Luiz Carlos Amaral *
Luci Mendes de Melo Bonini **
Universidade de Mogi das Cruzes, Brasil
lc-amaral@hotmail.com
RESUMÉN: Este trabajo propone estudiar el seguimiento de los estudiantes en la ciudad de Mogi das Cruzes en el período de 1965 a 1978 basado en documentos encontrados en el estado de são Paulo, recientemente publicado para consulta pública, para que pudieran comprender los intercambios simbólico: los que denunciaron y las reacciones de los estudiantes. Se puede ver un diálogo marcado por unas autoritario militar gobierno discurso remite datos y por los líderes de la Universidad y la resistencia de los estudiantes. Basada sobre los cimientos dejados por Bakhtin (2010) demuestra la tensión dialógica que introduce y presenta una carga semiótica ideológica. Se entiende que los estudiantes desempeñaron papel importante en el discurso de igualdad y universalidad de los derechos humanos y en el deseo de establecer el diálogo que en la madrugada en los albores de la democracia en 1988.
Palabras clave: seguimento de los estudiantes. tensión dialógica. dictadura militar
ABSTRACT: This paper shows the results of a study about the monitoring of students in Mogi das Cruzes, São Paulo, during the military government, in the years between 1965-1978. The corpus are based on documents found in the state of São Paulo Archive, recently released for public consultation, in order to understand the symbolic exchanges: those who denounced and the reactions of students. It is clearly perceived that there is a dialogue marked by an authoritarian military government speech and university managers and the power of the resistance of the students. Based on Bakhtin (2010) thoughts, this research demonstrates the dialogical tension that there was established and the semiotic-ideological charge. It is understood that the students played an important role in the discourse of equality and universality of human rights and the desire to initiate the dialogue that would come in the dawn of democracy in Brazil in 1988.
Keywords: students monitoring. dialogic tension. military dictatorship
RESUMO: Estuda-se o monitoramento dos estudantes no município de Mogi das Cruzes no período de 1965 a 1978 com base em documentos encontrados no Arquivo do Estado de são Paulo, liberados recentemente para consulta pública, de modo que se pudesse compreender as trocas simbólicas: os que denunciavam e as reações dos alunos. Percebe-se um diálogo marcado por um discurso autoritário do governo militar e dos encaminhamentos dados por dirigentes da universidade e, a resistência dos alunos. Com base nos fundamentos deixados por Bakhtin (2010) demonstra-se a tensão dialógica que aí se instaura e apresenta uma carga semiótico-ideológica. Entende-se que os estudantes desempenharam papel importante para o discurso da igualdade e universalidade dos direitos humanos e no desejo de instauração do diálogo que viria no despontar na aurora da democracia em 1988.
Palavras-Chave: monitoramento estudantil. tensão dialógica. ditadura militar
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Luiz Carlos Amaral y Luci Mendes de Melo Bonini (2018): “O monitoramento do movimento estudantil na cidade de Mogi das Cruzes Pelo Dops entre 1965 a 1978”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (marzo 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/03/movimento-estudantil-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1803movimento-estudantil-brasil
Introdução
De 1964 a 2014, cinquenta anos se passaram do golpe militar que impediu a democracia, mitigou os direitos humanos e perseguiu intelectuais e estudantes. Este trabalho é resultado da pesquisa de mestrado e tem como objetivo deste trabalho estudar o monitoramento dos estudantes no município de Mogi das Cruzes no período de 1965 a 1978 com base em documentos encontrados no Arquivo do Estado de São Paulo, liberados após a instalação da Comissão da Verdade de modo que se possa compreender as trocas simbólicas entre os que denunciavam e as reações dos alunos.
Este é um estudo descritivo, de caráter exploratório-analítico, foram coletados dados do Arquivo Público do Estado de São Paulo, utilizando-se a expressão Delegacia Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) e Mogi das Cruzes onde encontraram-se registros sobre o monitoramento do movimento estudantil, neste município, durante o regime militar.
Esses registros se referem às fichas e prontuários de duas instituições privadas, aqui não identificadas, de ensino superior, elaborados pela polícia a partir de investigações minuciosas que visavam ao controle das ações realizadas pelos estudantes na época da ditadura militar. Por meio da documentação é possível verificar não apenas a severidade do regime militar registrada marcadamente nos discursos, mas também resgatar parte da história desse movimento na cidade, e, também porque, trata-se de um período de grande fervor do movimento estudantil no Brasil e de expansão do ensino superior, público e privado.
Tem-se como diálogo teórico os fundamentos deixados por Bakhtin (2010) que afirma que toda linguagem, seja ela verbal, visual ou sonora, é formada pelos signos e que estes são ideológicos. São trocas simbólicas, e, para o autor, essas trocas compreendem sujeitos socialmente organizados, de tal forma que a interação vai capacitando sua carga semiótica, logo ideológica. É com base no pensamento de Bakhtin, que se analisam as peças documentais, de modo que se possa reconstruir a história e compreender a ação dos estudantes e dos repressores do regime à luz deste destes documentos.
Nesse sentido, ponderamos que os documentos, antes secretos, devem ser investigados de forma científica, considerados como documentos-monumentos, pois estes são produtos da máquina repressiva que os produziu de acordo com as relações de força existentes. Acredita-se que estudar as ações de pessoas monitoradas pela ditadura militar, no passado, contribui eficazmente para o entendimento do contexto investigado, compreendendo-se, aí, as pressões que estes estudantes fizeram contra as investidas do autoritarismo.
A importância desse estudo se deve principalmente pelo ineditismo do tema, já que a história do movimento estudantil no país no período ditatorial aborda principalmente os grandes centros urbanos do país, desconsiderando as cidades do interior. Nesse sentido, pretende-se contribuir para o preenchimento das lacunas referentes à história dos estudantes em regiões interioranas do Brasil, pois, desta forma, abrem-se novas perspectivas para a compreensão do processo em nível nacional, por meio do levantamento das especificidades encontradas nas diversas regiões.
2. DO CENÁRIO HISTÓRICO: UMA SÍNTESE
O Brasil, no início do século XX era dominado pelas grandes e ricas famílias, pelo latifúndios e por uma estrutura coronelista oriunda do Brasil Império, e que não se desfez durante a República, assim as famílias tradicionais tinham condições de educar seus filhos nas melhores escolas, estas eram militares ou religiosas.
Em 1954, as pressões contra o governo de Getúlio Vargas se intensificavam, através do “Manifesto dos Coronéis”, entre eles Golbery do Couto e Silva, Sylvio Frota, se manifestaram contra o governo. Na mesma medida, os setores conservadores estavam assustados com as greves, com o fortalecimento do movimento sindical e a participação mais ativa dos trabalhadores no cenário político, além disso, a Educação havia passado a ser direito de todos, permitindo a adoção de uma nova Constituição de caráter liberal e democrático, ou seja, “os princípios liberais da Carta de 1946, que assegurava direitos e garantias individuais e inalienáveis...” (ROMANELLI, 1989, p.171)
Grupos influentes de industriais, banqueiros, militares e a União Democrática Nacional, partido político, por meio de Carlos Lacerda, conspiravam contra o governo. O golpe que deveria ser dado em 1954, contra o governo de Getúlio Vargas que suicidou-se, abortando o golpe deixando uma carta testamento, na qual se lê:
Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida, agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar para a história (BARROS, 1991a, p.36).
A repercussão desta fez aumentar o crescimento político de seus herdeiros no populismo, sucedendo-o, no processo eleitoral de 1955, acusações e tentativas golpistas dos adversários desesperados, principalmente da UDN, e por fim Juscelino Kubitschek é eleito presidente com João Goulart (PSD/PTB) como vice (BARROS, 1991b). Em seguida ao governo de Kubitschek vem Jânio Quadros para presidente. Seu governo se caracteriza por um declínio dos governos populistas, que haviam deixado o país com a economia vulnerável perante o capital externo.
O governo de Quadros foi acusado de servir ao “...imperialismo, a que atendeu prontamente ...com a instrução cambial, a de nº 2047, que arrasou a economia brasileira” (SODRÉ, 1984, p.52). Esta atitude somada a uma política externa de “...simpatia pelo Regime Fidel Castro... condecorar... Che Guevara, com a ordem do Cruzeiro do Sul” (FAUSTO, 2002, p. 439), promoveu a entrada do Brasil nos acontecimentos de decisão dos blocos antagônicos da Guerra Fria.
Com o enfraquecimento de seu governo, em 25 agosto de 1961, Quadros renuncia à Presidência da República que foi aceita pelo Congresso Nacional com maioria representada pela aliança PSD-PTB, dando início ao processo de sucessão presidencial.
O país mergulha numa crise institucional e João Goulart, vice de Quadros, assume o poder sob a proteção de uma intensa participação popular, pois a sua posse “...significava a volta ao esquema populista em um contexto de mobilizações e pressões sociais muito maiores do que no período Vargas” (FAUSTO, 2002, p.447).
As Ligas Camponesas estimularam um progresso nas relações trabalhistas e de terra do homem do campo que caiu no esquecimento dos governos populistas de outrora. No entanto, estruturada numa política populista, os ideólogos do governo de Jango prepararam o Estado para ser um articulador entre, os oficiais das forças armadas, intelectuais, classe operária, e burguesia industrial que ansiavam pela reforma sócio-políticas de base (FAUSTO, 2002).
Entre várias mudanças promovidas pela reforma de base, um dos objetivos era a reforma agrária, que encontrou resistência dos latifundiários. Estas reformas desejavam “...modernizar o capitalismo e reduzir as profundas desigualdades sociais do país, a partir da ação do Estado” (FAUSTO, 2002, p.448).
Enquanto isso, no panorama internacional a Guerra Fria espalhava o temor pelo rápido avanço do “perigo vermelho”, assim chamado pela extrema direita. O temor ao comunismo influenciou a eclosão de uma série de golpes militares na América Latina com o aval dos governos dos Estados Unidos da América.
O ano de 1964 tem seu início marcado por agitações políticas, pois,
Havia muito a direita vinha articulando a derrubada de Jango. Buscava apoio nas forças armadas, principalmente no Exército. Os grupos civis tinham vários golpes encaminhados, um com Magalhães Pinto, outro com Ademar. Os militares também se preparavam para derrubar o governo e suas principais lideranças conspiravam (VILLA, 2014, p.42).
O comício de Goulart e Brizola, na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, foi a chave para dar início ao Golpe. Anunciavam as reformas de bases, incluindo um plebiscito pela convocação da Nova Constituinte, a reforma agrária (com desapropriação de terras ociosas às margens das rodovias e açudes federais) e a nacionalização das refinarias particulares de petróleo.
A reação ao comício não demorou, pois em 19 de março, em São Paulo foi realizada a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, sendo rezada missa para a “Salvação da Democracia” pelo padre Capelão do Exército dos Estados Unidos da América, Patrick Peyton. A movimentação popular foi financiada pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), que por sua vez era financiado por 300 empresas americanas, e intensa mobilização conservadora incentivando o golpe (BARROS, 1991b, p.66).
3. A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO E O MONITORAMENTO ESTUDANTIL
Entre 1964 e 1968, os Estados Unidos tinham influência política e econômica no Brasil, então foram firmados doze acordos denominados de MECUSAID, que representavam a fusão das siglas do Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). O seu objetivo era “aperfeiçoar“ o modelo educacional brasileiro, planejando uma nova ordem para o país (ARAPIRACA, 1982).
É neste contexto que surgem as universidades privadas do país, tanto nos centros urbanos como em cidades do interior – caso do município de Mogi das Cruzes, cujos estudantes também sofreram influência das ideias que se espalhavam no país e, alguns, por este motivo, foram monitorados pelo regime militar.
Enquanto isso, se fortaleciam as ações da União Nacional dos Estudantes (UNE) em todo o país. Em junho de 1968, cerca de cem mil pessoas realizaram no Rio de Janeiro a passeata de repúdio ao governo, transcorrida sem incidentes maiores, além disso, “As manifestações de rua indicavam que o regime perdera o apoio da classe média e até de uma parcela da elite” (GASPARI, 2002, p. 310). O regime não reprimiu o movimento, por que seria um massacre. A repercussão da famosa passeata foi grande a ponto do Presidente Costa e Silva receber os organizadores do protesto “...que reivindicavam a libertação de estudantes presos anteriormente” (BARROS, 1991b, p. 38).
Em outubro de 1968, a UNE realizo seu congresso clandestino em um sítio na cidade de Ibiúna-SP. A polícia chegou e executou o maior arrastão da história brasileira, foram capturados 920 estudantes, ou seja, “...tropas da Polícia Militar, na madrugada fria de 12 de outubro. Prenderam toda UNE, sua liderança passada, presente e futura. O movimento estudantil acabara. (...) Nos seis anos seguintes, militando em agrupamento armados ou na guerrilha rural, morreriam 156 jovens com menos de trinta anos. Deles, pelo menos dezenove estiveram em Ibiúna” (GASPARI, 2002, p. 325).
Essas ações do governo militar acirraram os ânimos e os estudantes de todo o Brasil continuaram desempenhando seu papel, não só nos grandes centros urbanos mas em muitas cidades do interior do país, transformando-se, juntamente com trabalhadores e intelectuais, símbolo de resistência.
4.1 O MONITORAMENTO DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
Mogi das Cruzes inicia sua trajetória como cidade universitária no início da década de 60, nesta época a cidade contava com uma população de 93 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e sua economia era baseada quase que exclusivamente em na agricultura, na Companhia Siderúrgica Nacional e alguns serviços.
É neste cenário, que reflete outras cidades em crescimento no pais, que tem início a busca pela necessidade de qualificar-se, dentro do espírito desenvolvimentista herdado do discurso de Kubsticheck. Assim, vieram para Mogi das Cruzes, cursar as faculdades recém criadas, estudantes atraídos pelos cursos de Medicina, Direito, Engenharia, Psicologia, Pedagogia, Letras entre outros, acabaram por transformar o perfil da cidade, não só na paisagem urbana das novas faculdades, assim como no surgimento de repúblicas e festas, que, na maioria das vezes, afrontavam os padrões puritanos da típica cidade interiorana, que dez anos depois saltaria para quase 140 mil habitantes.
O processo dialógico entre esse contingente de estudantes e o povo que os recebia trouxe alguns exemplos de construção de enunciações que segundo Bakhtin (2010) são portadoras de uma lógica ideológica que refletia a ideologia da universidade como um locus de poder que advém da produção do conhecimento.
Neste mesmo período, instauram-se tensões dialógicas pois o governo militar, a exemplo de outras universidades, também coloca a vigilância cerrada sobre os estudantes. Na figura 1, um documento assinado pelo diretor administrativo, de uma das faculdades da época, informa que foi descoberto por um oficial da Força Aérea Brasileira, um bilhete suspeito e o encaminha para a delegacia local.
Schmitt (s/d) afirma que as instituições de ensino foram monitoradas por pessoas que lá trabalhavam ou até mesmo estudavam, já que os militares sabiam de tudo, emerge, neste cenário uma tensão dialógica entre poder instituído pela ditadura e estudantes. A palavra é um fenômeno ideológico, traz a marca de seus produtores: são sujeitos enunciadores de sua posição de poder (suas condições materiais): o militar, que pertence ao serviço de segurança da Força Aérea Brasileira, é um oficial dentro da universidade que encontra o bilhete e o entrega para o diretor que, por sua vez, encaminha o bilhete suspeito ao delegado. O discurso demonstra as marcas da universidade privada, incentivada pelo programa que procurava estender a abrangência das universidades e seu papel no desenvolvimento do país, com o apoio do governo não poderia ser diferente.
Os estudantes desenvolveram, nos meados da década de 60, movidos pelo populismo da era Goulart, o discurso revolucionário, pensando em transformar o mundo, estabelecer a justiça, terminar com a miséria e a tirania e “...através da UNE, radicalizaram suas propostas de transformação social e passaram a intervir diretamente no jogo político” (FAUSTO, 2002, p.445). Estes jovens viviam, na época, a influência de movimentos estrangeiros, principalmente o movimento hippie, e a explosão das bandas Beatles e Rolling Stones também se configuravam como elementos dialógicos de revolução e de mudança.
Em de 1968, no Rio de Janeiro, o movimento estudantil, simpatizante de agitações estudantis na Europa e alguns países da América Latina
...lutava contra o projeto de reforma universitária, a censura, a legislação repressiva e a escassez de vagas nas universidades públicas... a 28 de março, a polícia estadual reprimiu um ato público estudantil em defesa do Calabouço, restaurante universitário localizado no centro da cidade (VILLA, 2014, p. 119).
Em 29 de março de 1968, o cadáver de Edson Luís de Lima Souto foi velado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro porque na noite anterior “...uma tropa da Polícia Militar atacou um grupo de estudantes que pediam melhores instalações para o restaurante Calabouço. Os estudantes jogavam pedras nos policiais militares e um aspirante atirou, acertando o estudante de dezessete anos. “(...) Pela primeira vez desde 1964 surgia um cadáver na luta entre o regime e os estudantes” (GASPARI, 2002, pp.277-278).
Entre os meses de março e junho de 1968, o centro do Rio de Janeiro se tornou cenário de choques entre polícia com estudantes. O governo Costa e Silva perdia o controle de sua ala “mais dura”, sendo o personagem principal o ministro da justiça Gama e Silva, autor do AI-5, em 13 de dezembro de 1968.
Em Mogi das Cruzes, por analogia a outros centros universitários a polícia tinha, também, a missão de refrear e monitorar ações dos estudantes e, é de 26 de março de 1976 que se encontra um telegrama com a solicitação do Departamento de Ordem Políticas e social (DOPS) à Delegacia Seccional de polícia de Mogi das Cruzes para designar observador para festa de formatura formandos da faculdade de arquitetura de uma das instituições, o texto dizia:
SOLICITO DESIGNAR OBSERVADOR PARA A FESTA DE FORMATURA DA FACULDADE DE ARQUITETURA BRAZ CUBAS VG DESSA LOCALIDADE PT AGUARDAMOS RELATORIO VC PRINCIPALMENTE REFERENCIA A DISCURSOS PT
Observou-se, na análise dos anexos, que o relatório continha a exata descrição do discurso do patrono da formatura, palavra por palavra. Os signos criados por um grupo organizado são o alimento da consciência individual, seu conteúdo semiótico-ideológico tece uma rede que reflete a lógica deste grupo (BAKHTIN, 2010). Os produtores deste discurso refletem a sua ideologia, são marcas da repressão o pedido de observação, já que intelectuais eram frequentemente acusados de incentivar os estudantes em suas rebeldias. Neste caso em análise, o diretório acadêmico da faculdade de arquitetura chamava-se Oscar Niemayer, nome que exercia grande influência estética e política nos arquitetos mais vanguardistas que o Brasil produziu.
No dia 13 de maio de 1977 (data comemorativa de 89 anos de libertação dos escravos, com a Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel) eclode uma greve estudantil na faculdade de arquitetura, em protesto à suspensão do presidente do diretório acadêmico e de dois alunos que impediram seus colegas de pagarem suas mensalidades.
Por causa dessas ações no dia 17 de maio de 1977, o jornal local (Fig. 2), trouxe a notícia de que os estudantes de uma faculdade, decidiam se continuavam com a greve iniciada quatro dias antes.
Como afirma Bakhtin (2010) toda palavra comporta duas faces ela serve de expressão a um em relação ao outro. Na figura 2 se percebe claramente o ponto de vista do diretor da universidade, chamando as reivindicações dos alunos de baderna, enquanto os alunos protestam em defesa de colegas que foram suspensos por impedirem outros de efetuarem o pagamento das mensalidades. No dia seguinte a esta publicação, o jornal anunciou que os estudantes iriam continuar com a greve.
É através do signo que me defino em relação ao outro, a palavra é um signo por excelência, uma ponte entre mim e os outros, um território comum, nunca isenta de ideologia (Bakhtin, 2010), assim, a primeira página do jornal onde se veem as duas vozes opostas entre estudantes e diretores é uma boa síntese do cenário nacional da época.
A tensão criada em Mogi das Cruzes com as greves e manifestações estudantis ficaram bastante marcadas e houve a necessidade de “acalmar” os ânimos estudantis em Mogi das Cruzes, que recebeu a visita do Coronel Jarbas Passarinho, então Ministro da Educação na época, em 16 de junho, portanto um mês após a greve dos estudantes de arquitetura, conforme se levantou nos telegramas arquivados.
Motta (2014) afirma que as universidades eram importantes espaços para a modernização do país, por isso mesmo se convertia em um campo de batalha entre ideias conservadores e revolucionários, e Poerner (1979, p.32) acrescenta: “o estudante brasileiro, desde o início do século XX, é um “oposicionista nato”, decepcionado quanto à maneira como o Brasil foi conduzido ao longo dos anos e imbuído da perspectiva de poder governá-lo de outra forma no futuro”.
4.2 DA PERSPECTIVA DE MUDAR A REALIDADE DO PAÍS
Nem todas as greves ou movimentos estudantis que foram monitorados eram contrários ao regime, embora todos fosse monitorados. A faculdade de medicina de outra instituição privada de Mogi das Cruzes mobilizou-se contra as precárias formas de atendimento dos pacientes no hospital conveniado. A autoridade policial esteve presente pedindo aos estudantes que evitassem agitações, e que a reivindicação fosse dentro da lei, da legislação em vigor, além de pedir a compreensão e solução do problema a Diretoria e ao Reitor da faculdade, conforme se lê no telegrama enviado pelo delegado de polícia, cujo texto se reproduz a seguir:
CONFIRMANDO E REITERANDO INFORMAÇÕES DE ONTEM E HOJE, ALUNOS DIVERSOS ANOS FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE ............., REUNIDOS ATRAVÉS DE DIRETORIA ACADÊMICO ANTONIO PRUDENTE, SEDE CLUBE DOS EXPEDICIONÁRIOS, RUA CEL. SOUZA FRANCO, 475, 14 ÁS 14 HRS, ESTÃO EM ASSEMBLEIA PERMANENTE REINVINDICANDO “ASSUNTOS ESTRITAMENTE” DIDATICOS CIENTIFICOS NO SENTIDO DE OBTEREM MEIOS MATERIAIS E HUMANOS PARA O FUNCIONAMENTO PRECARIO DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA, FUNCIONANDO EM CONVENIO COMO HOSPITAL DA FACULDADE MEDICINA PTVG ESTAO REIVINDICANDO POR ESCRITO JUNTO DIREÇÃO FACULDADE E REITORIA UNIVERSIDADE PROF. MANOEL BEZERRA DE MELO. ESTIVE PRESENTE HOJE ASSEMBLEIA E PEDIEVITEM AGITAÇÃO E DESVIRTUAMENTO DA RENVEE REIVINDICACAO POR ELEMENTOS ESTRANHOS E A REIVINDICAÇÃO SEJA MANTIDA DENTRO DA LEI DA LEGISLAÇÃO EM VIGOR, SITUAÇÃO DA SANTA CASA PRECARIA, FIFICIL, POR QUE ATENDE POPULAÇÃO POBRE, SEM RECURSOS. INTERESSES COINCIDEM, ESTUDANTE E SOCIEDADE , COMUNIDADE, POPULAÇÃO. PEDO COMPREENSAO E SOLUÇÃO DO PROBLEMA A DIRETORIA DA FACULDADE E REITOR
A língua é o resultado das relações sociais estáveis dos falantes conforme a época ou grupos sociais afirma Bakhtin (2010), observa-se no discurso a empatia do representante da ordem política pelos alunos do curso de medicina, afinal eles lutavam por melhoria das condições de ensino e de recursos para a Santa Casa local. A reivindicação era legítima desde que fosse “mantida dentro da lei”, já que a população atendida seria a ala mais pobre da cidade.
Em outro caso, que repercutiu em jornal estadual, apresenta a resistência de estudantes para defender a transformação política do país (KANTORSKI et al, s/d). Eram manifestos e panfletos distribuídos em muitos lugares. Os estudantes queria o ensino público, com acesso universal gratuito e de qualidade, como no exemplo a seguir de notícia veiculada pela Folha de São Paulo de 13 de fevereiro de 1978 sobre a detenção de alguns estudantes, em Mogi das Cruzes, por distribuir panfletos pedindo a volta do “Estado de Direito”, num dos seus trechos, lê-se:
cabe a nós vestibulandos e secundaristas lutar pelo ensino público a gratuito para os assalariados, uma universidade voltada para os interesses do povo e liberdade de organização e expressão aos trabalhadores e estudantes (FSP, 1978 in Arquivo do Estado).
No texto ainda se destaca:
...Vestibulando, hoje é sua última chance de ingressar em uma Universidade, mesmo sendo paga. Você que vem de um maratona (FUVEST, PUC, SANTA CASA, FEI), de vestibulares onde provavelmente foi reprovado como a maioria dos 33.200 candidatos às 4.950 vagas, se encontra na iminência de ser reprovado novamente, pois, como em todos os vestibulares, só serão aprovados os que possuem poder aquisitivo mais elevados, que cursarem os melhores colégios, nunca trabalharam para manter os estudos, e que possuem condições financeiras para pagar os melhores cursinhos preparatórios. Porque esta situação? Você é mais burro do que quem entrou na USP? Claro que não, apenas que, no Brasil, como em todos os países capitalistas, a educação destina-se apenas as classes mais elevadas da sociedade (FSP, 1978 in Arquivo do Estado).
A fúria dos estudantes não era a existência de uma universidade privada, mas sim a insuficiência de vagas para candidatos que quisessem estudar. A crítica era ao acesso elitista para as universidades, pois eram poucas as universidades públicas no país nesta época e a concorrência muito grande, ficando de fora, os candidatos que não tinham condições financeiras de investir em cursinhos preparatórios. É neste sentido que ao assumir o poder, os militares, assim como a política e a economia, propuseram mudanças na educação de acordo com seus interesses, através das Reformas de Ensino, que influenciaram tanto o ensino superior (por meio da Lei nº 5.540/68) como o ensino de 1º e 2º graus (com a Lei nº 5.692/71) (LIRA, 2014).
Ainda fazendo uma crítica ao sistema educacional no País, o texto termina dizendo
... pelo ensino livre e gratuito para todos; por melhores condições de vida e trabalho para os assalariados; por uma Universidade voltada para os interesses do povo; pela liberdade de organização e expressão aos trabalhadores e estudantes.” (id.ib)
O panfleto também exigia “... o retorno do ‘Estado de Direito”, já no dia seguinte, o mesmo jornal anunciava a liberação dos alunos presos e o jornal ainda apontava que o Secretário de Segurança Pública, coronel Erasmo Dias minimizou os fatos para tranquilizar a população, dizendo que não se trata de grupo organizado e sim, de elementos querendo causar desordem.
Desordem, baderna são sempre palavras vinculadas aos estudantes, como se fossem crianças alijadas dos problemas reais, como um fenômeno criado a partir de um grupo social, essas palavras adquirem um valor, um sentido ideológico, menosprezando o estudante, mitigando a verdade ali expressa ao reivindicar que a universidade precisa estar mais próxima do povo, no verdadeiro sentido da produção do conhecimento para resolver problemas reais, não como uma torre de marfim onde residem pesquisadores que sequer enxergam a realidade social, o clamor das ruas como um laboratório prenhe de possibilidades.
À GUISA DE CONCLUSÃO
Este estudo não acaba aqui, outras possibilidades surgidas em virtude da seleção destes documentos levam a novas publicações a fim de que se possa compreender mais profundamente as relações dialógicas entre estudantes e ditadura militar. Na documentação pesquisada, oriunda do órgão militar DOPS, encontram-se dados sobre panfletos, boletins, cartas-programas estudantis e depoimentos, e os resultados observados de cada documento visam proporcionar uma visão geral que a ditadura possuía sobre os estudantes da cidade de Mogi das Cruzes. O Regime Militar enfrentou diversos opositores durante os seus vinte e um anos, porém um dos principais grupos que esteve à frente como oposição foi o movimento estudantil em vários lugares do país, sendo frequentemente monitorado por órgãos de informações do Estado.
Na análise dos casos ocorridos nas universidades no município de Mogi das Cruzes, percebe-se que a movimentação estudantil, assim como se seguia em todo o Brasil, foi articulado com atitudes repressivas para calar qualquer tentativa de oposição ao governo. Assim quaisquer ações como passeatas, panfletagem, manifestações, temática das aulas ou qualquer outra ação considerada de cunho político, eram tidas como perigosa, desta forma, os militares entendiam que as atividades estudantis não deveriam ter cunho político e sim ficarem restritas ao âmbito escolar.
As manifestações dos estudantes contra o regime atraiu para si uma constante vigilância do DOPS, o que nos constitui uma importante fonte de análise de dados sobre o movimento estudantil em Mogi das Cruzes. Diversos documentos foram encaminhados às delegacias regionais, configurando que o movimento estudantil representava uma preocupação constante para estes órgãos de informação. São documentos que relacionam acontecimentos considerados subversivos por agentes e civis infiltrados no meio estudantil para os delatar, uma tensão dialógica que permite compreender que para o regime, os serviços de informação eram imprescindíveis para articulação de estratégias contra seus “inimigos”.
Encerra-se com algumas considerações compreendendo que entre os estudantes da cidade de Mogi das Cruzes não se encontraram registros sobre atos de tortura física, praticados pela repressão, mas um clima de medo cerceava os corredores das universidades, devido aos atos de repressão que eram implantados em todo país.
Muitos estudantes e professores foram considerados suspeitos e havia uma suspeita por quaisquer atos, muitas vezes em atitudes inocentes de pessoas que sequer imaginavam estar sob vigilância e outras que realmente demonstravam uma insatisfação da classe estudantil em relação ao regime, considerando-os uma ameaça à segurança e à ordem pública, mas que como todos naquele momento, não tinham liberdade de expressão.
A pesquisa realizada permitiu uma maior compreensão destes “anos de chumbo” da história e das ações do regime sobre os estudantes de Mogi das Cruzes, considerados naquele momento como perigo à segurança nacional. Este trabalho não esgota outras possibilidades de pesquisa, mas procura trazer uma melhor compreensão e formação de uma consciência crítica sobre este passado que dele ainda há tanto a ser revelado.
REFERÊNCIAS
ARAPIRACA, José Oliveira. (1982). A USAID e a Educação Brasileira: um estudo a partir de uma abordagem crítica da teoria do capital humano. São Paulo: Autores Associados/Cortez.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2014). Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/permanente/deops_solicitacao.php. Acesso em: 31 março 2014.
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