Fábio Aurelio de Mario*
Rodrigo Robinson**
Universidade Estadual de Maringá – UEM, Brasil
admfabiomario@gmail.com
Resumo: Esse ensaio teórico tem por objetivo refletir sobre o mercado a partir da sociologia econômica. São analisadas as questões institucionais, em especial, as lógicas institucionais que se impõem da formatação dos mercados. Discutimos como os aspectos morais são convergidos em lógicas institucionais que formatam mercado. Acreditamos que nossas discussões auxiliam ainda muito o que está por ser considerado em termos das lógicas de mercado. As construções de mercado ainda precisam de maiores estudos. Da mesma forma, consideramos que é necessário adentrar na percepção das lógicas morais (na busca por moral) que operam na formação e formatação de mercados ilegais.
Palavras-Chave: Moral, Mercados, Lógicas Institucionais
The moral aspects as a subversion of the institutional logic of the market
Abstract: This theoretical essay aims to reflect on the market from economic sociology. Institutional issues are analyzed, in particular the institutional logics that impose the formatting of the markets. We discuss how moral aspects are converged in institutional logics that format the market. We believe that our discussions still help a lot of what is to be considered in terms of market logic. Market constructions still need further studies. Similarly, we believe that it is necessary to enter into the perception of moral logic (in the search for morals) that operate in the formation and formatting of illegal markets.
Key words: morals, markets, institutional logics
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Fábio Aurelio de Mario y Rodrigo Robinson (2018): “Os aspectos morais como subversão da lógica institucional de mercado”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (julio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/07/aspectos-morais-mercado.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1807aspectos-morais-mercado
Introdução
Muito têm se produzido em Teoria Institucional (TI). Estudos têm estabelecido confluências com noções de estratégias (Oliver, 1991) que buscam explicar a noção agência x estrutura nas decisões organizacionais e dos atores. Umas das vertentes que tentam explicar essa relação é determinada pelas lógicas institucionais (LI). No entanto, nossa compreensão é de que as LI ainda precisam avançar para a compreensão dos aspectos morais. Uma vez que assumimos que, tanto o mercado quanto o campo científico são dominados por aspectos não apenas racionais. Dessa forma, procuramos adentrar nas explicações das LI e como são influenciadas por elementos sociais e pela própria Moral.
Os estudos de Mercado ganharam força com a SE (Fligstein, 2002; Swedberg, 2009). Em especial, com a Sociologia dos Mercados (Beckert, 2009). A sociologia dos mercados visa investigar como a ação do mercado é estruturada por macroestruturas e examinam seus processos dinâmicos de mudança. Fligstein (2002) argumenta que os mercados são uma forma de interação entre atores que contém elementos além dos fundamentos econômicos nas estruturas sociais. Dessa forma, Fligstein (2002), a partir da noção de campo de Pierre Bourdieu, buscou a compreensão do Mercado como campo de embates. A Teoria dos Campos procura estudar os mercados como um campo. Portanto, esta perspectiva fornece uma alternativa às visões econômicas de como os atores se comportam e por que os mercados têm estruturas sociais (Fligstein, 2002). A noção de Mercados como campo também se refere na existência de diversos atores inter-relacionados que assumem formas discursivas distintas e práticas materiais em diversos contextos sociais e ao longo do tempo (Araujo, Kjellberg & Spencer, 2008).
É crível dizer que o Mercado não é neutro. Existem disputas por atores que buscam legitimidade e poder por meio desses embates. Nessa mesma compreensão, as LI também, em determinados momentos buscam ser LI dominantes e nem sempre são confluentes entre si. Nossa questão nessas reflexões é de que os atores também podem utilizar das LI para se estabelecerem como dominantes. Se pensarmos que as LI e os atores de mercado na perspectiva da Sociologia Econômica, fica claro indagar de que: Até que ponto as LI de Mercado são imersas, essencialmente, em pressupostos econômicos?
Nossa preocupação é de que as LI ganham forças por meio de outros aspectos sociológicos. O que podemos perceber é de que as LI também são afetadas por elementos Morais, até o ponto de que tais aspectos justificam essas lógicas ao ponto de perpassar essas noções clássicas da economia. Assim, as lógicas institucionais são perpassadas por aspectos morais. Os comportamentos e práticas esperados em determinado campo dominado pela lógica econômica, podem ser subvertidos por valores e crenças que nascem em aspectos morais que extrapolam os padrões históricos de prática econômica. A atitude racional na lógica econômica, ou seja, a busca por eficiência, e maximização dos resultados, por vezes é atravessada por uma compreensão moral que subverte a lógica e exige esforço para restabelecimento do pensamento dominante ou a renegociação para novos padrões.
As lógicas institucionais têm sido entendidas como "os padrões históricos de práticas materiais construídos socialmente, pressupostos, valores, crenças e regras pelas quais os indivíduos produzem e reproduzem sua subsistência material, organizam tempo e espaço e fornecem significado para sua realidade social " (Thornton & Ocasio (1999: 804). No entanto, nossa compreensão neste ensaio é que as lógicas poderiam ser compreendidas em uma perspectiva mais dialética, menos endurecida. Quando consideramos os padrões históricos, comportamentos reforçados ao longo de muito tempo, podemos diminuir a perspectiva mais micro, tendo a impressão de que os padrões se estabelecem sem contradições, disputas e antagonismos. Outro estudo que demonstram as relações das Lógicas institucionais que afetam as organizações é o trabalho de Lee e Lounsbury (2015). O argumento central do trabalho dos autores é de compreender as pressões das lógicas frente as organizações. As pressões são estabelecidas a partir de lógicas que, de certa forma, são organizadas em níveis. Os autores apresentam as lógicas de estado e mercado e envolvimento com elementos políticos, econômicos e sociais.
Diferentemente, nossa intenção é evidenciar os aspectos morais que confrontam lógicas de mercado, produzindo comportamentos destoantes do que se esperava em lógicas estabilizadas. Não necessariamente, no sentido de que outra lógica confronta a lógica de mercado em um sistema inter-institucional, mas no sentido de que existem aspectos morais, que não necessariamente configuram outra lógica, mas perpassam as compreensões e práticas de mercado. Nesse sentido o processo é mais dinâmico, em permanente contradição e negociação.
Nossa compreensão de moral é sinônimo de ética como compreendida na filosofia. Não de uma ética de grupo (weber), mas no sentido valores humanos que perpassam as diferentes lógicas, tencionando suas fronteiras e singularizando as experiências humanas em diferentes situações. Obviamente, discutir moral é uma tarefa que não podemos vencer nesse ensaio. Contudo, reforçamos a ideia de moral da filosofia. Comte-Sponville discute os aspectos morais como uma liberdade. Para trazer a ideia de que os aspectos morais são também próprios do sujeito, Comte-Sponville faz uma analogia com a existência de uma “capa da invisibilidade”. Ora, nesse ponto, também nos interessa questionar: Na possibilidade de agir, sem ser visto, quais ações tomaríamos? Aqui o autor explica essa noção de liberdade. A moral para Comte-Sponville, portanto, é o “conjunto do que um indivíduo se impõe ou proíbe a si mesmo para levar em conta os interesses ou os direitos do outro, permanecendo fiel a ideia de humanidade”. De certa forma, é perceptível que a noção do autor sobre moral é institucional. Assim, fica claro que as lógicas institucionais também ganham força por meio de elementos morais. Ora, o quanto deixamos de agir ou devemos agir a partir de lógicas dominantes. Dessa forma, toda ação do indivíduo é frequentemente requerida de uma justificação.
A experiência humana frequentemente busca por justificação de seus atos (Boltanski & Thevenot, 2006). Não apenas legitimação no sentido de aceitação em determinado grupo social, mas para além disso, justificação em um sentido mais amplo de que as atitudes têm um fim digno de ser defendido.
Nesse sentido, mesmo a lógica de mercado, caracterizada pela troca racional, pela eficiência, por referências monetárias, desejo e poder, frequentemente recorre a aspectos como o “bem comum” ou a “liberdade” para justificar seus pressupostos. Nesse sentido poderíamos entender a liberdade como um valor que não foi moldado pela lógica de mercado, mas que perpassaria suas crenças, justificando suas práticas. Talvez pudéssemos chamar esses valores de sensos. Senso de justiça, Senso de liberdade, Senso de proteção a vida.
A sociedade ocidental contemporânea é fortemente influenciada pela lógica de mercado. Frequentemente podemos perceber esta lógica invadindo espaços que antes eram organizados por outras lógicas. Um exemplo é a vivência do luto. Não muitos anos atrás essa era uma dolorosa experiência, coletiva, comunitária, regida por um significado religioso, compartilhamento e ajuda mútua. Cada vez mais planos comerciais tem oferecido amenizar os sofrimentos com facilidades e uma experiência social quase agradável. Por outro lado, nosso argumento aqui é que mesmo em redutos onde a lógica de mercado é dominante, aspectos morais podem subverte-la.
Quando tratamos de aspectos morais, é assertivo definir que existem coisas distintas como a Ordem Moral e a Busca por Moral. Quando falamos de Ordem moral é aquela que está institucionalizada e imersa socialmente, como uma lei, uma forma de agir moralmente ou um dogma. Enquanto a ideia de Busca Moral, compreende a moral não como um regra a ser seguida, mas como um negociar consciente, e auto reflexivo em cada situação do dia-a-dia, segundo Quattrone (2015) podemos identificar esse comportamento nos jesuítas, onde até mesmo a compreensão sobre Deus não é dogmática e sim a uma busca diária e ordinária.
A Ordem Moral pode ser entendida na mesma compreensão que Comte-Sponville faz sobre Moralismo. Para o autor, a Moral é discutida apenas em “primeira pessoa”, ou seja, na noção individual. Mas a moralismo vem de encontro com a noção de: o que os outros devem fazer? Essa distinção de ordem moral e busca por moral, obviamente, remete ao paradoxo que o próprio autor menciona. Se a moral só vale na primeira pessoa, mas universalmente, em outras palavras para todo ser humano, como é possível buscar a moral se ela é, também, particular. Essa noção é o paradoxo estabelecido nas discussões Institucionais. São valores estabelecidos em um plano maior. O que queremos demonstrar até aqui, é que certos valores morais, são estabelecidos em um plano maior, como lógicas. Mas que em certos momentos, as lógicas entram em confluência com outras lógicas que perpassam até mesmo a racionalidade econômica.
É o que o estudo de Zelizer (1978) demonstra no caso da criação do mercado de seguro de vida nos Estados Unidos. Em um primeiro momento o seguro de vida foi amplamente rejeitado pelo mercado porque as pessoas tinham a impressão de que “lucrar”, ou receber um prêmio pela morte de alguém querido não parecia algo moralmente aceitável. Ao passo que ao longo do tempo e mesmo com a ação de agentes importantes, como missionários que deixavam suas famílias para viagens ao exterior, o conceito de “boa morte” foi modificado. O que é uma boa morte para um pai de família, senão deixar seus queridos providos, em caso de sua ausência?
O mesmo aspecto moral que antes impedia o mercado de seguros de vida, ou seja, uma concepção sobre a morte, passa a legitimá-lo em um momento seguinte, quando o conceito sobre a morte é revisto. Nesse caso podemos pensar que o conceito sobre morte apesar de estar presente em uma lógica religiosa, não pode ser interpretado nesse caso, como a lógica religiosa atuando sobre o mercado. Nossa proposição é de que se entenda essa influência como uma influência moral que perpassa tanto a lógica econômica quanto a religiosa. E sendo assim, está mais para uma busca moral, ou seja, uma relação aberta e viva e não dogmática e determinante. Na busca moral, pareceu mais adequado não deixar mãe e filhos desamparados, do que a ideia de um possível benefício com a morte de um querido. Nessa dialética o conceito sobre a morte foi reconstruído, mas os aspectos morais continuam perpassando as lógicas desse mercado.
Fenômeno parecido pode ser observado no processo de doação de sangue. Beckert (1997) utiliza o exemplo da doação de sangue para contrapor a Teoria Econômica Neoclássica de que o modelo de ator racional que busca maximizar sua utilidade e manter o equilíbrio do mercado seja a melhor forma de garantir eficiência. Empiricamente observada, a doação de sangue se mostra mais eficiente quando foge da lógica econômica. Nos casos observados quando tentou-se transformar a doação de sangue em um mercado, diminui significativamente a oferta de sangue. Podemos pensar em dois aspectos, primeiro que enquanto não era um mercado, a doação de sangue segue uma lógica de cooperação, compromisso social. E segundo que parece não ser aceitável lucrar com a venda de partes do corpo, assim como na prostituição. Em ambos os casos aspectos morais estão envolvidos e subvertem a lógica dos mercados.
Considerações finais
Em síntese, nossa intenção nesse ensaio foi de adicionar à discussão sobre lógicas institucionais, a ideia de que questões morais não deveriam ser compreendidas como uma outra lógica que concorre com a lógica de mercado, e sim como aspectos que perpassam as lógicas, inclusive subvertendo-as mesmo em espaços potencialmente compreendidos como regidos por lógicas de mercado.
De fato, consideramos que as lógicas institucionais não são neutras, assim como o mercado. O mercado e as lógicas não estão inclinadas, unicamente, para elementos econômicos, existem aspectos sociais que são imbricados em sua formação e condução. A pressão que as lógicas exercem nas organizações e na sociedade são refletidas por meio de elementos morais. Quanto esses elementos procuramos destacar a diferença e associações entre a busca por moral e ordem moral. É certo que os exemplos elucidam a força com que muitas lógicas (concorrentes ou não) fazem no mercado.
Acreditamos que estudos futuros possam compreender a formação de mercados ilegais pode meio das lógicas institucionais que são imbricadas por aspectos morais. O caso de discussões como a prática do aborto poderia trazer luz para elementos que são socialmente e moralmente construídos que fazem com que as lógicas se subvertam em lógicas de mercado, que de certa forma encontram fugas nos mercados ilegais.
Referências
Araujo, L.; Kjellberg, H.; Spencer, R. (2008) Market practices and forms: introduction to the special issue. Marketing Theory, v. 8, n. 1, p. 5-14.
Beckert, J. (1997) Beyond the Market. Princeton University Press., 1997.
Beckert, J. (2009) The social order of markets. Theory and society, v. 38, n. 3, p. 245-269, 2009.
Boltanski, L., & Thévenot, L. (2006). On justification: Economies of worth. Princeton University Press.
Fligstein, N. (2002). The architecture of markets: An economic sociology of twenty-first-century capitalist societies. Princeton University Press.
Lee, M. D. P., & Lounsbury, M. (2015). Filtering institutional logics: Community logic variation and differential responses to the institutional complexity of toxic waste. Organization Science, 26(3), 847-866.
Oliver, C. (1991). Strategic responses to institutional processes. Academy of management review, 16(1), 145-179.
Quattrone, P. (2015). Governing social orders, unfolding rationality, and Jesuit accounting practices: A procedural approach to institutional logics. Administrative Science Quarterly, 60(3), 411-445.
Sponville, A. (2002). Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
Swedberg, R. (2009). Principles of economic sociology. Princeton University Press.
Thornton, P. H., & Ocasio, W. (1999). Institutional logics and the historical contingency of power in organizations: Executive succession in the higher education publishing industry, 1958–1990. American journal of Sociology, 105(3), 801-843.
Zelizer, V. (1978) Human Values and the Market: The Case of Life Insurance and Death in 19th-Century America. The American Journal of Sociology, v.84, n. 3, 1978.