Denise Machado Duran Gutierrez*
Fernanda Rodrigues Morais de Oliveira**
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
fmorais@inpa.gov.brRESUMO: Este artigo traz uma reflexão sobre a área de tecnologias sociais a partir das principais preocupações expressas pelos participantes do IV Workshop de Tecnologia Social do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, relativas a problemas ligados ao ambiente, à ausência e/ou deficiência dos serviços públicos, e ainda, problemas ligados à qualidade de vida nas cidades, com foco em Manaus. Trata ainda da contribuição do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia para tecnologias sociais voltadas à geração de trabalho e renda na região.
Palavras-chave: Tecnologia social, sociedade, Amazônia.
Social technology debate: contributions of civil society in the Amazon environment
ABSTRACT: This article presents a reflection on the area of social technologies from the main concerns expressed by the participants of the IV Social Technology Workshop of National Institute of Amazonian Research, relating to environmental problems linked to the absence and / or deficiency of public services, and also problems related to quality of life in cities, focusing on Manaus. It also discusses the contribution of the National Institute for Amazonian Research for social technologies aimed at generating jobs and income in the region.
Keywords: Social technology; society; Amazon.
Tecnología social debate : las contribuciones de la sociedad civil en el entorno Amazon
RESUMEN: En este artículo se presenta una reflexión sobre el área de las tecnologías sociales de las principales preocupaciones expresadas por los participantes en el Instituto Nacional de Tecnología Social IV Taller de Investigaciones de la Amazonia relativas a los problemas ambientales relacionados con los servicios de ausencia y / o discapacidad públicas , y también los problemas relacionados con la calidad de vida en las ciudades , centrándose en Manaus . También se analiza la contribución del Instituto Nacional de Investigaciones de la Amazonia para las tecnologías sociales dirigidos a la generación de empleo e ingresos en la región .
Palabras clave : La tecnología social ; la sociedad ; Amazonas.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Denise Machado Duran Gutierrez y Fernanda Rodrigues Morais de Oliveira (2016): “Tecnologia social em debate: contribuições da sociedade civil em ambiente amazônico”, Revista Caribeña de Ciencias Sociales (junio 2016). En línea:
https://www.eumed.net/rev/caribe/2016/06/tecnologia.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/CARIBE-2016-06-tecnologia
INTRODUÇÃO
Na sociedade moderna o progresso científico e tecnológico tem acontecido de forma extraordinária, com a criação de novos bens e serviços a cada dia. Entretanto, esses resultados não têm alcançado a maior parte da população mundial, que vive bem distante do conforto e da qualidade de vida que a ciência poderia proporcionar. Na verdade, ao longo do tempo, a ciência deu suporte a um modelo de desenvolvimento que, para Fenzel e Machado (2009), quer seja por sua crueldade com os povos mais pobres, quer seja por sua voracidade com os recursos da natureza, tornou-se insustentável. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, milhões de pessoas necessitam que a Ciência, há muito tempo a serviço de um modelo de desenvolvimento excludente, possa, finalmente, voltar-se para o bem estar das pessoas, reconhecendo o seu papel social.
Nas últimas décadas, entretanto, tem surgido um crescente numero de iniciativas que apresentam um modelo de Ciência que busca dar respostas às demandas reais das pessoas, de modo simples e eficaz. Diferentemente das tecnologias convencionais que, conforme Baumgarten (2006), têm em sua raiz, de modo geral, as demandas empresariais das camadas ricas ou influentes da população. Segundo Dagnino (2009), a ideia de uma tecnologia alternativa à convencional, no Brasil assume o nome tecnologia social, no início da presente década. As tecnologias sociais (TS) aparecem como formas tecnológicas exatamente para propiciar verdadeiro desenvolvimento social. Podemos conceituar tecnologias sociais como, “produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” (Fundação Banco do Brasil, 2008).
No caso da Amazônia, Rivas e Freitas (2002) situam essa região como uma importante fronteira para o equilíbrio do planeta, que guarda muitos ‘mistérios’ a serem desvendados pela ciência. Benchimol (1977, p.15) já declarava que as gerações futuras precisavam decifrar “o código genético da vocação da Amazônia”, montando um modelo e uma ação para o futuro, e insistia que o entendimento pleno da Amazônia demandaria um olhar multidisciplinar da região. Do mesmo modo, seu contemporâneo, Batista (1977) pregava que a pesquisa está na base da solução dos grandes problemas da região. Entretanto, em pleno século XX, Scherer (2009) ressalta que se verifica um grande descompasso entre as políticas desenvolvimentistas direcionadas à região e as demandas da população local. As populações nativas estão imersas num quadro de pobreza e de exclusão social e ainda sofrem com o atendimento de necessidades básicas como água potável, provimento de energia, acesso à alimentação de qualidade, habitação adequada à região, dentre outras.
A Amazônia seria, desse modo, o espaço social em que diversas agendas de pesquisa se entrelaçam e se mostram pendentes: a agenda do século XIX, que se centrava no processo de industrialização capitalista, e que ainda pede por resposta; a agenda do século XX, que demandava desenvolvimento tecnológico autóctone; e ainda, a agenda do século XXI em que, mais do que o desenvolvimento de máquinas e equipamentos, o que se requer é o domínio do conhecimento técnico-científico e o desenvolvimento de mão de obra altamente especializada.
Nesse cenário de reflexões, e enquanto representantes de uma área de interface entre ciência e sociedade, cabe-nos perguntar: o quanto as comunidades, depositárias do saber tradicional e verdadeiras representantes de demandas locais, estão requerendo da ciência, e quais os tópicos relevantes a serem enfrentados pela pesquisa nesse ambiente? Como facilitar esse diálogo entre, de um lado, uma sociedade civil enfraquecida em seu processo histórico de organização; e de outro lado, uma ciência instruída por agendas que atendem interesses das comunidades internacionais?
METODOLOGIA
O presente texto resulta de um processo de coleta de dados qualitativos que se centrou em quatro questões basilares: Quais os grandes problemas amazônicos que requerem uma resposta urgente da ciência? Qual o tipo de contribuição que um instituto de pesquisa como o INPA pode oferecer no campo das tecnologias sociais para a geração de trabalho e renda na região? Em que áreas prioritariamente o INPA precisa atuar para ter maior relevância social? Quais estratégias o INPA deve adotar para melhor interagir com a sociedade e suas demandas?
A abordagem qualitativa permite a exploração de sentimentos, ideias, opiniões e crenças dos sujeitos, desvelando concepções mais gerais, em forma de representações sociais e saberes espontâneos, a respeito das questões de interesse (MINAYO; DESLANDES, 2007)
Para a coleta de dados foram interrogados quinze sujeitos que atenderam ao IV Workshop de Tecnologia Social, realizado em 2015 nas dependências do INPA. E estes sujeitos, por meio de questionários sem identificação,puderam expressar livremente suas opiniões sobre as questões acima listadas.
O material resultante foi organizado em quadros analíticos que permitiram a sistematização dos conteúdos e extração de Núcleos de Sentido, através de operações pertinentes à tecnologia de Análise de Conteúdo Temática (BARDIN, 2011).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Problemas Amazônicos e Ciência
Tratando das relações entre problemas regionais e ciência,os sujeitos apontaram a necessidade de haver maior sensibilização de comunidades amazônicas quanto às questões ambientais e relacionamento do homem com seu meio natural de forma responsável. Parte-se do reconhecimento de que falta muito para avançarmos em termos do desenvolvimento de práticas responsáveis para com o ambiente natural.
Algumas questões se destacam no cenário regional, as quais passamos aqui a relatar de forma sistematizada em áreas temáticas:
Problemas ligados ao ambiente
A falta de saneamento básico aparece aqui como grande preocupação da sociedade, em especial a contaminação e poluição das águas dos rios e igarapés por esgotos vários (industriais,domésticos e de mineração). O esgoto produzido em toda a região na pouca extensão em que é captado não recebe qualquer tratamento prévio antes de ser despejado nos rios (de maior ou menor porte).
Com base em informações do Instituto Trata Brasil1 ,confirmamos que há pertinência em tal preocupação, uma vez que cidades da Amazônia estão realmente entre as piores em saneamento básico no Brasil:
A Amazônia concentra a hidrografia mais rica do mundo, mas as cidades ainda padecem com problemas de saneamento básico. O acesso à água tratada, coleta e tratamento de esgoto ainda são assuntos negligenciados. É o que aponta o ranking divulgado pelo Instituto Trata Brasil. Seis, das 11 cidades da região que figuram na lista, estão entre as piores em saneamento básico do Brasil. A publicação avalia séries históricas de água e esgoto dos 100 maiores municípios do Brasil entre os anos de 2009 e 2013. Neste período, enquanto as cidades mais bem colocadas estão no eixo Sul-Sudeste, o estudo aponta que localidades como Várzea Grande, no Mato Grosso, e Santarém, no Pará, não investiram nem R$ 1 no serviço. Mesmo entre as dez piores em saneamento básico do País em 2013, Manaus foi a cidade da região que mais investiu no serviço, R$ 79,35 milhões no ano. Em seguida aparecem Cuiabá, com R$ 78,07 milhões, e Belém, com R$ 45,43 milhões (SANTOS, 2015).
Soma-se a isso a destinação dos resíduos sólidos que não é feita de modo apropriado e resulta em montanhas de lixo sem qualquer aproveitamento ou seleção. Faz-se necessário o reuso e reaproveitamento de resíduos sempre que seja possível.
Todos os dias, cada habitante de Manaus produz, em média, 1,272 kg de todo tipo de lixo e boa parte dele nem deveria ser chamada assim. O que a gente joga fora e nenhum dos garis e catadores retira das ruas ou dos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) poderia movimentar aproximadamente R$ 10 milhões por ano só com a reciclagem (PRESTES, 2015).
A ocorrência cada vez mais frequente de queimadas poluindo o ar e a água e ameaçando severamente a biodiversidade existente.Essa preocupação é muito apropriada, uma vez que Carvalho (2014) nos alerta que um estudo internacional, conduzido por um cientista brasileiro, feito na região do Alto Xingu, no Mato Grosso, realizado ao longo de oito anos, publicado pela revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, concluiu que a floresta é severamente afetada por queimadas em anos de seca, que podem causar uma degradação permanente no bioma.
Mudanças climáticas que são pouco compreendidas e precisam ser mais bem estudadas, mas que já se podem fazer notar em variações imprevistas de grandes cheias e secas, em tempo e fora de tempo. Pouco se sabe sobre as razões desses processos em ambiente amazônico e faltam informações para dimensionar impactos sobre os processos adaptativos dos diversos organismos da biodiversidade e também sobre os conglomerados humanos. Preocupam, sobretudo o desmatamento galopante com a ocupação irregular dos espaços florestais, e o consequente desequilíbrio das espécies. Para Fearnside (2006), pesquisador do INPA, um dos maiores especialistas do mundo em mudanças climáticas na Amazônia:
O elemento fundamental para reduzir a velocidade do desmatamento, e um dia pará-lo, é a vontade política para fazer isto. Fluxos monetários dos serviços ambientais da redução da velocidade do desmatamento poderiam prover a motivação para isto, assim como a motivação poderia vir dos impactos diretos do Brasil, tais como a perda de provisão de vapor de água para os principais centros de população do País na região centro-sul. Acima de tudo, os líderes do País têm que ter a confiança que a ação de governo realmente pode frear, ou mesmo parar, o desmatamento.
Ausência e/ou deficiência de serviços públicos
Os participantes assinalaram a ausência do Estado no que diz respeito ao provimento de água potável, saneamento básico, de energia em quantidade e fornecimento regular, controle de doenças tropicais, transporte de pessoas e produtos de áreas produtoras para os grandes mercados.
Tecnologia social voltada para populações ribeirinhas e também região metropolitana de Manaus. Isso significa tecnologias de baixo custo e acessíveis aos moradores do interior para produção agrícola e extrativista e melhoria geral das condições de trabalho e vida da população regional.
Quanto à educação, foi indicada a necessidade de melhoria da qualidade da educação.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), conforme o teste de Língua Portuguesa realizado em 2014, na chamada PROVA BRASIL, que avalia a proficiência de estudantes do Ensino Fundamental (5º e 9º anos), nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, 81,88% dos alunos do Estado do Amazonas ficaram entre os quatro níveis mais baixos registrados no Brasil inteiro para a disciplina Língua Portuguesa. O peso desse desempenho ruim vai se manifestar na dificuldade de contar com recursos humanos capacitados, os quais são tão necessários para lidar com essa rica biodiversidade, enquanto patrimônio coletivo, e com a gama de questões que aflige o homem em seu dia a dia (MORAIS, 2015).
Embora tenhamos avançado no acesso aos bancos escolares, ainda falta muito no quesito qualidade, de acordo com os dados registrados pelo INEP. Além disso, observou-se que a educação é precária em termos da relevância de seus conteúdos, pois não está adaptada à realidade amazônica e as vivências dos estudantes de nossa localidade.
Há uma compreensão de que a Amazônia tem uma vocação natural para aproveitamento de sua biodiversidade com vistas à geração de produtos de interesse econômico em vários segmentos industriais como é o caso da área de biocosméticos, biofármacos e bioinsetícidas. Para tal se faz necessário o desenvolvimento de cadeias produtivas em biotecnologia.
Para Arruda (2009), que fez um estudo sobre as potencialidades da Amazônia para o desenvolvimento de dermocosméticos que utilizem matérias primas regionais, ao fazer um levantamento da capacidade local em produzir conhecimento e desenvolver tecnologias apropriadas às cadeias da andiroba, copaíba e castanha-da-amazônia, o autor conclui que tais cadeias produtivas são predominantes, as mais bem estabelecidas na região, representando importantes fontes de renda para grande parte das comunidades regionais.
Mesmo com a identificação de experiências positivas, a falta de políticas eficientes na área produtiva tem gerado a frequente expulsão do homem do campo por processos econômicos ligados à pobreza e à falta de alternativas de sobrevivência digna. Parte significativa de jovens de novas gerações tem se dirigido à cidade em busca de melhores condições de vida e se deparado com a pobreza e o trabalho precário, tal como tem acontecido há séculos em outras regiões do Brasil.
Problemas ligados à Qualidade de Vida nas cidades
Quanto à segurança e soberania alimentar e nutricional,há uma insuficiência da produção de alimentos para abastecer o mercado local. Há, portanto, um filão de mercado bastante significativo que tem sido atendido por produção trazida de outras áreas e que assim oneram o produto e limitam o acesso. Ao mesmo tempo a indústria local fica subdesenvolvida e o mercado dependente dos grandes centros produtores.
Saúde e controle de doenças tropicais com a disponibilização de medicamentos fitoterápicos integrando conhecimentos tradicionais e científicos e sendo incorporados ao sistema universal de saúde. Isso significa afirmar a importância da agregação de valor aos produtos derivados de ervas e plantas amazônicas, fortalecer a base de dados científicos sobre a eficácia terapêutica de diversos princípios ativos e suas diversas aplicações.
Alimento, saúde e moradias adequadas ao clima e à região, significam a essência do é qualidade de vida urbana. As tecnologias de bambu amazônico e outros produtos sustentáveis se destacam com grande potencialidade para desenvolvimento de materiais ambientalmente responsáveis e socialmente relevantes para a região. Para isso é preciso que as pesquisas avancem e gerem dados confiáveis e atrativos para o setor industrial.
Contribuição do INPA para tecnologias sociais voltadas à geração de trabalho e renda na Amazônia
Percebe-se, a partir das respostas dos participantes, que grande parte deles não conhece o INPA no que diz respeito a suas atribuições e missão institucional2 dentro do Sistema Nacional de Ciência &Tecnologia. Muitas vezes é esperado do instituto não só que produza conhecimento e tecnologia, mas que faça esse conhecimento tecnológico chegar à população como um todo. Embora esse seja um objetivo necessário e de interesse da sociedade como um todo, é também verdade que o INPA não tem condições institucionais de realizar tal tarefa. Pode sim, dentro de suas possibilidades e estrutura instalada, desenvolver ações nessa direção, e o tem feito em abundância. É necessário, porém, que outros atores da sociedade assumam a incumbência de fazer com que o conhecimento produzido pela ciência seja disponibilizado a todo e cada um dos cidadãos. Assim também, o INPA se dedica ao desenvolvimento de tecnologias sociais que possam ser oferecidas para resolução de problemas de grupos excluídos, porém sua reaplicação em escala nas comunidades e a ampla divulgação das opções tecnológicas adequadas para problemas locais, requer o esforço de um grupo mais amplo de atores, dentre os quais destacamos o poder público e seus vários setores e serviços. Nesse sentido é fundamental viabilizar a difusão de tecnologias por meio de Políticas Públicas de Estado. Em vista das limitações orçamentárias, que tem sido uma frequente ao longo dos anos, devem-se buscar investimentos externos para desenvolvimento e reaplicação de tecnologias e associação com diversos parceiros.
O INPA, por contar com um corpo de especialistas de renome nacional em diversas áreas de expertise, tem, ao longo dos anos, influenciado processos de tomada de decisão na gestão pública por meio de representação e assento em diversos fóruns geradores de políticas públicas. Essa é uma forma privilegiada de trazer informações científicas seguras para que a decisões sejam bem fundamentadas, porém isso não tem impedido que o poder transformador de muitas dessas informações perca sua eficácia em função de interesses políticos dos grupos do momento.
Contudo, embora não possa assumir a tarefa de disseminar conhecimento tecnológico sozinho, o INPA deve sim envidar esforços para socializar conhecimento em sua esfera de ação nas comunidades com as quais interage, bem como sempre que possível divulgar esse conhecimento em diversas escolas e instituições, com ênfase em pesquisas aplicadas, em linguagem acessível e compreensível para o cidadão em geral.
É preciso que a própria agenda de pesquisa e os tópicos a serem investigados sejam motivados por questões de relevância para a região, abordando e buscando respostas para os problemas concretos vividos pelos locais. Em vista disso, sugerimos que se faça uma avaliação estratégica sobre as pesquisas mais urgentes de interesse da sociedade: pesquisas que produzam valor econômico para a região e se invista fortemente nessas áreas prioritárias.
Na área de produção agrícola, uma das mais fortemente citadas, não se trata apenas de buscar o desenvolvimento tecnológico alinhado às necessidades locais, mas de desenvolver e facilitar o desenvolvimento de tecnologias sociais que aproveitem os recursos naturais, e promovam melhoria da produção agrícola através da inserção de recursos tecnológicos e conhecimento sobre processo de produção de produtos regionais de valor econômico para a população local.
O processamento de alimentos que permita seu aproveitamento integral e geração de subprodutos de valor nutricional é um dos principais interesses.
O diagnóstico institucional que permita a detecção das iniciativas e potenciais para o desenvolvimento de tecnologias de interesse social deve ser processo contínuo e os potenciais identificados devem receber especial apoio e valorização.
Por sua importância na região, espera-se que o INPA se desdobre em novos núcleos e polos de pesquisa que estejam mais perto das pessoas de outras sub-regiões da Amazônia.
A capacitação, dentro do escopo institucional de atender à pós-graduação em diversos tópicos da biologia tropical, deve ser desenvolvida prioritariamente voltada à qualificação de cidadãos da região, de modo a produzir pessoal não somente de alto nível de qualificação técnico-científica, mas com visão autóctone e sensibilidade para os problemas e potenciais propriamente amazônicos. O compromisso deve ser com quem é da terra e que vai ficar aqui contribuindo para o desenvolvimento local.
Por fim se faz necessário reconhecer e valorizar culturas regionais mantendo diálogo com o conhecimento tradicional já consolidado. A ideia é aprender ensinando, e ensinar aprendendo.
Áreas de relevância social
Aqui tratamos de dar voz aos participantes quanto ao que de fato é relevante para a sociedade local. Desse modo apareceram diversas áreas importantes.
Os sistemas agroflorestais aparecem como solução tecnológica bastante importante para a região. Trata-se de procurar estabelecer plantios inteligentes que associem de forma racional e planejada espécies que favoreçam o crescimento e a produtividade umas das outras, possibilitando inclusive a maior preservação possível da fertilidade do solo. Desenvolver conhecimento de modo que os agricultores tenham alternativas de plantio viável o ano todo com culturas produtivas de vários ciclos.
A difusão do método científico aparece como ferramenta de desenvolvimento social permitindo a construção de conhecimento e descoberta para municiar ações de intervenção na realidade: ciência como instrumento de empoderamento. Nesse sentido a alfabetização científica e o estímulo ao desenvolvimento de projetos científicos em vários níveis da educação formal são da maior importância.
As intervenções sociais baseadas na ciência devem necessariamente vir associadas à valorização da cultura local e à promoção da autoestima das populações autóctones. Isso significa desenvolver ações afirmativas da identidade e autonomia dos povos amazônicos de diversas etnias e afiliações.
As atividades produtivas, desenvolvidas a partir da incorporação do conhecimento cientifico disponibilizado pelo INPA, devem ser calcadas numa clara concepção de cooperativismo e associativismo, de modo a fortalecer laços de solidariedade e gestão democrática de recursos.
A saúde pública e as doenças tropicais de caráter infectocontagioso juntamente com as emergentes crônico-degenerativas ganham espaço no conjunto de preocupações aqui levantadas. Relacionadas a elas estão a questão do saneamento básico inexistente, a gestão dos recursos hídricos (água potável) e de recursos naturais como um todo incluindo questões ambientais gerais (preservação e conservação).
A produção de alimentos aparece aqui como área de alta relevância. O INPA tem muito para contribuir considerando que possui Programa de Pós-Graduação em Agricultura no Trópico Úmido (ATU),especialmente voltado para desenvolver conhecimento sobre espécies amazônicas e suas formas de produção e cultivo.
As questões de logística e comunicação aparecem como gargalos ligados aos processos produtivos na região, porém entendemos que a partir da pauta de pesquisa adotada pelo INPA, este pouco ou nada pode fazer para contribuir para a reversão dessa situação.
O emprego da metodologia de pesquisa voltado para resolução de problemas urbanos e rurais, e a paralela formação de estudantes de nível médio ou superior que funcionem como multiplicadores desse conhecimento para sua mais ampla difusão são também apontados como área de significativo interesse social.
Em geral foi indicada a importância da melhoria da qualidade de vida das pessoas, considerando suas condições de saúde, educação, nutrição e acesso a bens e serviços públicos.
Estratégias para interagir com a sociedade
A compreensão de que desenvolver ações e programas de inclusão social pelo compartilhamento do conhecimento científico não é tarefa de poucas mãos ou de uma instituição isolada, mas requer o fortalecimento e ampliação de parcerias com atores engajados na área social. Esses atores são muito diversos, presentes em todos os segmentos e instituições sociais. É preciso mapear atores envolvidos em Tecnologia Social na região, fortalecê-los e firmar parcerias com eles conjugando ações de interesse social.
Ao mesmo tempo em que se procura consolidar e ampliar parcerias, é importante realizar um trabalho intrainstitucional, por exemplo, incluindo nos cursos de pós-graduação do INPA disciplinas de Pesquisa Participante que permitam uma aproximação maior entre o pesquisador e as comunidades e propicie uma melhor apreensão dos problemas locais que podem ser traduzidos em demandas e linhas temáticas de pesquisa. Isso significa também estimular o desenvolvimento de desenhos de pesquisa que permitam o uso dessa metodologia participante, em tempo, durante os programas de mestrado e doutorado, de modo que os projetos tenham tempo hábil para sua execução e avaliação de resultados para a sociedade, em forma de devolutivas locais.
Adoção de uma política institucional que privilegie, como escolha ético-política, a consecução de resultados social e economicamente relevantes. Para além da fundamental ampliação de conhecimento, a ciência deve perseguir soluções práticas para problemas concretos da sociedade (nacional e regional). Da mesma forma as comunidades locais devem ser incluídas, sempre que possível, acompanhando, sendo informadas e compreendendo as pesquisas em desenvolvimento.
O desenvolvimento sistemático de oficinas teórico-práticas, feiras, workshops para divulgar conhecimento precisa ser mantido e fortalecido, juntamente com a intensificação e ampliação do uso de diversas mídias e recursos disponíveis para a difusão de conhecimento. Ainda ampliar eventos de divulgação, preparar fichas técnicas para socialização de conhecimentos entre estudantes em ambientes escolares, bem como preparar professores na área científica.
A articulação política para desenvolvimento e reaplicação de tecnologias sociais ganha destaque,especialmente,num cenário em que, como sabemos, não basta conhecer, é preciso convencer os tomadores de decisão sobre a importância desse conhecimento.
Um veículo importante de divulgação poderia ser disponibilizar uma página interativa na internet que permita a maior exposição dos resultados produzidos de forma interativa com a sociedade, respondendo perguntas, recebendo comentários etc.
Seriam viáveis também estratégias como desenvolver e manter programas educativos em escolas públicas de forma sistemática: disponibilizar venda de livros e outros materiais sistematicamente pela internet e no bosque da ciência, no INPA; incentivar industrialização de produtos regionais, agregando valor econômico e recuperar seu valor cultural ancorado em vasta experiência de diversos povos autóctones da região amazônica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitos são, portanto, os mecanismos disponíveis e os caminhos que podem conduzir a uma virtuosa interação da ciência com a sociedade no ambiente amazônico, a fim de que o acesso ao conhecimento possa impactar positiva e verdadeiramente o cotidiano das pessoas,mesmo com (e aproveitando) todas as peculiaridades dessa região.
No entanto, todos esses mecanismos demandam uma intensificação de esforços por parte de todos os atores, não somente do INPA mas também da sociedade civil como um todo, na busca de um cenário promissor que contemple mais pessoas, a cada dia que passa. Entretanto, esse empenho precisa se assentar em uma consciência clara de que não se trata da erradicação de disparidades sociais que foram forjadas ao longo do tempo, fomentadas por fatores diversos, as quais, de uma hora para outra, supostamente seriam eliminadas como “em um passe de mágica”.Trata sim de oportunizar condições, dividir, somar e multiplicar conhecimento e oferecer instrumentos que possam minimizar os impactos desastrosos decorrentes de modelos e posturas equivocadas que negligenciaram as pessoas e a natureza por tanto tempo, não só na Amazônia, mas em toda parte do país.Trata sim de perceber com clareza o cenário no qual se está construindo, identificando os entraves e, principalmente, potencializando as “possibilidades”. Trata também de incorporar uma nova postura na forma de “ouvir” os reclamos de uma sociedade que quer e precisa ser “ouvida”, só assim serão identificadas possibilidades e necessidades reais para a construção de uma agenda científica forte, com chances reais de ser cumprida, em consonância com as demandas regionais realmente prioritárias.
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* Possui Graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1983), Mestrado em Psicologia da Saúde pela katholieke Universiteit van Brabant (1993) e Doutorado em Saúde da Mulher e da Criança pelo Instituto Fernandes Figueira - FIO CRUZ, R.J. (2009). É professora efetiva da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Atualmente atua como coordenadora da Coordenação de Tecnologia Social do INPA.
** Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (1985), pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior, pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda - FACHO (1998), mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM (2013). Atualmente é analista em C &T na área de gestão do INPA.
1 O Instituto Trata Brasil é uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. Atua desde 2007,trabalhando para a universalização do saneamento básico. Seu trabalho é conscientizar a sociedade para alcançar um Brasil mais justo, com todos tendo acesso à água tratada, coleta e tratamento dos esgotos. Acesso em 18/02/2016.
2 Criado em 1952 e implementado em 1954 - o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) - ao longo dos anos, vem realizando estudos científicos do meio físico e das condições de vida da região amazônica para promover o bem-estar humano e o desenvolvimento sócio-econômico regional. Atualmente, o INPA é referência mundial em Biologia Tropical. Disponível em: http://portal.inpa.gov.br/index.php/institucional. Acesso em 22/02/2016.
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