Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


ASSOCIAÇÕES QUILOMBOLAS E RESISTÊNCIA À AGROINDÚSTRIA DO DENDÊ NA AMAZÔNIA PARAENSE

Autores e infomación del artículo

Lissandra Cordeiro Ribeiro*

Heribert Schmitz**

Universidade Federal do Pará. Brasil

heri@zedat.fu-berlin.de


Resumo

O artigo teve como objetivo analisar a resistência de associações quilombolas à agroindústria do dendê no município de Concórdia do Pará. As políticas goveridntais ligadas à produção sustentável de agrocombustível concretizaram-se no âmbito do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), criado no ano de 2005, e incentivaram a instalação de várias empresas produtoras de dendê no Nordeste Paraense. Devido às profundas mudanças causadas nos primeiros anos de expansão da dendeicultura, surgiram vários conflitos sociais nessa região e se desenvolveu uma forte resistência, especialmente das associações quilombolas, tendo como objetos de discordância a entrada da dendeicultura nas comunidades. O referencial teórico baseia-se no tema da resistência e a metodologia de pesquisa foi qualitativa com observação participante e entrevistas semi-estruturadas com os principais representantes das associações. Os resultados indicam que as associações desenvolveram ações de resistência envolvendo as mídias regional e nacional, pressionando políticos e órgãos goveridntais e pela mobilização nas comunidades quilombolas por meio de reuniões com os camponeses, discutindo com eles os riscos e problemas advindos da agroindústria, e que conseguiram alcançar, parcialmente, alguns dos seus objetivos relacionados à compra de terras, à situação dos assalariados na dendeicultura, à suspeita de poluição de igarapés e à integração por contrato de agricultores familiares à agroindústria.

Palavras-Chave: Comunidades quilombolas, Dendeicultura, Resistência, Agroindústria, Amazônia Paraense.

Resumen

El artículo tuvo como objetivo analizar la resistencia de asociaciones quilombolas a la agroindustria del dendê en el municipio de Concordia do Pará. Las políticas guberidntales ligadas a la producción sustentable de agrocombustible se concretaron en el ámbito del Programa Nacional de Producción y Uso de Biodiesel (PNPB), creado en el año 2005, e incentivaron la instalación de varias empresas productoras de palma aceitera en el Nordeste Paraense. Debido a los profundos cambios causados ​​en los primeros años de expansión de la palma aceitera, surgieron varios conflictos sociales en esa región y se desarrolló una fuerte resistencia, especialmente de las asociaciones quilombolas, teniendo como objetos de desacuerdo la entrada de la dendicultura en las comunidades. El referencial teórico se basa en el tema de la resistencia y la metodología de investigación fue cualitativa con observación participante y entrevistas semiestructuradas con los principales representantes de las asociaciones. Los resultados indican que las asociaciones desarrollaron acciones de resistencia involucrando a los medios regional y nacional, presionando a políticos y organismos guberidntales y por la movilización en las comunidades quilombolas a través de reuniones con los campesinos, discutiendo con ellos los riesgos y problemas provenientes de la agroindustria, y que lograron en parte, algunos de sus objetivos relacionados con la compra de tierras, la situación de los asalariados en la dendicultura, la sospechosa de contaminación de igarapés y la integración por contrato de agricultores familiares a la agroindustria.

Palabras clave: Comunidades quilombolas, la cultura de palma, Resistencia, Agronegocio, Amazon Paraense.

Abstract

The objective of this article is to analyze the resistance of quilombola associations to the oil palm industry in the municipality of Concórdia do Pará. Government policies related to sustainable agrofuel production were implemented within the framework of the National Program for the Production and Use of Biodiesel (PNPB), created in 2005, and encouraged the installation of several companies producing palm oil in the Northeast of Para. Due to the profound changes caused in the first years of the expansion of the oil palm cultivation, several social conflicts arose in this region and a strong resistance was developed, especially by the quilombolas associations, having as objects of disagreement the entrance of the palm oil cultivation in the communities. The theoretical framework is based on the theme of resistance and the research methodology was qualitative with participant observation and semi-structured interviews with the main representatives of the associations. The results indicate that the associations developed resistance actions involving the regional and national media, lobbying politicians and government agencies and mobilizing in the quilombola communities through meetings with the peasants, discussing with them the risks and problems arising from the agroindustry, and that succeeded achieve some of its objectives related to the purchase of land, the situation of the wage earners in the oil palm cultivation, the suspicion of pollution of streams and the contract farming of the peasants.

Keywords: Oil palm cultivation. Quilombola communities. Resistence, Agribusiness, Amazon Paraense.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Lissandra Cordeiro Ribeiro y Heribert Schmitz (2018): “Associações quilombolas e resistência à agroindústria do dendê na amazônia paraense”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (mayo 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/05/resistencia-agroindustria.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1805resistencia-agroindustria


  1. INTRODUÇÃO

As agroindústrias, ou Agronegócio como é popularmente conhecido derivado do termo Agrobusiness tomam papel fundamental na produção do bio-diesel. Na Amazônia, a oleaginosa introduzida na região para produção de bio-diesel é o dendezeiro (Elaeis guineenses), palmeira de origem africana. Nesta região, o avanço da agroindústria por meio da compra e venda de terras tem ameaçado os territórios tradicionalmente ocupados por comunidades quilombolas. Essa disputa tem gerado conflitos variados, sejam eles agrários, ambientais ou sociais, o que coloca a questão dos direitos quilombolas em debate e propicia a mobilização das organizações e movimentos sociais que os representam.
O Nordeste Paraense foi a região em que o avanço da dendeicultura tomou frente e está se consolidando com mais veemência na última década. Nessa mesorregião o reconhecimento e a titulação de comunidades quilombolas vem sendo reivindicados por meio de um árduo e demorado processo. No município de Concórdia do Pará, a emergência dos quilombolas como sujeitos de direito se faz por meio de duas associações, a Associação de Remanescentes Quilombolas de Nova Esperança de Concórdia (Arquinec) e a Associação de Remanescentes Quilombolas do Cravo (Arquic)1 . Essas duas associações comportam comunidades tituladas e outras em processo de titulação, respectivamente.
O termo “remanescente de quilombo” é compreendido para além da ideia de resquício do passado em vias de extinção, ou associado à ideia de tradicional como algo inerte, mas amparado em uma nova ressignificação desses termos que “[...] incorpora as identidades coletivas redefinidas situacionalmente numa mobilização continuada, assinalando as unidades sociais em jogo como unidades de mobilização” (ALMEIDA, 2008). O autor continua:

A nova estratégia do discurso dos movimentos sociais no campo, ao designar os sujeitos da ação, não aparece atrelada à conotação política que em décadas passadas estava associada principalmente ao termo “camponês”. Politiza-se aqueles termos e denominações de uso local. Seu uso cotidiano e difuso coaduna com a politização das realidades localizadas, isto é, os agentes sociais se erigem em sujeitos da ação ao adotarem como designação coletiva as denominações pelas quais se autodefinem e são representados na vida cotidiana (ALMEIDA, 2008: 80).

As considerações de Almeida acima permitem compreender, que no século XXI, uma das estratégias das sociedades camponesas para não perderem a autonomia em seus territórios e garantirem sua reprodução social é a retomada política de elementos que caracterizam uma identidade, reivindicando junto ao Estado políticas públicas específicas.
Se por um lado, o avanço da agroindústria em Concórdia do Pará, por meio da compra de terras, tomou grandes proporções territoriais (BACKHOUSE, 2015) por outro, comunidades tradicionais quilombolas articulam-se em busca da preservação de áreas tradicionalmente ocupadas e por manutenção e reprodução social em seus territórios. Em trabalho realizado pelo projeto Nova Cartografia Social da Amazônia no município de Concórdia do Pará, destaca-se que as principais denúncias dos movimentos quilombolas na região referiam-se à compra e à venda de terras, à segurança alimentar e à questão ambiental. A contaminação de igarapés por adubo mineral e pesticidas lixiviados pelas chuvas das plantações de dendê foram as principais reclamações apontadas pelos moradores (ACEVEDO MARIN; BACKHOUSE, 2014).
As associações quilombolas no Pará são representadas pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), que foi criada em março de 2004 e tem “[...] objetivos que visam à garantia do modo de vida, dos direitos e de condições equânimes para as comunidades quilombolas no Pará, na Amazônia e no Brasil” (MALUNGU, 2018). Está estruturada em cinco conselhos regionais: Salgado, Nordeste Paraense, Guajarina, Baixo Amazonas e Tocantins. Em nível nacional, as associações são representadas pela Coordenação Nacional de Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq), criada no ano de 1996 na Bahia.
A pesquisa foi realizada no município de Concórdia do Pará, localizado na microrregião de Tomé-Açu que compõe a mesorregião Nordeste do Pará, à 150 km de Belém. O município possui 32.395 habitantes em uma área de 690.947 km² (IBGE, 2018). Até 1988, o município de Concórdia do Pará fazia parte do município de Bujaru, caracterizado por uma formação territorial produzida ao longo dos rios, tendo como rota principal o rio Guamá, o que possibilitou, através de seus inúmeros igarapés, criar uma rede de vilas que formaram, posteriormente, as atuais comunidades rurais2 que compõem os atuais municípios (SOUSA, 2015). No município de Concórdia do Pará e nos municípios vizinhos de Acará, Tomé-Açu e Bujaru, encontram-se 26 comunidades quilombolas que, na sua maioria, reivindicam ainda o reconhecimento e a titulação do território quilombola.
A pesquisa foi realizada por meio de um estudo de caso com uma abordagem qualitativa, utilizando observação participante, entrevistas abertas e semi- estruturadas com as lideranças quilombolas das associações e depoimentos de representantes da Malungu. O trabalho de campo foi desenvolvido nas comunidades rurais do Cravo e do Santo Antônio com lideranças das associações Arquic e Arquinec, respectivamente.
Os trabalhos de campo ocorreram nos anos de 2015 e 2016. A pesquisa de campo foi realizada por meio de um estudo de caso com o uso de entrevistas e da observação participante. Na observação participante, que permite descobrir pistas que não estão explícitas, o pesquisador “[...] se engaja em várias atividades diferentes” e “[...] registra suas observações o mais breve possível depois de fazê-las” (BECKER, 1994: 119-120). Os roteiros de entrevistas, anotações de campo, fotografias e gravações no celular e/ ou em um gravador foram os suportes utilizados.

2- ASSOCIAÇÃO QUILOMBOLA E A LÓGICA DA AÇÃO COLETIVA

            A discussão sobre as práticas de cooperação entre os indivíduos, especificamente na formação de grupos coletivos, postulou-se como uma alternativa eficaz à formulação da "tragédia dos bens comuns" suscitada por Hardin (1968). Para ele, a exaustão dos recursos naturais se dá pela forma como cada indivíduo age pensando em ganho próprio, essa racionalidade individual sobreposta ao bem comum provocaria uma perda para todos.
Desde o lançamento do livro “A lógica da Ação Coletiva” por Olson (1998), em 1965, os cientistas consideram a cooperação entre indivíduos como um problema e a ação coletiva para conquistar direitos ou bens comuns por meio de associações não se estabelece de forma natural (SCHMITZ et al., 2017). Maneschy et al. (2008), em pesquisa envolvendo 43 associações do Nordeste Paraense e da ilha do Marajó constataram que “[...] as associações muitas vezes não passavam de grupos formais [...]”. As autoras identificaram “[...] a atitude do free rider, o dilema da ação coletiva destacado por Olson [...]” (Maneschy et al., 2008, p. 104). Olson, que denomina free rider (aproveitador, carona) a pessoa que se beneficia dos bens ou direitos conquistados coletivamente sem ter contribuído com o seu engajamento próprio, explica:

Ainda que todos os indivíduos num grupo sejam racionais e egoístas, mão é o facto de todos se beneficiarem da concretização do objetivo do grupo que o leva a agir de forma a atingir esse objetivo. Na verdade, os indivíduos não agem com vista aos seus objetivos comuns ou com vista aos interesses dos grupos, a não ser que o número de indivíduos seja muito pequeno ou que haja coerção ou qualquer outro estratagema especial que os leve a agir com vista a esse interesse comum (OLSON, 1998: p.2).

Para viabilizá-la, “[...] a ação coletiva necessita de elementos estruturantes, que permitam aos participantes engajar-se [...]” (SCHMITZ et al., 2017, p. 203, como também Lüchmann (2014: 165) destaca no caso do associativismo de organizações não goveridntais, “[...] sindicatos, partidos políticos, igrejas, associações de natureza diversa”. A autora enfatiza:

O associativismo é um elemento importante na medida em que desloca as atribuições dos problemas e condições do plano pessoal para o coletivo [...]. Assim, em associação, as pessoas desenvolvem sentidos e percepções da vida social que transcendem a dimensão individual e pessoal (LÜCHMANN, 2014: 165).

          Fernandes (2005) parte dos conceitos de território e espaço para pensar os movimentos sociais, chamados por ele de movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais. O autor não está interessado na definição, formas de organização ou relações sociais que caracterizam um movimento social, mas sim como eles produzem espaços e territórios. Esclarece, portanto que,

Os movimentos socioterritoriais tem o território não só como trunfo, mas este é essencial para sua existência. Os movimentos camponeses, os indígenas, as empresas, os sindicatos e os estados podem se construir em movimentos socioterritoriais e socioespaciais. Por que criam relações sociais para tratarem diretamente de seus interesses e assim produzem seus próprios espaços e territórios. As organizações não goveridntais se constituem apenas como movimentos socioespaciais. Estas são agencias de mediação, uma vez que as Ongs são sempre representações da reivindicação, de espaços e ou de territórios. Não são sujeitos reivindicando um território. Não existem a partir de um território. São sujeitos reivindicando espaços, são entidades de apoio ou contrárias aos movimentos socioterritoriais e socioespaciais, são agencias intermediárias, que produzem espaços políticos e se especializam (FERNANDES, 2005: 31).

          Os movimentos socioespaciais, não possuem território definido, é o caso de entidades intermediadoras, como as Ongs que defendem por exemplo, o território indígena ou quilombola, esses sim possuem territórios definidos e que podem se caracterizar como movimentos socioterritoriais (FERNANDES, 2005). Podemos pensar o movimento das associações quilombolas como socioterritoriais, pois partem do território não só como meio de reivindicação, mas também de asseguramento de direitos.
No caso das comunidades quilombolas, “o fato de construir uma identidade étnica distingue esses grupos do movimento camponês. A cor, nesse caso, traduz-se a um elemento de afirmação política [...]” (ACEVEDO MARIN; CASTRO, 1999). A identidade coletiva como elemento estruturante possibilita o engajamento dos indivíduos.
A luta pelo reconhecimento jurídico do território quilombola vem sendo travada como forma de garantia da condição de vida de sujeitos que, ao longo da história do Brasil, estiverem em situações de opressão e que agem a partir de uma valorização da identidade e do reconhecimento quilombola como forma de resistência. O direito jurídico não se limita somente à posse da terra, mas inclui a possibilidade de resistirem em um território que permita as trocas culturais, a relação equilibrada com o meio ambiente, a sociabilidade e, sobretudo, a reprodução social das comunidades quilombolas.
Na Amazônia, a instituição legal e o registro político-jurídico de associações de comunidades negras rurais representam estratégias de defesa dos interesses dos seus membros. Assim, essas associações formam atores e líderes que discutem, participam e se constituem em agentes ativos (ACEVEDO MARIN; CASTRO, 1999).
Na Amazônia Paraense o Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa) se evidenciou como movimento organizacional articulador do mapeamento das chamadas comunidades negras rurais, importância para o reconhecimento jurídico na constituinte a partir dos encontros de comunidades negras no estado do Pará e Maranhão antes do artigo 68 da Constituição.
As associações quilombolas no Pará são representadas pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) criada em março de 2004 com o objetivo de “defender os direitos e esses das associações e das comunidades remanescentes de quilombos do Estado do Pará”. Está estruturada em cinco conselhos regionais: Salgado, Nordeste Paraense, Guajarina, Baixo Amazonas e Tocantins (MALUNGU, 2008). Em nível nacional as associações são representadas pela Coordenação Nacional de Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq), criada no ano de 1996 na Bahia.
A articulação das comunidades negras rurais no Pará providenciou o Encontro de Raízes Negras realizados em 1985 e o I Encontro de Comunidades Negras Rurais em Belém em maio de 1998. Havia entre os interessados forte mobilização e articulação política para reivindicar o direito à terra e à cidadania. Foi possível conhecer os interstícios dos antecedentes da organização social e política das comunidades, o grau dos conflitos e tensões em torno da terra e dos seus recursos (ACEVEDO MARIN; CASTRO, 1999).

 
3- RESISTÊNCIA DAS ASSOCIAÇÕES QUILOMBOLAS FRENTE Á AGROINDÚSTRIA DE DENDÊ

Scott (2013) desenvolveu uma abordagem sobre a resistência não institucionalizada, não aberta, a chamada resistência cotidiana. É um estratégia que comunidades tradicionais, como as quilombolas, utilizam para proteger os seus territórios e garantir as suas condições de vida, sem estar vinculadas a ações formais de associações ou sindicatos. Contudo, esses grupos desenvolvem também formas de resistências abertas desempenhadas pela ação coletiva. Ambas as formas podem acontecer juntas no mesmo processo ou separadas. Se a primeira não necessita de ação formal ou institucionalizada, a segunda se define por uma resistência “[...] organizada, sistemática e cooperativa” (SCOTT, 2002: 25).
Estudos sobre a resistência no meio rural elucidam a resistência camponesa frente às agroindústrias no Brasil. Entendem que a resistência promovida por esses grupos acontece no âmbito do processo de reprodução capitalista, indicando que há uma recriação do campesinato, mesmo quando está subordinado às grandes empresas capitalistas (CAMACHO, 2017; FABRINI, 2011).
Como forma de resistência organizada, Fabrini (2011) destaca o papel dos movimentos sociais no campo, elucidando seu caráter educativo para a construção de uma consciência política dos grupos camponeses frente à opressão externa de agentes dominantes. “[...] A partir da consciência política, se mobilizam e lutam, não somente para garantir o seu direito e cidadania, mas também por transformações sociais advindas da igualdade na distribuição da terra [...]” (FABRINI, 2011: 108).
Vários autores relatam a existência de um movimento de resistência à agroindústria do dendê por comunidades e associações rurais no Nordeste Paraense, mostrando a insatisfação desses grupos diante da expansão da dendeicultura e as mudanças ocorridas na região destacando impactos ambientais, especulação fundiária e riscos à segurança alimentar, entre outros (SANTANA, 2010; PONTES; GUERRA, 2017; MACEDO; SOUSA, 2015; SILVA et al., 2016).
A luta e a resistência contra às empresas produtoras de dendê foram intensas, principalmente no início da instalação da agroindústria, quando houve a intensificação da compra de terras na região. Identificamos três frentes principais de resistência mobilizadas pelas lideranças da Arquinec: a primeira foi dirigida contra a venda de terras dos camponeses às empresas, a segunda contra os problemas ambientais, considerados pelas lideranças oriundos da expansão da dendeicultura, principalmente, o desmatamento e o uso de pesticidas, e o terceiro, o impedimento da integração dos moradores à agroindústria do dendê.
Nesse momento, os líderes da associação fizeram um trabalho de mobilização e esclarecimento nas comunidades associadas. O objetivo era evitar a venda de terras à empresa, não somente das áreas pertencentes aos quilombolas, mas também aquelas terras sob o domínio de fazendeiros, para que o território quilombola não ficasse totalmente cercado pelas plantações de dendê, como explicado no depoimento abaixo:

A gente andava nas comunidade explicando e alertando o pessoal, por que eles chegaram entrando, comprando terra adoidado aí, eles vinham enganavam os pobrezinhos, querendo pagar 15 mil num lote, quem nunca nem viu 5 mil né? Vendo 15, aí venderam, foram morar naquelas favelinhas de Bujaru e indo trabalhar como peão na [empresa]. Outra coisa, o trabalho muito pesado lá, no início, que era pra cavar aqueles buraco fundo pra muda de dendê teve muita gente que não aguentou, outra coisa foi o desmatamento, o pessoal disse que acharam muita caça morta, né? Veado, tatu, por que eles io desmatando onde esses animais iam se refugiar? (S. B., líder da Arquinec, 2016).

É possível perceber a partir do depoimento acima que a chegada da agroindústria provocou novos arranjos na região. Muitos moradores das áreas rurais venderam suas terras aos representantes da empresa e posteriormente, vieram a trabalhar como assalariados na agroindústria. Nahum e Santos (2014) entendem o assalariamento e o sistema de integração3 de agricultores familiares junto às empresas como um processo de descampesinização, ou seja, a criação de um campo sem camponeses, seja pelo fato do trabalho na roça4 ser comprometido, seja pela integração à lógica capitalista.
Macedo e Sousa (2015), ao analisarem o efeito da monocultura do dendê em comunidades ao longo da PA 140, que abrangem os municípios de Bujaru e Concórdia do Pará, ressaltam o aparecimento de problemas relacionados à questão ambiental, superexploração do trabalho e compra de terras. Tais mudanças, provocaram receios dos moradores rurais, especialmente dos quilombolas que ainda não possuem a titulação definitiva da terra, como é o caso das comunidades que compõem a Arquic.
O processo de titulação dessas comunidades está atualmente estagnado no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo informações obtidas em campo, o Incra alega não ter recursos para continuar com o processo. A Arquic é detentora apenas da certificação quilombola, o título coletivo até o momento não foi concedido para as comunidades. Para a associação, a demora na concessão desse título provoca maior vulnerabilidade desses territórios, ao passo em que não há um controle sobre a compra e venda dessas terras.
A mobilização das lideranças quilombolas nas comunidades ameaçadas pela compra de terras foi acentuada, o acioidnto da identidade quilombola se mostrou como uma das estratégias para frear esse avanço. Como pode ser verificado no comentário de uma das lideranças da associação:

Eles invadiram bastante onde eles percebiam que dava pra comprar, que a família não aceitava a associação como uma forma de organização protetora, eles compraram as terras, entraram até no que puderam, mas o que restou a gente ta aí resistindo pra continuar. A falta de titulação é um grande problema, se ta titulada, tá definida pelo Governo Federal, se tá só certificada a gente encontra uma brecha podemos dizer assim, qualquer pessoa que queira entrar aqui que não seja da comunidade, entra com facilidade (E.B., líder da Arquic, 2015).

A titulação e a manutenção das terras com títulos quilombolas continua sendo principal reivindicação dessas comunidades na Amazônia. No segundo Encontro Estadual de Quilombos no Pará, em 2008, identificou-se problemas enfrentados pelos participantes como: falta de titulação, falta de documentação necessária para o processo de regularização, falta de ação e morosidade dos órgãos fundiários e ambientais, falta de antropólogos, excesso de burocracia (SANTANA, 2010).
Segundo as lideranças quilombolas, quando uma grande empresa chegou no município, houve oferta constante aos quilombolas para se integrarem a ela por meio de contrato, e para a venda de terras no entorno e na área quilombola certificada. Mesmo sem a posse do título coletivo que garante juridicamente as regras de uso da área quilombola, a associação se posicionou fortemente contra a empresa.

A associação tem brigado muito por isso, em defender a terra, defender seu espaço o seu único local como meio de sobrevivência e fomos até a gerencia da [empresa] que tava com essa estratégia de agricultura familiar, de enganar as nossas famílias e nós batemos o pé. Com uma coordenação formada aqui, chegamos lá e dissemos que nós não queríamos, se eles viessem pra cá, nós dissemos que nós íamos tomar nossas providencias da igualdade racial, através das leis federais, aparado pela Constituição de 1988, enquanto a isso até agora eles estão respeitando (E. B., líder da Arquic, 2015).

É possível perceber que as associações desempenharam um tipo de resistência que Scott (2013) chama de resistência aberta ou declarada, quando a insatisfação de uma das partes é exposta no palco do poder. A Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará, a Malungu, tem se mantido decididamente contra o avanço de grandes empresas em áreas quilombolas, não somente da dendeicultura, mas também de fazendas e empresas mineradoras. Um dos representantes da organização comenta os desafios enfrentados pelo movimento nos últimos anos, explicando que,

A Malungu tem travado uma batalha muito grande. O Agronegócio chega com uma proposta maravilhosa, que gera emprego pra todo mundo e sem contar que o movimento social se articula e eles desarticulam, pegam na fragilidade do povo. Onde se planta o dendê, a raíz dele se une e não se planta mais nada, é horrível, é horrível. E as comunidades vão se arrebentando. Aí você ver o relato do povo na frente do superintendente do Incra e ele com aquele sorriso dizendo: Pessoal a gente não tem dinheiro, não tem dinheiro. Então a gente ver uma bancada ruralista muito forte, o corte de orçamento, a morosidade do governo federal, o descaso dos nossos representantes na Câmara Federal e Senadores, o descaso da nossa presidenta, né? Então, a gente não tem isso realmente. A nosso proposta do movimento social é radicalizar mesmo, totalmente, pra vê se a gente consegue alguma coisa (H. M., membro da Malungu, no Simpósio Regional realizado no 6 de maio de 2016).

Diante desses adversários poderosos, a Malungu e as associações locais desenvolveram várias formas de resistência aberta, como envolver as mídias regional e nacional e pressionar políticos (vereadores, deputados) e órgãos do governo estadual. A resistência ocorreu também pela mobilização nas comunidades quilombolas, discutindo com os camponeses os riscos e problemas advindos com a agroindústria. Conseguiram alcançar, parcialmente, alguns dos seus objetivos.
Mesmo nas áreas quilombolas não tituladas, não houve adesão de nenhum morador à integração, tampouco ocorreu venda de terras para à agroindústria, mesmo com as constantes ofertas dos representantes das empresas. Além de frear a compra de terras na região, conseguiu-se a realização de uma investigação do Instituto Evandro Chagas sobre a poluição dos igarapés (ainda, sem resultados finais).
Como resultado da resistência, da qual as associações quilombolas constituíram uma parte forte, aconteceu a criação de sindicatos dos assalariados, foram desenvolvidas uma série de pesquisas sobre a integração à agroindústria, a inclusão social e a questão da produção de alimentos e, por último, foi estabelecido um Protocolo de Intenções Ambiental da Palma de Óleo dos principais envolvidos, sob liderança do governo do Estado do Pará, em 2014.

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

O setor agroindustrial no mundo, associado ao discurso sustentável de utilização de novas fontes enérgeticas ampliou a produção de agrocombustíveis. No Brasil, alguns programas do Governo Federal como o Programa Nacional do Álcool, na década de 1970, buscou intensificar a produção de álcool para a substituição da gasolina a partir da matéria prima da cana-de-açúcar. Como parte desta atividade econômica, as agroindústrias representadas pelas grandes usinas adquiriram maior concentração de terras e aprofundaram a monocultura no País (SANTOS; SUZUKI, 2010).
Em 2004, também por meio do Governo Federal é criado o PNPB, programa que visa incentivar a produção de combustíveis alternativos ao petróleo a partir de oleaginosas como a mamona, o dendê, soja. A partir de 2010 com a criação do PNOP o Estado brasileiro potencializa os incentivos para a produção da dendeicultura na Amazônia, especificamente na região nordeste do estado do Pará, facilitando a chegada de várias empresas no local como a BIOPALMA, ADM e ampliando o cultivo de empresas que já mantinham esta atividade na região, como é o caso da empresa AGROPALMA.
O reconhecimento da identidade quilombola tem sido uma estratégia dos grupos quilombolas no Brasil, em especial na Amazônia, para a reivindicação de direitos ligados à aquisição de políticas públicas e também da posse do território. No Nordeste paraense, essa mobilização entorno da identidade quilombola é recente, sistematizada como forma de resistência não somente à agroindústria do dendê, mas também à luta contra a invasão de fazendeiros. Foi possível perceber que chegada de uma grande empresa capitalista ligada à dendeicultura provoca novos rearranjos no local em que se instala. Provocando conflitos e resistências com os sujeitos autóctones.
A chegada da monocultura do dendê no Nordeste Paraense, incentivado pela política goveridntal de produção de agrocombustíveis suscitou embates com os representantes políticos das associações quilombolas na região, a Associação de Remanescentes Quilombolas de Nova Esperança de Concórdia (Arquinec) e a Associação de Remanescentes Quilombolas do Cravo (Arquic).
Esta pesquisa mostrou o posicioidnto das lideranças quilombolas que constituem as associações Arquic e Arquinec e os principais objetos de discordâncias com a agroindústria: a compra de terras, a situação dos assalariados na dendeicultura, a suspeita de poluição de igarapés e a integração por contrato de agricultores familiares à agroindústria. Foram analisadas as formas de resistência desenvolvidas pelas associações quilombolas.
As associações quilombolas conseguiram, junto com outras entidades, alcançar, parcialmente, alguns dos seus objetivos. Neste embate, a atuação das associações teve um papel importante, pois nas áreas quilombolas não tituladas não houve a adesão dos moradores à integração, nem a venda de terras à agroindústria, mesmo com as constantes ofertas dos seus representantes.
Por fim, buscou-se evidenciar que a relação entre agroindústria e moradores de comunidades tradicionais se dá de forma complexa, ao passo em que a empresa cria estratégias de dominação, no mesmo processo, se forja discursos e práticas de resistência desenvolvidos pelos sujeitos do lugar como forma de reprodução familiar no território.

 

5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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*Graduada em Geografia e Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em Agriculturas Amazônicas-UFPA, Professora de Geografia na Faculdade Integrada Brasil Amazônia.
** Doutor em Sociologia e Professor do Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Antropologia e Pós- Graduação em Agriculturas Amazônicas- UFPA, Bolsista de Produtividade CNPq.
1 A criação da Arquic se deu a partir da ruptura das comunidades ainda sem titulação das suas terras com uma associação criada anteriormente, a Associação de Remanescentes de Quilombo de Nova Esperança de Concórdia (Arquinec) que englobava, até o ano de 2011, as comunidades que hoje atualmente compõem a Arquic e mais quatro: Dona, Ipanema, Santo Antônio e Campo Verde.
2 Neste artigo, “o conceito de comunidade foi empregado [...] para designar grupos organizados na área rural. Assim, as comunidades rurais são delimitadas por um sentimento de localidade, em que os indivíduos possuem algumas tradições, costumes e crenças comuns. É evidente, ainda, as relações de parentesco, amizade e vizinhança entre alguns membros” (SILVA; HESPANHOL, 2016, p. 372).
3 Segundo Aquino, “a integração entre agricultores e indústria, produção integrada ou integração agroindustrial é um sistema baseado em um contrato em que os primeiros se comprometem em produzir determinada quantia de matéria-prima que será adquirida e beneficiada por uma indústria” (AQUINO, 2013: 160).
4 “Na agricultura familiar da Amazônia prevalece o sistema tradicional da agricultura denominado agricultura itinerante, também chamado sistema de ʻcorte e queimaʼ [...] caracterizado pelo uso de uma área de um a dois anos (roça) seguido por vários anos de pousio” (SCHMITZ, 2013: 347).

Recibido: 23/05/2018 Aceptado: 30/05/2018 Publicado: Mayo de 2018


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