Mateus Maia Rebelo*
Mariene Mendonça de Freitas**
Jadson Justi***
Universidade Federal do Amazonas. Brasil
mm114808@gmail.com
RESUMO
Esta pesquisa leva em consideração a identificação de como o desenho como linguagem simbólica artística encontra-se diretamente ligado ao desenvolvimento social da criança. Sabe-se que a arte apresenta um papel relevante no processo educacional e social infantil, pois é por meio dela que se aprimoram os sentidos, a capacidade criativa, os movimentos, as linguagens, as expressões e os conhecimentos socioculturais em seu aprendizado. Este estudo engendra-se metodologicamente como qualitativo, pois descreve e analisa particularidades apresentadas em desenhos de alunos de uma escola pública de Parintins, Amazonas, Brasil. Os resultados evidenciaram que os desenhos elaborados pelos participantes favorecem à construção de segurança para explorar, criar, imaginar, combinar e inventar ações necessárias para o desenvolvimento de habilidades artísticas, bem como para discussões diante de problemas sociais. Conclui-se que o desenho oferta a liberdade da criança se expressar e interagir com o meio em que está inserida, possibilitando a plenitude de suas potencialidades ao longo da vida.
Palavras-chave: Desenho infantil, Arte-educação, Socialização.
ENSEÑAR DIBUJO Y DESARROLLO INFANTIL EN UNA PERSPECTIVA SOCIAL
RESUMEN
Este estudio presenta la identificación del dibujo como un lenguaje artístico simbólico vinculado al desarrollo social del niño. Con este fin, el arte juega un papel importante en el proceso educativo y social de los niños, porque es a través de él que los sentidos, la capacidad de creación, los movimientos, los idiomas, las expresiones y el conocimiento sociocultural se mejoran en su aprendizaje. Este estudio se caracteriza como cualitativo porque describe y analiza particularidades presentadas en dibujos de estudiantes de una escuela pública en Parintins, Amazonas, Brasil. Los resultados mostraron que los dibujos elaborados por los participantes favorecen la construcción de seguridad para explorar, crear, imaginar, combinar e inventar acciones necesarias para el desarrollo de habilidades artísticas, así como discusiones sobre problemas sociales. Se concluye que el dibujo ofrece la libertad del niño para expresarse e interactuar con el entorno en el que se inserta, permitiendo la plenitud de sus potencialidades a lo largo de la vida.
Palabras clave: Dibujo infantil, Educación artística, Socialización.
TEACHING DRAWING AND CHILD DEVELOPMENT IN A SOCIAL PERSPECTIVE
ABSTRACT
This study presents the identification of drawing as an artistic symbolic language linked to the social development of the child. To this end, art plays an important role in the educational and social process of children, because it is through it that the senses, the capacity for creation, the movements, the languages, the expressions and the socio-cultural knowledge are improved in their learning. This study is characterized as qualitative because it describes and analyzes particularities presented in drawings of students from a public school in Parintins, Amazonas, Brazil. The results showed that the drawings elaborated by the participants favor the construction of security to explore, create, imagine, combine and invent actions necessary for the development of artistic skills, as well as discussions of social problems. It is concluded that the drawing offers the freedom of the child to express and interact with the environment in which it is inserted, enabling the fullness of its potentialities throughout life.
Keywords: Children's drawing, Art education, Socialization.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Mateus Maia Rebelo, Mariene Mendonça de Freitas y Jadson Justi (2019): “O ensino do desenho e o desenvolvimento social da criança”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (diciembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/12/desenvolvimento-social-crianca.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1912desenvolvimento-social-crianca
1 INTRODUÇÃO
Este estudo teve como objetivo geral revelar como o ensino do desenho correlacionado às temáticas sociais contribui para o desenvolvimento social da criança. Levaram-se também em consideração os seguintes objetivos específicos: a) levantar as concepções de desenvolvimento social da psicologia do desenvolvimento de Lev Semyonovich Vygotsky) e b) descrever e identificar, a partir de proposta pedagógica desenvolvida e vivenciada pelos autores desta pesquisa, como o ensino do desenho contribui para o desenvolvimento social da criança.
A hipótese levantada no primeiro contato com o objeto de estudo foi de que o desenho pudesse ser um instrumento artístico com potencialidade e característica capaz de fazer com que a criança pudesse desenvolver reflexões e pensamentos sobre temáticas da realidade a sua volta com os estímulos da prática do desenho. Tal hipotetização ainda se respaldou na possibilidade de favorecimento e contribuição no desenvolvimento social infantil. A criança, ao ser estimulada nas atividades de arte-educação a desenhar sobre temas inerentes ao seu próprio contexto social, é capaz de expressar-se e compreender o seu ambiente social, favorecendo, portanto, a sua consciência cidadã.
Entende-se que desempenhando os papéis de criação artística e de instrumento mediador do desenvolvimento social da criança, o desenho possa permitir a estimulação para questões e fatores inerentes a sua realidade de vida, tais quais: a) perceber o papel da mulher na sociedade; b) notar a relevância da preservação do meio ambiente; c) compreender a necessidade do respeito à vida, dentre outros. Tais temas podem ser expressos, refletidos e debatidos com a prática em sala de aula, desenvolvendo assim com o alunado uma maior abertura para a sua realidade e leitura de mundo.
Sabe-se que a arte tem um papel relevante no processo educacional e social da criança, pois é por intermédio dela que se aprimoram os sentidos, a capacidade criativa, os movimentos, as linguagens, as expressões e os conhecimentos socioculturais em seu aprendizado. Desta maneira, é fundamental a introdução dos conteúdos de arte no âmbito educacional, especialmente na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, pois é nessa fase que se inicia a construção social da criança com o saber, fazer, inventar e apreciar. De acordo com Barbosa (2006), a partir daí se cria o alicerce para a construção da vida da criança.
O desenvolvimento social da criança perpetua por meio do modo como ela interage com o meio em que vive, fazendo com que pense, compartilhe e se desenvolva, carregando os aspectos perceptíveis do seu contexto. Para Vigotsky (2010: 10), “[...] O desenvolvimento da criança não é simplesmente um processo espontâneo, linear e natural: é um trabalho de construção do homem sobre o homem.” O trabalho do homem sobre o homem, o qual se refere o autor, diz respeito ao processo de relação social da criança com o meio e os indivíduos capazes de realizar operações com elas, por exemplo, a família e os agentes escolares, indivíduos geralmente muito presentes na primeira infância.
O presente estudo foi realizado em uma escola pública do município de Parintins, AM, Brasil. Esta pesquisa parte da experiência que seus autores tiveram em sala de aula com os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, experiência na qual o uso do desenho juntamente às temáticas sociais, como o papel da mulher na sociedade, a proteção do meio ambiente, a diversidade cultural, dentre outros, que se fundamentaram como temas com as metodologias de ensino do desenho empregadas no processo escolar.
A presente pesquisa engendra-se como qualitativa, pois trata de descrever e analisar particularidades apresentadas em um fenômeno social. Este trabalho justifica-se uma vez que, ao investigar como o desenho pode ser um meio de expressão e desenvolvimento social (nos anos iniciais de ensino), é capaz de fazer emergir novos dados com relação ao objeto estudado (o desenvolvimento social da criança e o desenho) e sua relação com a sociedade, contribuindo assim para a elaboração dos demais conhecimentos, pensamentos, reflexões e metodologias no campo do ensino das artes e da psicologia educacional.
1.1 O ensino do desenho e o despertar de potencialidades na criança
O ensino fundamental consiste em um dos níveis de ensino da educação básica, obrigatória no Brasil. Tal ensino possuiu oito anos de duração até o ano de 2006, quando a Lei de Diretrizes de Bases da Educação, Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, foi sancionada, passando para nove anos de duração. Deste modo, o ensino fundamental no país passou a ser dividido em dois ciclos, as séries iniciais (1º ao 5º ano) e séries finais (6º ao 9º ano) (Brasil, 2006).
Nos anos iniciais de ensino, que compreendem o período escolar do 1º ao 5º ano, as crianças adentram a esse nível de ensino com faixa etária de seis anos completos e finalizando com onze anos, e, nos anos finais, que compreendem do 6º ao 9º ano, se trata de um trabalho educacional desenvolvido com pré-adolescentes, adentrando a partir da faixa etária dos onze anos de idade e finalizando esse ciclo escolar por volta dos quinze anos.
No que toca ao ensino das Artes e ao ensino fundamental, desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ele passou a ser obrigatório em todos os níveis da educação básica (Brasil, 1996). Advento disso, o Ministério da Educação propôs os Parâmetros Curriculares Nacionais. Os Parâmetros, voltados ao Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano, Ensino Fundamental de 6° ao 9° ano e Ensino Médio de 1° ao 3°, foram divididos em áreas de conhecimento, conforme a função instrumental de cada uma delas. Nos Parâmetros dos anos iniciais do ensino fundamental dedicados à área de Artes (com enfoque na linguagem das Artes Visuais) leva o arte-educador a considerar que:
A educação visual deve considerar a complexidade de uma proposta educacional que leve em conta as possibilidades e os modos de os alunos transformarem seus conhecimentos em arte, ou seja, o modo como aprendem, criam e se desenvolvem na área. (Brasil, 1997: 45).
A Arte então passou a ser não somente uma disciplina da base curricular de ensino, tendo um grande destaque, além da obrigatoriedade e importância de seu aprendizado no espaço escolar. A arte-educação é uma área de conhecimento que vem se apresentando como sendo capaz de desenvolver, dentre outras coisas, a formação de ideias e expressão da criatividade do aluno como ser pensante, promovendo a esta uma aprendizagem significativa e dinâmica.
A Arte tem a capacidade de atuação em diferentes campos no que diz respeito à educação, podendo ser trabalhada de distintas maneiras em diferentes disciplinas. Barbosa (2006: 12) apresenta essa potencialidade multifuncional da Arte em relação à educação, no seguinte parágrafo:
Arte-educação é uma área de estudos extremamente propícia à fertilização interdisciplinar e o próprio termo que é designo de nota pelo seu binarismo a ordenação de duas áreas num processo que se caracterizou no passado por um acentuado dualismo, quase que uma colagem das teorias da educação ao trabalho com material de origem artística na escola, ou vice e versa, numa alternativa de subordinação.
No ensino infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, a Arte não se faz presente como disciplina curricular obrigatória, outrora esteja presente como um apoio pedagógico para dar estrutura às demais disciplinas. O que fica delineado nesse contexto é que ela, nessa etapa escolar, não é apreciada como uma área do conhecimento, mas como suporte para desenvolver outros campos, a partir do lúdico, o que vem a apontar para uma desvalorização da Arte como um conhecimento imerso em suas próprias estruturas, processos e valores junto ao desenvolvimento humano, independentemente de sua faixa etária.
A Arte tem sido caracterizada, segundo Barbosa (2006), de uma forma geral, como um simples objeto de contemplação na formação da criança, no qual acarreta que seu valor, como ferramenta educacional, passe despercebido. Muitas vezes, a arte-educação para o ensino infantil e anos iniciais vem sendo trabalhada nas escolas somente como uma forma de entretenimento e lazer, apesar de ela possuir o próprio poder pedagógico e cognitivo, quando exercida de maneira a despertar pensamentos, reflexões e os sentidos das crianças, trabalhando com a capacidade de comunicação e expressão dos alunos.
A arte-educação tem como objetivo primordial o trabalho com as artes como elemento condutor no processo de ensino-aprendizado do indivíduo, para que este desenvolva sua formação humana, propiciando ao indivíduo o sentir e a percepção do mundo, da cultura que o cerca, histórica e contemporaneamente. Partindo dessa concepção, nota-se como a arte-educação possui a capacidade de trabalhar a partir do objeto simbólico, as referências próprias das culturas presentes na sociedade. No entanto, a criança que passa pelo trabalho escolar da arte-educação desperta para a compreensão do seu lugar no meio social no qual se encontra inserida, o que vem a promover o desenvolvimento da capacidade intelectual e sensível do aluno, ao oferecer o exercício de pensar, indagar e politizar sobre questões que o cercam dentro e fora do ambiente escolar.
Pelo exposto, tem-se uma dimensão social da arte-educação e do seu papel dentro do processo pedagógico. A Arte proporciona um conhecimento que permite o trabalho com os mais diversos contextos da cultura, como as etnias, os comportamentos, as condições e as contradições sociais, podendo fazer os alunos transgredirem e quebrarem os paradigmas que os envolvem.
Saviani (2002), filósofo e pedagogo brasileiro, ressalta que a arte-educação ajuda no desenvolvimento das potencialidades e habilidades sociais da criança, além de estar ligada ao crescimento intelectual, buscando continuamente a formação do ser como cidadão crítico, a fim de se posicionar perante as mais diversas realidades em que vive. Essas experiências com a arte dentro de sala de aula são necessárias, pois provém dela a visão ampliada do aluno em relação a outras culturas, de modo que ela propicia a oportunidade de contato e troca com a diversidade cultural.
A arte-educação contemporânea tem buscado a ressignificação do contexto em que se encontra majoritariamente, onde a arte, com suas respectivas linguagens, o teatro, as artes visuais, a dança e a música não estão dispostas, ainda, na prática como uma área de efetivo conhecimento para a educação. É importante que se promovam nas escolas tanto para os alunos quanto aos professores o devido espaço e as ferramentas de trabalho adequadas, para que se possa explorar a sociedade e a comunidade escolar, a partir das atividades escolares de arte-educação, as suas mais variadas formas de cultura. Nesse pensamento, Rodrigues, Souza e Treviso (2017: 125) sugerem que a Arte na escola deva ser tomada como um processo intrínseco e essencial à formação das pessoas:
Uma vez que a arte na escola deve propiciar novas práticas para que o sujeito se veja como produtor e criador, fica claro que, então, a função da arte-educação não é condizente com a proposta em se tratando de ensino e aprendizagem. A arte-educação tem sido alvo de desinteresse até mesmo por grandes pensadores da educação brasileira, ou seja, é momento de pensar em formação artística como essencial e intrínseca à formação humana.
Derdyk (2015), profissional do campo das artes visuais, reforça, na obra Formas de Pensar o Desenho: desenvolvimento do grafismo infantil, a presença vital do arte-educador como mediador da Arte para as crianças, considerando que parte dele desempenha o ato criativo junto a estas, de forma natural quanto fazer as atividades básicas do dia a dia, nos direcionando para a arte-educação no que toca ao seu fazer em sala de aula.
Pensando a Arte como proposta pedagógica, Barbosa (2006) apresenta uma metodologia triangular, pautada no desenvolvimento sensível e de habilidades cognitivas com a aprendizagem da arte, indicando como forma de trabalho pedagógico três pilares integradores do campo das artes: o fazer artístico, o fruir das obras de arte e a contextualização histórica delas.
Nesta metodologia de ensino das artes, apresentada por Barbosa (2006), também conhecida como “metodologia triangular”, a arte-educação processa-se ligando e correlacionando três vertentes do processo de ensino-aprendizagem aplicável ao conteúdo das Artes, sendo tais os exercícios de leitura de imagem ou objeto (por meio de análise, interpretação, indagação e julgamento), a prática artística (por meio do fazer/criar) e a contextualização (por meio das referências sociais e históricas do objeto artístico).
Por meio da teoria aqui exposta, pode-se ressaltar como a arte-educação apresenta um papel elevado, potencial e diverso no processo de desenvolvimento educacional e, consequentemente, social do indivíduo, apesar de tais capacidades proporcionadas pelo trabalho pedagógico com as Artes ainda serem alvo de equívocos, negligências e contradições nas escolas de nível fundamental de ensino, ciclo escolar no qual este trabalho se debruça.
Por intermédio da arte-educação é que são aprimorados e desenvolvidos os sentidos, valores, movimentos, linguagens, expressões e conhecimentos socioculturais ao longo do aprendizado escolar. Deste modo, a arte-educação pode ser apontada como um campo de conhecimento que desempenha no ensino uma construção lúdica e humana, servindo de alicerce na construção da vida da criança.
A arte-educação brasileira tem trabalhado com quatro habilidades: teatro, artes visuais, dança e música. Inserida no campo das artes plásticas e, consequentemente, dentro das habilidades das artes visuais, encontra-se a técnica do desenho. Esta é uma técnica de expressão artística das mais populares, a qual geralmente acompanha a criança desde seus primeiros anos de vida. É hábito das crianças realizar garatujas (desenhos primários), as quais, à primeira vista, podem não fazer sentido aos olhos de um adulto.
Derdyk (2015) afirma que o desenho é um ato que quase sempre envolve outro. Ao desenhar, a criança cria, imagina, comunica-se com o mundo a sua volta, em um manifesto expressivo que acontece de forma livre, flexível e, às vezes, aparentemente caótica. O desenho é uma das primeiras linguagens simbólicas que se fazem presentes no início da vida de um indivíduo, juntamente com a linguagem verbal.
Mazzamati (2012), arte-educadora, nos oferece um balanço histórico do desenho e de como se trabalhar com essa técnica em sala de aula. A artista também vê a arte do desenho como uma forma de diálogo com o mundo, pela possibilidade de pensar os objetos existentes, bem como a própria relação daquele que desenha com o mundo em que vive, ressaltando que:
Dentre as muitas maneiras de definir o ato de desenhar, que foram mudando ao longo do tempo e da história, uma das mais interessantes é a que considera o ato de desenhar como uma “conversa”, que possibilita ao pensamento rever e proceder informações, numa constante relação entre o ser que desenha e o mundo. Uma conversa que quem desenha estabelece consigo mesmo e com o outro. (Mazzamati, 2012: 11-12).
Ao se trabalhar o ensino do desenho tal como discorrer sobre a sua relevância no processo de desenvolvimento do indivíduo, é importante remeter-se a essa técnica como sendo uma linguagem expressiva desenvolvida pelo homem. Hanauer (2013: 74), pedagoga, ressalta a relevância de se ensinar o desenho em sala de aula como uma forma de comunicação: “Dessa forma, pode-se pensar o desenho como linguagem universal, que possui convenções pertencentes à sociedade e à cultura e perpetua diferentes gerações, cada qual com suas singularidades, dotada de historicidade.”
A linguagem do desenho é uma manifestação da cultura humana que se faz presente desde os primórdios da civilização. O desenho, inclusive, possibilitou a troca e a comunicação do homem, que, por meio dessa técnica, engendra uma comunicação simbólica. Para Derdyk (2015), o desenho da criança permite uma troca de experiências, fazendo com que exteriorize e se comunique com o que a cerca. Por intermédio do desenho, ela projeta a si mesma, no momento em que deseja “se enxergar” no papel, como um espelho que a possa refletir.
Partindo desses preceitos, pode-se remeter a algumas indagações que se fazem presentes ao se explorar essa temática. Como fazer o ensino de desenho? O que esse ensino propicia à criança? Para que se possa elaborar o eco dessas interrogações, toma-se como diretriz a criança em sua totalidade e como parte integrante de um espaço sociocultural. A criança, ao ter acesso à prática da linguagem do desenho, está condicionada a apropriar-se e a promover cultura, em um processo integrador dos elementos vitais que a envolve. A esse respeito, Derdyk (2015: 15) menciona que “[...] Para o educador da pré-escola é essencial absorver a noções da possível inter-relação e interdependência de todas as instâncias físicas, psíquicas, emocionais, culturais, biológicas, simbólicas, enfim, de tudo que ocorre para o pleno desenvolvimento da criança.”
Nota-se como a linguagem do desenho inter-relaciona a criança às várias instâncias, sejam elas sensoriais, psíquicas ou a fatores externos. O ensino do desenho requer a apropriação de uma técnica artística, que carrega grande poder de expressão e que se encontra acessível a todos, desta maneira, tem-se o desenho como um campo de exercício da Arte capaz de promover a emancipação do indivíduo. De acordo com Mazzamati (2012), no ato de desenhar cabe olhar além do horizonte e o seu ensino possibilita, na educação, o fazer compreender do aluno, dando-o autonomia no momento de se expressar.
Corroborando com a ideia colocada por Mazzamati (2012), Hanauer (2013) diz que é relevante promover o desenho como um recurso pedagógico atuante na educação, uma vez que o seu fazer possibilita à criança brincar e verbalizar seus sentidos e pensamentos no papel. Ressalta-se nesse ponto que, apesar de trabalhar com materiais simples e comuns no dia a dia escolar, o desenho promove um alto rendimento cognitivo e expressivo àquele que o venha exercitar.
O ensino do desenho propicia a interação da criança no meio cultural das artes e da linguagem artística de um modo global, propiciando à criança vivenciar experiências, fator que favorece a imaginação. Essa experiência da criança com o exercício do desenho é o combustível do ato da criação artística, quando ela é instigada e desafiada a experimentar o trabalho artístico, essa experiência cresce gradativamente, onde se pode exteriorizar no papel, um desenho emancipador. Partindo desse contexto, Hanauer (2013: 80) relata que, “Ao desenhar, a criança desenvolve seus processos criativos, ampliando suas potencialidades de expressão [...]”, cujo processo é decorrente da condição sociocultural em que a criança é inserida ao longo de sua jornada. Nesse ponto, salienta-se que o desenho é uma linguagem que precisa de uma influência externa para o seu fazer.
Para Vigotsky (2010: 23), há relevância do ensino do desenho no processo de desenvolvimento da criança. “A relação com o meio, que, por sua complexidade ou simplicidade, por suas tradições ou influências, pode estimular e orientar o processo de criação [...]”. Assim, pode-se mencionar o meio como estimulação da criança no ato da criação e do autodescobrimento, com isso, a sua interação propicia em conteúdo para o quintal imaginário que, posteriormente, será exteriorizado por meio do desenho.
Ainda para Vigotsky (2010: 22), “[...] quanto mais rica a experiência de uma pessoa, mais material está disponível para a imaginação dela [...]”. Primeiro, se imagina para poder criar, e nesse processo da criança a experiência entra como um combustível para a realização do desenho. Logo, a criança é instigada e incentivada com a prática do desenho que tente a desenvolver habilidades, como a criatividade, a emoção e a percepção.
Com isso tem-se uma ferramenta de ensino que liga a criança com o mundo, fazendo com que ela se reinvente em seu espaço. Para que isso aconteça, o desenho precisa ser usado como mediador no processo de aprendizagem. Contudo, ao se trabalhar o desenho, o arte-educador necessita pesquisar e investigar as suas próprias concepções, métodos avaliativos e de como desenvolver o desenho na criança e o gosto pelo fazer dele.
Com essa investigação em sala de aula, o professor consegue ter um aporte de onde se começar o ensino do desenho e no que implica o fazer artístico. É necessário buscar soluções para os problemas encontrados em sala de aula tal como a possibilidade de preconceito presente em parte dos alunos que chegam ao espaço escolar com a concepção de que somente a reprodução figurativa e fiel à realidade é considerada um bom ou legítimo desenho (Mazzamati, 2012).
A autonomia e autoestima, por meio dos exercícios presentes nessa linguagem artística, deve ser incentivada, para que a criança possa expandir a visão sobre o desenho e o ato de desenhar. Antes de abordar em sala de aula exercícios que se fazem presentes no processo de trabalho com o desenho, é importante ressaltar que o desenhar requer ainda um processo teórico e prático em sua construção.
Para Mazzamati (2012), a linguagem do desenho é comparável à linguagem escrita, partindo do ponto de que assim como na linguagem escrita, na qual o processo de alfabetização é permeado por vários anos, com a linguagem do desenho não é diferente. É improvável que uma criança sente na frente de um papel e faça um desenho como um adulto acha que deva ser. Aprender uma linguagem requer tempo e é um processo que necessita de exercícios contínuos para desenvolvê-la plenamente, com habilidade, segurança, naturalidade e mesmo prazer.
Trabalhar o desenho como uma linguagem da arte é saber que o desenho, como qualquer outra língua, é vivo, portanto, está em constante processo de transformação. Deste modo, há a necessidade de se promover com os processos de ensino, exercícios que possam condicionar a criança a desenvolver suas potencialidades. Compreende-se, então, a relevância de exercitar essa linguagem, sendo uma das maneiras mais recorrentes, a observação. Nesse exercício, trabalha-se a sensibilização e o reconhecimento visual das formas, sendo este um exercício de percepção do mundo.
Nota-se que a observação é um exercício que estimula a atenção e percepção da criança, fazendo com que observe de forma ainda mais sensível e mesmo minuciosa o que está acontecendo e é perceptível a sua volta, sendo este um exercício no qual a criança aprende a olhar, isenta da obrigação de apenas conduzir ou se deixar conduzir por uma operação técnica, por exemplo, fazer uma cópia fiel do que se está observando.
Segundo Mazzamati (2012), cada exercício, seja este de memória, imaginação ou observação, está ligado a elementos do tempo e do espaço. Para Derdyk (2015), o ato de desenhar congrega e une o presente com o passado e um futuro, com isso, as imagens nascem da memória, da imaginação e da observação, sendo: a) observação – presente; b) memória – passado; c) imaginação – futuro.
Ao trabalhar esses exercícios (que lidam com o presente, passado e futuro) em sala de aula, é relevante que o arte-educador tenha cuidado ao introduzi-los e apresentá-los às crianças, para que não incorra em equívocos no momento de se propor a prática com o desenho.
O exercício do desenho de memória remete ao passado, com as lembranças que se fazem presentes na mente. No exercício de memória, Derdyk (2015) menciona que as imagens se acumulam no cérebro que as processam de distintas maneiras. Entende-se que as memórias presentes na mente se tornam combustíveis para os processos de criação nos desenhos das crianças. Partindo desse contexto, Mazzamati (2012: 93-94) ressalta:
Na maioria das vezes, em função de muitas variáveis, vive-se a rotina e não se percebe o espaço nem os objetos neles inseridos. As imagens do caminho da casa até a escola, realizado todos os dias, também perdem o significado pela repetição, e vão permanecendo em nós e nos alunos sem nos darmos conta de qual é o interesse que isso tem em nossas vidas. O exercício de lembrar – dos objetos, das pessoas, dos encontros e desencontros e das próprias imagens que nos rodeiam incessantemente – auxilia a significar e tornar consciente nossas ações diárias.
Nota-se como o exercício de lembrar faz a ressignificação de momentos do passado e que, muitas vezes, não se dá valor no presente. Esse exercício de desenho possibilita à criança exteriorizar no papel vivências que se fizeram ou se fazem presentes em sua vida. O professor em sala de aula pode explorar esse exercício por meio de elementos simples, presentes no cotidiano da criança, como desenhar a fruta que mais gosta, desenhar o lugar que mais gosta em sua cidade, desenhar uma pessoa que ama muito, desenhar objetos presentes em sua casa ou que vê no trajeto de ir e vir de casa para a escola. São inúmeras as possibilidades de trazer como metodologia de ensino do desenho para a sala de aula, o desenho de memória.
O exercício de desenho em que se trabalha a imaginação, leva a criança à atividade de combinar pensamento e criação. Vigotsky (2010) apresenta esse exercício como sendo uma atividade que capacita o indivíduo para criar imagens e exteriorizá-las no papel. Com isso tem-se uma atividade que condiciona a criança a pensar situações e coisas novas, o que, por conseguinte, estimula a criatividade. Para Mazzamati (2012: 90):
Com toda a capacidade humana, a imaginação pode ser desenvolvida. Desenvolver a imaginação por meio do desenho é um bom caminho, pois o exercício de criar imagens está diretamente ligado a este fazer. É também nesse tipo de exercício que a brincadeira fica mais evidente, pois como não há nenhum modelo a ser copiado, mas sim inventado conforme a imaginação, o resultado é sempre imprevisível.
Propor o exercício de imaginação em sala de aula é ir além de um desenho livre, é fazer com que a criança exercite sua imaginação criativa a fim de promover um desenho livre de estereótipos, todavia consciente quanto à criação de novas imagens e de percepção dos elementos do mundo. O desenho de imaginação é algo imprevisível, que só quem o faz sabe o seu percurso e até o seu significado poético. Esse exercício não se limita apenas em reproduzir o que já existe ou o que se reconhece, por meio dele, podem-se criar fantasias, formas e objetos abstratos, nos quais a forma geométrica ou orgânica é capaz de dar corpo a construções visuais expressivas, elaboradas, imaginativas.
No ato de desenhar, pensa-se a realidade, podendo, inclusive, recriá-la, inventá-la de outras formas, inexistentes de forma material, porém, graficamente corporificadas no papel. Esse ato criativo, que pode ser desenvolvido com as técnicas de ensino do desenho na escola, oferece à criança um exercício criativo, reflexivo e potencialmente capaz de melhor integrá-la ao mundo a sua volta, pois possibilita tratar de temas que possam ser pensados por ela mesma, situando-a diante do mundo e sua cultura. Delineia-se a crucial relevância dos exercícios práticos no processo de ensino do desenho, para exercitar essa linguagem pela criança, proporcionando-a incorporar saberes e conhecimentos condicionados a tornarem-se experiências significativas.
Como balanço preliminar, ressalta-se que o ensino do desenho, quando presente na arte-educação, impacta no contexto educacional e social da criança, propiciando-a um ser educado para pensar temas e realidades, imaginar, criar e indagar, ajudando inclusive a construir e reformular as questões que lhe são e serão apresentadas mediante o próprio contexto.
1.2 Vygotsky e o desenvolvimento social da criança
Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo que realizou distintas pesquisas na área da aprendizagem e do desenvolvimento humano atreladas ao papel preponderante das relações sociais que se fazem presentes em tais processos. A educação e a arte são um dos temas que permearam as obras dele. Em seus estudos, Vigotsky (2010) relaciona a imaginação com o ato de criação na infância e em determinados estudos, e apresenta os processos de desenvolvimento e formação social da mente, a partir da interação da criança com a cultura com a qual tem contato.
Ainda Vigotsky (2010), as funções psicológicas consideradas elementares são aquelas operadas pelos fatores biológicos, e são ativadas com estímulos dos sentidos. Já as superiores, são aquelas que vêm a ser internalizadas pelo homem, em uma mediação entre o sujeito e o meio em que vive, onde um signo (aquilo que carrega uma potência de significados passíveis de serem processados na mente) medeia a realidade que o homem pode perceber.
A construção do sujeito possui para esse autor uma relação social. O psicólogo marxista vê a própria natureza humana inclinada para as conexões sociais, nas quais um homem é capaz de desenvolver o outro a partir do universo social em que estão estabelecidos. Nesse universo social, existem elementos que medeiam tais relações, como a linguagem e o próprio desenho.
O desenvolvimento social da criança, o qual requer a mediação por signo, revela muito além da maneira como pensa, age e interage com o meio em que vive. Sua curiosidade indaga, busca, explora, cria e aprende com as situações que aparecem no seu dia a dia, de tal maneira que o desenvolvimento social da criança se encontra relacionado à apropriação e ao processamento psíquico da cultura no espaço onde a criança se encontra inserida.
Segundo Vigotsky (2010: 8), “Essa apropriação implica uma participação ativa da criança na cultura, tornando próprios dela mesma os modos sociais de perceber, sentir, falar, pensar e se relacionar com os outros [...]”. Nesse processo de desenvolvimento social da criança, ao se relacionar com o meio onde se insere, ela acaba por incorporar sentidos e valores presentes naquele contexto. Isso implica para a criança a assimilação sociocultural fazendo com que ela absorva aspectos presentes dessa cultura e contribua na formação ou no desenvolvimento dela.
Nesse contexto, pode-se mencionar que não só a criança se apropria da cultura por meio de seu contato com os signos presentes em seu ambiente e que lhe chega aos sentidos, como contribui no processo de transformação dela, fazendo desse decurso uma ação conjunta, ao ter contato com os signos da cultura, os quais são recebidos e ressignificados pela criança.
De acordo com Vygotsky (1994), o desenvolvimento social é proveniente do meio social onde a criança se insere. Esse meio é a fonte de desenvolvimento dessa criança, a partir disso ele irá ofertar as mesmas experiências, vivências e aprendizagens resultantes do processo de interação desta com a cultura, com os adultos e da apropriação dos símbolos e signos. Koshino e Martins (2011) consideram que Vygotsky toma o ser humano como um organismo ativo, no qual o seu processo de desenvolvimento se dá por meio da construção que o ambiente sócio-histórico-cultural propicia.
Vygotsky (1994), em sua teoria, construiu proposições sobre o desenvolvimento do indivíduo, que tem como resultado um processo advindo de fatores sócio-históricos. Esse teórico destaca o papel da aprendizagem e da linguagem nesse desenvolvimento, sendo a psicologia do desenvolvimento elaborada por esse histórico-social. Seu ponto central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio onde se insere. De acordo com Vygotsky (1994), em sua teoria do desenvolvimento, as implicações psicológicas das questões sociais, culturais e históricas são ativadoras do processo de desenvolvimento do indivíduo, sendo o ser humano o protagonista da própria aprendizagem.
Dentro do processo geral de desenvolvimento, há bases no qual Vygotsky (1991: 52) aponta como parte relevante e atuante desse processo, assim, ele explica que há “[...] duas linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto à sua origem: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores de origem sócio-cultural [...]”.
Contudo, o ensino do desenho entra como um agente de transformação, possibilitando a quem o pratica a incorporação de novos sentidos, valores, movimentos, linguagem e expressão em seu aprendizado. A prática do desenho impulsiona outras manifestações em seu processo, em suma, essas manifestações acontecem juntas em uma unidade indissolúvel, possibilitando a quem o pratica uma vasta caminhada pelo seu quintal imaginário (Derdyk, 2015). Nesse contexto, o desenho torna-se uma ferramenta no processo do desenvolvimento social da criança, a impulsionando e instigando em seu processo de transformação.
O ensino e a produção do desenho e o desenvolvimento social da criança proveniente de sua prática em sala de aula remetem teoricamente às ideias de Vygotsky (1991, 2000, 2010) e Bakhtin (1988, 1992), por trazer, em seus estudos, conceitos fundamentais para se analisar a dinâmica interativa entre o sujeito e o meio em um determinado contexto sociocultural.
Nas ideias centrais de Vygotsky (1991), em um contexto sociocultural, nota-se que, por meio do conceito de mediação simbólica (troca de informação, comunicação que a mente processa; interação homem-mundo), os processos de funcionamento da mente da criança são desenvolvidos por meio da cultura, por intermédio de signos e da relação estabelecida com o meio em que se está inserido.
Assim, têm-se o acesso à cultura, a partir dos sistemas. Esses sistemas fazem parte da cultura, e pode-se dizer que o mundo que se conhece é construído por estes. Como exemplo de sistema, têm-se a educação, a arquitetura, a ciência, a linguagem verbal, as artes, e assim por diante. Os elementos simbólicos são dotados de poder de significação (signos), que operam como instrumentos de mediação na relação homem-meio, possibilitando a comunicação entre os indivíduos e a inteligibilidade no mundo.
A partir dessa visão, destaca Vygotsky (1991: 51-52), é que o comportamento individual da criança e de como este se consolida a um grupo cultural provocam mudanças no seu meio e nas suas relações com o mundo, mas os fatores socioculturais (geridas pelos sistemas simbólicos) impactam constantemente na sua construção como ser pertencente a uma sociedade, sendo a transformação cognitiva e sociocultural, um fenômeno gradativo:
Isso significa que a atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada, tampouco ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma série de transformações qualitativas [...].
Partindo desse princípio, compreende-se que a apropriação e o desenvolvimento da percepção e interação social da criança precisam do meio para o seu desenvolvimento, processo no qual como as linguagens simbólicas operam como ferramentas de construção de saberes sociais e cognitivos. Para Bakhtin (1988), a linguagem é o principal elemento que se dispõe no processo da interação social, pois ela se faz presente em todas as interações interpessoais. Em comparação com Bakhtin (1988), Vigotsky (2000: 71) descreve:
[...] essa linguagem é um momento composicional da atividade racional da criança, que ela mesma se intelectualiza e ocupa a mente nessas ações primárias e racionais, e começa a servir de meio de formação na intenção e do plano numa atividade mais complexa da criança.
A partir do exposto, pode-se apontar que a individualidade, que todavia se coordena com o meio social onde o indivíduo se insere, este meio encontra-se sob a mediação simbólica do mundo, onde os sistemas culturais encontram-se estabelecidos. Partindo dessa mesma categoria de desenvolvimento social, tendo como suporte teórico os estudos de Vygotsky, Koshino e Martins (2011) afirmam que o desenvolvimento da linguagem tal como o das funções psicológicas superiores, ou seja, aquele desenvolvido no âmbito cultural e não no aporte das funções biológicas, é um processo que se dá de maneira pessoal, necessitando ainda do meio social. Essa carga social, cultural e histórica possibilita à criança o domínio e a apropriação de instrumentos culturais, como a linguagem verbal, o pensamento, o conceito e a própria linguagem artística.
Justifica-se o desenho na arte-educação empreendida com o público infantil, para que se possa contribuir nesse processo de desenvolvimento social da criança, uma vez que, reconhecidamente, o desenho possui uma potencialidade de expressão, comunicação e exercício da imaginação que vem a ser um elemento capaz de alavancar o desenvolvimento do aluno. O desenho precisa ser incentivado nas escolas, para que se torne uma ferramenta detentora desse processo, uma vez que, ao desenhar, a criança atinge um novo estágio em seu desenvolvimento, sendo este participante dos estímulos externos que essa criança recebe, sejam na escola ou em casa (Vigotsky, 2010). Ao estimular o pensamento do mundo que cerca a criança, e sendo esse pensamento expresso por meio da expressão gráfica, a linguagem e a concepção de mundo passam a ser estimuladas e podem ganhar novos vieses de pensamento e servir como forma de apreensão e novas formas de interpretar o mundo.
Esse processo de desenvolvimento social da criança está intrinsecamente ligado à aprendizagem que ela incorpora nos ambientes sociais em que vive, como a convivência familiar e escolar. De acordo com Vigotsky (2010: 22): “[...] a atividade criadora da imaginação depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da pessoa, porque essa experiência constitui o material com que se criam as construções da fantasia [...]”. Nesse sentido, ressalta-se que quanto mais rica for a experiência proporcionada à criança, mais conteúdo disponível ela terá como associação ao seu processo de imaginação e criação, como mencionado por Vigotsky (2010: 23) no fragmento:
[...] Quanto mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe e assimilou; quanto maior a quantidade de elementos da realidade de que ela dispõe em sua experiência – sendo as demais circunstâncias as mesmas –, mais significativa e produtiva será a atividade de sua imaginação.
Nota-se, então, que a imaginação adquire uma função relevante na conduta e no desenvolvimento humano, transformando e ampliando a experiência dos indivíduos, tendo como referência a experiência particular, a descrição ou narração de algo. No campo das artes, a imaginação é estimulada a partir do conhecimento e da experiência prática, fazendo assim com que a participação da arte seja alimentadora do desenvolvimento da criança.
De acordo com Vigotsky (2010: 25), “[...] A pessoa não se restringe ao círculo e a limites estreitos de sua própria experiência, mas pode-se aventurar-se para além deles, assimilando, com a ajuda da imaginação, a experiência histórica ou social alheias.” Por meio desses elementos apresentados, o desenho é o resultado da própria cultura que estabelece relações com o meio e seus signos que lhe são dispostos, ressignificando, processando a cultura com a qual manteve contato, a partir de suas vivências.
Logo, o desenvolvimento social da criança ocorre no campo das funções psicológicas superiores. Tais funções caracterizam-se pela mediação dos signos e símbolos produzidos pela cultura, sendo a interação do indivíduo com o meio uma relação semiótica, ou seja, em que tendo contato com elementos que carregam poder de comunicação e significado (signos e símbolos), a capacidade cognitiva vai sendo modificada, expandida, em uma permanente troca, o que favorece ao desenvolvimento psicológico.
Por ser a arte uma ferramenta da cultura, e o desenho, um de seus métodos e processos de criação, identificação e interpretação de signos, ao se oferecer a arte como a do desenho em prol do desenvolvimento infantil, o social está favorecendo o fortalecimento sociocultural da infância, o quem vem a ser algo transformador para as funções psicológicas.
2 O ENSINO DO DESENHO E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL: OBSERVAÇÕES E EXPERIÊNCIA
Tendo como ponto de partida a linguagem artística, que propicia reflexão e poder de expressão ao aluno, elenca-se dentro da experiência educacional relatada e vivenciada em uma instituição educacional pública de Parintins, AM, Brasil (com alunos do ensino fundamental anos iniciais), como o signo “desenho”, a partir de uma proposta de ensino desenvolvida pelos proponentes deste estudo, trouxe até a sala de aula ferramentas para uma psicologia do desenvolvimento social dos alunos participantes de um projeto social apoiado pelo governo federal brasileiro.
O ensino do desenho no projeto social em questão possuía como conteúdo programático a representação gráfica por meio da linguagem visual, onde se trabalharam aspectos teóricos e práticos. A partir da proposta apresentada aos professores participantes do projeto, desenvolve-se um trabalho de arte-educação que abrangesse: a percepção das formas; as técnicas de desenho e a composição de obras em desenho de observação e de memória.
Como método de trabalho, propôs-se às turmas do ensino fundamental a experimentação de materiais alternativos para a prática do desenho, a fim de oferecer diferentes possibilidades de criação, com materiais mais econômicos e diversificados, que fossem inclusive acessíveis à realidade material dos alunos. Foram desenvolvidas, também, experimentações estéticas a partir do ato de desenhar, oferecendo e proporcionando uma gama de possibilidades de produção artística com a criação do desenho.
O projeto no qual fora desenvolvido este estudo visou a fomentar, por meio da sensibilização, apoio e incentivo, ações de articulação de políticas sociais e implementação de ações socioeducativas. Desta maneira, as temáticas desenvolvidas pelos alunos tinham cunho social, pois o projeto direcionava as práticas pedagógicas a trazerem, para a sala de aula, reflexões que pautassem os temas que cercam a realidade contemporânea, e, consequentemente, a vida dos alunos, objetos da ação educativa. Nessa diretriz, coube aos proponentes deste estudo selecionar os temas e pensar em metodologias de ensino sobre a composição artística para crianças.
Dentre os temas nos quais foram trabalhados no projeto destacam-se: a) violência contra a mulher; b) resistência social da raça negra no Brasil; c) sustentabilidade. A proposta de abordar temas contemporâneos presentes em uma sociedade e trazer isso para sala de aula teve como objetivo fazer com que o aluno aprendesse a discorrer, propor soluções, utilizando a imaginação e expressão inclusive para exprimir nuances e contradições temáticas, desenvolvendo o poder de criticidade e comunicação aos fatores que se encontram em dissonância nos diversos setores da sociedade.
Nessa vivência, a criticidade aos temas da realidade social contemporânea era estimulada, expressa e refletida a partir da prática do exercício do desenho, sendo este o instrumento que as crianças utilizaram ao longo das aulas durante o projeto, para expressar e comunicar as ideias emanadas. Como resultado, uma das observações que se pode fazer foi a expressão de indignação a determinados temas trabalhados, e, também, a indicação de soluções para problemas sociais detectados pelas crianças.
Com relação ao espaço educacional da sala de aula, buscou-se criar um ambiente acolhedor e diversificado para o exercício deste trabalho com o desenho. Como procedimento inicial nas aulas, começou o trabalho com recursos lúdicos, tais como: uso de música, cantigas de roda, momentos de leitura (nas modalidades conto e literatura de cordel) e, posteriormente a esses momentos preliminares, passou-se às atividades em desenho, sempre tendo como temática, as questões sociais de relevância cultural.
Nessa diretriz da psicologia do desenvolvimento de Vygotsky, buscou-se transformar o ato de desenhar em algo atrativo para as crianças, integrando a literatura e a música nas aulas. Dentre as barreiras encontradas no projeto, elenca-se a carência de material didático para ser trabalhado nas oficinas propostas no projeto. Outra barreira foi a mitificação em volta da prática do desenho, onde se acredita que este exige a habilidade de representar fielmente um objeto ou paisagem, pensamento que fazia com que os alunos começassem as oficinas de desenho com grande inibição e bloqueio criativo.
Entende-se que o desenho possui uma capacidade expressiva e comunicativa, e esta encontra-se de maneira independe de como ou o que tentasse expressar pelas linhas, cores, texturas e formas do desenho. A habilidade de transposição e recriação das formas naturais e figurativas da realidade não podem ser, nesta via, um fator que impeça a prática e a expressão sensível com as técnicas do desenho, pois, nesse sentido, tem-se o desenho como
[...] uma forma de se pensar e se comunicar. Não uma representação da realidade, mas uma conversa direta com ela. A frase ‘eu não sei desenhar’ refere-se a um só tipo de desenho, ou seja, um desenho que tenta representar as coisas exatamente iguais ao que são na realidade [...] (Mazzamati, 2012: 28).
Identificando tais barreiras em sala de aula, buscou-se o processo de ressignificação do desenho, pois muitos que ali adentraram viam em tal linguagem impedimentos de se expressar. Para Mazzamati (2012), associar que o desenho perfeito é aquele que apenas se demonstra fiel à realidade é limitar-se a somente um único ponto de vista e acaba por si excluindo as inúmeras possibilidades de expressão.
Embora houvesse barreiras, existia também a vontade de quebra-las por ambas as partes, tanto pelos proponentes deste estudo como pelos alunos, em sala de aula. Ao mostrar aos alunos que os pesquisadores, assim como eles, também não dominavam as técnicas realistas de desenho, mas que, entretanto, persistiam na prática, sentiram-se confortáveis no fazer do exercício artístico. Logo, os alunos passaram, gradualmente, a sentirem-se livres para exercitar o desenho e, então, exteriorizar no papel as suas vivências, histórias e críticas a partir das atividades propostas. Tal atividade favoreceu reflexões sociais que foram propostas em sala.
No processo interacional ensino e aprendizado em ambiente educacional, a criança estabelece uma aliança com o seu professor, um sentimento de empatia que faz com que ela tenha autonomia para se expressar, o que veio a ocorrer nessa experiência com o ensino das artes. Para Derdyk (2015: 25), “A criança está integralmente presente em tudo o que faz, principalmente quando existe um espaço emocional que o permita.”
Fora relevante para o andamento do projeto uma relação professor-aluno livre e aberta ao diálogo, pois essa relação é facilitadora dos atos criativos exercitados, gerando autonomia necessária para se expressar, cabendo aos arte-educadores, estimular a criança para que compreenda as implicações do ato de realizar arte em desenho.
Saviani (2002) afirma que o aluno deve receber estímulos para se pensar e criar, assim, aprenderá a agir em sociedade conhecendo seus direitos e deveres enquanto pertencente a ela, propiciando-o a transformar a sociedade onde vive. Nesse projeto, ao propor-se o pensar em temas do cotidiano e expressá-los sob as formas de desenho, fora oferecido novas formas de se deparar com o signo da arte, da cultura e da linguagem não verbal, elevando assim o desenvolvimento social da criança, por justamente provocar a cognição do indivíduo às relações sociais, operadas pela via das funções psicológicas superiores.
Propiciando ao aluno saberes e sentidos, faz com que a criança esteja em constante processo de transformação, nesse contexto, entende-se que seja necessária a interação com a cultura local a que o aluno pertença, em um trabalho com respeito à própria diversidade cultural encontrada entre os alunos em sala de aula.
De acordo com Iavelberg (2003: 11),
Aprender em arte implica desafios, pois a cultura e a subjetividade de cada aprendiz alimentam as produções e a marca individual é aspecto construtivo dos trabalhos. O aluno precisa sentir que as expectativas e as representações dos professores ao seu respeito são positivas, ou seja, seu desenvolvimento em arte requer confiança e representações favoráveis sobre o contexto da aprendizagem.
Em sala de aula, os autores deste estudo tinham a proposta de proporcionar, a partir da prática do desenho, um fazer artístico emancipador, sendo este um signo captador de novos paradigmas e pensamentos sobre temas que fazem parte da sociedade contemporânea. Com a prática do desenho, empreende-se o exercitar da criticidade, ordenação e coordenação da imaginação e do pensamento dobre temáticas específicas, enaltecendo a capacidade crítica e cognitiva das crianças.
As aulas percorreram os campos teórico e prático, em um processo no qual se trouxe o debate de temas e uma proposta de atividades práticas, visando à interação da criança com a técnica artística do desenho, fazendo-a interagir com o coletivo em sala de aula. As aulas tiveram como suporte a metodologia triangular para o ensino das Artes, desenvolvido pela arte-educadora Ana Mae Barbosa, apresentada em Arte-educação no Brasil (2006), metodologia esta que aponta a criação artística, a contextualização histórica e o fruir da obra de arte como sendo os pilares fundamentais para uma experiência mais abrangente e significativa com a arte.
Seguindo as diretrizes da proposta triangular, a metodologia de trabalho educacional com o desenho fora além de um fazer artístico pautado na livre “liberdade de expressão”. Dentre as propostas metodológicas com os temas empregados nas aulas, trabalhou-se com a análise crítica de obras em artes plásticas, bem como a identificação histórica e estética de movimentos artísticos.
O Desenho 1, elaborado por um aluno participante do estudo, traz a vivência proposta pelo tema “diversidade cultural”. Na reflexão do participante, expressada por meio do desenho, aponta-se uma representação de culturas diferentes entre si. Pode-se observar que as duas mãos desenhadas possuem signos opostos em referência a distintas crenças religiosas, diretriz dada pelo próprio aluno ao pensar esse viés da sociedade. Entende-se que tais reflexões, expostas de forma gráfica, apontam para a percepção do aluno com relação à pluralidade humana existente e que sua expressão artística indica um caminho de conhecimento, tolerância e respeito às culturas existentes no mundo. Nota-se também, que as mãos representam raças diferentes, bem como o uso de signos religiosos distintos entre si, para fomentar a reflexão de uma convivência possível entre opostos e diversos.
Partindo da reflexão e organização dos pensamentos sobre o tema, levou-se à formação das crianças o entendimento de que os seres humanos apresentam culturas diversas umas das outras, objetivando, além do fazer artístico, um exercício em prol da formação humana de qualidade, fato que implica o desenvolvimento social dela, conforme aborda a psicologia do desenvolvimento de Vygotsky.
A formação e promoção humana devem ser os principais objetivos da educação (Saviani, 2002). Nesse processo de ensino e aprendizagem, tinha-se também como eixo o anseio de propiciar à criança a sensibilidade na apreciação das obras criadas em sala, bem como a apreciação do desenho. A esse respeito, Mazzamati (2012) relata que docentes e alunos se apropriam de conhecimentos por meio da relação que fazem com os produtos. Partindo disso, a Arte pode ser considerada com um campo do saber em constante transformação que leva em consideração a comunicabilidade com tudo que permeia sua volta.
Para Mazzamati (2012), a criança, ao interagir emocionalmente com uma obra, condiciona-se a outras considerações de análise, como o uso das formas, cores, as relações entre as linhas, as sensações captadas, o tipo de material utilizado, e a relação histórico-social da obra e seu tempo, identificando o tema proposto e as soluções criadas para expressá-lo.
Determinados trabalhos em sala de aula foram realizados em grupos, com o propósito de estimular a inter-relação das crianças no momento da produção, trazendo ideias e pensamentos diversificados à tona, para fomentar reflexões e debates sobre os temas propostos (Figura 1). Para Rodrigues, Souza e Treviso (2017), além da cultura local e bagagem trazida pelos alunos para desenvolver uma eficiente aula de artes, é necessário um olhar ao redor do contexto onde se vive para se compreender a sociedade contemporânea e suas mudanças significativas. Com isso, teve-se como experiência neste estudo, uma arte-educação que prezou pelos meios dinâmicos e interativos entre professor-alunos e aluno-aluno, em um processo de permanente estímulo reflexivo e troca de signos proveniente da linguagem verbal (conversas sobre os temas) e não verbal (expressão artística por meio do desenho).
Pode-se apontar que a experiência de se trabalhar a arte-educação neste estudo, onde o desenho fora o signo mediador em sala, foi de que o processo de desenvolvimento social das crianças fora estimulado por meio da reflexão e da percepção dos temas que envolvem a dimensão social e cultural, o que veio a tornar-se perceptível em sala, a partir da composição dos trabalhos artísticos em desenho construído pelos participantes.
Ao longo do desenvolvimento das aulas vivenciadas com os alunos, os autores tiveram a necessidade de busca de concepções de metodologias de desenvolvimento de trabalhos com a técnica do desenho para crianças, pensando ainda em como despertar no alunado o prazer pelo fazer desta arte, indagando inclusive quais seriam as próprias concepções e capacidades técnicas de desenho. Nesse percurso, inerente ao trabalho escolar especialmente da arte educação, Mazzamati (2012) ressalta: “O professor, portanto para ensinar desenho, precisa antes de mais nada, investigar a própria concepção de desenho e de como desenha. Deve ter clareza sobre o que conhece relativamente à história e ao ensino do desenho [...]”. O autor ainda descreve que ao ter “[...] consciência do que sabe e do que não sabe, o professor terá meios de buscar as informações necessárias a sua formação em cursos, leitura na troca com seus colegas, e, principalmente, ao desenhar e registrar seu próprio percurso de aprendiz.” (p. 58).
Em sala de aula buscou-se criar autonomia e elevar a autoestima dos alunos por meio do desenho, tanto na prática (realizar o desenho), quanto na oralidade (momento de explanar sobre o trabalho artístico construído para os colegas de classe). Existiu, também, resistência por parte de alguns alunos, que alegavam não saber desenhar. Sabendo que a aprendizagem e expressão pela arte do desenho se dão de formas distintas, buscaram-se métodos para alcançar tais crianças a desempenhar o seu próprio processo criativo.
Sabe-se que o objetivo da arte-educação não é formar artistas, tampouco fazer com que alunos virem reprodutores de imagem, mas desenvolver a cultura, a capacidade sensível, imaginativa e de linguagem no aluno. Os proponentes deste estudo procuraram realizar aulas fazendo com que os alunos tivessem um espaço acolhedor, que lhes permitisse uma boa vivência e liberdade de expressão, o que é fundamental para a proposta de não apenas criar, mas refletir sobre os eventos sociais que circundam a realidade.
No Desenho 2, elaborado por participante deste estudo, pode-se observar a figura de uma mulher que apresenta hematomas no rosto. A figura em questão apresenta olhar frio e o rosto triste, observam-se ainda lágrimas. Na aula em que este trabalho foi realizado, a temática abordada fora a violência contra a mulher. Antes do fazer artístico ser proposto aos alunos, apresentou-se às crianças a importância da mulher na sociedade e de como ainda há lutas por partes delas para a sociedade se tornar um lugar mais digno onde haja equidade entre todos. A proposta temática tinha como propósito justamente fazer com que as crianças pudessem criar desenhos pluralistas onde colocassem a realidade do contexto social no papel, a fim de refletir, denunciar e expressar fatores inerentes a tal mazela presente muitas vezes dentro do próprio seio familiar.
Para Derdyk (2015: 114): “[...] desenho traduz uma visão porque reproduz um pensamento [...]”. Ao se trabalhar temáticas específicas em sala de aula deixou-se a criança produzir seu material artístico em desenho a partir da temática envolvida, de maneira livre e espontânea, além disso, buscou-se trabalhar a autoestima de cada aluno, para que se sentisse capaz de articular a arte do desenho com a arte de pensar o mundo e os fatores socioculturais ao seu redor.
O presente estudo buscou aprimorar as potencialidades dos participantes, para que encontrassem mais afinidade com as artes. Nesse exercício, percebeu-se a existência de um leque de alunos com diferentes potencialidades expressivas. Um grupo de alunos apresentou gosto e habilidade para o desenho, já outros grupos demonstraram maior prazer e criatividade para a criação de histórias e descrição oral dos trabalhos realizados.
A partir do cuidado com o desenvolvimento social da criança e o prazer e liberdade no contato com a arte, aponta-se que as aulas foram favoráveis à construção de segurança em si mesma para explorar, criar, imaginar, combinar e inventar ações necessárias para o desenvolvimento das habilidades que a Arte proporciona ao indivíduo, fazendo-a, inclusive, entender a naturalidade do erro e que tal faz parte da aprendizagem. Para Derdyk (2015), a criança que tem confiança no seu desenhar se permite expressar da maneira que se sente, com isso seu mundo é continuamente reinventado.
A proposta de se abordar em sala de aula os mais distintos temas presentes em uma sociedade era de se fazer naquele espaço um lugar plural. Exemplo disso foi a proposta de aula a partir da violência contra os animais e preservação da biodiversidade, onde, com o auxílio de um participante, levaram dois cachorros de pequeno porte para sala de aula para diversificar aquele espaço, tornando-o mais dinâmico e interativo para as crianças ali presentes.
A função primordial em sala de aula fora trabalhar temas sociais e dar um direcionamento teórico e prático aos alunos, para que pudessem construir seus trabalhos artísticos. No processo de criação do desenho, propôs-se também a experimentação de materiais e estilos diferentes do usual lápis e papel, ofertando oportunidade para que vivenciassem novas experiências artísticas na prática.
O ensino do desenho ocorreu de várias maneiras por meio de métodos específicos, como: a) Introdução ao conhecimento teórico e prático da linguagem visual, do processo criativo e da criação de imagens; b) Experimentação do desenho como linguagem, comunicação e conhecimento; c) Percepção das formas; d) Desenho artístico; e) Composição, desenho de observação e de memória; f) Experimentações estéticas a partir do ato de desenhar; g) Oferecimento de diferentes possibilidades de produção artística; h) Desenvolvimento intelectual, por meio do ato de criação.
A construção da criança como um ser ativo em uma sociedade pode ter como ferramenta de desenvolvimento o desenho, como linguagem e como arte, onde ela pode expressar a sua subjetividade, carregada de sentidos e sentimentos. Sendo o desenho um tipo de signo pertencente ao sistema simbólico da Arte, este é capaz de mediar a relação da criança com o meio em que vive, um processo que alimenta o desenvolvimento social, por propiciar reflexão, criação e imaginação a partir da realidade que a circunda, em uma ressignificação e expansão da realidade. Cabe ao professor participar do trabalho de ensino e aprendizagem, propiciando à criança liberdade e reflexão no aporte da Arte, permitindo as manifestações de expressão visual e verbal, elevando o ser a uma nova roupagem de conhecimento.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo possibilitou melhor compreensão sobre o conceito do desenvolvimento social da criança, bem como pode apontar como esse desenvolvimento permeia distintos processos em que a criança assimila no meio onde está inserida. Menciona-se, ainda, um maior entendimento em relação ao contato com os signos que fazem parte das estruturas de comunicação e no estimulo à reflexão sobre eles.
Ao logo da vivência focalizada neste trabalho, percebe-se a necessidade de se aprofundar a compressão do desenho como agente de transformação social. Poder ler, conhecer e vivenciar, à docência propicia um vasto conhecimento. A Arte é uma língua universal que pode ser interpretada de diferentes modos, favorecendo o homem a ter contato com a própria cultura e também com a cultura de outrem.
Na realização desta pesquisa foi possível observar alunos que, apesar de terem gosto e empatia pelo conteúdo artístico, não percebiam a relevância do ensino de artes que lhes era ministrado, o que motivou os proponentes deste estudo a trabalhar com o incentivo à criação artística e a autoestima dos participantes, com o intuito de eles sentirem-se capazes de realizar e terem contato com a arte do desenho. De tal maneira, viu-se a real necessidade de se trabalharem conteúdos transversais nas aulas de desenho, e, para isso, realizaram-se debates constantes de temas sociais que estão presentes contemporaneamente, para que auxiliassem o aluno a compreender e refletir sobre o contexto que o cerca.
O ensino da Arte, tal como a linguagem do desenho, pode assumir um caráter emancipador no processo de desenvolvimento social da criança, ofertando a liberdade de se expressar e interagir com o meio em que está inserida, possibilitando o alcance da plenitude de suas potencialidades ao longo de sua vida. Por meio da vivência em sala de aula foi possível observar os pontos discutidos nesta pesquisa, de como o desenho, a partir de um fazer artístico, implica o desenvolvimento infantil. A partir disso, considerou-se também a relevância do arte-educador no processo de desenvolvimento educacional de alunos, pois parte dele ser o agente interventor desse processo, auxiliando o alunado a incorporar valores e sentidos.
REFERÊNCIAS
Bakhtin, M. M. (1988): Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 4. ed. Hucitec, São Paulo.
Bakhtin, M. M. (1992): Estética da criação verbal. Martins Fontes, São Paulo.
Barbosa, A. M. (2006): Arte-educação no Brasil. 5. ed. Perspectiva, São Paulo.
Brasil. Presidência da República. (1996, 23 dez.): Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, p. 27.833. Disponible en: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Consultado en: 13/08/2019.
Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. (1997): Parâmetros Curriculares Nacionais: arte: ensino de primeira à quarta série. Ed. Secretaria da Educação Fundamental, Brasília, DF. Disponible en: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf.pdf. Consultado en: 13/08/2019.
Brasil. Presidência da República. (2006, 7 fev.): Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União, p. 1. Disponible en: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11274.htm. Consultado en: 13/08/2019.
Derdyk, E. (2015): Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. 5. ed. Zouk, Porto Alegre.
Hanauer, F. (2013): Riscos e rabiscos – o desenho na educação infantil. En Perspectiva, Erechim, v. 37, n. 140, p. 73-82.
Iavelberg, R. (2003). Para gostar de aprender Arte: sala de aula e formação de professores. Artmed, Porto Alegre.
Koshino, I. L. A.; Martins, J. B. (2011): Questões do desenvolvimento infantil em vigotski e seus desdobramentos para educação. En Anais do X Congresso Nacional de Educação, 2011, Curitiba. Ed. Universitária Champagnat, Curitiba, p. 3.114-3.127. Disponible en: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2011/5189_2707.pdf. Consultado en: 13/08/2019.
Mazzamati, S. M. (2012): Ensino do desenho nos anos iniciais do ensino fundamental: reflexões e propostas metodológicas. Edição SM, São Paulo.
Rodrigues, R. N. L.; Souza, L. J.; Treviso, V. C. (2017): Arte-educação: a relevância da arte no processo de ensino e aprendizagem. En Cadernos de Educação: Ensino e Sociedade, Bebedouro, v. 4, n. 1, p. 114-126. Disponible en: http://unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/cadernodeeducacao/sumario/50/26042017193023.pdf. Consultado en: 13/08/2019.
Saviani, D. (2002): Educação: do senso comum à consciência filosófica. 14. ed. Autores Associados, Campinas.
Vygotsky, L. S. (1991): A formação social da mente. 3. ed. Martins Fontes, São Paulo.
Vygotsky, L. S. (1994): The problem of the environment. En: Van der Veer, R.; Valsiner, J. (Eds.), The Vygotsky reader. Blackwell Publishers, Oxford, pp. 338-354.
Vigotski, L. S. (2000): A construção do pensamento e da linguagem. Martins Fontes, São Paulo.
Vigotski, L. S. (2010): Imaginação e criação na infância. A. L. Smolka, São Paulo.