Revista: Caribeña de Ciencias Sociales
ISSN: 2254-7630


MULTIJORNADA: DESAFIOS DA MULHER CONTEMPORÂNEA PARA GERENCIAR FAMÍLIA, TRABALHO E ESTUDO

Autores e infomación del artículo

Luciana Scherer *

Luís Henrique Franqui**

Louise de Lira Roedel Botelho***

UNIJUI, Brasil

lucianascherer@yahoo.com.br


RESUMO: São cada vez maiores os desafios da mulher contemporânea, que precisa se desdobrar para dar conta de inúmeras tarefas em sua rotina. É crescente o número de mulheres que chefiam o lar, cuidam dos filhos e/ou idosos, trabalham e ainda encontram tempo para dedicar-se aos estudos, inclusive na pós-graduação, numa situação aqui conceituada como multijornada. Estudar essa multiplicidade de circunstâncias e o preço muitas vezes pago pelas escolhas de vida dessas mulheres é o objetivo principal desse trabalho. Em relação aos procedimentos metodológicos, utiliza-se uma abordagem qualitativa, com análise documental e entrevistas narrativas para a coleta de dados e análise de conteúdo para a análise dos dados recolhidos junto às mulheres que figuram como sujeito de pesquisa. E como principal resultado, nota-se que termos como dupla ou tripla jornadas quase não atendem mais ao seu dia-a-dia. E o termo multijornada aparenta estabelecer-se com a realidade no sentido de que parece claro que, algumas vezes, em certos períodos da vida, determinados papéis desempenhados e atividades realizadas são priorizados em detrimento de outros.

PALAVRAS-CHAVE: Chefe de família. Carreira feminina. Dupla jornada. Tripla jornada. Pós-graduação.

ABSTRACT: The challenges of the contemporary woman are increasing, which needs to unfold to handle countless tasks in her routine. The number of women heads the home, the care of their children and / or the elderly, is growing, and they still find time to dedicate themselves to their studies, including postgraduate studies, in a situation considered here as multi working day. Studying this multiplicity of circumstances and the price often paid for these women's life choices is the main purpose of this work. In relation to the methodological procedures, a qualitative approach is used, with documentary analysis and narrative interviews for data collection and content analysis for the analysis of the data collected from women who appear as subjects of research. And as a main result, it is noticed that terms like double or triple journeys almost no longer meet your daily routine. And the term multi working day seems to establish itself with reality in the sense that it seems clear that sometimes in certain periods of life certain roles played and activities performed are prioritized to the detriment of others.

KEY WORDS: Head of household. Female career. Double journey. Triple journey. Postgraduate studies.

RESUMO: São cada vez maiores os desafios da mulher contemporânea, que precisa se desdobrar para dar conta de inúmeras tarefas em sua rotina. É crescente o número de mulheres que chefiam o lar, cuidam dos filhos e/ou idosos, trabalham e ainda encontram tempo para dedicar-se aos estudos, inclusive na pós-graduação, numa situação aqui conceituada como multijornada. Estudar essa multiplicidade de circunstâncias e o preço muitas vezes pago pelas escolhas de vida dessas mulheres é o objetivo principal desse trabalho. Em relação aos procedimentos metodológicos, utiliza-se uma abordagem qualitativa, com análise documental e entrevistas narrativas para a coleta de dados e análise de conteúdo para a análise dos dados recolhidos junto às mulheres que figuram como sujeito de pesquisa. E como principal resultado, nota-se que termos como dupla ou tripla jornadas quase não atendem mais ao seu dia-a-dia. E o termo multijornadaaparenta estabelecer-se com a realidade no sentido de que parece claro que, algumas vezes, em certos períodos da vida, determinados papéis desempenhados e atividades realizadas são priorizados em detrimento de outros.

PALAVRAS-CHAVE: Chefe de família. Carreira feminina. Dupla jornada. Tripla jornada. Pós-graduação.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Luciana Scherer, Luís Henrique Franqui y Louise de Lira Roedel Botelho (2018): “Multijornada: desafios da mulher contemporânea para gerenciar família, trabalho e estudo”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (marzo 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/03/desafios-mulher-contemporanea.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1803desafios-mulher-contemporanea


INTRODUÇÃO

Aquela figura imaginária da mulher dona-de-casa, que cuida dos filhos e dos afazeres domésticos, enquanto o homem trabalha fora e busca o sustento da família está ficando no passado e nos livros de história. A cada dia a mulher, por necessidade ou por vontade de trilhar o próprio protagonismo, se insere no mercado de trabalho e, diante de todos os desafios, procura se aperfeiçoar cada vez mais, investindo na qualificação profissional e ocupando o espaço no ensino superior. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, configuram-se também novas formas de relacioidnto e de organização de rotinas.
Já maioria nos cursos de graduação, a presença feminina também se destaca nos cursos de pós-graduação stricto sensu, como mestrado e doutorado. O objetivo principal deste trabalho é compreender as trajetórias das mulheres que trabalham fora do lar e atuam (ou atuaram) em cursos de pós-graduação stricto sensu, por meio de experiências vividas das investigadas em suas próprias perspectivas de vida.
Esse artigo, de abordagem qualitativa, tem como objetivo investigar a vivência de mulheres que caracterizam seu dia-a-dia como uma multijornada, ou seja, mais que dupla ou tripla, a ideia aqui é multi, já que atuam no mercado de trabalho, possuem família com filhos, e ainda atuam (ou atuaram) em cursos de pós graduação stricto sensu – mestrado ou doutorado.
Esse estudo está divido em quatro partes, além dessa introdução e das considerações finais. A primeira traz discussões sobre as mulheres no mercado de trabalhoe a segunda aborda essas mulheres no contexto da pós-graduação. A terceira apresenta os procedimentos metodológicos, os instrumentos e técnicas como forma de conhecer a realidade a ser investigada.  Na quarta são apresentadas as realidades dessas mulheres investigadas, segundo suas próprias percepções.

A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

            A humanidade encontra-se num período de profundas mudanças sociais e econômicas, principalmente a partir das últimas décadas do século passado, quando inicia "a transição histórica de uma sociedade industrial em direção à sociedade da informação" (WÜNSCH FILHO, 2004). A globalização, os avanços tecnológicos e a competitividade passam a exigir novos arranjos no mercado de trabalho, ampliando a participação da mulher, "não só pela necessidade de complementação da renda familiar, mas também pelas mudanças comportamentais trazidas pelo controle de natalidade" (AMARAL; VIEIRA, 2009).
Há também uma significativa alteração no perfil das famílias brasileiras, com menos filhos e com mais mulheres na chefia das mesmas. Reportagem publicada na Folha de São Paulo, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que “no intervalo de um ano, 1,4 milhão de mulheres passaram a exercer a função de chefe de suas famílias no país” (VETTORAZZO; VILLAS BÔAS, 2015).As informações da Síntese de Indicadores Sociais do IBGEdemonstraram que, em 2014, domicílios com uma mulher como pessoa de referência representavam 39,8% do total, com alta de um ponto percentual em relação a 2013. Em 2014, nada menos que 27,7 milhões de lares brasileiros eram chefiados por mulheres.
Também ocorreu o crescimento da população feminina ocupada, que em 2014 representou 42,4 milhões de mulheres, ante 55,7 milhões de homens. Sendo que destas, 24% das mulheres estavam em empregos formais, alta de 60% se comparados aos números de 2004.No mesmo trabalho, feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), há um indicador que demonstra a importância da mulher no lar. Mesmo ocupadas, elas realizam a maior parte dos afazeres domésticos, como cozinhar, limpar a casa e lavar a roupa. O contingente de mulheres neste grupo é 9,9 milhões maior do que o de homens. “Ainda que eles tenham aumentado sua participação nas tarefas de casa, elas gastavam muito mais horas semanais nesses afazeres: 21 horas delas contra 10 horas deles” (VETTORAZZO; VILLAS BÔAS, 2015).
A chamada dupla jornada, que inclui o trabalho remunerado e as tarefas domésticas, faz com que a mulher trabalhe mais que o homem. Conforme dados do estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2015, “a jornada total das mulheres era de 53,6 horas e a dos homens, de 46,1 horas. Em relação às atividades não remuneradas, mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas; os homens, em torno de 50%” (VERDÉLIO, 2017). Ou seja, em função da dupla jornada, as mulheres trabalhavam 7,5 horas a mais que os homens, por semana.
Natália Fontoura, uma das autoras do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, em entrevista à Agência Brasil, destaca que

a responsabilidade feminina pelo trabalho de cuidado ainda continua impedindo que muitas mulheres entrem no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, aquelas que entram no mercado continuam respondendo pelas tarefas de cuidado, tarefas domésticas. Isso faz com que tenhamos dupla jornada e sobrecarga de trabalho (VERDÉLIO, 2017).

O mesmo estudo traz outro dado interessante. Apesar da taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho ter crescido bastante entre das décadas de 60 e 80 do século passado, nos últimos 20 anos ocorreu uma estabilização. Para Natália Fontoura, “parece que as mulheres alcançaram o teto de entrada no mercado de trabalho. Elas não conseguiram superar os 60%, que consideramos um patamar baixo em comparação a muitos países” (VERDÉLIO, 2017).
Se o termo dupla jornada já representa mais atividades para a mulher, que divide a vida profissional com o cuidado do lar, o IBGE diz que, no século 21, surge a chamada tripla jornada, pois os dados da Pnad vêm demonstrando que “não somente as crianças dependem das mulheres (no caso mães), mas também grande parte dos idosos”, justificando a origem do novo termo (BRITO, 2007). De acordo com o levantamento, “o cuidado com os idosos se constitui em uma atividade feminina e, à medida que a idade avança, a atenção com eles também aumenta” (BRITO, 2007). Para o IBGE, a jornada tripla é ocasionada por consideráveis alterações na distribuição do tempo que as mulheres dispensam com o cuidado pessoal e lazer, além do tempo gasto no mercado de trabalho e no cuidado da família. O estudo também ressalta a dificuldade das mulheres em “conciliar suas atividades profissionais e familiares. A baixa oferta de aparato social como creches, dificulta mais a participação delas em ambientes profissionais” (BRITO, 2007).
As mulheres que trabalham e cuidam da casa, desempenham a dupla jornada. As que são mães e as que têm pessoas idosas para cuidar, acumulando com a carreira profissional, se submetem à tripla jornada. E como ficam aquelas que, além de tudo isso, dedicam parte do escasso tempo livrepara o aprimoramento educacional, no ensino superior ou na pós-graduação?
Para essas mulheres, que conseguem desenvolver múltiplas tarefas“tudo ao mesmo tempo agora”1 , se utilizará o termo multijornada, que ficará evidenciado no decorrer do presente trabalho, especialmente nas entrevistas.
Multijornada pode ser conceituada como o acúmulo de atividades profissionais e do lar com o cuidado de filhos e idosos e ainda com o desempenho de atividades acadêmicas, como a graduação ou a pós-graduação stricto sensu.
Trabalhar, cuidar da casa, dos filhos, dos idosos e ainda cursar mestrado ou doutorado é tarefa para poucos, ou melhor, para poucas, pois nem todas conseguem gerenciar uma multijornada. Mas existem aquelas, cujas realidades foram captadas na pesquisa de campo que optaram por encarar múltiplas atividades em busca da realização pessoal e profissional.

A MULHER NO ENSINO SUPERIOR E NA PÓS-GRADUAÇÃO

No passado, a preocupação com a educação das mulheres sempre esteve atrelada ao preparo para as lides domésticas. Elas aprendiam a bordar, costurar, cozinhar. Algumas, de famílias mais abastadas, tinham aulas de etiqueta ou aprendiam um segundo idioma, como o francês. E basicamente essa educação ocorria dentro de casa. Somente depois de muito tempo, as mulheres puderam acessar ao ensino regular (BEZERRA, 2010).As mulheres também eram excluídas da educação superior. Criadas por volta do século XIII, as universidades inicialmente eram voltadasà formação dos homens.
Bezerralembra que o ingresso das mulheres no ensino universitário começa pelos Estados Unidos da América, em 1837, com a criação de universidades exclusivas para elas.

É no estado de Ohio que surge a primeira universidade feminina, o Women’sCollege. É na segunda metade do século que as universidades femininas se espalham por boa parte dos Estados Unidos. Porém a maioria dos women’scollege só oferecia o bacharelado para as mulheres, poucos eram os que ofereciam cursos de mestrados e menos ainda os que ofereciam a opção de cursos de doutorado (BEZERRA, 2010, p. 3).

Com a vinda da família real ao Brasil,tem início a história universitária no país.  Em 18 de fevereiro de 1808, Dom João VI cria a Faculdade de Medicina da Bahia (então Escola de Cirurgia), que vem a ser a primeira instituição de ensino superior do Brasil. Porém, a presença feminina somente é garantida em 1879, com a Reforma do Ensino Primário e Secundário do Município da Corte e o Superior em todo o Império, instituída pelo Decreto nº 7.247 e que ficou conhecida como Reforma Leôncio de Carvalho.
A professora Nailda Marinho, entrevistada pelo site da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), ressalta que a primeira mulher brasileira

a possuir um diploma de ensino superior foi Maria Augusta Generoso Estrela, que se graduou em Medicina no ano de 1882, porém nos Estados Unidos, não no Brasil. Desta forma, em 1887, Rita Lobato Velho Lopes (1867-1954) se torna a primeira mulher a se graduar no país na Faculdade de Medicina da Bahia, embora tenha iniciado seus estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e depois, por motivos familiares, se transferido para a faculdade em que se formou (MOTTA, 2014, sp).

O fato é que, atualmente, há uma tendência global de mais mulheres entrarem em cursos superiores. É o que atesta uma pesquisa do HigherEducationPolicyInstitute (HIPE), da Grã-Bretanha, que demonstra que as mulheres do Reino Unido têm 35% mais chances de ir para a universidade do que os homens (PAIVA, 2016). Assinado por Nick Hillmann e Nicholas Robinson, o estudo projeta que se a tendência se mantiver, “uma menina nascida em 2016 terá 75% mais probabilidade de entrar em um curso superior do que um menino” (PAIVA, 2016, sp). Para melhor exemplificar, em 1990 34 mil mulheres se graduaram nas universidades britânicas, contra 43 mil homens. Mas no ano 2000 a curva se inverteu, com 133 mil mulheres ingressando no ensino superior, ante 110 mil homens. Por fim, em 2015, havia cerca de 300 mil mulheres a mais do que homens, nas universidades.
As mulheres também são maioria no ingresso e conclusão do ensino superior no Brasil. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) divulgou dados que mostram que “o percentual médio de ingresso de alunas até 2013 foi de 55% do total em cursos de graduação presenciais. Entre concluintes, o índice sobe para 60%” (PAIVA, 2016, sp). O mesmo estudo demonstra que, no último decênio, de um total de seis milhões de matrículas, 3,4 milhões foram de mulheres. Já em relação a conclusão dos estudos, “491 mil alunas formaram-se, enquanto 338 mil homens terminaram seus cursos em 2013” (SALOMÃO, 2015, sp).
Apesar de serem maioria nos cursos de graduação, as mulheres ainda têm espaço reduzido em algumas áreas específicas. Quando são analisados apenas os cursos relacionados às ciências, como as engenharias, ciência da computação, matemática, física, química, biologia, farmácia, entre outros, a presença feminina se reduz para 41%, índice que não aumenta desde 2000. “Considerando isoladamente os cursos de engenharia, o desequilíbrio entre homens e mulheres é ainda maior: dos 81.194 estudantes que se formaram em 2015 no país, 29,3% são do sexo feminino e 70,7%, do masculino” (TENENTE, 2017).
Uma possível explicação para este fenômeno é trabalhada por Marilia Gomes de Carvalho e Lindamir Salete Casagrande. Para elas

[...]
dados da universidade brasileira revelam que cursos como Pedagogia, Enfermagem, Nutrição apresentam de 80% a 90% de mulheres. Estes cursos estão ligados a atividades que representam uma extensão das atividades domésticas, domínio feminino há séculos (2011, p. 30).

Para Moraes (2000), as carreiras são, de alguma forma, divididas entre as femininas e as masculinas. As carreiras femininas seriam as de professoras e enfermeiras, enquanto aos homens, tradicionalmente estão ligadas às áreas tecnológicas e corporativas.  Botelho e Scherer(2017) ainda apontam para a sub-representação nas mulheres na política, indicando, portanto, que a carreira política também é tradicionalmente um espaço masculino de atuação. Os setores considerados tecnológicos seguem com domínio masculino e estudos apontam que essa relação entre cursos femininos e masculinos deverá prevalecer na área da pesquisa, num fenômeno global, que não ocorre apenas no Brasil. Em áreas onde as mulheres têm menos de 30% de participação, não há indícios de que ocorrerá alguma alteração, o mesmo ocorrendo nos setores que a presença feminina é superior a 70% (CARVALHO; CASAGRANDE, 2011).
No âmbito local, a presença feminina no ensino superior é ilustrada com dados obtidos junto à secretaria acadêmica da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus Cerro Largo (Quadro 1). De 1996 até 2017, 51.02% de todos os alunos que colaram grau eram mulheres, nos quatro cursos oferecidos pela instituição. Em 2017, pegando isoladamente apenas as matrículas em três cursos, nota-se que as mulheres ingressantes representaram 57.14% do total.

Enquanto nos cursos de Ciências Contábeis e Administração, apesar da predominância feminina, existe certo equilíbrio, em outros dois cursos já desativados ocorreu uma sensível maioria feminina e masculina. O curso de História, que formou duas turmas em 1996 e 1997, teve 80% de mulheres colando grau, enquanto que no curso de Tecnologia em Agronegócio, que teve concluintes em 2009, 2010 e 2011, apenas 16.32% eram mulheres, confirmando os estudos que apontam a tendência de existirem cursos “femininos” e “masculinos”.
Assim como na graduação, também na pós-graduação stricto sensu – mestrado e doutorado - é majoritária a presença feminina. É o que apontam dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) sobre o Sistema Nacional de Pós-Graduação.Os números disponíveis mais recentes, de 2015, mostraram “175.419 mulheres matriculadas e tituladas em cursos de mestrado e doutorado, enquanto os homens somam 150.236, uma diferença de aproximadamente 15%” (CAPES, 2017). O levantamento também demonstra que

[...]
apenas na modalidade de mestrado acadêmico, as mulheres somaram 11 mil matrículas a mais que os homens e aproximadamente 6 mil títulos a mais foram concedidos a mulheres do nesse ano. A modalidade de doutorado também traz realidade semelhante, com um total de 54.491 mulheres matriculadas e 10.141 tituladas, ao passo que os homens somaram 47.877 matrículas e 8.484 títulos naquele ano (CAPES, 2017).

Pelos dados da CAPES (Quadro 2) fica evidente a predominância de mulheres em cursos de doutorado e mestrado acadêmico, porém havendo um certo equilíbrio nos cursos de mestrado profissional.
No Campus Cerro Largo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) são disponibilizados, no momento, dois programas de pós-graduação, modalidade mestrado: o curso de Desenvolvimento e Políticas Públicas, com três turmas formadas e o curso de Ambiente e Tecnologias Renováveis, com duas turmas em andamento. E em ambos as mulheres são maioria, confirmando as estatísticas nacionais.
Dos 104 discentes dos mestrados da UFFS-Cerro Largo (já contabilizados 30 que entram em 2018 e cuja efetivação das matrículas se dará no mês de fevereiro), 69 são mulheres, num percentual de 66.4% (Quadro 3). Mas há uma variação nesse percentual, entre um curso e outro. No programa de Desenvolvimento e Políticas Públicas, dos 60 mestrandos, 37 são mulheres (61.66%), enquanto no curso de Ambiente e Tecnologias Renováveis, dos 44 acadêmicos, 32 são mulheres (72.72%). A explicação pode residir no fato de que no mestrado de Ambiente e Tecnologias Renováveis, boa parte dos discentes é egressa de cursos de licenciatura, onde a predominância feminina já foi demonstrada.

Mesmo com esses avanços femininos na pós-graduação, muitos desafios ainda precisam ser superados, pois “áreas do conhecimento tradicionalmente masculinas, como Engenharias, Computação e Ciências Exatas e da Terra continuam com a presença maciça de homens” (CAPES, 2017).
Outro problema que tem atormentado os pós-graduandos, principalmente os estudantes de doutorado, é a pressão sofrida por pesquisadores para dar conta da produção bibliográfica, em quantidade e qualidade.
A bióloga Karlla Patrícia publicou texto com resultados de pesquisa realizada na Universidade de Ghent, na Bélgica e publicada no periódico ResearchPolicy, que investigou os efeitos do estresse nos doutorandos. Ela destaca o fato de que “os resultados baseados em 12 sintomas de saúde mental mostraram que 32% dos estudantes de doutorado estão em risco de ter ou desenvolver um transtorno psiquiátrico comum, especialmente a depressão” (PATRÍCIA, 2015).
Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) tem sido frequente o registro de casos de adoecimento mental entre estudantes da pós-graduação, situação que não é uma exclusividade da universidade mineira. Depoimentos de alunos, confirmados pela reitoria da instituição, “relatam quadros de depressão, ansiedade, angústia, paralisação de atividades estudantis, uso de medicamentos para transtornos mentais e até casos extremos de abandono dos cursos diante das dificuldades” (LOPES, 2017).
“As exigências no mundo acadêmico cresceram e temos que aprender a lidar com elas”, diz a psicóloga Stella Goulart, que foi presidente da Comissão Institucional de Saúde Mental da UFMG, citando as cobranças das agências de financiamento de pesquisa (LOPES, 2017).
Se para um estudante que se dedica em tempo integral aos estudos é complicado, diante das pressões exercidas pelo “produtivismo acadêmico”2 , imagine para uma mulher que precisa lidar com dupla, tripla ou até mesmo multijornada.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Ao definir-se como investigar as vivências e perspectivas de mulheres que trabalham, possuem filhos e atuam (ou atuaram) em um curso de pós-graduação stricto sensu, partiu-se do entendimento de que o método não é uma receita pronta, mas sim uma orientação, um rumo que se passa a seguir, dependendo do tema estudado e que a escolha dos métodos e abordagens usados na pesquisa evidencia as opções e intencionalidades dos pesquisadores.
Assim, para a condução dessa pesquisa, utilizou-se um estilo qualitativo. Para a captação de dados, as técnicas utilizadas foram aanálise documental (CELLARD, 2008) e as entrevistas narrativas (JOVCHELOVITCH, 2000). Já para a análise dos dados obtidos em campo, optou-se pela análise de conteúdo (BARDIN, 2009).
Para a seleção dos sujeitos a serem entrevistados partiu-se do estabelecimento de alguns critérios: mulheres que atuam no mercado de trabalho, que são ou foram casadas, que possuem filhos e que cursam ou cursaram pós-graduação stricto sensu, ou seja, mestrado ou doutorado. Foram entrevistadas 10 mulheres, e por motivos de ética na pesquisa, optou-se em não as identificare apresentar somente as suas características, as quais são descritas no Quadro 4.

Ressalta-se que a postura metodologia desse estudo é realizá-lo com parcimônia, principalmente quanto generalizações, já que aqui, a intenção dos pesquisadores é realmente conhecer a experiência e a vivência dessas mulheres segundo as suas próprias perspectivas. A partir disso, futuramente e com mais profundidade pode ser possível propiciar alguns estudos mais generalizáveis sobre o fenômeno em questão, contribuindo assim para a teoria e a busca de experiências sobre a carreira feminina e seus desafios pertinentes.

AS MULHERES E OS DESAFIOS DA MULTIJORNADA

Para o desenvolvimento desse estudo, a coleta de dados fundamentou-se em captar as perspectivas de mulheres cujas rotinas caracterizam uma multijornada, ou seja: atuam no mercado de trabalho, são ou foram casadas, possuem filhos e cursam ou cursaram pós-graduação stricto sensu. Uma vez identificadas essas mulheres, coube, então, uma análise de discurso por meio das entrevistas narrativas, as quais foram conduzidas sistematicamente para assinalar-se alguns dos elementos que estabelecem uma rotina marcada pela multijornada, para então, entender-se determinadas características, desafios e aprendizados.
As falas são impregnadas de termos que remetem a existência de uma multijornada, e essa muito mais associada a própria condição de mulher, no sentido de que, muitas das tarefas que vão além do trabalho e do estudo acabam sendo de responsabilidade muito mais da mulher do que do homem. Nesse sentido e de forma geral, o primeiro aspecto que surge nas falas das entrevistadas foi em relação ao simples fato de ser mulher, combinado com a necessidade de se organizar para atender todas as múltiplas atividades a seremdesenvolvidas, o que caracteriza claramente a multijornada para essas entrevistadas:

A minha rotina se divide entre meu trabalho como professora, como tutora de um curso superior, como orientadora de TCCs, entre as disciplinas e a dissertação de mestrado, além da casa, das filhas... Até pouco tempo tinha ainda um pequeno comércio que eu administrava (Entrevistada M1).

Eu casei bastante jovem, e logo após já tive o primeiro filho. Após a faculdade eu segui com a especialização, aí veio o segundo filho. Não sei de que forma, mas tive períodos que eu trabalhava 60 horas semanais – 40 horas na prefeitura e mais 20 horas como professora e iniciei o mestrado. No meio disso tudo eu me vi demandada por todos os lados: com um marido, com dois filhos, com a casa, com meus dois trabalhos e com o mestrado (Entrevistada M2).

Antes de eu engravidar eu trabalhava em um escritório de consultoria e fui convidada a ministrar duas disciplinas em uma faculdade privada. Lá pelo segundo ano, eu senti necessidade de entrar no mestrado. Aí, junto com o mestrado veio a gravidez. Aí foi uma confusão, um malabarismo para conciliar tudo: dois trabalhos, curso de mestrado, casa, gravidez, e com a gravidez tinha médico, nutricionista, exames (Entrevistada M5).

Acho que mulher nasce multi, né? A gente se divide em ser mulher, ser mãe, ser profissional. E ainda quando a gente resolve estudar, fazer doutorado, aí tem mais coisa ainda para dar conta. O segredo é desdobrar-se para dar conta... (Entrevistada D4).

Eu fiz a minha dissertação da meia noite às sete da manhã, entre escritas e dormidas. Era o único tempo que eu tinha para mim, sem a preocupação com trabalho, com filhos, etc. Era quando eu encontrava o silêncio e a paz necessária para realizar essa empreitada (Entrevistada M2).

Fazer mestrado a essa altura da vida esbarra na dificuldade de ser mais uma responsabilidade que tu integra na tua vida. No tempo da graduação e da especialização, pode-se dizer que eu era estudante. Agora eu sou uma profissional, com marido e filhos, ou seja, as responsabilidades e tarefas são múltiplas (Entrevistada M3).

As principais ideias que emergem de forma sistemática nas falas dessas mulheres a serem destacadas são:

  1. As rotinas do lar e a divisão entre o público e o privado;
  2. A necessidade de uma infraestrutura de apoio;
  3. O sentimento de discriminação pelo fato de ser mulher;
  4. A maternidade como uma barreira para o desafio da carreira.

Sobre as rotinas do lar e a divisão entre o público e o privado 3, entre trabalho e família, destacam-se as falas:
Não sei como essas relações se estabelecem, mas acho que mesmo a gente brigando com aquilo que se diz o que é coisa de homem e coisa de mulher, nós mulheres acabamos aceitando e abraçando as questões da casa. Mercado, por exemplo: a lista de compras, se falta fruta, se falta material de limpeza e tudo mais, sou eu a responsável. Muitas vezes eu estou trabalhando e a na agenda já anotando a lista de compras (Entrevistada M5).
Por mais que a gente tenha que dividir o que é trabalho e o que de vida pessoal, muitas vezes as questões se interligam. Se tu estás fazendo mestrado, doutorado, muitas vezes tu precisas usar do teu tempo que seria da família para fazer algum trabalho, alguma produção. Por outro lado, podes estar em aula ou trabalhando e pensando se o filho tem lanche, o que vai fazer de jantar, se não precisa comprar remédio para febre, essas coisas básicas que a condição de mãe exige (Entrevistada M2).
Acho que a própria condição de trabalhar e ser mãe já te coloca em uma situação que requer muita dedicação e atenção. Quando, além disso tu insere uma formação stricto sensu na tua rotina, existe mais um fator complicador. Tem o trabalho, tem as pesquisas, os artigos. Aí tem o filho pedindo atenção, tem o marido que precisa estar inserido na tua vida e tu na dele, tem a vida pessoal e a profissional e acaba sendo difícil dividir, afinal, a gente é a mesma pessoa. Ou melhor, a mesma pessoa exercendo distintos papéis em distintos ambientes e momentos (Entrevistada D4).
As coisas da minha casa acabam sendo de responsabilidade da mulher, principalmente quando se é mãe. A gente não fica alheia ao lar, nem que seja nas decisões, na atenção aos filhos (Entrevistada D5).
Por mais que a gente trabalhe e estude, tem ainda as tarefas de casa. Não tem como não se envolver nessas questões. Sempre tem algo para fazer, para pensar, para organizar. E a casa requer tempo e dedicação. Faz parte do que temos que fazer (Entrevistada D1).
Acho que ser mulher traz uma natureza de abraçar as coisas, de acumular tarefas. A gente acaba tendo uma rotina cheia de questões a serem resolvidas: trabalho, estudo, educação dos filhos, organização da casa (Entrevistada M3).

A segunda ideia, a necessidade de uma infraestrutura de apoio, parece surgir em decorrência da anterior, já que as rotinas do lar são uma das tarefas que a mulher assume ou envolve-se, independente de trabalhar fora do lar, além de estudar.

Eu trabalho durante o dia, dou aula à noite, faço doutorado. Não abro mão de academia, de salão de beleza, de almoçar sempre que possível em casa e de tomar um chimarrão com meu marido no final de tarde. Mas para isso, eu preciso de assessoria em casa – tenho uma secretaria do lar que trabalha seis dias por semana. Então, em casa, meu papel é estratégico – eu defino, organizo a rotina, sugiro cardápio, faço as compras, e o dela é operacional. Mas mesmo no envolvimento estratégico, requer tempo e dedicação (Entrevistada D1).

Eu brinco com minha empregada que ela só pode ir embora depois que eu terminar o doutorado e que na tese ela terá uma página de dedicatória. Para mim, ter alguém cuidando da casa, da comida, da roupa, da limpeza é fundamental para que eu possa trabalhar e estudar (Entrevistada D2).

Só é possível executar esta multiplicidade de tarefas - dois empregos, casa, filhas e mestrado, graças ao auxílio da família – a mãe, o marido e o tio se revezam no apoio necessário (Entrevistada M1).

Ah eu não posso imaginar minha vida sem o apoio da família e da minha funcionaria da casa – que para mim já é da família. Sem ajuda com a casa, não dá (Entrevistada M3)

Ter com que contar para as tarefas que envolvem a casa e os filhos é fundamental. E essa ajuda pode ser tanto profissional, com uma funcionária, ou coma família. No meu caso eu tenho os dois: tenho uma funcionária que é responsável por cozinhar, limpar, organizar, mas além disso eu tenho uma família grande e presente que quando eu preciso eu posso acionar. Para mim, isso é fundamental (Entrevistada M5).

Eu tive, no período do mestrado, muito auxílio, tanto técnico como aquele que faz a casa e a vida pessoal andar. No auxílio técnico, meu marido e meu irmão, parceiros de trabalho me ajudaram muito: liam, criticavam, iam a campo comigo. Na vida pessoal, a Tata4 e minha mãe assumiram muito as tarefas com filha (Entrevistada M4).

 

E muito embora essas mulheres atuem em diversas áreas, tarefas, as entrevistadas mencionam um sentimento de discriminação pelo fato de ser mulher, no qual o simples fato de ser mulher, o que acaba requerendo um grande esforçoa mais, uma superação no conduzir de suas atividades:

Meu orientador de mestrado – homem – dizia com bastante frequência que preferia não trabalhar com mulher, porque mulher tem filho, mulher tem muitas outras preocupações do que um homem. Para ele, mulher não tinha que estudar, tinha que se preocupar com a casa e deixar o homem produzir e trabalhar (Entrevistada D1).

Eu sou bióloga, e me especializei em consultorias para a construção de planos de manejo de biomas, parques, etc. Isso requer que a gente vá para o campo, muitas vezes acampada sem estrutura, passe dias longe de casa... Muitas, mas muitas vezes mesmo ouvi que esse trabalho não é para mulher. Meu marido também é biólogo, mas trabalha no governo federal. E alguns contratantes diziam: quem sabe teu marido poderia fazer esse trabalho... (Entrevistada M4).

A banca de entrevista do doutorado era composta por três homens. O assunto recorrente era eu ser mulher, segundo eles, mulher bonita. Eu detestei a entrevista, acho que fui mal, fiquei tensa. Perguntei para um colega como tinha sido a entrevista dele e ele mencionou apenas questões técnicas, metodológicas, sobre o projeto de tese. Comigo teve uma pegada machista, discriminatória, grosseira. Foi tão ruim aquela entrevista que fiquei muito feliz em ter ficado na suplência (Entrevistada M3).

No doutorado, ao concorrer para uma bolsa, o coordenador do programa deixou claro que havia uma preferência por homens, já que tinha mais facilidade de trabalhar com eles. Veja bem, a preferência não era por um perfil, ou formação, ou tipo de metodologia, mas sim pelo fato de ser homem ou mulher (Entrevistada D3).

Eu sempre senti uma certa energia diferente em relação às mulheres no meu curso, isso no mestrado, no doutorado e até mesmo em qualquer projeto em que atuei. Como se os homens fossem mais capazes. Aí as mulheres precisavam provar a capacidade, precisavam ser melhores (Entrevistada D4).

E uma das condições inerentes e exclusivas das mulheres, a capacidade de gerar filhos, figura para muitas mulheres como um complicador para a vida profissional. As investigadas mencionam esse sentimento e assim surge a maternidade como uma barreira para o desafio da carreira, como umadas características dessas falas:

Um antigo chefe me dizia: o brabo de contratar mulher é que mulher tem filho, e aí tem a licença maternidade, e depois disso, a mulher volta cheia de preocupações com filho (Entrevistada M3).

Ter sucesso profissional, aquele sucesso sem limite que tu busca e busca mais, e ter filhos é uma condição difícil (Entrevistada D2).

Eu não imagino e nem quero imaginar minha vida sem meus filhos, mas que isso é um dificultador, isso é! (Entrevistada M2).

Quando tu és uma mulher sem filhos, tu podes voar o mundo em busca de oportunidades profissionais e acadêmicas. Há dois anos, eu fui convidada para realizar um estágio na Espanha. O problema é que meu marido estava trabalhando em um projeto na Argentina. Não tive coragem de ir e deixar meus filhos por seis meses. Podialevá-los junto, mas não quis alterar toda a rotina (Entrevistada M5).

Ser mãe é maravilhoso, mas te faz abrir mão de muitas outras coisas (Entrevistada D1).

Eu já ouvi muito que homem é melhor para ser selecionado em bolsas porque não tem o perigo de engravidar e se afastar para licença maternidade, então os projetos não correm risco de parar se bolsista for homem (Entrevistada D4).

Olha, em pleno 2017 a gente ouve de um possível candidato a presidência da República que mulher pode ganhar menos porque engravida e isso é um custo para o empregador. A sociedade adora ver a mulher como mãe, mas acaba discriminando a mulher por isso (Entrevistada D5).

Ao final das entrevistas, as quais foram executadas de forma não estruturada para que as mulheres pudessem mencionar livremente as suas perspectivas, conforme mencionado nos procedimentos metodológicos, foram realizadas duas perguntas bastante diretas: Quais os desafios dessa condição de mulher-profissional e pós-graduanda? E quais os aprendizados obtidos nessa condição. Os cernes das respostas estão sistematizados nos Quadros 5 e 6:

Os destaques para os desafios e para os aprendizados mencionados pelas entrevistadas, versam em relação à capacidade de organização, aos entendimentos sobre o tempo, sobre as rotinas, sobre a dificuldade de abarcarem todas as suas obrigações, seja no lar, no trabalho e no estudo.

CONCLUSÃO

Investigar as situações de gênero no mercado de trabalho e na forma como conduzem as suas rotinas, desafios, dificuldades e ainda, aferir os aprendizados de 10 mulheres ao dedicarem-se a diversas atividades, as quais vão além da dicotomia entre lar e trabalho é uma das formas de buscar igualdade, desenvolvimento e relações mais qualificadas de trabalhos.
Esse estudo, de caráter qualitativo, pautou-se por investigar como algumas mulheres percebem as suas rotinas, os desafios e aprendizados advindos da sua decisão de além de atuarem fora do lar, inserirem-se em um ambiente de educação continuada em cursos de pós-graduação stricto sensu. Os sujeitos, ou melhor, as mulheres da pesquisa foram selecionadas por conveniência, a partir do atendimento de uma série de critérios, como possuir atuação no mercado de trabalho, serem ou terem sido casadas, possuírem filhos e cursado ou cursar pós-graduação stricto sensu,os quais caracterizam uma necessidade de organização para cumprir todas as suas responsabilidades ao longo desses diversos papéis em suas vidas. Importante ressaltar também, que os dados apresentados foram todos pautados na perspectiva das próprias entrevistadas, a partir da maneira como elas percebem e apresentam essas informações em suas vidas e como externalizamem suas falas.
A partir dessa pesquisa nota-se que os termos como dupla ou tripla jornadas quase não atendem mais ao seu dia-a-dia, sendo esse caracterizado como multijornada. Todas mencionam a necessidade de organização e divisão de papéis. E o termo multijornada parece estabelecer-se com a realidade no sentido de que parece claro que, algumas vezes, em certos períodos da vida, determinados papeis desempenhados e atividades realizadas são priorizadas em detrimento de outras. Uma das entrevistadas menciona que durante o doutorado, afastou-se de seu marido e em suas palavras diz “(...) o doutorado custou meu casamento. Acabei me distanciando do meu marido em função de priorizar as atividades do estudo” (D5). Essa clareza, essa exposição dos fatos faz com que se conheça melhor os riscos, desafios, dificuldades e a partir disso, mulheres possam conduzir suas carreiras da melhor forma possível, como assim considerarem.
Ainda nas falas das entrevistadas, fica claro a posição de Verdélio (2017), que expõe que mesmo as mulheres que atuam no mercado de trabalho ainda continuam responsáveis pelas atividades no lar. O que aparece nas falas das mulheres entrevistadas é a importância de apoio nas atividades pertinentes ao lar: seja pela família, seja por alguma profissional. Ainda, talvez decorrente dessa situação, estejam interligadas quatro principais ideias que emergem de forma sistemática nas falas dessas mulheres que foram destacadas na análise dos dados coletados: 1, as rotinas do lar e a divisão entre o público e o privado; 2, a necessidade de uma infraestrutura de apoio; 3, o sentimento de discriminação pelo fato de ser mulher; e 4, a maternidade como uma barreira para o desafio da carreira. Ou seja, situações significativas nas vidas dessas mulheres.
Ressalta-se, mais uma vez, que a postura teórico-metodológica desse estudo é realizá-lo com cuidado e responsabilidade, sem a intenção de generalizações, mas sim com o intuito de trazer à tona algumas realidades a serem discutidas, determinadosfatos, posicioidntos, dificuldades e superações pelas quais passam as entrevistadas. Porém, constatadas essas situações é importante “escancarar” os fatos, procurar motivações, raízes culturais, causas, novos conhecimentos e maiores entendimentos, para homens, mulheres, profissionais e gestores.
Por meio de conhecimento, de histórias de vida, é possível construir conhecimento acerca dos desafios da mulher contemporânea para gerenciar família, trabalho e estudo, ou seja, para administrar uma multijornada à qual faz parte das suas escolhas de vida.

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*Professora no curso de Administração na URI – Campus Cerro Largo. Doutoranda em Desenvolvimento Regional na UNIJUI. Mestra em Ciências Sociais pela PUC-RS. Graduada em Turismo pela PUC-RS e Administração de Empresas pela UFRGS. E-mail: lucianascherer@yahoo.com.br
** Jornalista. Advogado. Mestre em Desenvolvimento e Políticas Públicas pela UFFS – Campus Cerro Largo. Graduado em Direito pela Faculdade CNEC Santo Ângelo. E-mail: lhfranqui@hotmail.com
*** Professora no curso de Administração e no mestrado em Desenvolvimento e Políticas Públicas na UFFS. Pós Doutora, Doutora e Mestra em Engenharia e Gestão do Conhecimento na UFSC. E-mail: louisebotelho@gmail.com
1 Tudo ao mesmo tempo agora é o nome do sexto álbum de estúdio da banda de rock Titãs, lançado em 1991. É o último trabalho com o vocalista Arnaldo Antunes, que deixou a banda em 1992. [grifo nosso]
2 Termo que se refere à avaliação de discentes e docentes por critérios apenas quantitativos, uma prática bastante usual em outros países, que ganhou espaço no Brasil a partir dos anos 80 do século passado.
3 Grifos nossos, nas quatro ideias emergidas das falas das mulheres entrevistadas.
4 Tata é uma maneira carinhosa que se algumas famílias no sul do Brasil utilizam para designar a empregada doméstica, em especial aquelas que se envolvem com as crianças da casa.

Recibido: 02/02/2018 Aceptado: 23/03/2018 Publicado: Marzo de 2018



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