Patrícia Tozzo de Matos Mercadante *
UFMS/CPTL, Brasil
patriciatozzom@gmail.comRESUMO:
Desde 2006, o Território Rural do Bolsão, no estado de Mato Grosso do Sul (Brasil), vem sofrendo profundas transformações paisagísticas, sociais, ambientais e culturais, a partir da territorialização do capital por meio do monocultivo do eucalipto. Processo que contou com a instalação de duas multinacionais entre os municípios de Três Lagoas e Brasilândia, e posteriormente Três Lagoas e Selvíria. A transformação paisagística foi abordada por meio da comparação de mapas de uso e cobertura da terra na bacia escolhida, a Bacia Hidrográfica do Córrego do Queixada, localizada no município de Selvíria, permitindo uma análise local a partir da compreensão dos caminhos percorridos pelo sistema de apropriação global que o capitalismo desenvolve. Apesar da substituição das culturas ao longo dos anos, há permanência da concentração fundiária, bem como a existência de áreas vulneráveis que precisam de apreciação a fim de se prevenir futuros impactos no curso da bacia. Este trabalho se caracteriza como o início de um estudo que irá demandar análises futuras para gestão ambiental da área, principalmente por estar localizada neste território em transição.
PALAVRAS-CHAVE: Córrego do Queixada, uso, cobertura, territorialização, eucalipto.
RESUMEN
Desde 2006, el Territorio Rural do Bolsão, en Mato Grosso do Sul (Brasil), ha sufrido profundas transformaciones paisajísticas, sociales, ambientales, y culturales, desde la territorialización del capital a través del monocultivo de eucalipto. Proceso que contó com la instalación de dos multinacionales entre los municipios de Três Lagoas y Brasilândia, e posteriormente Três Lagoas y Selvíria. La transformación paisajística fue abordada a través de la comparación de mapas de uso y cobertura del suelo en la cuenca hidrografica elegida, el Arroyo del Queixada, ubicado en el municipio de Selviria, permitiendo una análisis local a partir de la comprensión de los caminos tomados por ese sistema de apropiación global que el capitalismo desarolla. A pesar de la sustitución de los cultivos al largo de los años, permanecen la concentración de la tierra, y la existencia de áreas vulnerables que necesitan consideración para que se eviten futuras colmataciones en el curso de la cuenca. Este trabajo se caracteriza como el inicio de un estudio que demandará análisis futuros para la gestión ambiental del área, principalmente por estar localizada en este territorio en transición.
PALABRAS CLAVE: Arroyo del Queixada, uso, cobertura, territorialización, eucalipto.
ABSTRACT
Since 2006, the Rural Territory of Bolsão, in the state of Mato Grosso do Sul (Brazil), has undergone profound transformations of landscape, social, environmental and cultural, from the territorialisation of capital through the eucalyptus monoculture. Process that had an installation of two multinationals between the municipalities of Três Lagoas and Brasilândia, after Três Lagoas and Selvíria. The landscape transformation and approached by means of a decomposition of land use and land cover maps in the basin, hydrographic basin Queixada Stream, located in the municipality of Selvíria, allowing a local analysis from the understanding of the paths covered by the appropriation system capitalism develops. Despite the replacement of crops over the years, there is a continuation of land concentration, as well as the existence of vulnerable areas that need appreciation in order to prevent impacts on the course of the basin. This work is characterized as the beginning of a study that requires future analyzes for the environmental management of the area, mainly because it is located in the territory in transition.
KEYWORDS: Queixada Stream, use, cover, territorialization, eucalyptus.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Patrícia Tozzo de Matos Mercadante (2018): “Análise de uso e cobertura da terra na bacia hidrográfica do Córrego do Queixada”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (febrero 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/index.html/caribe/2018/02/uso-cobertura-terra.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/caribe1802uso-cobertura-terra
Este trabalho tem como objetivo analisar comparativamente as formas de uso e cobertura da terra na bacia hidrográfica do Córrego do Queixada, um dos afluentes da margem direita do Ribeirão do Beltrão, bem como verificar as atividades socioeconômicas que contribuíram para a reordenação territorial e alteração dos elementos paisagísticos da bacia, a fim de se iniciar estudos ambientais da área e expor a necessidade de futuros estudos para o monitoramento e planejamento da mesma. Por meio de técnicas de Sensoriamento Remoto, analisando imagens em diferentes escalas temporais foram elaborados dois mapas para a verificação das transformações ocorridas ao longo de 10 anos. A saída a campo foi realizada para verificar as condições do uso e cobertura da terra, assim como eventuais impactos ambientais causados pela mesma.
A territorialização do monopólio capitalista por meio do monocultivo do eucalipto teve início em um processo massivo a partir de 2006 no Território Rural do Bolsão (apesar de o cultivo estar na região desde a década de 1970), a fim de abastecer as indústrias que se instalariam entre 2007 e 2010 na região. Este avanço simboliza, sobretudo, a apropriação dos territórios pelo capital, o que resulta em reordenamentos, que atingem desde a paisagem (substituição de outros cultivos pelo eucalipto, inchaço populacional nas cidades principais etc) até a cultura local (mão de obra vinda de todas as regiões do país).
A bacia hidrográfica do Córrego do Queixada está localizada no município de Selvíria, na porção leste do estado de Mato Grosso do Sul, entre as coordenadas geográficas 19º 00’ 00” a 21º 30’ 00” S e 50º 30’ 00” a 53º 30’ 00” W. A área estudada é caracterizada, como se apresentará nos mapas, principalmente, por vegetação nativa do Cerrado, com árvores de grande e médio porte nas margens dos cursos d’água, e de gramíneas nas vastas áreas de pastagem. Posteriormente surgem grandes áreas cobertas pela silvicultura, mais precisamente o plantio de eucalipto, destinado ao setor industrial de celulose e papel.
A metodologia constituiu-se de pesquisa bibliográfica e baseou-se no processamento, realce e classificação das imagens. Os mapas foram elaborados por meio do download de imagens do Earth Explorer capturadas pelo sensor OLI do satélite TM-Landsat 8, dos anos de 2006 e 2016, para delimitação da bacia hidrográfica por meio da ligação das cotas mais altas, a partir do ponto/órbita 223/74. O software utilizado para processamento e georreferenciamento das imagens foi Spring 5.3 e ArcMap do ArcGIS 10.4. A metodologia também contou com uma saída a campo, ainda que de forma limitada, pois foi visitado apenas um ponto do córrego, objetivando a verificação das condições do mesmo.
A bacia hidrográfica do Córrego do Queixada como dito anteriormente localiza-se no município de Selvíria, que compõe juntamente com mais sete municípios - Três Lagoas, Água Clara, Paranaíba, Aparecida do Taboado, Inocência, Cassilândia e Chapadão do Sul - o Território Rural do Bolsão, criado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).
Segundo o IBGE (2015), Selvíria possui uma população estimada de 6.455 habitantes, com área territorial de 3.258, 326 Km2. Existem três projetos de assentamentos provenientes de reforma agrária no município: PA São Joaquim, PA Alecrim e PA Canoas. Sendo o PA Alecrim o mais próximo à bacia estudada.
O Projeto de Assentamento Alecrim foi o primeiro a ser criado no município, e,
Segundo relato das famílias entrevistadas sua história teve início por volta do ano de 2000, quando os trabalhadores rurais de Selvíria e região se mobilizam com o apoio do Sindicato de Trabalhadores Rurais do município para ocupação da fazenda Morro Vermelho e Cezalpina, que segundo informações que dispunham era improdutiva e passível de desapropriação. (LALUCE, 2013, p. 30)
O autor ainda descreve que mesmo confirmada essas informações pelo INCRA, a desapropriação não aconteceu. Após dois anos de acampamento próximo à fazenda, às margens da rodovia MS-444, o movimento perdeu sua força. Contudo, uma nova tentativa é feita, desta vez na Fazenda Alecrim, que em 2005, após vistoria é constatada a improdutividade e emitida a posse da área para a União, que cria o assentamento. Em 2006 as famílias entram na terra. A partir daí outros processos de luta são iniciados para a permanência nela.
Retornando ao município de Selvíria, em seu histórico descrito pelo IBGE, verifica-se sua criação a partir da obra de construção da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, localizada no estado de São Paulo.
Em fins dos anos cinquenta estavam prontos os estudos para o início da obra de construção de uma grande usina hidroelétrica que receberia o nome da ilha solteira no Rio Paraná. Em 1963 as obras tiveram início e logo haveria grande afluxo de trabalhadores de toda a região e estados vizinhos para a cidade dormitório que se formou no lado paulista. A Cesp, construtora da usina em pouco tempo tinha 30 mil pessoas em sua vila, e estimulava o loteamento do povoado que se formava do outro lado, no então Estado de Mato Grosso. Os motivos eram óbvios: diminuir o peso de tanta gente dentro de suas instalações e minimizar problemas de habitação, segurança e até da prostituição que tanta população masculina atraia. E assim surgiu o loteamento de Selvíria, assim chamada em razão de estar localizada em terras do fazendeiro João Selvírio de Souza, um visionário que soube captar o momento histórico de criar uma vila e lucrar com venda das terras do cerrado. Em 1974, com o fim das obras da usina e consequente migração da mão-de-obra dos peões para outras hidroelétricas, como Rosana, Nova Avanhandava e Água Vermelha, a vila de Selvíria começou a definhar acompanhando a fuga de recursos. Era então uma vila-dormitório e crescera à sombra da Cesp, mas agora o filão escasseava. Elevada a Distrito de Três Lagoas em 1976 e à cidade em 1980 [...] (IBGE, s/d).
Assim como grande parte das cidades brasileiras, Selvíria começa sem maiores planejamentos, enfrentando definhamento logo em seus primeiros anos de existência. Quanto à economia, segundo a Prefeitura Municipal, a principal atividade econômica a partir da década de 70, era a pecuária. Na década de 80, agricultores produtores de soja e milho vieram para o município com intenção de plantar estes gêneros, além da instalação de carvoarias que se utilizavam do cerrado desmatado para produção de carvão vegetal. O eucalipto já estava na região desde os anos de 1970, mas apenas a partir de 2006 começou a ganhar intensidade.
O eucalipto chegou às proximidades de Selvíria nos anos 70, quando a então empresa Agropeva plantou uma quantidade significativa de eucalipto. Naquele momento histórico, na região não falava-se em indústrias de celulose [...] O plantio do eucalipto alcançou não só o cerrado que ainda estava por desmatar, mas vem ocupando gradativamente o espaço de áreas com pastagens, como também as terras destinadas para agricultura. É comum na região a compra de terras por parte das indústrias de celulose para o plantio do eucalipto, bem como, o arrendamento de terras por parte dos fazendeiros. (PREFEITURA MUNICIPAL DE SELVÍRIA, 2014, p.37).
Depois da passagem por estas e outras culturas, o monocultivo do eucalipto vem ganhando destaque na região desde 2007, com o início da instalação da primeira empresa – Fíbria – do ramo celulósico, pela intensidade e velocidade com que se apropria do território, como o próprio histórico do município traz, o monocultivo avança nas áreas de pastagem e nas terras da agricultura, comprando ou arrendando conforme os interesses do capital. Preocupações permeiam estes avanços pela rapidez com que acontecem, e pela possibilidade de perdas irreparáveis ao solo, podendo acarretar, como há relatos de outras regiões, na formação dos chamados desertos verdes.
Desertos verdes segundo Junior (2011) formam-se a partir de “mudanças na dinâmica climática, caracterizado principalmente por déficit hídrico, mas também por diminuição da biomassa presente” (p. 117) O mesmo autor ainda descreve outros impactos negativos que geraram ações judiciais no interior de São Paulo, partindo de pequenos proprietários rurais, organizações civis de defesa do meio ambiente e de direitos de comunidades rurais e de organizações não-governamentais contra as empresas plantadoras: Nobrecel Celulose e Papel S/A, VCP – Votorantim Celulose e Papel S.A. e Suzano Papel e Celulose, demonstrando que a convivência não se configura apenas de forma harmoniosa como é descrito nos relatórios de sustentabilidade das multinacionais. Na lista desses impactos negativos estão relacionados problemas de saúde em pessoas e animais, prejuízos financeiros aos proprietários de terras, uso irregular de agrotóxicos (com consequências desastrosas de contaminação de solos e das águas). Além do tráfego de caminhões em estradas rurais, causando poluição sonora, o despejo irregular de embalagens de agrotóxicos em áreas inadequadas e desmatamentos de áreas de florestas nativas. Estes impactos estão descritos na Ação Civil Pública, da Defensoria Pública de São Paulo, número 593/07. (JUNIOR, 2011)
Os impactos negativos que já tiveram ocorrência no Território do Bolsão ainda não eclodiram em ações. Contudo, a comunidade acadêmica vem acompanhando os desdobramentos dessa monopolização do território e busca estudar os impactos sociais, ambientais e econômicos.
O incentivo estatal para ocupação do estado de Mato Grosso do Sul, (até 1977, sul do estado de Mato Grosso), deu-se ancorado no discurso da supressão de um vazio, vendido como populacional, mas que representava fundamentalmente um vazio de capital, o que mais tarde desnudou-se nas relações dinamizadas no território, com especificidades no ordenamento marcadas por disputas sangrentas entre indígenas e “pioneiros” – com o genocídio destes primeiros. As marcas deixadas por este ordenamento são refletidas até hoje nas disputas territoriais, caracterizadas no Bolsão pela alta concentração de terras, que eram destinadas principalmente à pecuária e agora ao monocultivo do eucalipto.
A primeira empresa, Fíbria, instalada entre os município de Três Lagoas e Brasilândia, é resultado da troca de ativos entre as empresas Votorantim Celulose e Papel (VCP) e International Paper, onde grande parte do volumoso investimento para tal empreitada veio do BNDES. Em 2012 é inaugurado um projeto ainda mais audacioso, a Eldorado Brasil, como resultado da fusão entre Eldorado e Florestal Brasil, atualmente sob controle de um grupo pertencente a JBS. Orçada em cerca de R$ 5,1 bilhões, dos quais R$ 2,7 são financiados com aportes públicos via BNDES. (PERPETUA, 2012).
Sobre este processo que se desdobra na região, podemos citar Oliveira (2014), que desenvolveu o termo e os estudos sobre a territorialização dos monopólios e o aplica à agricultura explicando que o mesmo,
atua simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. Esse processo deriva da especificidade de dois setores: o sucroenergético e o de celulose e madeira plantada. Deriva também, da relação entre o capital nacional e estrangeiro que, há muito tempo, apresentam-se entrelaçados. (p.08)
Ou seja, da aliança entre forças do capital industrial e dos proprietários de terra resulta esta territorialização do monopólio capitalista, que mesmo diante da substancial mudança no uso e cobertura da terra (como será demonstrado nos mapas), de pecuarização para monocultivo do eucalipto não trouxe alteração para a estrutura fundiária da região, mas sim reafirmou seu status de alta concentração, como ocorreu em outras regiões do país onde se instalou. Contribuindo também para a redução da população rural, que já havia sofrido o mesmo processo de expulsão do campo, na estratégia de pecuarização em substituição à agricultura, valendo-se de uma quantidade bem menor de mão de obra que coaduna, em muitos casos, com a camuflagem para improdutividade da terra.
Com a ampliação dos plantios de eucalipto além das dificuldades antigas, tal como a contrarreforma agrária que ocorre em todo país, por meio da má administração dos recursos para a digna instalação e permanência das famílias no campo, acrescenta-se hoje ao desafio de permanência dos camponeses na terra a concorrência com os animais da região, que devido à falta de alimento nos eucaliptais, buscam alimento nas hortas e plantações dos assentados vizinhos para sua sobrevivência. Problema cuja tendência é de progressão, tendo em vista, que a situação atual do país é de “maior produtividade por hectare do mundo (cinco vezes maior do que em 1965), ocupando o segundo lugar em área plantada, atrás somente da Índia” (Junior, 2011, p. 84)
Na Figura 1 apresenta-se o primeiro mapa, elaborado a partir de imagens de 2006, baixadas do Earth Explorer capturadas pelo sensor OLI do satélite TM-Landsat 8. Os procedimentos foram executados no software Spring 5.3 e ArcMap do ArcGIS 10.4.
Figura 1 – Bacia Hidrográfica do Queixada: Uso e Cobertura da terra - 2006
Pode-se observar o predomínio da cobertura tipo pastagem, representada na cor marrom médio, cobrindo a maior parte da área. A cobertura na cor verde representa a vegetação natural, que se encontra no entorno do curso d’água e aglomerada em alguns outros pontos, além de um pequeno corpo d’água, que provavelmente servia de bebedouro para o rebanho bovino na antiga Fazenda desapropriada. A predominância evidentemente é de pastagem, ao que Nardoque e Almeida (2015) pontuam: “Historicamente, o município de Selvíria foi ocupado por latifúndios com pastagens mal implantadas e mal conservadas, em solos ácidos, com baixa fertilidade e compactados.” (p. 05) No ano de 2006, o IBGE apresentou um efetivo de rebanho bovino com 265.648 cabeças, na Produção da Pecuária Municipal de Selvíria.
Na Figura 2 temos representado o segundo mapa, e podemos observar que, passado 10 anos, uma considerável parte da pastagem foi substituída pelo monocultivo do eucalipto, representado pelo marrom mais claro. Houve redução na vegetação natural, o corpo d’água permanece praticamente o mesmo. E apesar do predomínio continuar sendo evidentemente de pastagem, é imprescindível o destaque ao que na legenda está representado pela silvicultura. Em 2014, a Produção da Pecuária Municipal teve uma redução de aproximadamente 23,4% comparada a 2006, totalizando um efetivo de rebanho bovino de 203.548 cabeças. Essa redução do efetivo de rebanho bovino pode estar atrelada a redução da área destinada à pecuária.
Dessa forma, na comparação entre os mapas de 2006 e 2016, conclui-se a redução das áreas destinadas a pastagem em detrimento ao crescimento da silvicultura. Assim como parcial redução na área ocupada pela vegetação nativa, e, a permanência do pequeno corpo d’água. Para tanto, vale ressaltar a velocidade intensa com que ocorreu essa territorialização do monocultivo do eucalipto, tendo em vista que não ocorre apenas nesta área, mas o plantio atinge outras cidades do território rural do Bolsão. Segundo dados do IBGE - Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, em 2015 havia uma área plantada de 7.444.731 de hectares de eucalipto em 31 de dezembro.
Em A Mundialização da agricultura brasileira, Oliveira (2014) descreve a mundialização como ordem de “produzir em "qualquer lugar do mundo" onde as possibilidades de redução de custo e acesso ao patamar tecnológico vigente seja possível.” (p. 03). Situação presente, ao que afirma Ribeiro (2012), em Três Lagoas, mas que também se aplica a outros municípios do Bolsão, inclusive à área estudada, principalmente pela proximidade entre estes dois municípios e pela similaridade das condições socioculturais.
Inumeráveis fatores cooperaram à escolha da região à prática da silvicultura. Dentre elas: a existência de infraestrutura multimodal (ferrovia, rodovia, dutovia, hidrovia e aerovia); fartura de terra, água e energia; subsídio financeiro, isenção fiscal; doação de terrenos; desregulamentação ambiental; mão de obra barata, comparada com a do Sudeste; concatenação governamental (das esferas federal, estadual e municipal); sindicatos despojados de cultura combativa, num contexto passivista e neoliberal. (p. 84-85)
Destarte, a territorialização dos monopólios do eucalipto encontraram na bacia hidrográfica do córrego do Queixada, assim como em todo o território Rural do Bolsão, pelas similaridades das condições citadas, um ambiente favorável, com raríssimos percalços econômicos e sociais ao avanço rápido e massivo de suas atividades. E Junior (2011) ainda descreve que
houve um desenvolvimento tão impressionante que até mesmo pesquisadores australianos já vieram ao Brasil obter sementes de espécies que se tornaram raras em seu país, com o objetivo de recompor as florestas de eucaliptos devastadas da Austrália e aumentar a variabilidade genética das mesmas. Pode-se afirmar que, se a Austrália é o centro de origem do gênero Eucalyptus, o Brasil tem sido, com toda certeza, o grande laboratório dos eucaliptos no mundo. (p. 84)
Para os defensores do monocultivo de eucalipto, tal informação pode representar algo positivo, entretanto, é necessário questionar os riscos enfrentados neste ‘laboratório’ e quais as consequências no médio e longo prazo, afinal, a História é marcada por laboratórios que deixaram deformações profundas no trajeto da humanidade.
A Figura 3 é uma foto panorâmica de parte da Bacia Hidrográfica do Córrego do Queixada, ilustrando parte da vasta área ocupada pela pastagem, podendo ser notada a presença de vegetação natural onde está o Córrego, e vestígios da presença de vegetação típica do cerrado em meio à pastagem. Há presença de rebanho bovino próximo ao córrego, onde possivelmente são levados para tomar água.
As figuras 4 e 5 foram obtidas nas coordenadas S 20 11.623’ / W 051 44.623’. Nas quais podemos observar preservação parcial da área, pois se encontra coberta com árvores de grande, médio e pequeno porte, típicas da região.
Contudo, nas figuras 6 e 7, nota-se a ausência em alguns pontos de vegetação nas bordas do córrego, contendo grande quantidade de gramíneas, depreendendo por isso e pelos sinais de pisoteio da terra, a passagem de gado neste local, o que pode resultar em contribuição para o assoreamento do córrego neste ponto.
O ponto analisado do córrego apresenta, portanto, parcial nível de preservação, contudo, a fim de prevenir possíveis impactos é necessária cautela em sua utilização como bebedouro do rebanho bovino da região, pois esta prática pode culminar na sedimentação de áreas do córrego. Sugere-se também futuros estudos do local para verificação das condições e orientação das populações vizinhas para a preservação do córrego.
Os resultados do uso das geotecnologias e das análises de imagens de satélite geraram informações referentes ao uso e ocupação da terra que foram confirmadas no trabalho de campo. Observamos um grande aumento da área da silvicultura, redução parcial da vegetação nativa e redução substancial da área de pastagem.
Conclui-se a partir da abordagem feita no presente trabalho que a territorialização do monocultivo do eucalipto não trouxe mudanças para a estrutura fundiária da região, mas apenas fortaleceu seu status de alta concentração.
A proximidade entre o assentamento e a bacia hidrográfica estudada requer o cuidado de um planejamento para que as atividades do mesmo não causem degradação ao curso d’água, que claramente tem sofrido riscos, principalmente pelo rebanho bovino que fica ao redor da área, o que pode impactar em outras bacias. É necessário também o monitoramento das atividades das indústrias de celulose e papel e seus plantios de eucalipto, a fim de verificar possíveis impactos nos cursos d’água.
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