiam as mercadorias “de casa em casa”. Segundo Júnior (1935), até mesmo nas fazendas os imigrantes vendiam, e se o dono da fazenda não tivesse o dinheiro, eles voltavam para receber na colheita, meses ou até mesmo um ano depois.
Para os imigrantes árabes chegarem à fronteira estes acompanharam o processo de expansão e desenvolvimento urbano(agro)industrial do Brasil, com a “ocupação” do interior do Brasil, como, por exemplo, pela chamada de Marcha para o Oeste1 (Carvalho, 2011), com a implantação de colônias agrícolas que foram fundadas (Souza, 2008). Além disso, os planos de desenvolvimentos econômico e estratégico entre Brasil e Paraguai com a construção da Hidrelétrica de Itaipu inaugurada em 13 de Outubro de 1982 a Ponte Internacional da Amizade inaugurada em 27 de Março de 1965 (Albuquerque 2001), e as linhas de trens e rodovias que ao longo do século XX foram sendo ampliadas estações (Ghirardello, 2005), permitiram o deslocamento para áreas de fronteira internacional de imigrantes árabes.
O imigrante árabe vendo esta expansão segue para o interior do país e se fixa também na fronteira, sobretudo, para obter vantagens econômico-comerciais de ambos os países. Na década de 1990, o Paraguai importa produtos e revende sem taxações de juros, enquanto que o Brasil taxa os produtos importados para estimular a compra de produtos brasileiros. Desta forma os árabes instalaram suas lojas do lado paraguaio para vender eletroeletrônicos aos consumidores brasileiros que passaram a procurar esses produtos na fronteira por terem valor mais acessível.
1.1 Os imigrantes árabes na fronteira entre o Oriente e o Ocidente
Na fronteira de Pedro Juan Caballero (PY) e Ponta Porã (BR), o imigrante árabe é visto e reconhecido como “turco”. Oriundos em grande parte do Líbano, esses imigrantes são vistos por essa representação como diferente, estrangeiro, de “fora” da fronteira.
Para Hall (2009, p. 106), “a identificação opera por meio da différance, ela envolve um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas, a produção de efeitos de fronteiras”. A identidade é processo e apresenta mudança no tempo e no espaço, não sendo estática ou permanente.
A diferença não está somente no fato de nacionalidades diferentes, existe uma gama de conhecimentos elaborados pelo aquilo que separa ou delimita o que é Ocidental e Oriental, construídas ao longo de um percurso espaçotemporal.
Said (2007) aborda questões sobre o orientalismo como uma invenção do Ocidente. Entre o Oriente e o Ocidente existem diferenças, da mesma forma que mesclas e imposições culturais entre esses dois “mundos”.
Uma das considerações levantadas por Said (2007) remete ao período das colonizações e expansões comerciais e marítimas, o encontro das “diferenças” é demonstrado na Literatura, nas Artes e diversas Ciências. Hall (2014) fala sobre este período colonial como “velhas identidades”, estas identidades organizaram o mundo, porém o declínio das potências europeias auxiliou na formação de novas identidades e conflitos para o mundo moderno.
Para Said (2007, p. 161), “O Ocidente é o ator, o Oriente é um coadjuvante passivo. O Ocidente é o espectador, o juiz e o júri de cada faceta do comportamento oriental”. Muitas das informações disseminadas sobre o Oriente não são imparcial. Os ocidentais possuem uma imagem ora romântica do Oriente, a exemplos dos encantadores de serpentes e odaliscas e, por outro lado, de um mundo atrasado e violento. O imigrante árabe na fronteira tem consciência de que os conflitos em seus países de origem contribuem para a ampliação desta imagem do árabe folclorizado, atrasado e violento.
Muitos conflitos envolvem o Oriente Médio no século XX como a I Guerra Mundial (1914-1918), II Guerra Mundial (1939-1945), a criação do Estado de Israel (1948), que promoveu um processo de desterritorialização dos palestinos e desencadeou uma área de intenso conflito até a atualidade. Em contrapartida os palestinos promovem as Intifadas, isto é, levantes populares nos anos de 1987 e 2000, a Guerra dos seis dias (1967), a queda do Xá no Irã (1979), a Guerra do Irã e Iraque (1980), a Guerra do Golfo ou do Kuwait (1990-1991), Intervenção armada no Afeganistão (1979-1989), a ocupação do Iraque (2003-2011), e mais recentemente Primaveras árabes 2 que desencadearam a Guerra civil na Síria e Líbia.
1.2 A reterritorialização dos imigrantes árabes na fronteira de Pedro Juan Caballero (PY) e Ponta Porã (BR)
Os imigrantes árabes na fronteira ao longo do tempo produzem alterações na fronteira, fazendo deste não somente um lugar para trabalhar e morar, mas para vivenciar sua religiosidade, cultura e costumes, facilitando, assim, sua fixação e permanência. Sanando suas necessidades econômicas e vivenciando suas culturas e costumes no seu espaço cotidiano.
Essa reelaboração identitária no espaço produz uma nova cartografia por meio de multi/transterritorialidades (HAESBAERT E MONDARDO, 2010; MONDARDO, 2018). A fronteira é feita cotidiaidnte pelos imigrantes árabes por relações que muitas vezes não se materializam. Os imigrantes carregam em seus corpos, em seus sentimentos – como a saudade e a dor ao lembrar-se de lugares e pessoas amadas – a esperança do retorno nos planos para o futuro; a necessidade de sentir o cheiro da comida, das essências, do chá e do café, faz com que reconstruam hábitos cotidianos; ou, até mesmo a conexão com a fé e os horários das orações, componentes simbólicos e afetivos que fazem parte da reterritorialização.
Para Hall (2009), a identidade cultural não provém de um povo e sim da junção de diversos povos. Quando se trata da identidade de um povo baseia-se na identidade histórica. Mas deve-se tomar o cuidado de não se propagar somente a identidade hegemônica que tenta massificar e caracterizar a identidade subalterna. Por isso, nesse jogo, a identidade está em uma construção permanente.
Na área de fronteira, o novo território que o imigrante árabe constrói a partir de sua vivência, pela mobilidade do trabalho no comércio, faz com que ele necessita reconstruir lugares de referência identitária. Para isso, agrega sua cultura (comida, bebida, roupas), e valores (fé, religião e objetos simbólicos). A figura 1 representa este universo simbólico dos imigrantes árabes na fronteira.
Na figura 1, são apresentadas quatro situações: a primeira é a Mesquita que foi construída no ano de 2011. A comunidade muçulmana utiliza esse espaço para exercer sua religiosidade em cultos religiosos, festas e reuniões; a segunda imagem retrata um restaurante árabe em Pedro Juan Caballero que serve comida árabe e sua parede foi toda adornada com símbolos do Líbano, como as ruínas de Ballbeck, o cedro árvore símbolo do Líbano, a Gruta Jeito em Beirute (capital do Líbano). Essa apropriação simbólica permite que tanto a dona do estabelecimento comercial quanto seus clientes sintam-se próximos do Líbano; a terceira situação demonstra uma loja árabe, no shopping Westgarden em Pedro Juan Caballero. Na fachada desta loja é possível visualizar vários arguilés (utilizam para fumar normalmente com essências de frutas ou florais); na quarta imagem observa-se a mesa da gerência de uma loja, tendo ao fundo várias mangueiras utilizadas no arguilé e em cima da mesa uma jarra com gelo e água e um copo com uma bomba para beber o tereré, uma das tradições cotidianas (não somente adotada por imigrantes árabes), da fronteira do Brasil com o Paraguai. Desta forma pensamos que não é somente a fronteira que recebe a cultura árabe. Os árabes também inserem em sua vida diária elementos da cultura da fronteira em seu cotidiano.
Haesbaert (2004 considera que para fazer um novo território está intrínseco a desterritorialização e a reterritorialização. A esse processo estão ligadas as questões concretas, emocionais, afetivas, psicológicas e simbólicas. O imigrante árabe constrói a fronteira e é modificado por esta, ora afirmando, ora interagindo, ora incorporando, a diferença cultural.
Quando estivemos em Pedro Juan Caballero, observamos imigrantes árabes em lojas do comércio na área central da cidade. Batul, libanesa casada com libanês, na loja de seu esposo comenta sobre a religião, ela estava com um véu azul escuro. Sua inquietação vem das igrejas católicas. Menciona Maria, mãe de Jesus Cristo, como um exemplo, e explica que Maria usava véu, e questiona como as mulheres católicas não cobrem a cabeça para orar. Ela faz este questioidnto para si mesmo e leva a afirmar que: “Aqui na fronteira, me olham normal, mas se vou pra qualquer cidade pra dentro do Brasil, todo mundo fica me olhando, não sei pra que isto?”.
Estas inquietações do cotidiano do imigrante árabe na fronteira nos levam a pensar sobre as diferenças entre estes dois mundos. Por exemplo, onde termina o pensamento ocidental e oriental e onde eles se unem? Geograficamente falando, poderíamos dizer que o Mediterrâneo é a fronteira e a união do Oriente e Ocidente.
No entanto, ao andar pelas ruas centrais de Pedro Juan Caballero, entramos em uma loja de aparelhos musicais. Os atendentes eram dois irmãos descendentes de árabes, serão denominados de Samir e Jaber. Samir estudante da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul fica muito interessado quando menciono sobre a pesquisa e considera o trabalho importante. Durante a conversa emerge o tema dos refugiados sírios na Europa. Jaber seu irmão ao escutar o assunto interrompe e diz: “Se eu fosse eles (os europeus) eu não iria querer árabes lá, como vão saber quem é terrorista ou não?”.
Esse questioidnto realizado por Jaber possibilita uma reflexão que até mesmo no seio das famílias árabes e seus descendentes no Ocidente compreendem as ações terroristas como um perigo, estas ações agem em suas vidas e ameaçam a estabilidade que vieram tão longe construir. A ameaça do terrorismo do Oriente e suas ações no Ocidente retiram a tranquilidade dos árabes instalados no Ocidente.
Essas questões parecem dificultar a reterritorialização de suas vidas na fronteira. A imagem do árabe “perigoso”, “ruim”, “ganancioso” e “violento” cresce no imaginário dos ocidentais, fazendo com que o imigrante árabe (ou refugiado) seja visto como de fora. Na fronteira os árabes ou seus filhos são vistos como “turcos”. Esta imagem fabricada pela visão ocidental sobre os árabes fazem com que estes se esforcem mais para conseguirem se relacionar com as pessoas da fronteira. Salim disse: “você não pode errar, se fizer algo errado uma única vez, é assim que vão te conhecer e falar sempre de você”.
Salim é um rapaz brasileiro, nascido e educado no Brasil, faz curso de medicina em uma Universidade privada em Pedro Juan Caballero e nas horas vagas ajuda seu pai em sua loja de Perfume, no centro da cidade de Pedro Juan Caballero. Ao falar sobre quem ele é, Salim diz rapidamente: “Sou brasileiro”, ele para e pensa um pouco e diz: “Sou paraguaio também”. Porém em nenhum momento ele diz que é árabe. Talvez para justificar essa negação, o imigrante narra um acontecimento em sua vida que o deixou muito apreensivo:
Fui em 2011 para o Líbano fiquei na casa da minha avó, meus pais foram fazer o Hajj 3, é fora do Líbano então fiquei apenas com meus avós, não estava sozinho, começou um conflito que via nos noticiários da TV, Israel invadiu uma cidade que ficava 40 minutos distante da casa onde estava, para eles 40 minutos é longe, para mim é muito perto, fiquei com muito medo de virar uma guerra, tudo que queria era voltar pra casa logo, queria muito meus pais (SALIM, Pedro Juan Caballero, 10/01/2017).
Mesmo não dizendo que é árabe Salim faz muitas reclamações sobe a fronteira e todos estão relacionados à religião, como o fato de não ter escola árabe, de não haver um sheikh (estudioso sobre religião e responsável por conduzir as celebrações religiosas), e de não haver um açougue 4
A construção da identidade se faz a partir das relações pessoais com familiares, amigos e elas vão se transformando e alterando conforme a necessidade, a ocasião e o tempo. Mesmo sendo brasileiro e se sentir paraguaio, Salim fala sobre seu futuro, sobre as melhorias que quer na fronteira para facilitar sua vida e diz que gostaria que seus filhos estudassem em uma escola árabe, para aprender o árabe, ele diz que só sabe falar e não escrever e considera isto importante.
Segundo Ortiz, (2001, p. 13): “toda identidade é uma construção simbólica que se faz em relação a um referente”. O referente inicial é a família, depois os familiares mais distantes, os amigos da escola, dentre outros. Conforme o ser humano vai envelhecendo e suas relações começam a ampliar a referência também se amplia, sendo natural a renovação e variação destes.
As falas dos imigrantes demonstram as inquietações da comunidade árabe nesta fronteira. O que os incomoda, o que gostariam de melhorar, o que não compreendem. As diferenças existem e para conviver existe a necessidade da reconstrução da identidade, com o tempo e espaço de reterritorialização.
1.3 Imigrantes árabes na fronteira-entre Ocidente e Oriente
Para compreender um pouco destas diferenças entre os “mundos” Ocidente e Oriente que permeiam a vida dos imigrantes árabes na fronteira é necessário entender aspectos das diferenças entre o pensamento oriental e ocidental.
Os muçulmanos xiitas na fronteira tem como referência o Irã nos campos da política e na religião. Para entender um pouco sobre este ideal de nação e religião que os entrevistados demonstraram apreço em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, vamos ver uma citação de Al Khomeini responsável pela Revolução Iraniana, traduzido por Al-Khazraji (2005):
Nossa nação, aliás todas as nações islâmicas e os povos oprimidos do mundo, estão muito satisfeitos por seus inimigos serem os inimigos de Deus Todo Poderoso, do Sagrado Alcorão e do Islam bem como serem pessoas cruéis que não desistem de nenhuma ação criminosa para promover suas necessidades básicas. Estes inimigos do Islam são capitaneados pelos EUA um Estado terrorista por tendência, que põe fogo em tudo e em todos os lugares. Também seu aliado, o sionismo internacional, não para de praticar crimes para realizar seus desejos perversos e gananciosos. (Al-KHAZRAJI, 2005, p. 111).
Al-Khazraji (2005), continua sua tradução sobre o discurso de Al-Khomeini para a nação iraniana, aconselhando todas as esferas da população, sobre o perigo que vem do estrangeiro.
As potências coloniais têm nos amendrontado tanto com o seu poder e progresso satânicos que não ousamos aventurar-nos a qualquer atividade. Pelo contrário, submetemo-nos a eles e colocamos nossos destinos nas mãos deles tornando seus seguidores com nossos próprios olhos e ouvidos tapados. Esta estupidez e inanidade mental artificial impediram-nos de confiar e acreditar no nosso próprio conhecimento e modo de pensar bem como transformaram-nos em seguidores cegos do Leste ou do Oeste. Os costumes e modos estrangeiros sejam eles banais, vulgares ou redundantes, são promovidos, propagados e impostos às nações por meio de ações, palavras e elogios. (AL-KHAZRAJI, 2005, p.125).
O imigrante árabe muçulmano xiita sabe que seu grupo religioso é menor do que os sunitas no Oriente Médio, ao conversar com eles na fronteira todos demonstraram respeito ao Irã e ao Khomeini como liderança religiosa.
Existe também a consciência de sua situação de imigrante. Por isso, tentam não entrar em tensão com as outras pessoas onde se fixam, sem discussões e discordâncias sobre os conflitos do Oriente Médio. Preferem falar sobre comércio, cultura e coisas do cotidiano.
No trabalho de Motahari (2008), eles levantam exemplos sobre a família dissolvida do Ocidente por Motahari (2008), perca da consciência de si mesmo e de Deus para o Ocidente por Motahari (2008). Essas afirmações são frequentes em seu trabalho.
Pontuar várias nações desprovidas da consciência em si mesmo ou na falta de Deus é desconsiderar a cultura e costumes de diversas nacionalidades, com histórias e identidades distintas, constituem uma generalização quando ocidentais falam sobre orientais com as afirmações “eles são ruins”, “não são evoluídos”. Falas assim como encontramos nesta fronteira, possibilitam a disseminação de uma imagem negativa sobre o imigrante árabe, tendo uma visão colonizadora sobre o Oriente.
Ao tratar “um oriental é um oriental”, é quase como permitir que ele não seja mais um ser humano e sim um oriental, onde os problemas políticos, econômicos e religiosos, devem ser resolvidos pelo modelo ocidental de “progresso e evolução” da sociedade. Orientais são árabes, libaneses, sírios, israelenses, iranianos, japoneses, chineses, hindus, malásios, filipinos, russos, australianos, entre muitos outros. Esse mundo é construído pela uma multiplicidade.
Um dos fatores levantados por Said (2007) é o fato do orientalismo elaborar uma imagem errônea do árabe e do árabe muçulmano. Uma forma dele justificar isto é utilizando várias obras literárias como o livro a Divina Comédia de Dante Alighieri. Said (2007, p. 85) no canto 28 do Inferno, analisa que Maomé pertence a uma hierarquia rígida de males, e seu destino no inferno é ser partido em dois do queixo ao ânus e seus excrementos e entranhas é de uma precisão pertinaz.
Esta necessidade de demonizar ou construir uma imagem negativa do profeta do islã Maomé, surge com uma tendência de ocupação realizada por países ocidentais em países orientais no século XX. Utilizando a concepção de “libertação”, uma cruzada moderna, contra os governos ditatoriais, estas investidas fazem diversos países do Oriente criarem uma forma de defesa com atitudes questionáveis e condenáveis pelo Ocidente, como contra os grupos terroristas como Hamaz (Palestina), Hezbollah (Líbano), ISIS (Iraque, Síria, Líbia e diversos grupos deste mundo). Sobre essa mentalidade específica sobre o Outro, Said afirma que:
Parece ser impossível escapar às fronteiras e barreiras construídas à nossa volta por nações ou outras formas de comunidades (como a Europa, a África, o Ocidente ou a Ásia) que compartilham uma linguagem comum e todo um conjunto de características implícitas, preconceitos e hábitos rígidos de pensamento. Nada é mais comum no discurso público do que as frases como ‘os ingleses’ ou ‘os árabes’ ou ‘os americanos’ ou ‘os africanos’, cada uma delas sugerindo não apenas toda uma cultura, mas também uma mentalidade específica. (SAID, 2005, p.42)
Said (2005, p.42), ainda falando sobre as generalizações e as formas redutoras que intelectuais acadêmicos norte-americanos ou britânicos fazem sobre “o islã”, que equivale a um bilhão de pessoas, dezenas de sociedades distintas, mais ou menos seis línguas distintas que cobrem aproximadamente um terço do planeta. Ao usar uma mera palavra reduzem um milênio e meio de história, antecipando julgamentos sobre a compatibilidade do Islã com a democracia, os direitos humanos e o progresso.
Em oposição Buruma e Margalit (2006) escreveram sobre Ocidentalismo, considerando o ocidente aos olhos de seus inimigos. Apontam cidades que foram destruídas ao longo do tempo histórico como a Babilônia e Babel por estarem afetadas por corrupção, violência e misérias de todos os tipos. Fazem uma relação ao atentado terrorista em Manhattan em Nova Iorque em 11 de setembro de 2011 ao Word Trade Center, as Torres Gêmeas nos Estados Unidos da América.
Buruma e Margalit (2006, p. 37) exemplificam também a tradição do comércio e a criação de impérios utilizando a expressão “guardiões da tradição, da cultura e da fé como uma comparação para destruir o que é mais profundo, autêntico e espiritual”. Os países árabes eram grandes comerciantes e o capitalismo se apropria desta tradição e a distorce em prol dos interesses econômicos. Afirmando que os árabes “são loucos por dinheiro”, fazendo uma analogia que para se ter dinheiro tudo é permitido aos países ocidentais.
Por outro lado, Buruma e Margalit (2006, p. 78) afirmam que o homem ocidental “é um intrometido, hiperativo, sempre encontrando os meios corretos para os fins errados”. O intrometido remete as ações políticas e econômicas que os Estados Unidos e outros países da Europa exerceram pós II Guerra Mundial (1939-1945) na Ásia e Oriente Médio. Em diversos países do Oriente os meios bélicos se devem ao fato de haver êxito em suas investidas, embora com fins errados e a bagunça generalizada, e que em troca da liberdade prometida sobra instabilidade política, crises econômicas, pobreza, miséria e violência para a população civil.
Daí a promessa ocidental de conforto material e liberdade individual em oposição aos reis sacerdotes que oferecem a pureza coletiva e a salvação heroica:
Possuir uma mente ocidental é como ser um sábio idiota, mentalmente defeituoso mas com um talento especial para cálculos aritméticos. É uma mente sem alma, eficiente como uma calculadora, mas sem esperança de fazer o que é humaidnte importante. A mente ocidental é capaz de grande sucesso econômico, é verdade, e de desenvolver e promover avanço tecnológico, mas não pode atingir as coisas mais elevadas da vida, uma vez que lhe falta espiritualidade e a compreensão do sofrimento humano. (BURUMA E MARGALIT, 2006, p. 78).
Não podemos ver estas opiniões como via de mão única ou visão massiva para os países orientais, mas existe o discurso, do que é ser um oriental, do que é ser um ocidental, o que fazem e pensam. Esta imagem é propagada e incita a criação desses estereótipos que em suma não explicam as divergências culturais, políticas e econômicas e não melhoram as relações diplomáticas entre as nações.
Lahrech (2004) cita um autor iraquiano chamado Shayegan5 . Este explica que nada foge ao processo do ocidentalismo: “um que ainda não chegou e outro que nunca se repetirá. Entre uma modernidade que serve de modelo, mas que é mal interpretada, e uma tradição que está se perdendo e que nunca voltará a sua forma inicial”. Lahrech (2004) termina seu artigo falando que o Ocidente precisa aceitar sua parte Oriental e o Oriente sua parte Ocidental.
Para Bennani (2006, p.136), deve haver um diálogo entre culturas e religiões integrado ao político e econômico. As fraturas e divergências vão além do terreno religioso, as injustiças e disparidades econômicas, a pobreza ao grau da democracia, requerem respostas globais para sanar a situação atual. Contudo, essas diferenças tendem a aumentar com a demanda dos imigrantes e refugiados em países ocidentais, tanto na Europa quanto na América.
Assim, conforme identificamos em nossa pesquisa, os imigrantes árabes revivem o Oriente no imaginário através das recordações, da saudade, do sentimento de pertencimento, e estimulam sempre seu retorno, mesmo que temporário. O lado ocidental se fortifica com a necessidade de construção de um futuro estável, dos possíveis investimentos e crescimento econômico, da visão de estabilidade política, pretensamente longe das guerras e conflitos.
O imigrante não se desvincula de suas memórias, cultura e costumes mesmo em terras ditas ocidentais, na fronteira do Brasil e Paraguai. Acompanham as notícias e temem a repercussão negativa que os grupos extremistas religiosos fazem nos atentados. As dicotomias são experimentadas pelos imigrantes árabes na fronteira e ainda com as diferenças, eles constroem sua reterritorialização em suas casas, na Mesquita, nos restaurantes árabes e outros lugares onde praticam hábitos concretos e simbólicos cotidiaidnte repetidos.
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