Dagoberto Rosa de Jesus *
Michael Jhonatan Sousa Santos **
Instituto Federal de Mato Grosso/ campus Primavera do Leste, Brasil
dagoberto.jesus@pdl.ifmt.edu.brRESUMO
O presente artigo busca apresentar um fragmento da história da cidade de Rosário Oeste, localizada no interior do estado de Mato Grosso e que teve sua relevância na historiografia do estado. O recorte temporal desta pesquisa é marcado entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Para realizar esta pesquisa contamos com o acervo de documentos do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, da Academia Mato-grossense de Letras, assim como uma bibliografia a respeito da história de Mato Grosso. A metodologia usada nesta pesquisa se deu a partir de levantamento de documentação histórica, registros e escritos do período estudado, estudo de uma bibliografia acerca da historiografia do estado, todo este trabalho a luz de uma base teórica sobre o fazer historiográfico ou em outras palavras a respeito do ofício do historiador. No verso deste trabalho apresentamos algumas reflexões sobre a relação da memória com a história, da importância dos registros documentais para a produção de história, da relação da história e da literatura.
Palavras-chave: Historiografia, História, Memória, Literatura Mato-grossense.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Dagoberto Rosa de Jesus y Michael Jhonatan Sousa Santos (2018): “A cidade da memória:
Vila Nossa Senhora do Rosário do rio Acima”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (febrero 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/index.html/caribe/2018/02/vilanossa-senhora-rosario.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1802vilanossa-senhora-rosario
No seu livro Cidades Mortas, Monteiro Lobato descreve de forma precisa a situação da vida e do cotidiano nas cidades do interior de São Paulo que, no início do século XX, se encontravam em plena decadência, após um período de euforia econômica. Na narrativa do criador do Jeca Tatu e tantos outros personagens paradigmáticos de nossa literatura, a atmosfera de decadência é a tônica e acaba por revelar como essas cidades “mortas” sobreviviam. Através de pequenos dados sobre o cotidiano, com sua pena ácida, o autor descreve e produz uma crítica contumaz a entropia dessas urbes no final do século XIX e início do século XX. Podemos notar o tom de Lobato no fragmento que segue que foi retirado da apresentação feita pelo autor no ano de 1906.
A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje mortas, ou em via disso, tolhidas de insanável caquexia, uma verdade, que é um desconsolo, ressurte de tantas ruínas: nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas. Radica-se mal. Conjugado a um grupo de fatores sempre os mesmos, reflue com eles duma região para outra. Não emite peão. Progresso de cigano, vive acampado. Emigra, deixando atrás de si um rastilho de taperas. (...)
Em S. Paulo temos perfeito exemplo disso na depressão profunda que entorpece boa parte do chamado norte.
Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam os verbos no presente. Tudo é pretérito.
Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas de dantes. 1
A cidade de Rosário Oeste, interior do Estado de Mato Grosso, hoje início do século XXI, se parece muito próxima das falecidas cidades descritas por Lobato. Como elas, Rosário Oeste, assistiu no decorrer de sua história períodos de grandes fluxos de população e riquezas, dando à cidade tempos de prosperidade, no contexto relativo ao interior do Mato Grosso. Ao final desses auros tempos assiste uma decadência visível a olho nu, basta uma rápida caminhada por suas antigas ruas para nos depararmos com construções antigas; residências e prédios, em abandono total: por outro lado, sua população migra sistematicamente em busca de novos horizontes, principalmente de trabalho. Os que ali ficam formam uma população saudosa vivendo da lembrança de outros tempos, esses sim eram prósperos: “antigamente tínhamos três bancos, cinema, festival de praia, e hoje pouco resta na cidade”, costumam memorizar.
Essa valorização de um tempo passado, Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam os verbos no presente. Tudo é pretérito, tal como, mostra-se recorrentes em estudos com a história oral. Ao falar sobre sua história e memória os moradores de Rosário, tal como tantos outros observam somente os aspectos positivos, ora somente os aspectos negativos. Relata-se assim, sempre a memória de um tempo idealizado pelo saudosismo. Esse fenômeno também foi destacado no celebre estudo do professor Antônio Candido sobre os caipiras do interior de São Paulo.
Esta valorização do passado é constante. A cada conversa sobre as dificuldades, presentes surge a referência a ele, ora discreta e fugida, ora tornando-se tema de exposição. Os caipiras sabem que essa é uma imagem ideal, e na verdade havia mais mortes e violência, a maleita abria faia (falha) no povo, ocorriam anos de míngua e fome. Sabem, por outro lado, que não haviam recursos como agora, nem os bens de consumo que lhe dão prazer quando obtidos. No entanto, é a sua maneira de criar uma idade de ouro para o tempo onde funcionavam normalmente as instituições fundamentais de sua cultura, cuja crise lhes aparece vagamente como fim da era onde tinham razão de ser como tipos humanos.2
O mesmo poderíamos dizer sobre o tempo evocado pela população de Rosário. Alheio ao saudosismo de boa parte da população, fato é que a cidade de Rosário vem assistindo nas últimas décadas uma reorganização e readaptação aos novos paradigmas que lhe são impostos e que se refletem forma nítida no número dos seus habitantes, como podemos observar no gráfico que segue. Nesse estudo não é nosso objetivo analisar o crescimento vegetativo da população, mas acreditamos que esses dados são significativos para entender o universo daquela população.
Rosário Oeste está em nossas retinas como uma grande cidade do passado, lugar que teve muita riqueza, fluxo de dinheiro e pessoas. Esse auge tem nas décadas de 1960 e 1970, movido pelo ciclo de extração de borracha, então sua principal atividade econômica. Além dos exércitos de seringueiros que povoaram, a então agitada Vila de Rosário, para lá também se dirigiam garimpeiros e demais aventureiros do sertão de Mato Grosso. Passeando, hoje, pelas ruas de paralelepípedos da pacata cidade podemos, quem sabe, criar ou recriar na memória seu antigo desenho. Certos de que essa recriação é sempre uma representação, mas contamos com a música, nesse fabricar de vozes, com as quais moradores como o Seu Armandinho, como de Seu Abraão nos alentam.
Nascida às margens do rio Cuiabá, a atual cidade de Rosário Oeste, tem como primeiro topônimo “Sítio do Monjolo”. Segundo Augusto de Leverger, o Barão de Melgaço, em seu antológico Dicionário Chorologico, Rosário do Rio-acima (Vila de Nossa Senhora do) foi situada sobre a margem direita do Cuiabá, aos 14º 49’ S. Naquela época, conforme o informante, já era considerada uma povoação muito antiga: há mais de cem anos contava já 88 fogos e 768 pessoas de desobriga, quase a metade de que então tinha a vila de Cuiabá. Ainda segundo Leverger, foi erguida em paróquia pela resolução da assembleia geral legislativa de 26 de Agosto de 1833; criada vila por lei provincial de 1861 e instalada em 7 de janeiro de 1865.3
Conta-se na historiografia de Mato Grosso que o primeiro movimento colonizador, que se estabeleceu sobre o secular território indígena, onde hoje está a cidade de Rosário Oeste, se deu no ano de 1751 às margens do ribeirão Monjolo, afluente do rio Cuiabá. Distante cerca de 120 quilômetros acima da Vila de Cuiabá, foi nesse local que Inácio Tourinho e Dona Maria Francisca Tourinho, sua esposa, fundaram o sítio Monjolo, junto ao qual logo se formou um pequeno povoado. Tourinho e Maria Francisca construíram, em meio ao sertão de Mato Grosso, uma capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário, na qual colocaram uma imagem dessa santa, feita no Rio de Janeiro e trazida especialmente para a capela do novo povoado. Ao redor da capela edificada às margens do ribeirão Monjolo foi que estabeleceu o povoado, denominado então Sítio do Monjolo.4
O crescimento e a manutenção do nascente arraial tinha sua vida e vigor associado intimamente ao casal fundador, logo o sítio passou a servir como paragem a viajantes, cujo destino final eram as minas de ouro do então Arraial do Ouro, hoje cidade de Diamantino, localizado mais a norte do Sítio do Monjolo, cerca de 80 quilômetros. De acordo com Paulo Pitalunga, essa localidade, Diamantino, foi fundada, em 18 de setembro de 1728, pelo Capitão-Mor Gabriel Antunes Maciel, de nobre estirpe sorocabana que chegou a Cuiabá nas primeiras Bandeiras. A fundação deu-se devido à abundância de ouro e diamante no lugar denominado Arraial do Ouro. Para se chegar a esse arraial minerador tinha-se que passar pelo Sítio Monjolo, futura Vila de Rosário.
Após 1812, esse povoado do Monjolo começa a desaparecer. A morte de seus fundadores e a concessão de sesmaria a margem direita do rio Cuiabá próximo do povoamento inicial muito influenciaram nesse processo. Por conta da concessão, o Capitão Pedro da Silva Prado juntamente com o tenente coronel Victorino Lopes Macedo e Marcelino Rodrigues de Toledo, favorecidos pela carta de sesmaria, fundaram ali um novo povoamento denominado Nossa Senhora do Rosário. O crescimento deste povoamento também localizado à margem do rio Cuiabá e concomitantemente a morte dos líderes do povoamento do Monjolo, resultaram em uma migração e paulatiidnte no abandono do Sítio do Monjolo. Vale ressaltar que o Arraial do Monjolo fora, desde o início, um agrupamento de pouca importância, mantido apenas pelo prestígio de seus fundadores. A maioria dos moradores foi para as minas de Diamantino do Alto Paraguai, antigo Arraial do Ouro; a outra parte, composta de agricultores, conservou-se na localidade, indo morar no novo povoado grupo, entretanto que não excedeu a cem almas5 .
A distância entre o local do antigo Arraial do Monjolo e a região onde se fundou o novo povoamento não é muito grande, cerca de cinco quilômetros; caminhando de uma região a outra gasta-se em média 40 minutos. No percurso que divide essas duas localidades encontramos o ribeirão denominado Cotia.
Todas as duas localidades hoje se encontram habitadas. Atualmente o antigo arraial do monjolo é uma região periférica da cidade de Rosário Oeste; denominada de bairro do Monjolo e o local em que foi fundado o povoado é o centro histórico da cidade. Ali está a igreja matriz, o fórum, o museu e a praça, além de várias construções de arquitetura colonial. Infelizmente o antigo prédio que abrigava a cadeia e o quartel foi derrubado para a construção do cinzento e moderno edifício do Banco do Brasil.
Além das pessoas, o novo povoamento também levou do Monjolo a imagem de Nossa Senhora do Rosário colocando-a numa capela recém-construída. Esta santa acabou por dar nome ao povoado – Nossa Senhora do Rosário ao qual se agregou, do Rio Acima, conforme a sua localização no rio Cuiabá. Essa santa era (e é) a mesma que foi trazida do Rio de Janeiro, porém a igreja não é a mesma, pois na década de 1950 o antigo prédio que a recebeu foi demolido e se construiu o templo atual, que fica apenas uns 100 metros, do anterior.
O povoamento de “Nossa Senhora do Rosário do Rio Acima” cresce rapidamente e já no ano de 1833, apenas 21 anos após sua fundação passa a categoria de freguesia.
Elevado o arraial a freguesia em 1833, e a cathegoria de villa em 1872, tem ella se conservado mais ou menos prospera e nestes últimos annos adquirido mesmo notável desenvolvimento como praça commercial activissima, onde se realisam as melhores vendas da borracha. Possuía onze ruas, uma praça, agencia de correio, duas escolas publicas, casas commerciais de primeira ordem e cerca de 1500 habitantes.6
Essas observações, feitas no Álbum Gráfico em 1914, é um dos poucos escritos sobre Rosário que colocam dados específicos como números de ruas e anotações sistematizadas da então próspera cidade. Não nos foge aqui o fato da natureza “propagandista” desse livro, cujo objetivo era fornecer ao Brasil e ao mundo uma visão positiva do Estado.
No acervo do Arquivo Público de Mato Grosso, pode-se encontrar fontes escritas que dão informações de forma esparsas sobre Rosário. Fazendo uma pesquisa neste arquivo, os documentos relativos aos últimos anos do século XIX, encontramos informações sobre a Vila do Rosário. Exemplo disso, o relatório da Repartição de Obras Públicas, datado de janeiro de 1901. Nesse documento ficamos sabendo da contratação para construção de uma escola feminina para a Vila em 1898 a qual, no entanto, não foi concluída.
Repartição de Obras Públicas em Cuyabá, 8 de Janeiro de 1901.
(...)
Escola da Villa do Rosário. – Contractada a 26 de Janeiro de 1898, com o empreiteiro de obras Juliano Capriata, a construcção de um prédio para n’elle funcionar a escola publica do sexo feminino da Villa do Rosário, pela quantia de R$ 16:000#000, devia o dito prédio sido entregue ao governo a 26 de janeiro do anno seguinte, de conformidade com a clausula 8ª do respectivo contrato que estipulou o praso de seis mezes para sua conclusão; porém não tendo o referido contratante cumprido a mencionada clausula apezar de já ter decorrido cerca de vinte e três mezes (...) 7
Em outro documento datado do ano de 1888, Livro de Registro de Mensagem do Governo, podemos encontrar informações e apontamentos sobre a administração do correio, e sobre a passagem do Vianna8 , além de um breve relatório da situação da cidade nesse ano de 1888.
Nesse ano eram “dez as municipalidades de que se compõe a província, e até a presente data apenas remeteram seus relatórios as da Capital, Rosário, Diamantino, São Luiz de Cáceres e Corumbá. (...)”. Sobre Rosário o documento aponta a necessidade de reformas na cadeia, reclama igualmente providencia sobre o estado ruinoso da barca de passagem do rio Cuiabá no porto do Vianna, de cujo serviço é arrematante o capitão Antônio Pinto Monteiro. Ao falar sobre o serviço do correio o documento cita uma rota terrestre que passa por Rosário.
Há também duos correios terrestres: um desta Capital ao Diamantino, e outro para a cidade de São Luiz de Cáceres. O primeiro com escala pelas Freguesia da Guia, Brotas e Rosário; e o segundo pelo Livramento e Poconé.9
Entre os apontamentos que podemos fazer sobre a Vila do Rosário a partir destes documentos elencamos o fato de que dentro da dinâmica da Província, nesse 1888, Rosário era um dos dez municípios que contava com serviço de correio, uma cadeia e fazia parte de uma rota para Diamantino.
Não só os correios, mas todas as pessoas – como já foi observado - para alcançar a cidade e as ricas minas de Diamantino e do Alto Paraguai faziam a passagem do rio Cuiabá exatamente na Vila do Rosário. Para tanto usavam uma balsa. Embora ainda não tenhamos conseguido dados precisos do início das atividades dessa balsa encontramos referência a ela desde meados do século XVIII, o seu nome, acreditamos, estar associado a pessoa que primeiro lhe explorou.
Esta balsa atravessava o rio Cuiabá cerca de 800 metros acima da barra do ribeirão Cotia, local ainda hoje, conhecido como Porto da Barra. As fontes que encontramos com relação a essa passagem revelam que entre os anos de 1890 e 1892 a balsa esteve abandonada, conforme assinalou o Inspetor Flavio Crescencio de Mattos, a balsa “A do rio Cuyabá, no do Vianna, município do Rozario depois de estar abandonada desde o anno de 1890, em razão de achar-se a barca completamente extragada(...).10 Visto isso pensamos que o fluxo de pessoas que utilizavam esse caminho não poderia parar, logo a passagem desse obstáculo hídrico tinha nas canoas uma alternativa. Em seu relatório do Chefe de Polícia, Pedro Ponce, de 1893 apresenta-nos um evento ocorrido no ano de 1892.
A 2 de fevereiro no município de Rozario do rio acima, fazendo a travessia do rio Cuyabá em uma canoa o menor de nome Francisco Peoro Tamarindo Murta, de 14 annos de idade, ao aproximar-se de terra foi accometido de vertigem e cahindo n’água desapareceu sem que pudesse ser soccorido por um outro menor de 12 annos que era seu companheiro na mesma canoa, e que cahindo n’água immediatamente para o salvar apenas alcançou o chapeó d’aquele infeliz.11
No Relatório dos Trabalhos do Thesouro do Estado de Mato Grosso Polícia do ano de 1893, o Inspetor Flávio comunica que a balsa do porto do Vianna já se encontra reformada e arrendada por cinco anos para o senhor Joaquim Rodrigues do Nascimento. A importância dessa passagem para o caminho que ia de Cuiabá a Diamantino era inquestionável, nesse período, posto que Diamantino era núcleo mais setentrional da província12 , e local de grande riqueza mineral.
Diamantino que tem sua origem associada à descoberta das cabeceiras do rio Paraguai pelo sorocabano Gabriel Antunes Maciel em 1728. Ali as margens do ribeirão do Ouro, fundou-se o Arraial do Ouro, que deu origem à cidade, que, como o nome denuncia, se revela como uma rica mina diamantífera. Considerando a importância das minas de ouro e o fluxo de pessoas que a buscavam, a Vila do Rosário caminho e ponto de parada para Diamantino, acaba por se favorecer dessa situação, tendo assim sua história intimamente ligada à de Diamantino.
Vindo-se de Cuiabá para Rosário, o caminho natural era o rio. Pelas águas do Cuiabá então era que se chegava a Vila do Rosário; a partir dessa localidade, desta freguesia, o transporte para Diamantino era feito por lombos de muares. Muitas das mercadorias vindas de Cuiabá eram trazidas, rio acima, por um tipo de embarcação chamada Caeté. Nessa embarcação vários homens armados de sirgas conduziam a embarcação contra a correnteza. Essas embarcações subiam o rio, carregadas de mercadorias para abastecer a Vila do Rosário e Diamantino.
Do Porto do Vianna a Vila do Rosário andava-se cerca de mil metros, aí já se podia ver a pensão de Dona Pequenina, na rua da Barra, andando um quarteirão a esquerda já se via a igreja e a praça da matriz e a cadeia. Para esse prédio da cadeia foi enviado no ano de 1873, um destacamento por praças do batalhão de Infantaria, com a finalidade de garantir a ordem e a segurança pública naquela região, como descreve em ofício ao Presidente de província de Mato Grosso.
(...) Prevenção dos crimes
Foram estabelecidos, e, o anno próximo passado, um destacamento na Villa do Rosário e outro a margem do rio S. Lourenço, próximo a foz, o 1º composto de praças do Batalhão 21 de Infantaria, sob o comando de Senr. Alferes d’esse Batalhão, Jose Sabino Maciel Monteiro, e o 2º posteriormente, composto de guardas nacionais do ultimo destacamento, sob o comando do Senr. Capitão do mesmo corpo, Amâncio Pulcherio de França.(...)13
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Parece-nos que a instalação desse batalhão na Vila do Rosário se justifica na medida em que estabelece uma maior presença do Império brasileiro, além de inibir ações de desordem. Mesmo com a presença do batalhão encontramos em documentações posteriores queixas da falta de praças para se estabelecer a ordem e inibir a criminalidade. A partir desse ano de 1872 o edifício da cadeia também passou a abrigar o quartel, em 1876 vamos encontrar no Relatório da Força Pública assinado pelo então chefe de policia J.J. Ramos Ferreira uma descrição desse prédio. Nota-se nesse documento, como parece ser regra na documentação que fala sobre a cadeia e a balsa do Vianna, que são precárias as condições do prédio. O mesmo ocorre na maioria das fontes escritas que levantamos sobre a balsa.
A cadeia desta Villa que é próprio Municipal, está collocada na praça da Martiz, occupando uma arca de treze metros e sessenta e dois centímetros de frente sobre quatorze metros e oito decímetros de fundo. Tem duas salas de 5m, 86c de comprimento sobre 5m e 93c de largura, separadas por um corredor de 1m e 46 c de largura, tendo na frente uma varanda e um quintal murado com adobe, cuja área é de 13m,62c de comprimento com 5m, 51 c de largura.
As portas e janelas tem grades de madeira, estando algumas cahidas. A construcção do edifício é má, não offerece segurança alguma, e carece de urgentes reparos pois está em ruínas (...)14
Mesmo com esse número de documentos dizendo que tanto a cadeia como a balsa, ou os demais prédios públicos, encontravam-se precisando de reparos a Vila do Rosário parecia ter uma vida dinâmica e agitada. Durante meados do séc. XIX e início do XX, Rosário passa por ciclos de extração de madeira e borracha. Marca a história e a vida da localidade desde os tempos de seu surgimento o fato de ser, ali na Rosário do Rio Acima, a passagem do rio Cuiabá, no velho caminho que levava os homens e mulheres da capital da Província as ricas minas do Diamantino e aos campos da extração de borracha ou poaia localizadas para além da Vila do Rosário. Todos que se dirigiam a essas regiões obrigatoriamente cruzavam o Cuiabá no Porto do Vianna, local onde se localizava a balsa de passagem, que tem sua existência até metade do século XX, quando foi construída uma ponte de concreto sobre o rio Cuiabá. A partir de 1940 com o desenho do traçado da rodovia BR 163 o antigo caminho passa a ser pouco utilizado. Em texto de 195815 , lemos que Rosário Oeste liga-se à capital do Estado, Cuiabá, por ótima rodovia, de 1ª classe, em um percurso de 121 quilômetros; além dessa, existe outra de 2ª classe, via Acorizal, numa distância de 142 quilômetros.
Evitem dizer que algumas vezes cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo e com o mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si, os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os traços dos rostos; mas os deuses que vivem com os nomes e nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram deuses estranhos.16
A cidade de Rosário Oeste hoje, ainda é caminho para as riquezas do norte de Mato Grosso, não mais para as minas de Diamantino ou Alto Paraguai, mas para as cidades do chamado nortão, ricas na agroindústria. Porém, contrário ao passado, já não é uma parada obrigatória, fica a margem da BR 153, compondo apenas a paisagem, juntamente com outras cidades “mortas”, como diria Monteiro Lobato.
Mal sabe os que passam fascinados pelas oportunidades de riquezas do norte de Mato Grosso, que aquele aglomerado de casas, aquela cidade que parece morrer a cada dia, foi endereço, em tempos remotos, das riquezas e oportunidades que ele busca nas terras do norte.
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