Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


O COLÉGIO MARIA CONSTANÇA: SEU CURRÍCULO E SUA CULTURA ESCOLAR

Autores e infomación del artículo

Adriana Alves de Lima ROCHA*

UFGD, Brasil

lima.drirocha@gmail.com


RESUMO:
Neste artigo intento elaborar a configuração da história do currículo do/no Colégio Maria Constança, na década de 1960, utilizando como fontes de pesquisa os livros relatórios nos quais estão arquivados atas de reuniões, registro de eventos culturais e sociais, portarias internas e os livros didáticos, com o objetivo de apreender o seu desenho curricular. Para tanto destaco algumas expressões da sua cultura docente, na tentativa de demonstrar as relações sociais e os valores que compunham essa cultura. Diante dessas expressões recorro à identificação e análise das práticas curriculares, que orientadas pelo espaço e tempo escolares, revelaram os conhecimentos, os valores, as condutas e atitudes valorizadas e incentivadas no Colégio, e que determinaram a escolha dos livros didáticos cujos conteúdos possibilitaram a expressão de seu currículo.

PALAVRAS-CHAVE: Currículo. Cultura Escolar. Práticas Curriculares.

ABSTRACT:
In this article I intend to elaborate the configuration of the curriculum history of the Maria Constança College, in the 1960s, using as research sources the report books in which are recorded minutes of meetings, register of cultural and social events, internal ordinances and the books. didactics, with the objective of apprehending its curriculum design. To this end, I highlight some expressions of his teaching culture, in an attempt to demonstrate the social relations and values that made up this culture. Given these expressions I resort to the identification and analysis of curricular practices, which guided by school space and time, revealed the knowledge, values and conducts and attitudes valued and encouraged in the College, and which determined the choice of textbooks whose contents enabled the expression of your resume.
KEYWORDS: Curriculum. School culture. Curriculum Practices.

RESUMEN:

En este artículo pretendo elaborar la configuración de la historia curricular del Colegio Maria Constança, en la década de 1960, utilizando como fuentes de investigación los libros de informes en los que se registran las actas de las reuniones, el registro de eventos culturales y sociales, las ordenanzas internas y los libros. didáctica, con el objetivo de aprehender su diseño curricular. Con este fin, destaco algunas expresiones de su cultura docente, en un intento de demostrar las relaciones sociales y los valores que conformaron esta cultura. Dadas estas expresiones, recurro a la identificación y análisis de prácticas curriculares, que guiadas por el espacio y el tiempo escolar, revelaron el conocimiento, los valores y las conductas y actitudes valoradas y alentadas en el Colegio, y que determinaron la elección de los libros de texto cuyos contenidos permitieron la expresión de tu currículum

PALABRAS CLAVE: Currículum. Cultura escolar. Prácticas curriculares.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Adriana Alves de Lima ROCHA (2019): “O colégio María Constança: seu currículo e sua cultura escolar”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (octubre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/10/colegio-maria-constanca.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1910colegio-maria-constanca



INTRODUÇÃO

Entendendo a escola como uma instituição presente e necessária na sociedade moderna, tendo como funções a formação e a instrução dos indivíduos, além de ser um lócus privilegiado de relações culturais. Considerando cultura como as práticas das pessoas comuns, ordinárias, as maneiras de fazer, a ciência prática do singular que torna os espaços públicos e privados lugar de vida possível (CERTEAU, 1995; 1998) ou, segundo Williams (1992), em sentido antropológico/sociológico, o modo de vida global, um sistema de significação de um determinado grupo, ou, em um sentido mais restrito, as produções; artes, literatura, moda. Neste sentido os conteúdos, normas e valores transmitidos pela escola são escolhas feitas de porções legitimadas da cultura social, que podem revelar o projeto de educação proposto por um governo, ou, correspondem a escolhas culturais fundamentais ligadas às escolhas sociais que governam a organização prática do sistema educativo emanada da sociedade global (WILLIAMS apud FORQUIN, 1992). O que significa dizer que os conteúdos transmitidos na escola são selecionados para e pela escola e tal seleção de conteúdos e conhecimentos é expressa no currículo escolar, no currículo escrito.
Nesse sentido, a formação do currículo escolar dá-se na relação escola-sociedade, num processo histórico de conflitos de diferentes interesses e concepções sociais:

O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lógicos e epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos “nobres” e menos “formais”, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação e de controle, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, à raça, ao gênero. (SILVA, 2005. p. 9)

Assim, o currículo escolar supõe a concretização das finalidades da educação institucionalizada e das escolhas sociais e culturais de validação do conhecimento. O currículo organiza, seleciona e avalia a educação escolar por um lado e instrumentaliza a prática educativa por outro.
Nessa direção a escola possui uma vida interna própria, com seus sistemas de significados, relações e produções sociais. Segundo Viñao Frago (1995), é uma instituição com um conjunto de teorias, princípios ou critérios, normas e práticas, rituais e inércias sedimentadas ao longo do tempo, modos de pensar e agir, comportamentos e tradições compartilhados por seus atores.
Assim, o problema desse estudo compõe-se das seguintes questões: pode a cultura escolar determinar ou influenciar a expressão do currículo escolar de uma escola? Como a cultura escolar no Maria Constança determinou a efetivação do currículo escolar?
Para responder a esses questioidntos, este trabalho tem como objeto de estudo o currículo do Colégio Maria Constança de Barros Machado (O Maria Constança), Campo Grande – MS. O recorte temporal escolhido para realizar este trabalho foi a década de 1960, período que corresponde a implantação da primeira lei de âmbito nacional sobre educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 4024/61, aprovada em 1961. A metologia utilizada foi a pesquisa documental utilizando fontes que possibilitaram a apreensão do “desenho curricular” do Maria Constança: os documentos arquivados em quatro volumes de Livros, produzidos pela escola, que, por convenção, foram denominados de Livro Relatório 1 que contém correspondências enviadas, relação de professores, lista de disciplinas, entre outros, e corresponde às décadas de 1950 a 1960; Livro Relatório 2 que contém portarias internas de 1963 a 1967; Livro Relatório 3 que corresponde ao período de 1967 a 1976 e o Livro de Eventos que registra visitas e excursões de outras escolas e para outras escolas, eventos sociais, compra de materiais diversos, doações recebidas, mas só referente ao ano de 1967.
O artigo está organizado da seguinte forma: na primeira seção é apresentado uma breve introdução. Na segunda seção é demonstrado a cultura docente do Colégio para a compreensão de sua cultura escolar e da configuração de seu currículo. Na terceira seção  são indicadas as práticas curriculares. Na quarta seção é feita a análise dos livros didáticos do/no colégio Maria Constança e, por fim na quinta seção é desenvolvido o entendimento e considerações finais do estudo.

O ENSINO NO COLÉGIO MARIA CONSTANÇA: CULTURA DOCENTE

Podemos definir a cultura dos docentes como um conjunto de crenças, valores, hábitos e normas dominantes que determinam o que este grupo social considera valioso em seu contexto profissional, assim como os modos politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e se relacionar entre si. (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 164)
A cultura docente determina as relações interpessoais da instituição, os modos de interação dos alunos e as formas de atuação e comunicação na escola e na sala de aula. Segundo Pérez Gómez (2001), a cultura docente é um componente privilegiado da cultura escolar, ela constrói e representa as relações de poder, atuando na definição de papéis e funções, modos de gestão e na qualidade de interação entre os membros e os grupos que compõem a escola.
Embora na cultura escolar existam fatores da cultura dos alunos, essa se mostra dependente da cultura dos docentes, sendo substancialmente mediada por valores, normas e rotinas impostas por eles. Dessa forma, conhecer a cultura docente do Colégio Maria Constança é de fundamental importância para a compreensão de sua cultura escolar e da configuração de seu currículo.
O Colégio Maria Constança foi o primeiro colégio público da cidade de Campo Grande, hoje capital de Mato Grosso do Sul, mas na época de criação do colégio ainda pertencia ao Estado de Mato Grosso, já que a divisão política do Estado ocorreu em 1977. A criação do Colégio em 1939 possibilitou o acesso ao ginásio, para muitos filhos de operários e funcionários públicos, que não tinham condições de ampliar a escolaridade para além do então curso primário (1ª a 4ª série). Em 1954, como nome de Colégio Estadual Campograndense, passou a funcionar em um edifício novo, projetado pelo arquiteto Oscar Niemayer, um marco na arquitetura da cidade, que agregou ao seu valor educacional uma visibilidade ainda maior para a escola.
Em 1960 o quadro de funcionários administrativos foi apresentado no Relatório (n. 1/1960), elaborado pelo Diretor Prof. Ernesto Garcia de Araújo e endereçado à Secretaria de Educação do Estado (MT), como “completo e funcionando em perfeita harmonia”. Nesse mesmo relatório houve destaque para a disciplina do colégio e frequência, isto é, apresentadas como “boa e sem casos especiais”, “realmente boa, havendo muita assiduidade por parte dos alunos e professores” (n.1/1960 s/p), respectivamente. Tais descrições sugeriram que as definições de papéis e funções dentro da escola se encontravam determinadas e funcionando dentro do esperado.
Com relação ao quadro docente, esse mesmo relatório fez a seguinte descrição: “completo, eficiente, cônscio, assíduo e dedicado, quase todos registrados (n.1/1960 s/p)”, denotando que o corpo docente era considerado um ponto positivo do Colégio.
A história da cultura docente do Colégio Maria Constança apresentou particularidades significativas, entre elas a nomeação dos professores. Essa nomeação era realizada diretamente pelo Governador do Estado e, segundo o relatório (n. 1, de 1960), apenas 7 (sete) dos 34 (trinta e quatro) professores não tinham registro, ou seja, não eram professores habilitados e registrados no Ministério da Educação e Cultura (MEC), mesmo antes da exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 4024, de 1961:
Art. 61. O magistério nos estabelecimentos de ensino médio só poderá ser exercido por professores registrados no órgão competente.
Art. 98. O Ministério da Educação e Cultura manterá o registro de professores habilitados para o exercício do magistério de grau médio.

O quadro docente desse Colégio em 1960, assim se apresentava:

  • seis professores de História (três de História do Brasil, um de História Geral e do Brasil, um de História Natural e um de História Geral);
  • quatro professores de Geografia (dois de Geografia Geral e do Brasil, um de Geografia Geral e um de Geografia do Brasil);
  • três professores de Desenho;
  • três professores de Latim;
  • três professores de Língua Francesa;
  • três professores de Língua Portuguesa, sendo um de Português e Espanhol;
  • um de Português e Matemática;
  • dois de Matemática, sendo um de Matemática e Física;
  • dois de Educação Física, sendo um deles também de Língua Inglesa;
  • um de Geografia e História Geral;
  • um de Canto,
  • um de Língua Inglesa;
  • um de Trabalhos Manuais;
  • um de Filosofia;
  • um de Ciências Naturais;
  • um de Economia Doméstica.

(Fonte: Livro Relatório 1, 1960).
No corpo docente do Colégio Maria Constança, já em 1960, apareciam lotados os professores necessários para as cinco disciplinas escolares obrigatórias (Português, Matemática, História, Geografia e Ciências), tal obrigatoriedade estava disposta na Lei de Diretrizes e Bases nº. 4024, de 1961, sobre o currículo do ensino secundário.
Com relação às disciplinas optativas (Língua Estrangeira Moderna e Música) oferecidas no Colégio, dos mais de 75%, isto é, 27 professores eram registrados, o que possibilitou um quadro estável e com poucas mudanças entre inclusões e aposentadorias durante a década de 1960, o que pode ser considerado um aspecto importante considerando que:

De forma explícita ou de forma latente, a cultura docente modela a maneira particular de construir a comunicação em cada sala de aula e em cada escola, e cada vez é mais evidente que a qualidade educativa dos processos escolares reside na natureza dos processos de comunicação que ali se favorecem, induzem ou condicionam.
...
Convém, também, considerar que a cultura docente facilita ou atrapalha os processos de reflexão e intervenção autônoma dos próprios colegas e dos estudantes; por isso, se constitui no fator imediato de maior importância na determinação da qualidade dos processos educativos.
(PÉREZ GÓMEZ, 2001.p. 165)
Nesse sentido, na organização da escola e nas relações dessa com a comunidade, o corpo docente constitui um grupo social que influencia os modos de gestão, que orienta as tomadas de decisões e de participação na vida social da escola e, que define a construção de sua identidade e de seus valores.
E, ainda que nem a cultura docente nem os processos estruturais da escola sejam definitivos e determinantes no comportamento do professor, a estabilidade do corpo docente da escola pode indicar uma interação nos métodos educativos e na própria expressão curricular da escola, uma vez que:

O pensamento prático do docente que irá reger seus modos de interpretar e intervir sobre a realidade concreta da aprendizagem no grupo de estudantes se forma nestas redes de intercâmbio de significados através dos mitos, dos rituais, das perspectivas e dos modos de pensamento ideológico que dominam na instituição escolar.
(...) o pensamento prático se forma nestes tácitos, obscuros e, ao mesmo tempo, simples intercâmbios de significados no contexto escolar.
(PÉREZ GÓMEZ, 2004. p. 186).
Por outro lado, a propósito da formação do corpo docente do Colégio Maria Constança, aos professores que ainda não estavam registrados, e também aos funcionários da secretaria, eram oferecidas, periodicamente, oportunidades para que participassem dos cursos para registros no MEC. Esses cursos eram oferecidos pela Campanha de Aperfeiçoamento e Divulgação do Ensino Secundário (CADES), cujo objetivo era “orientar os professores nos processos modernos de pedagogia”, concluindo com os exames de suficiência. O que registro na seguinte Portaria:

Srs. Professôres,
Tendo a Inspetoria Seccional de Cuiabá através do Sr. Dr. Inspetor Amélio C. Baís, comunicado esta direção que em janeiro próximo funcionará um curso especial nesta cidade, para registro de professor e secretário no MEC, é com prazer que dou ciência aos Srs. Professores e Funcionários da Secretaria,para fazer a inscrição necessária ao referido curso.
Não estão registrados neste estabelecimento os professores: Dr. Eduardo Metello, Elisa Emília Cesco, Eny Aloísio Corrêa Britto, Geraldo Ramon Pereira, Jairo Alves Fontoura, João Corrêa Ribeiro, Joelina de Almeida Xavier, Marly Teixeira , Martha Marcondes Ribeiro, Narimi Maki, Reginaldo Teixeira de Araújo, Rosa Melke, e os funcionários da secretaria: Eneria Carvalho Rocha e Silva, Ana Marísia Lamontano e Joana Serpa Pinto. Assim, esta Diretoria ao transmitir-lhes o comunicado acima o faz com tôda satisfação ao mesmo tempo que se coloca ao inteiro dispor de todos a fim de que esta exigência do MEC seja atendida nesta casa de ensino.
Campo Grande, 3 de novembro de 1964.
(LIVRO RELATÓRIO 2, PORTARIA Nº32/64, p.52)
Nessa direção, a escola procurava, também, incentivar seus professores a participarem de cursos de formação, e não somente do curso para registro no MEC, além dos cursos oferecidos pela CADES. Segundo registro do Colégio, professores participavam de palestras e cursos de atualização oferecidos por professores de outras instituições, que eram promovidos tanto por iniciativa da escola como por conta de Editoras.
No Livro de Eventos, 1967, foi registrada a presença dos professores do colégio no curso sobre recursos audiovisuais realizado, no período de 10 a 17 de maio do mesmo ano de 1967, ministrado no Sesi de Campo Grande, o que denota tanto o interesse por outros recursos didático-pedagógicos enquanto “novas tecnologias”, como na possível utilização desses.

Assim, parecia existir na escola o interesse pela formação e qualificação de seus professores e, ao que tudo indica, os convites feitos pela diretoria da escola eram bem recebidos. Exemplo disso foi verificado na portaria, abaixo registrada, na qual consta que o professor da disciplina de Matemática viria se houvesse interesse por parte dos professores da escola, mesmo porque o curso seria custeado pela editora do Professor autor. No Livro de Eventos (1967) foi registrado que o curso foi realizado em junho do mesmo ano.

Portaria nº6/1967
Tendo em vista a possível visita a esta cidade, em julho próximo, do professor de matemática, Orlando Zambuzzi, com a finalidade de realizar um curso de Matemática moderna com a duração de 10 (dez) dias.
Solicitamos que os professores interessados assinem a presente portaria, que só assim poderemos saber se o referido mestre deverá vir.
A vinda do professor Zambuzzi será às expensas da Editora Brasil, e o curso será ministrado neste estabelecimento.
Diretoria do Colégio Estadual Campograndense, em Campo Grande, 16 de março de 1967. (Livro Relatório 2, p. 134).
Outro dado interessante da cultura docente do Colégio Maria Constança é que seus professores eram convidados a proferir conferências em eventos culturais abertos à população:

Srs. Professôres,
Realizando-se na corrente semana, as comemorações da Semana da Educação, que visa despertar a atenção do povo brasileiro para a solução do grave problema do analfabetismo, em boa hora incluído no Plano Trienal de Educação por Sua Exª o Sr Presidente da República, êste estabelecimento associando-se a tão patriótica iniciativa, fará realizar, sábado, às 9 horas, dia 27, no salão nobre, uma sessão cívica, para a qual tem o prazer de convidar e pedir a colaboração dos Srs. Professores.
Fará uma conferência sobre o tema “A Educação Integral”, o talentoso Professor de Português Cezar Macksoud. Desde já os agradecimentos penhorados da diretoria.
Cumpra-se,
Diretoria do Colégio Estadual Campograndense
Campo grande, 24 de abril de 1963.
(PORTARIA Nº 9/63, LIVRO RELATÓRIO. p. 10)
Os professores também eram chamados a representar a escola em solenidades sociais, extraescolares:
Portaria nº 23/66
Pela presente ficam convidados os Srs. Professores: Cezar Maksoud e Bemjamim Fernandez para acompanharem os alunos deste estabelecimento na procissão no dia nove do corrente, no que serão auxiliados pelas inspetoras de alunos Dª. Fani e Dª. França.
Os alunos deverão comparecer no local determinado, com uniforme de gala, às 15,30 horas.
Cumpra-se.
Colégio Estadual Campograndense, em 7 de junho de 1966.
(LIVRO RELATÓRIO 2, p. 116)
Ao considerar a escola como principal instituição da sociedade, responsável pela formação da nova geração, pela transmissão de conhecimentos e saberes, normas e condutas necessárias para a vida social, atende-se às demandas da sociedade. Dessa maneira, as atividades dos professores na interação com a sociedade, os rituais1 em forma de palestras ao público extraescolar, não só no interior do Colégio, mas também nos Clubes sociais e em eventos religiosos, é relevante por demonstrar a posição dos professores como representantes da escola, como pessoas de conhecimento e cultura.

Embora, às vezes, tenham a aparência de comportamentos inócuos, ingênuos e pouco importantes, os ritos devem ser considerados como meios de controle social que legitimam determinados papéis, expectativas sociais, crenças coletivas e formas de comportamento. Por isso os ritos são chaves para enriquecer a compreensão da vida de qualquer instituição, para entender o que significa participar na vida do grupo social.
(PÉREZ GÓMEZ, 2004. p. 237)

Diante desse quadro, a cultura docente do Colégio Maria Constança encontrava-se assentada na busca pela qualificação e formação de seus professores, ao mesmo tempo que construía relações sociais que ampliavam o papel e a visibilidade dos professores do colégio no âmbito externo a escola. Os professores representavam não só o ensino do Colégio, mas também a escola enquanto instituição educadora e formadora dos jovens da cidade.
Essa imagem parecia se consolidar nas práticas curriculares, o que tentarei no mapeamento delineado no próximo subitem, uma vez que os professores encontravam nessa cultura as possibilidades de ressignificarem-se como docentes e, como cidadãos do conhecimento, via inserção social.

O COLÉGIO MARIA CONSTANÇA E SUAS PRÁTICAS CURRICULARES

A instituição educativa constitui-se de normas, regras, grupos sociais que se relacionam em torno de finalidades educativas e das funções de transmissão de saberes e atitudes, de socialização e instrução. Nessa interação, as práticas curriculares são as atividades, tarefas e eventos sociais vivenciados pelo grupo de professores e alunos com a intencionalidade explícita ou implícita de viabilizar a materialidade do currículo.
As práticas curriculares, no estudo das disciplinas escolares, segundo Chervel (1990) produzem uma cultura própria, singular e criativa. Segundo o autor, as disciplinas escolares são produtos dessa cultura, “são criações espontâneas e originais do sistema escolar” o que comprova o caráter criativo do sistema escolar. O sistema educativo tem a dupla função “de fato ele forma não somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global” (1990, p.184).
No interior da escola, as práticas curriculares, o modo como se comportam professores e alunos, os processos de ensino e de aprendizagem, bem como os processos de socialização entre os grupos que a compõe são mediados e concebidos dentro do espaço e do tempo escolar.

O espaço é aquele que caracteriza a escola como lugar específico do ensino, e o tempo escolar é o que organiza e conforma as atividades no interior da escola e fora dela, tempo que é individual e institucional, condicionado e condicionante de outros tempos sociais (VIÑAO FRAGO, 1998).
Nesse sentido, dou destaque especial ao espaço físico do Colégio Maria Constança, na década de 1960, pois segundo Viñao Frago (1998), “a escola é espaço e lugar, algo físico, material, mas também uma construção cultural que gera ‘fluxos energéticos’”.
Apesar de ser uma construção nova (1954), considerando o recorte temporal do trabalho, projetada para o funcioidnto específico de uma escola, isto é, para atender às necessidades de um processo de escolarização, registro algumas leituras problematizadoras no que diz respeito ao espaço.
O Diretor Prof. Ernesto Garcia de Araújo apontou, no mesmo relatório n. 1 encaminhado à Secretaria de Educação do Estado (MT) que: “as salas de aula são pequenas e em número insuficiente, atendendo apenas ‘razoavelmente’ as necessidades do ensino”. Nesse mesmo documento o diretor fez ainda a seguinte descrição das condições físicas da escola:

INSTALAÇÕES: atendem razoavelmente as necessidades do ensino. As salas de aulas são em número insuficiente e pequenas.
HIGIENE: satisfaz pleidnte, permitindo visita a qualquer hora do expediente e atende mesmo aos mais rigorosos.
SANITÁRIOS: muito bem construídos, necessitando de reparos nas válvulas hidras.

O relatório apontou, também, como deficiência injustificável do colégio o fato de só possuir:

...uma sala ambiente, a de ciências, que está sendo improvisada para química, física e história natural, com inúmeras falhas. Ainda não possui salas de desenho trabalhos manuais, geografia e história e de línguas vivas, conforme exige o Ministério da Educação e Cultura. [...] É de grande necessidade a construção de um forno para queimar trabalhos feitos de barro, que são verdadeiras obras de arte.

As salas de aulas são espaços nos quais se desenvolvem as chamadas atividades educativas programadas de instrução e formação, onde mais especificamente se desenvolve o currículo escolar. A necessidade das salas ambientes aponta para o cumprimento de uma legislação educacional que propõe um currículo, mas que não supre as condições de efetivação do mesmo. Além do fato das salas serem insuficientes e pequenas, sem pressupor um grande afluxo de alunos para a escola.
Quanto aos espaços de trânsito e serviços (corredores, sanitários, pátios), foi destacada, no mesmo relatório, a questão da higiene da escola, o que denota a preocupação com a sanitarização e com a avaliação dos visitantes em relação ao aspecto da escola. A higiene parece ter sido considerada ponto de honra para a instituição, pois “atende mesmo aos mais rigorosos”.
A instituição educativa deveria ser um modelo de civilização e de progresso, seu espaço representaria e incentivaria a ordem, a disciplina e a eficiência, e, dessa forma, “reforçar valores morais relacionados a padrões de comportamento considerados civilizados” (SOUZA, 1998, p.142).
O espaço comum, ou seja, o espaço de reunião dos atores do Colégio Maria Constança se dava, principalmente, no chamado salão nobre, ou salão de eventos, e nas quadras de esportes. Esses espaços eram muito utilizados em comemorações cívicas, atividades sociais e esportivas e por isso mesmo, visitados por autoridades, pela sociedade e, inclusive alunos e delegações intermunicipais e interestaduais, isto é, eram espaços de exposição dos comportamentos e condutas de professores e alunos que davam crédito à escola.
Nessa direção, o Colégio Maria Constança correspondeu a um projeto de desenvolvimento e crescimento de uma sociedade, e foi no bojo desse desenvolvimento que se consolidou como instituição educativa de destaque, tanto que, em 1954, ganhou uma nova sede. Uma cidade em desenvolvimento urbano com seus teatros, cinemas, clubes sociais, hospitais, colégios e faculdades e que na década de 1960 era tida como “capital econômica” do estado (BITTAR; FERREIRA JR., 1999).

Dessa maneira, a história de uma instituição educativa envolve o contexto histórico social, as relações de poder, a cidade, os professores, o papel da instituição na sociedade, a relação escola, sociedade e as influências, e determinações de uma na outra (MAGALHÃES, 2004). 
Nesse sentido uma das formas de interação entre a escola e a sociedade eram as atividades esportivas: eram frequentes as visitas de delegações esportivas ao Colégio Maria Constança; escola que primava pelas participações esportivas e todo o ano recebia delegações esportivas e/ou visitava outros colégios no próprio Estado (Aquidauana e Três lagoas), ou fora dele, em São Paulo. Também participava das olimpíadas estudantis e apresentava frequentemente um bom desempenho, uma vez que conseguiu a vitória na maioria dos jogos. 
Além das atividades esportivas, jogos, campeonatos e olimpíadas, a escola tinha participação efetiva nos desfiles realizados nas datas cívicas. Mesmo porque no período pós-1964 as atividades cívicas iam ao encontro dos interesses políticos do Regime, com o objetivo de destacar o culto à pátria, aos símbolos nacionais e à nacionalidade. Esses eventos proporcionavam ainda maior visibilidade da escola na cidade, o que é possível depreender da Portaria abaixo:

Portaria nº16/63
Srs. Profs.
A profª. M. Constança de B. Machado, diretora do Colégio Estadual Campograndense, usando das atribuições que o Regulamento lhe confere, tendo em vista, a magnífica apresentação do Colégio no desfile do ‘Dia da Cidade’resultado do trabalho e cooperação dos professores e dos elementos de fora, Sgtº. Leitum e Senhora Djanira Estevão Assis Brasil, esta Diretoria louva-o pela boa vontade, amor ao trabalho e esforços dispensados à consecução do êxito alcançado no citado desfile. Outroissim, apresenta os maiores agradecimentos pela colaboração espontânea aos dirigentes da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, à firma Penttegil e a todos os Pais de alunos que bondosamente contribuíram para que o Colégio se apresentasse digidnte à altura que merece. Um aplauso aos alunos que tão bem souberam cumprir com os seus deveres no que concerne à ordem, à disciplina e obediência. O muito obrigada da direção a todos os discentes que acataram a ordem com carinho, respeito e patriotismo.
Diretoria do C.E.C. Campograndense. (Livro relatório 2, 1963, p. 16).
No documento acima, está clara a noção de que entre os deveres do aluno estavam: representar digidnte o Colégio, e atentar pela “ordem, disciplina e obediência”. Em outro documento os deveres dos alunos e o apreço à disciplina ficam ainda mais claros:

Portaria nº15/64
A Profª. M. Constança B. Machado, Diretora do Colégio estadual Campograndense, considerando que são deveres dos alunos:
a) acatar a autoridade do professor, dos professores, do Inspetor Federal, e os funcionários,
b) cumprir as determinações gerais do Regulamento, e obedecer as ordens do Diretor, dos Professores e dos funcionários investidos de autoridade;
c) observar as determinações do diretor relativas à ordem interna;
e considerando que o aluno da 4ªsérie A, Elio Barbosa Rosa, desacatou o professor de Inglês na aula, demonstrando má educação e desrespeito ás boas normas do regimento interno, não só da parte disciplinar da escola, como da parte relativa ao respeito à velhice, formação esta que todos os alunos devem trazer do lar, esta diretora resolve suspendê-lo por 10 dias de aula, e no caso de reincidência, entregar-lhe a guia de transferência.
Cumpra-se.
Campo Grande, 20/5/64 (Livro Relatório 2, 1964, p.41)
Nessa portaria (15/64) a escola, na pessoa da diretora, cobrou ainda mais da família, pois indicou que o aluno deveria ter um tipo de conduta e postura anteriores à escolarização, ou seja; a escola esperava e aprovava certo perfil de aluno, e, caso esse não correspondesse, seria entregue a “guia de transferência”. Deixou, ainda, evidente a importância da obediência como norma de conduta interna da escola, bem como o respeito à autoridade instituída, seja a diretora, o professor ou o funcionário. O aluno deveria ‘acatar a ordem com respeito, amor e patriotismo’, características presentes e valorizadas em todas as comemorações cívicas e sociais realizadas todos os anos na/ pela escola.

A comemoração, realizada no salão nobre do Colégio, consistia na celebração de uma missa, cerimônia religiosa católica. Após a celebração eram servidos bolos e chocolates aos alunos. A presença da autoridade religiosa, o Bispo da Diocese, D. Antonio Barbosa e a presença dos pais dos alunos, dos professores e funcionários, caracterizavam que, de fato, a ‘tradicional Páscoa dos alunos’, além de ser um acontecimento social na cidade, era também um momento de integração escola e sociedade.
A presença constante de autoridades militares nos eventos da escola mereceu destaque, não somente pela instalação do Regime Militar, em 1964, mas também, porque a cidade e a escola cresceram e se desenvolveram com a chegada do Comando Militar e de toda a estrutura que essa transferência exigiu. Acrescente-se a isso, o fato de muitos dos alunos matriculados no Colégio serem filhos de militares que dessa forma participarem como pais e como comunidade.
A instituição escolar é organizada, com papéis claramente definidos para cada grupo que compõe a organização: alunos, professores, pais e funcionários. A interação entre os grupos, os interesses e as relações de poder e as experiências sociais e culturais de cada grupo configuram, no interior da instituição, uma cultura própria, um conjunto de significados e comportamentos costumes, rotinas, rituais conservados e reproduzidos pela escola.
Segundo Souza (1998), os ritos, festividades e apresentações e solenidades de encerramento, introduzidas no ensino público no Brasil a partir da escola primária republicana, divulgava os valores, os símbolos e a pedagogia moral e cívica que lhe era própria, além de possibilitar à escola reafirmar sua identidade e seu valor social, divulgando o seu trabalho através dos próprios alunos.
Ainda sobre as atividades sociais realizadas no salão nobre, destaco as atividades de apresentação de áudios visuais, conferências e palestras sobre temas diversos para professores e alunos, incluindo temas das datas festivas do calendário escolar como “Dia do soldado – 25 de agosto”; “Dia da cidade – 26 de agosto”; “Semana da Pátria – 7 de setembro”, entre outras comemorações.
As atividades realizadas no salão nobre também podem ser consideradas atividades curriculares, uma vez que o currículo é:

...uma prática, expressão da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino. É uma prática que se expressa em comportamentos práticos diversos.
(SACRISTÁN, 2000, p. 15-16)

Nesse sentido, no calendário anual da escola as datas comemorativas também eram parte do conteúdo curricular. A direção do colégio recomendava que durante a semana os professores pedissem trabalhos, desenhos e redações sobre o tema, enfocando o acontecimento histórico e/ou personagem homenageado. Em algumas datas eram organizados concursos de redações e as melhores eram selecionadas pelos professores, geralmente, os titulares das disciplinas de história e/ou geografia, mas corrigidas pelos professores de português:

Portaria 10/64
Srs. Professores,
Comemorando-se, a cinco do corrente, o centenário do nascimento do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, esse brasileiro natural do Mimoso, neste Estado, recomendo-lhes a promoverem palestras, a executarem trabalhos em classe, sobre a vida do imortal matogrosssense, o ‘Bandeirante do Século XX’, como foi apelidado, a juventude e infância matogrossenses, empolgadas pelos seus feitos, ligando o nosso Estado ao do Amazonas pela linha telegráfica, atravessando a inóspita e brutal floresta é uma façanha ciclópica, precisam conhecer e reverenciar a memória de3sse bravo, mundialmente conhecido atravez das sociedades de geografia, sua vida foi no dizer de Dr. Demóstenes Martins, uma série de ‘Tragédias vividas, dramas padecidos, agonias amarguradas, e triunfos consumados’. Convido o Profº. Drº Carlos Garcia de Queiroz, para fazer uma preleção alusiva, dia 5 no período da manhã e o Dr. João Pereira da Silva, para a mesma incumbência no período da tarde. Desde já meus sinceros agradecimentos.
C. Grande, 2 de maio de 1964. (Livro Relatório 2, 1964, p.37)

A exaltação dos feitos dos ‘vultos nacionais’, do valor da pátria e seus atributos, eram recorrentes nessas comemorações cívicas A direção convidava um professor a palestrar para os alunos do período da manhã e outro professor para o período da tarde. Dessa forma, a organização do tempo escolar cumpria os objetivos educacionais: as palestras proferidas pelos professores sobre o assunto da data comemorada e os trabalhos pedidos exploravam a contextualização histórica do tema e a prática da educação moral e cívica, que deveria ser trabalhada durante todo ano por todas as disciplinas nas diversas atividades escolares.
Eram frequentemente realizadas recomendações pela direção, no sentido de ressaltar as qualidades e feitos do homenageado; “a grande amiga árvore” ou “o maior soldado brasileiro Duque de Caxias” como lição de civismo e conduta exemplar. Nessa direção eram organizados pela escola, ou pelo Comando da 9ª Região Militar, concursos literários com classificação e premiação dos primeiros colocados:

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Srs. Professores,
A 9ª Região Militar instituiu um concurso para estudantes secundários, em comemoração à ‘Semana de Caxias’. Para o 1º ciclo será de caráter histórico, o tema será qualquer das facetas da vida do bravo Soldado. A nota será a média do mês e o tema a desenvolver: Caxias o maior general do Brasil.
(Livro Relatório 2, p. 79)

Nos concursos promovidos pela 9ª Região eram selecionados os primeiros colocados de cada escola para concorrerem com os alunos selecionados das outras escolas da cidade (anexo 2). Os prêmios iam desde um passeio ao Quartel do comando Militar, um troféu, brindes ou até quantias em dinheiro. Para tanto, esses conteúdos eram trabalhados particularmente nas disciplinas escolares de História, Geografia, Língua Portuguesa, dentro do horário normal de aula com as recomendações de ênfase aos assuntos da data comemorativa.
Dessa forma, o calendário escolar pontuado pelas datas cívicas, incorria naquilo que diz Viñao Frago (1998), sobre o tempo escolar, isto é, ele é organizado e construído social e culturalmente, ele oferece diversas configurações, uma tem origem no sistema educativo, é o tempo de larga duração, com seus ciclos, níveis, cursos, exames. Outra é estabelecida pelos calendários escolares com o início, o final, as interrupções festivas e as férias. E a terceira configuração trata-se da divisão das disciplinas e atividades ao longo do tempo estabelecido, ano, semestre, bimestre, mês, semana, dia, manhã, tarde inclusive a distribuição das tarefas em quadros horários.
No Colégio Maria Constança, o horário das disciplinas escolares seguia a divisão prescrita pela Diretoria do Ensino Secundário, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961. A divisão dos horários era realizada por série e por disciplina, cada aula com duração de 50 minutos, com um intervalo de 10 minutos entre a terceira e a quarta aula.

O currículo da primeira e segunda séries era composto por nove disciplinas: cinco disciplinas obrigatórias de caráter intelectual, uma prática educativa (educação física) e três disciplinas optativas, sendo que uma apenas de encaminhamento para futura profissão (práticas industriais), uma de caráter artístico (canto) e outra de caráter intelectual (francês).
Já, o da terceira e quarta séries também com nove disciplinas: cinco disciplinas obrigatórias de caráter intelectual, uma prática educativa (educação física) e três disciplinas optativas, sendo que uma complementar à prática educativa de Educação Moral e Cívica (OSPB), uma de caráter utilitário e artístico (desenho) e outra de caráter intelectual (inglês).
Dessa forma, a distribuição do número de aulas, em todas as séries, privilegiava as disciplinas do currículo clássico de preparação para o curso superior, com ênfase no ensino de português, história, geografia, ciências e matemática.
A escolha do currículo para o ensino secundário priorizou as disciplinas de formação geral. Na leitura do próximo tópico a seguir, que abordará sobre o livro didático e a identificação dos conteúdos priorizados, será possível viabilizar a materialidade do currículo.
No próximo item procurarei me aproximar do currículo do colégio, nessa direção busco o livro didático como expressão máxima do material curricular a ser investigado no Colégio Maria Constança.

OS LIVROS DIDÁTICOS DO/NO COLÉGIO MARIA CONSTANÇA

Os materiais curriculares constituem um elemento-chave para o desenvolvimento do currículo e fazem parte do espaço escolar (VIÑAS, 1999), no entanto, entre a variedade de produtos e artefatos utilizados como material curricular, o material impresso é dominante no espaço escolar, especialmente o livro didático, que tem um papel de destaque no processo pedagógico. O livro didático é tradicionalmente o material curricular mais comum utilizado em sala de aula.
O livro didático é um instrumento pedagógico utilizado na estruturação do saber a ser transmitido nas escolas e, aliado a outros documentos, pode possibilitar o desvelamento de práticas da/na escola, pois ele faz parte da vida interna da escola; no manuseio dos alunos, no preparo das atividades pelo professor, inclusive nas tarefas que os alunos levam para casa.
É também o apoio do aluno para seus estudos e revisões para os exames, para o professor funciona como guia das disciplinas e matérias já estudadas e a serem estudadas, isto é, ele é pensado e produzido para a escolarização. Nesse sentido, o livro didático:

...instituiu-se historicamente, bem antes que o estabelecimento de programas e currículos mínimos, como instrumento para assegurar a aquisição dos saberes escolares, isto é, daqueles saberes e competências julgados indispensáveis à inserção das novas gerações na sociedade, aqueles saberes que não é permitido a ninguém ignorar. (SOARES, 1996, p.55)

O livro didático atende ao professor (que escolhe) e ao aluno (que efetivamente usa), mas os dois, alunos e professores, estão relacionados no mesmo espaço (escola, sala de aula) de maneira que um determinado título de livro didático possa ser utilizado por uma escola, por várias escolas e vários professores e alunos, que tenham nesse livro suas necessidades atendidas.

A produção de livros didáticos até a década de 1960 era praticamente artesanal:

...foram livros que permaneceram por longo período no mercado sem sofrerem grandes alterações; livros que possuíam autores provenientes de lugares tidos, naquela época, como de alta cultura, como o Colégio D. Pedro II; livros publicados por poucas editoras que, muitas vezes, não os tinham como mercadoria principal e, por fim, livros que não apresentavam um processo de didatização e adaptação de linguagem consoante com as faixas etárias às quais se destinavam.
(GATTI  JR., 2004, p. 37)

Os livros didáticos eram escolhidos a partir de uma lista publicada pela Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), a quem competia examinar os livros apresentados para análise e proferir um julgamento favorável, ou não, para autorização de seu uso. Para fazerem parte da lista publicada, os livros não deveriam conter de forma alguma, conteúdos que atentassem contra a unidade, a independência ou a honra nacional; pregação ideológica ou indicação de violência contra o regime político adotado na Nação; conteúdos que envolvessem ofensa ao Chefe de Estado ou autoridades instituídas; que desprezassem os símbolos nacionais ou insinuasse pessimismo em relação ao futuro do Brasil; que incitasse ódio às raças ou nações estrangeiras e que despertasse ou alimentasse a oposição e a luta entre as classes sociais; que atentasse contra a família ou pregasse contra a indissolubilidade dos vínculos conjugais.
Assim, a escolha dos livros para cada série e disciplina poderia ser feita pelos professores, juntamente com os diretores de escola, no entanto uma vez escolhidos, eles teriam que ser usados até o final do ano letivo, podendo ser reutilizados na mesma série por vários anos, ou trocados de um ano para outro.
Os livros didáticos do Colégio Maria Constança foram escolhidos por duas vezes durante a década de 1960: a primeira em 1964 (anexos 4, 4a e 4b) e renovados em 1968, de forma que alguns dos livros escolhidos permaneceram os mesmos durante toda a década.
Dos livros escolhidos no Colégio Maria Constança, os livros das disciplinas de Matemática, História do Brasil e História Geral, Geografia do Brasil e Geografia Geral, Organização Social e Política Brasileira (OSPB), de Língua Francesa e de Língua Inglesa foram escolhidos em 1964 e renovados em 1968, entre esses, somente estavam disponíveis:

  • O livro de Geografia de Haroldo de Azevedo para a segunda série ginasial.
  • O livro de Historia de José Borges Hermida,
  • O Livro de história da América de José Borges Hermida,
  • O livro de Língua Inglesa de Adazir Almeida Carvalho,
  • O livro de Matemática de Osvaldo Sangiorgi.

Nesses livros surgem conteúdos, que merecem identificação, considerando alguns princípios organizadores das práticas curriculares, a saber:
Livro de geografia:
O livro de geografia de Aroldo de Azevedo era indicado para todas as séries do ginásio, contudo o livro encontrado na biblioteca do Colégio parecia ser de uso da segunda série ginasial. O conteúdo desse livro estava organizado em cinco capítulos, cada um deles tratava de um dos continentes do globo terrestre: América, Europa, África, Ásia e Oceania e, Regiões Polares. Os capítulos estavam organizados em subitens que se repetiam em cada um dos Continentes, de forma que em cada capítulo do programa eram estudados.
Os aspectos físicos, as características gerais, os principais contrastes e as principais regiões geográficas do continente, continham os seguintes destaques:

  • A divisão das grandes regiões e os principais rios e acidentes geográficos, o clima e a vegetação.
  • A composição humana, a composição das raças, as línguas utilizadas, as religiões e aspectos da vida cultural.
  • A divisão política, os países, suas capitais e as principais cidades.
  • Os recursos econômicos, os aspectos da agricultura, comércio e indústria, os meios de transporte, e os principais portos.

Livro de História Geral:
O livro de história geral, de Borges Hermida era utilizado no ensino secundário do Colégio Maria Constança para as terceiras e quartas séries. O conteúdo do livro estava organizado em três partes:
A primeira parte apresentava uma pequena introdução sobre o tema: história e pré-história, na qual havia uma breve exposição sobre a idade da pedra e a idade dos metais. A segunda parte tratava das idades antiga e média, sendo organizados, em ordem cronológica, 28 capítulos nos quais eram explorados as civilizações e os povos antigos, os principais acontecimentos históricos (guerras, comércio, conquistas), iniciando com o antigo Egito e terminando com “A civilização Senhorial e Cristã”. Na terceira parte constava as idades moderna e contemporânea. Essa parte iniciava com o capítulo intitulado, “O início da idade moderna e as grandes invenções”. Ao todo eram 30 capítulos, nos quais estavam retratados, também em ordem cronológica, os acontecimentos marcantes da história ocidental: os descobrimentos marítimos, as reformas da igreja, o renascimento, as lutas religiosas, as guerras na Europa, os regimes políticos e as duas Grandes Guerras (a de 1914 e a de 1939) e terminava com o capítulo, “As letras e as Artes. As conquistas sociais”.

O Livro de História do Brasil:
O livro de história do Brasil para a primeira série ginasial, foi organizado cronologicamente em 10 unidades, e em cada unidade se destacavam as datas das conquistas, os personagens principais, os conflitos políticos e armados e as características de governo:
A primeira unidade tratava do descobrimento do Brasil: as grandes navegações, Pedro Álvares Cabral e as primeiras expedições exploradoras. A segunda apresentava a unidade do íncola, usos e costumes, principais nações e tribos, e o primeiro contato com o povo europeu. Já, a terceira unidade discorria sobre a colonização, a divisão em capitanias hereditárias, o sistema de Governo Geral a escravidão e a catequese. A quarta unidade tratava da expansão geográfica, as entradas e bandeiras e os tratados de limites. A quinta unidade descrevia a defesa do território, o domínio espanhol, as invasões holandesas e as manifestações nativistas. A sexta unidade tratava dos vice-reis na Bahia e no Rio de Janeiro, a transferência da corte portuguesa para o Brasil e a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido. A sétima unidade contemplava os movimentos precursores da independência, a regência de D. Pedro I e o grito do Ipiranga. A oitava unidade estudava o Brasil Império, primeiro reinado, os governos regenciais e o segundo reinado. A nona unidade tinha a proclamação da República e os governos republicanos como conteúdos. A décima, e última unidade, apresentava o Brasil contemporâneo, o Brasil e as relações com outras nações, o progresso nacional na fase contemporânea e o desenvolvimento cultural.

O Livro de Língua Inglesa:
O livro de língua Inglesa para a segunda série ginasial, organizava-se em 36 lições, sendo em cada lição abordada uma parte de vocabulário e outra de gramática.
O vocabulário abrangia os assuntos de cores, formas, objetos escolares, a casa, a família, partes do corpo humano, os sentidos humanos, peças de vestuário, tipos de alimentos e refeições, animais, plantas e profissões. A parte gramatical versava sobre verbos e temos verbais, pronomes possessivos, o caso possessivo, adjetivos, numerais, pronomes relativos, graus de comparação, preposições e conjunções.

O Livro de Matemática:
O livro de matemática para a segunda série ginasial, apresentava três capítulos, cada capítulo estava subdividido em 5 itens, e ao final de cada item trazia aplicações e uma série de exercícios.
O capítulo um intitulava-se ‘Potências e raízes. Expressões irracionais’; abordava as potências, expressões do quadrado da soma de dois números e do quadrado da diferença, raiz quadrada, raiz cúbica, números racionais e irracionais, radicais. O capítulo dois tinha como título, ‘Cálculo literal. Polinômios’ e seus conteúdos eram as expressões algébricas, monômios e polinômios, as operações algébricas, fatoração simples e composta, máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum, e frações. No terceiro capítulo intitulado, ‘binômio linear. Equações e inequações do primeiro grau com uma incógnita. Sistemas lineares com duas incógnitas. Aplicações; encontramos a igualdade algébrica, identidade e equação, binômio linear, a decomposição em fatores, inequações, equações do primeiro grau com duas incógnitas, sistemas de equações simultâneas e problemas do primeiro grau com uma e com duas incógnitas.
Os conteúdos dos livros didáticos, expostos então, explicitam uma parte do currículo do Colégio Maria Constança, uma vez que o livro didático demonstra os conteúdos, de cada disciplina escolar, planejados e organizados em capítulos e/ou unidades, e por meio deles é possível verificar os conhecimentos e informações valorizados pela escola.
Nessa parte explícita do currículo, via livro didático, é possível perceber que a ênfase das disciplinas não difere das recomendações propostas pelo Conselho Federal de Educação, pois embora fossem recomendações de caráter geral, elas supunham a concretização das finalidades da educação para o ginásio, que era a formação geral do adolescente.
O currículo é um artefato construído socialmente, de forma que a inclusão, exclusão ou manutenção de um conteúdo, de uma disciplina e das práticas escolares define o desenvolvimento intelectual e social dos alunos e os valores e atitudes que se deseja incutir em uma determinada instituição em cada época.
Em relação ao Colégio Maria Constança, a manutenção dos conteúdos no currículo pode ser percebida pelo fato de que os livros adotados no Colégio permaneciam os mesmos durante vários anos, pelo fato de possuírem um alto número de edições, e como já foi visto, a produção dos livros na época era quase artesanal e pouco se modificava de edição para edição:

  • O livro de História Geral de José Borges Hermida, em 1964 estava no exemplar nº53 068.
  • O livro de Língua Inglesa de Adazir Almeida Carvalho, em 1960 estava na 58ª edição.
  • O livro de Matemática de Osvaldo Sangiorgi, em 1963 estava na 98ª edição.

E, além disso, os pontos para exame do ano de 1959, encontrados no livro relatório 1, revelam estreita relação entre a seleção dos pontos para exame e o conteúdo dos livros adotados no período, por exemplo:

Pontos para dissertação – Geografia Geral e do Brasil

  • Atmosfera- os gazes que entram na sua composição, divisão da atmosfera – fatores que influem na temperatura do ar atmosférico.
  • América do Norte: relevo e hidrografia, montanhas rochosas Bacia do Mississipe – Missuri.
  • A terra – provas da redondeza – movimentos e conseqüências.
  • Ásia – estrutura física – Maciços Montanhosos – Planaltos  - Planícies – hidrografia.
  • Os cinco Oceanos.
  • América do Sul – divisão política cidades principais.
  • África – canal de Suez e sua importância econômica – hidrografia.
  • Europa Humana – Línguas e religiões – principais cidades européias.

O que pode significar a permanência de vários aspectos dos componentes curriculares uma vez que a organização do livro de geografia em regiões, relevo, divisão política e hidrografia, é bem presente na seleção de pontos, bem como a estrutura humana e o aspecto econômico. Essa aproximação dos conteúdos dos livros e dos pontos de exame pode ser verificada também nas disciplinas de matemática e história.
O colégio Maria Constança foi criado pelos interesses dos grupos sociais da época com o propósito de possibilitar o prosseguimento nos estudos, ginasial e o acesso aos cursos superiores, assim a escola procurava manter, segundo seus valores, uma boa qualidade de seu ensino, por meio do seu quadro docente e da materialidade do currículo escrito: tanto nas práticas curriculares como nas escolhas e usos dos livros didáticos dos conteúdos de ensino.
Segundo Goodson (1997), o currículo tem o poder de diferenciação social, já no início do século XX, tem-se a escolha dos diferentes conteúdos para alunos diferentes: aos alunos das escolas secundárias destinavam-se os currículos pensados para formar para profissões liberais ou cargos de direção e negócios. Já para aqueles que se interessavam por ciências aplicadas, as escolas técnicas, já, o currículo profissionalizante, para artes manuais, destinava-se para os alunos que se interessavam mais pelas coisas concretas.
A escolha do currículo da escola para o ensino secundário priorizou as disciplinas de formação geral e a distribuição do número de aulas privilegiava as disciplinas do currículo clássico de preparação para o curso superior, com ênfase no ensino de português, história, geografia e ciências e matemática.
As práticas curriculares do Colégio Maria Constança demonstram a intencionalidade de valorizar a disciplina, a conduta exemplar dos alunos e o sentimento de civismo mediante a prática educativa da educação moral e cívica, por meio das datas comemorativas e das disciplinas de história e geografia. Tal postura era reforçada pelos professores e pela visibilidade e credibilidade que a escola buscava junto à sociedade, nos eventos sociais e culturais promovidos pelo colégio com a participação de pais, alunos e professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da instituição escolar, segundo Magalhães (2004), não se confina a uma abordagem descritiva ou justificativa da aplicação de políticas educacionais, ela deve ser integrada ao seu contexto histórico político, espaço geográfico, social e temporal.
Desse modo o processo investigativo de uma instituição educativa deve descrever um percurso historiográfico que pode apresentar-se em forma de relatório contendo: processo, fases e resultados. Ou em forma de narrativa historiográfica que descreve, identifica, conhece e compreende a instituição e a história da instituição, correspondendo a um discurso que organiza a dinâmica que articula espaços, tempos, ação, agentes e sujeitos a um eixo epistêmico, na tentativa de definir a identidade histórica e o tempo institucional.
Nesse sentido, o desenvolvimento do trabalho foi direcionado pelas fontes que mais apontavam para as nuances da cultura docente do colégio e para as práticas curriculares.
Conhecer a cultura docente de uma instituição educativa é fundamental para compreender a cultura escolar e a configuração do currículo, e, embora não tenha sido possível perceber, neste trabalho, os aspectos interpessoais da instituição e os modos de interação entre alunos e professores. As fontes registraram uma escola que possuía uma cultura docente com especificidades relacionadas ao espaço escolar, à formação e, principalmente, ao papel que a escola desempenhava na relação com a sociedade. Segundo Frago (1998), a ordenação do espaço constitui um elemento significativo do currículo, independentemente de que aqueles que o habitam estejam, ou não, conscientes disso, o espaço escolar do Colégio Maria Constança já era um destaque, pelo projeto arquitetônico e pelo uso nas práticas curriculares: palestras e eventos culturais e esportivos.
Dessa forma, a cultura docente do Colégio Maria Constança construiu relações sociais que contribuíam para a visibilidade e reconhecimento da instituição e destacou o papel e a visibilidade dos professores do colégio no âmbito externo à escola. Os professores representavam a escola enquanto instituição educadora e formadora dos jovens da cidade, como pessoas de conhecimento e cultura; conhecimento e a cultura cuja função de transmissão cabe à escola.
Na educação, para Williams (FORQUIN, 1993), a seleção cultural tem um significado contundente na definição dos conteúdos de ensino que, segundo ele, são produtos de ênfases e/ou omissões sobre uns e outros elementos culturais, a partir de princípios e escolhas sociais dos que governam a organização e estruturação do sistema educativo.
O currículo é um meio que organiza, seleciona e avalia a educação, supõe a concretização das finalidades da educação e das escolhas sociais e culturais de validação do conhecimento escolar. Como um artefato de construção histórica, o mesmo está sujeito a mudanças, evoluções e rupturas, e se expressa singularmente em cada instituição.
Dessa forma, o currículo escolar apresenta uma seleção dos conteúdos a serem transmitidos na escola, mas sua materialidade acontece pelas experiências sociais e culturais que alunos e professores compartilham no cotidiano da sala de aula e dos espaços comuns do Colégio, que configuram um conjunto de significados e comportamentos: costumes, rotinas, rituais conservados e reproduzidos pela escola.
A pesquisa apontou que o Colégio deu ênfase, conforme solicitado pela legislação, à Educação Moral e Cívica, como processo educativo trabalhado durante o ano todo, e tinha como disciplina complementar Organização Social e Política do Brasil. A educação moral e cívica não foi disciplina obrigatória, mas prática educativa. Nessa direção, as datas comemorativas eram parte do conteúdo curricular, exaltação dos feitos dos ‘vultos nacionais’, do valor da pátria e seus atributos, eram práticas recorrente nessas comemorações cívicas. A direção do colégio incentivava a realização de trabalhos, desenhos e redações sobre o tema, dando enfoque ao acontecimento histórico e/ou personagem homenageado.
A escola tinha participação efetiva de professores e alunos nos desfiles realizados nas datas cívicas, com apresentação de conferências e palestras sobre das datas festivas do calendário escolar, como “Dia do soldado – 25 de agosto”; “Dia da cidade – 26 de agosto”; “Semana da Pátria – 7 de setembro”, entre outras. Mesmo porque no período pós-1964 as atividades cívicas iam ao encontro dos interesses políticos do Regime, com o objetivo de destacar o culto à pátria, aos símbolos nacionais e a nacionalidade.
O currículo, apesar da flexibilidade que a legislação permitia, isto é, escolha das disciplinas optativas, a possibilidade de cada escola desenvolver seu programa de ensino, desde que observasse as diretrizes do Conselho Federal de Educação, para cada disciplina, não contrariava a LDB 4024/61, nem tão pouco as recomendações do Conselho Federal de Educação. A escola respeitou o número de disciplinas por série, deu destaque às disciplinas de história, geografia, matemática e, principalmente a de português, e não só no que diz respeito à carga horária, mas também por meio das práticas curriculares.
Contudo não apresentou inovações, uma vez que continuou com as mesmas disciplinas tradicionais do ensino secundário. As escolhas curriculares da escola para o ensino secundário priorizaram as disciplinas de formação geral. Com relação à seleção dos livros didáticos para a década de 1960, os livros escolhidos vinham de um grande número de edições, ou seja, livros bastante utilizados pela comunidade escolar em geral. Os conteúdos trazidos nesses livros coincidiam com os conteúdos exigidos nos pontos de exames em anos anteriores, a divisão da disciplina por unidades, ou capítulos, e os assuntos tratados. Caracterizando que a escola não modificou o seu programa de ensino e não tinha um currículo único ou próprio, mas seguia o sugerido para todas as escolas secundárias.
A concretização do currículo na escola se dava pelas experiências sociais e culturais e pela interação dos seus membros, pelo ambiente social que se cria no interior da escola e que configura um conjunto de significados e comportamentos: costumes, rotinas, rituais conservados e reproduzidos pela escola, ou seja, pela cultura escolar, que é diferente e única em cada instituição.
Nessa perspectiva, a investigação indicou que a escola detinha certa visibilidade social, por meio dos eventos públicos abertos à comunidade. Muitos desses eventos eram prestigiados pela participação de autoridades religiosas, políticas e militares, como a páscoa dos alunos, que se tornou um evento social tradicional. Outro ponto de destaque eram os desfiles em datas comemorativas, como o “dia 7 de setembro”, o “dia da cidade”, datas como a “semana da asa”, enfim, eventos nos quais os alunos se apresentavam inclusive com a fanfarra do colégio, e que em algumas vezes receberam o reconhecimento pela boa apresentação mediante o recebimento de troféus e/ou congratulações das autoridades competentes.
As normas de conduta, obediência e respeito, oriundas do Colégio e repassadas aos alunos demonstram a importância que tinha a ordem e também a boa aparência: ‘usando o uniforme de gala’, bem como o apreço à disciplina, ‘estar presente pontualmente’, ‘acatar a ordem com carinho respeito e patriotismo’, como meio de destacar a boa educação recebida.
Todas as recomendações e orientações estavam presentes na vida cotidiana da escola; as normas, as regras e os grupos sociais se relacionavam em torno das funções de socialização e instrução assumidas pela escola. Nessa interação, os eventos sociais vivenciados pelo grupo de professores e alunos tinham a intencionalidade de transmitir conhecimentos, saberes e condutas valorizadas pela escola e também pela sociedade, como necessárias para a vida social, que faziam parte do currículo escolar.
O uso do salão nobre para as comemorações cívicas e sociais e para as palestras dos professores conferia a esses eventos importância e formalidade, e exigia do aluno o comportamento disciplinar, assim como as premiações da escola na promoção de concursos de redação, destacando o melhor aluno, os melhores professores, a melhor apresentação, reforçando a papel e o valor da escola para a sociedade. Essa relação, entre sociedade, escola e professores, indica a influência do Colégio Maria Constança na sociedade, e dos valores e costumes da sociedade na escola.
Contudo, Chervel (1990) considera que não podemos afirmar que “um súbito melhoramento dos locais, do mobiliário e do material teria modificado substancialmente e duravelmente as normas e práticas do ensino” (p. 195) e consequentemente seu prestígio.
A cultura escolar do Colégio Maria Constança apontou aspectos que indicavam a expressão de um currículo que valorizava os conhecimentos considerados de formação geral, que visava a atender alunos que tinham possibilidades de prosseguir nos estudos. A materialidade das práticas curriculares valorizava a disciplina, a ordem e a noção de civismo dada pela prática educativa da educação moral e cívica destacada nas atividades do colégio ao longo do ano letivo, nas quais era exigido dos alunos o comportamento exemplar no quesito disciplina e “apresentando [a escola] à altura que ela merece”.
O currículo é um artefato construído socialmente, segundo Forquin (1993) é uma teoria da educação que engloba o que se passa no interior das salas de aulas e da escola, e supõe a instituição escolar como local específico de transmissão de conhecimentos e aquisição de hábitos e capacidades.
A história do currículo pode revelar os planejamentos e os objetivos educacionais uma vez que passa por uma história cultural e social de seleção de conteúdos e de finalidades da educação. O currículo do colégio foi pautado, também, pela escolha dos livros didáticos, livros que traziam o conhecimento selecionado pela escola como válidos e cobrados por meio dos pontos de exame, assim, os livros didáticos eram suporte para o currículo escrito.
O Colégio Maria Constança construiu a história de seu currículo a partir de suas particularidades, buscava o destaque na sociedade, bem como afirmar sua identidade e seu valor social, divulgando o seu trabalho por meio dos próprios alunos e dos professores, isto é, da visibilidade que eles tinham tanto nas comemorações como nas participações em concursos e palestras e eventos sociais.
Há diversas possibilidades não exploradas, ou não exploradas devidamente, neste trabalho para a construção da história do currículo no Colégio Maria Constança. Um estudo mais profundo sobre a história da cidade, das relações políticas, da cultura organizacional e da distribuição do poder, contribuiria de maneira significativa para a história do Currículo, na década de 1960, em uma escola do sul do Mato Grosso.
As limitações do trabalho também são várias, entre elas, as mais evidentes se encontram no processo de produzir uma síntese entre as discussões teóricas sobre a história do Currículo, das instituições educativas e da cultura escolar em um espaço único — o Colégio Maria Constança — num período datado, uma vez que ainda é um campo pouco explorado no Brasil e com literatura relativamente pouco acessível.

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* (UFGD) lima.drirocha@gmail.com
1 Os ritos de uma comunidade chegam a configurar os códigos simbólicos que se utilizam para interpretar ou negociar os sucessos na existência cotidiana do grupo (PÉREZ GÓMEZ, 2004.p. 237).

Recibido: 09/10/2019 Aceptado: 18/10/2019 Publicado: Octubre de 2019

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