Diego Manosso*
Alfredo Cesar Antunes**
UEPG, Brasil
Email: alfredo.cesar@hotmail.com
RESUMO: O presente trabalho apresenta uma sistematização do conteúdo do Judô como elemento da Cultura Corporal, presente na disciplina de Educação Física, trabalhada no âmbito escolar nos anos finais do ensino fundamental. Para a realização da pesquisa foi utilizada a seguinte pergunta norteadora: entre todos os conteúdos que fazem parte da Cultura corporal, como o Judô pode ser trabalhado na disciplina de Educação Física nos anos finais do Ensino Fundamental? Para responder essa questão foi utilizada uma revisão bibliográfica e a análise de três documentos que embasam a Educação, sendo dois deles em nível nacional (Parâmetros Curriculares Nacionais e a Base Nacional Curricular Comum) e um em nível Estadual (Diretrizes Curriculares Para Educação Básica – Paraná). A partir dos documentos, verificou-se que o conteúdo Judô pode ser categorizado através de duas formas diferentes, a primeira que vislumbra o judô como uma Luta e a segunda que contempla o Judô através da ótica esportiva (Modalidade Esportiva de Combate), além disso, a partir dos documentos, o ensino de Judô é recomendado para adquirir um amplo repertório motor. De acordo com as DCE’s e a BNCC a recomendação para trabalhar com o Judô se dá principalmente a partir do 7º ano do Ensino Fundamental. Ainda a partir do presente trabalho, verificou-se as principais dificuldades para o ensino do Judô como conteúdo da Educação Física Escolar e também as possibilidades e adaptações para que o professor consiga trabalhar esse conteúdo nas aulas de Educação Física.
Palavras-chave: Educação Física Escolar; Ensino; Judô; Ensino Fundamental.
RESUMEN: El presente trabajo presenta una sistematización del contenido del Judo como elemento de la Cultura Corporal, presente en la disciplina de Educación Física, trabajada en el ámbito escolar en los años finales de la enseñanza fundamental. Para la realización de la investigación se utilizó la siguiente pregunta orientadora: entre todos los contenidos que forman parte de la Cultura corporal, como el Judo puede ser trabajado en la disciplina de Educación Física en los años finales de la Enseñanza Fundamental? Para responder esta cuestión se utilizó una revisión bibliográfica y el análisis de tres documentos que fundamentan la Educación, siendo dos de ellos a nivel nacional (Parámetros Curriculares Nacionales y la Base Nacional Curricular Común) y uno a nivel Estadual (Directrices Curriculares para Educación Básica - Paraná ). A partir de los documentos, se verificó que el contenido Judó puede ser categorizado a través de dos formas diferentes, la primera que vislumbra el judo como una Lucha y la segunda que contempla el Judo a través de la óptica deportiva (Modalidad Deportiva de Combate), además , a partir de los documentos, la enseñanza de Judo se recomienda para adquirir un amplio repertorio motor. De acuerdo con las DCE's y la BNCC la recomendación para trabajar con el Judo se da principalmente a partir del 7º año de la Enseñanza Fundamental. A partir del presente trabajo, se verificaron las principales dificultades para la enseñanza del Judo como contenido de la Educación Física Escolar y también las posibilidades y adaptaciones para que el profesor consiga trabajar ese contenido en las clases de Educación Física.
Palabras clave: Educación Física Escolar; la educación; judo; Enseñanza fundamental.
ABSTRACT: The present work presents a systematization of the content of Judo as an element of Body Culture, present in the discipline of Physical Education, worked in the school environment in the final years of elementary school. In order to carry out the research, the following guiding question was used: among all the contents that are part of Body Culture, how can Judo be worked in Physical Education in the final years of Elementary School? In order to answer this question, a bibliographic review was used and the analysis of three documents that support Education, two of them at the national level (National Curricular Parameters and the National Curricular Common Base) and one at the State level (Curricular Guidelines for Basic Education - Paraná ). From the documents, it was verified that the content Judo can be categorized in two different forms, the first one that sees the judo as a Fight and the second that contemplates the Judo through the sports optics (Sport Combat Modality), in addition , from the documents, teaching Judo is recommended to acquire a broad motor repertoire. According to the DCE's and the BNCC the recommendation to work with Judo is given mainly from the 7th year of Elementary School. Also from the present work, we verified the main difficulties for the teaching of Judo as a content of Physical School Education and also the possibilities and adaptations for the teacher to be able to work this content in the classes of Physical Education.
Palavras-chave: School Physical Education; Teaching; Judo; Elementary School.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Diego Manosso y Alfredo Cesar Antunes (2019): “Possibilidades para o ensino de judô como conteúdo da educação física nos anos finais do ensino fundamental”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (septiembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/09/ensino-judo-educacaofisica.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1909ensino-judo-educacaofisica
Introdução
O presente estudo teve como objetivo verificar como é realizado o tratamento do Judô como conteúdo da cultura corporal, presente na Educação Física Escolar (EFE), nos anos finais do ensino Fundamental. Para que isso seja possível utilizou-se a ótica de três documentos que norteiam a Educação Básica, elencados por data de publicação. O primeiro, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), publicados no ano de 1998, têm como objetivo o auxílio da prática docente, para que os alunos dominem os conteúdos e cresçam como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes do seu papel na sociedade (PCN, 1998, p.9).
O segundo documento, as Diretrizes Curriculares Da Educação Básica (DCE’s), publicadas pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, no ano de 2008, traz em sua formulação uma relação de conteúdos considerados como básicos para o Ensino Fundamental e Médio. São eles considerados como ponto de partida para elaboração das Propostas Pedagógicas Curriculares das escolas da Rede Estadual de Ensino.
Por fim, observa-se o terceiro documento, do ano de 2017, com a publicação da Resolução CNE/CP nº 2 que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em todo o território Nacional. Destaca-se ainda que esse documento faz referência à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental.
Os documentos mencionados auxiliam os professores e as escolas durante a formulação dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), fazendo com que exista uma diversidade de conteúdos que podem ser trabalhados durante o ciclo de escolarização dos estudantes.
Através da análise dos documentos supracitados, a pergunta que norteia o presente trabalho é: entre todos os conteúdos que fazem parte da Cultura corporal, como o Judô pode ser trabalhado na disciplina de Educação Física, nos anos finais do Ensino Fundamental?
Para análise do Judô, como conteúdo da Educação Física Escolar, foi utilizada a classificação do Judô como Luta e como Modalidade de Esportiva de Combate (MEC).
Os PCN’s e as DCE´s trabalham na perspectiva da Cultura Corporal. Enquanto que a BNCC traz o Judô em duas categorias das unidades temáticas apontado, assim, como Luta e também como Esporte. Observamos que a prática do judô está categorizada como um Esporte de Combate, se aproximando mais de uma Modalidade Esportiva de Combate (MEC) do que de uma luta, Correia e Franchini definem a MEC como:
A denominação Modalidades Esportivas de Combate implica uma configuração das práticas de lutas, das artes marciais e dos sistemas de combate sistematizados em manifestações culturais modernas, orientadas a partir das decodificações propostas pelas instituições esportivas (CORREIA e FRANCHINI, 2010, p. 02).
A partir dessas considerações, o objetivo geral do trabalho será verificar, recorrendo aos PCN’s DCE’s e BNCC, as possibilidades do ensino de Judô como conteúdo de Cultura Corporal presente na Educação Física Escolar. O objetivo específico será verificar as dificuldades e as possíveis soluções para o ensino do Judô como conteúdo da Cultura Corporal.
Sendo assim, o presente trabalho justifica-se através da ancoragem em alguns pontos importantes para a discussão, que serão elencados a seguir.
De início, o exercício físico planejado e organizado traz benefícios para a saúde de quem prática, assim também se considera o Judô. Em pesquisa realizada por Gonçalves, Miguel e Campos (2017), verificou-se que a prática de Judô pode auxiliar no controle da obesidade em indivíduos de idade escolar. Existem também os benefícios físicos, além das vantagens relacionadas à Atitude Moral e ao espírito de Luta (BENEDICTO, 2012).
Apesar de todos os benefícios da prática, as Lutas são renegadas perante o ensino regular por parte dos professores. Segundo Rufino (2016), muitas vezes o conteúdo de lutas não faz parte das aulas de Educação Física, frequentemente é deixado como segundo plano e trocado por outros conteúdos, como os esportes coletivos.
Apesar disso, não se pode culpar somente os professores pela falta do conteúdo, uma vez que o medo da prática docente está relacionado à falta de espaço, falta de material, falta de vestimentas adequadas e as associações às questões de violência (RUFINO, 2016). Além disso, a formação precária que não permite a total capacitação para o trabalho, como verificado por Manosso (2015), ao analisar 41 anos de grade curricular do curso de Licenciatura em Educação Física de uma Instituição de Ensino Superior.
Outro problema verificado é a escassez de material relacionado não somente ao Judô no âmbito escolar, mas também relacionado à falta de publicações referentes às lutas e as artes marciais. Através de uma análise realizada por Correia e Francini (2010), em que verificaram 10 anos de publicações em 11 periódicos diferentes, foram encontrados 2561 artigos, mas somente 75 ou 2,93% desses artigos tinham relação com a temática “Luta”.
Ainda existe a obrigatoriedade de ensino das práticas de Lutas, pela Base Nacional Comum Curricular do Ensino Fundamental. Lei aprovada em 15 de dezembro de 2017, que prevê como objeto de conhecimento o tópico “Lutas do Mundo” para o oitavo e nono ano do Ensino Fundamental.
Observa-se, apesar disso, que a legitimação por meio da lei é a menor das justificativas para a realização do trabalho, já que existem tantos pontos falhos em relação ao ensino de Lutas, em específico do Judô como conteúdo da Educação Física Escolar.
A pesquisa realizada é de cunho qualitativo, que segundo Neves (1996), trabalha com os seres humanos, atrelando, desta maneira, em seu contexto, visões de mundo construído ao longo da história da humanidade.
Para que a pesquisa fosse possível, foi utilizada a revisão bibliográfica e documental. Marconi e Lakatos (1988) levam em consideração que a revisão de materiais escritos pode servir como fonte de informação para a pesquisa científica.
A partir da revisão dos documentos citados, pode-se confeccionar um cenário para o estudo, em que cada documento foi analisado na tentativa de encontrar as possíveis formas de se trabalhar o Judô como conteúdo da Cultura Corporal.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, datados de 1998, pode-se encontrar a Educação Física como uma visão da Cultura Corporal. Segundo os PCN’s, isso surge a partir de inúmeros conhecimentos e representações que se transformaram ao longo do tempo, ressignificando as suas intencionalidades e as formas de expressão. Constituem o que se pode chamar de cultura corporal. (BRASIL, 1998, p. 23). Nesse contexto, o Judô aparece como conteúdo da cultura corporal, uma vez que a Educação Física incorporou algumas práticas corporais, como por exemplo, as lutas.
Os PCN’s abordam, de forma sistêmica, os conteúdos através de três blocos, que deverão ser trabalhados pelo professor durante todo o ensino fundamental. Ressalta-se que o profissional deve distribuir os conteúdos de maneira equilibrada e adequada. Os blocos estão divididos em: “Esportes, Jogos, Lutas e Ginásticas”, “Conhecimentos sobre o corpo” e “Atividades Rítmicas e expressivas”.
O Judô, conteúdo da EFE, se encaixa como uma modalidade de luta, entretanto, os próprios PCN’s o tratam como uma tarefa arriscada, podendo haver uma delimitação dos conteúdos devido às aproximações e distanciamentos sutis que podem ocorrer durante a prática. Portanto, a classificação da prática deve ser realizada a partir do contexto e das intenções dos praticantes no momento em que é realizada.
Os PCN’s ainda mostram que a diversidade cultural encontrada no Brasil é imensa, sendo que cada estado, cidade ou até mesmo escola pode ter uma gama de atividades diferenciadas. Portanto, são listadas algumas possibilidades de conteúdos que podem ser ampliados ou reduzidos de acordo com a necessidade regional. Fazem parte da lista de lutas as seguintes modalidades: judô, capoeira e caratê (SIC).
Compreende-se que é importante trabalhar os conteúdos da EFE em todas as dimensões (cognitiva, corporal, afetiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social). Sendo que o aluno deve aprender para além das técnicas de execução da modalidade, mas também a discutir as regras e estratégias, apreciá-las criticamente, analisá-las esteticamente, avaliá-las eticamente, ressignificá-las e recriá-las. (BRASIL, 1998, p.24).
Portanto através dos PCN’s, pode-se observar a tentativa de nortear a prática docente, trazendo não o que deve ser trabalhado em um conteúdo específico, mas sim a tentativa de apresentar ao professor a necessidade de trabalhar de maneira ampla a Educação Física, através de todas as dimensões. Com isso, o Judô, como conteúdo da Cultura Corporal, pode ser trabalhado por meio do Histórico da Modalidade, Fundamentos, Princípios Filosóficos, Regras e Técnicas, além da possibilidade de trabalhos contra a violência e na promoção da saúde e do bem-estar.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica foram divulgadas no ano de 2008, pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Documento formulado a partir de uma longa discussão de quatro anos entre os professores da Rede Estadual de Ensino. Um dos objetivos desse documento é ser ponto de partida para a formulação das Propostas Pedagógicas Curriculares.
O documento abrange desde os anos finais do ensino fundamental (6º a 9º ano) até o Ensino Médio. E buscou-se, em sua criação, uma distinção dos PCN’s, criticado durante o próprio documento, pois, com a vigência apenas dos PCN’s observava-se um esvaziamento dos conteúdos específicos da Educação Física e uma abrangência significativa dos temas transversais. A partir das DCE’s busca-se o enfoque da Cultura Corporal, entendida como objeto principal da Educação Física.
Para recuperar a Cultura Corporal como objeto principal e romper com a maneira tradicional de se tratar os conteúdos da Educação Física, foram interligados as práticas corporais de forma reflexiva e contextualizada. Utilizaram-se, para isso, os elementos articuladores, sendo eles: o corpo, a ludicidade, a saúde, o mundo e o trabalho, a desportivização, a técnica e a tática, o lazer, a diversidade e a mídia.
Através dos elementos articuladores, existem possibilidades para o trabalho do Judô como conteúdo da Educação Física Escolar. Abaixo alguns exemplos de como os elementos articuladores podem se relacionar com o Judô:
Cultura Corporal - Ludicidade: Existem atividades lúdicas que servem para aquisição de padrões motores relacionados à prática do Judô. Nesse contexto, atividades como: disputa de saci, disputa de dinossauro, mini-sumô, auxiliam no desenvolvimento dos alunos através de brincadeiras, atividades atreladas a uma prática.
Cultura Corporal - Saúde: Através desse elemento articulador, podem ser realizadas discussões relacionadas à necessidade de manutenção de peso corpóreo, para lutar em determinada categoria de peso; limites naturais do corpo em relação às determinadas técnicas como, por exemplo, as manipulações de articulações ou obstrução de vias aéreas e sanguíneas durante o combate; as lesões mais frequentes relacionadas à prática e também o uso de substâncias ilícitas pelos atletas para obtenção de melhores resultados.
Cultura Corporal - Mundo do Trabalho: Partindo deste item, podem-se realizar trabalhos em que se relaciona o Judô não somente como prática corporal, mas como um mercado de trabalho. Neste sentido, os atletas são contratados por grandes clubes para representar as instituições em competições, ou até mesmo a entrada desses atletas em Forças Armadas para representá-los em Jogos Militares e a relação disso como à prática esportiva.
Cultura Corporal - Desportivização: O Judô, em sua gênese, já é considerado por alguns autores como Pinto, Carvalho, Barbosa e Alves (2009) como um fenômeno desportivo, deixando de lado, assim, a visão de Judô como arte marcial. A partir disso, podem-se realizar discussões em relação aos valores da prática, estes instituídos durante a sua criação e a atual situação esportiva. É possível então, verificar se houve uma perda desses valores, se aconteceram mudanças de práticas através da necessidade de adaptação a competições, etc.
Cultura Corporal - Técnica e tática: Divulgada amplamente em todos os esportes e lutas, bem como no ensino do Judô, no âmbito Escolar. Pode ser aplicada a divisão básica de técnicas: Nague Waza, Ne Waza e Atemi Waza, além disso, recomenda-se realizar discussões através da evolução tática do esporte em relação ao combate, mas priorizando o desenvolvimento de técnica e tática atrelado a um objetivo e não apenas sendo realizado pela prática, sem nenhum intuito.
Cultura Corporal – Lazer: A partir desse ponto, reflete-se a prática de forma não competitiva, mas para aquisição de saúde e bem-estar, realizada em tempo livre. Podem-se trazer professores externos à escola para demonstrações de aula de Judô como forma de Atividade Física relacionada ao lazer.
Cultura Corporal – Diversidade: Além de toda a contextualização cultural diferente, do território brasileiro, em relação ao Judô, que possui origem nipônica, pode-se trabalhar a aquisição cultural, desde o vocabulário à princípios de prática. Pode-se também trabalhar com exemplos de diversidades, como é o exemplo do Judô para cegos, atividade em que os alunos, para entender como são realizadas as competições, podem ficar vendados.
Cultura Corporal – Mídia: É natural dentre os esportes que ocorram atualizações nas regras para melhor compreensão da mídia. O esporte tem passado por diversas alterações em suas regras, para a adaptação aos meios de comunicação, para acessibilidade ao grande público e por questões econômicas. Neste sentido, podem ser realizadas discussões em relação às alterações do Judô em diferentes momentos históricos, de forma a incentivar a compreensão deste fenômeno por parte dos alunos.
Além do trabalho através dos elementos articuladores, as DCE’s trazem para o trabalho do profissional de Educação Física, os conteúdos estruturantes, em que o Judô é incluso no conteúdo de Lutas. O documento indica que o ensino deve ser realizado através de um contexto histórico da modalidade, explicado desde os motivos de sua criação até sua prática.
É necessário fazer com que a modalidade não seja vista apenas como a repetição das técnicas, mas também a aquisição de valores e princípios atribuídos à prática, como: cooperação, solidariedade, o autocontrole emocional, o entendimento da filosofia que geralmente acompanha sua prática e, acima de tudo, o respeito pelo outro, pois sem ele a atividade não se realizará. (PARANÁ, 2008, p.69).
Neste sentido, é importante que se tenha sobre a prática uma visão crítica e reflexiva, desenvolvendo amplamente no aluno para além das capacidades físicas.
Em relação ao desenvolvimento dos conteúdos nos anos de escolares, o Judô, como conteúdo da Educação Física Escolar, aparece como conteúdo do sexto ano como Luta de Aproximação. Observa-se que não existe nenhuma recomendação específica para o trabalho do Judô, mas ao se tratar de Lutas de Aproximação, o Judô pode ser trabalhado através dos jogos de oposição e da pesquisa com relação à origem, filosofia e histórico da luta, além dos seus movimentos característicos.
Entretanto, nota-se que é no sétimo ano que se trabalha realmente o conteúdo de Judô. Ano em que se repete a aquisição de conhecimentos relacionados às lutas de aproximação e também se trabalha a recomendação das DCE’s que objetiva a aquisição do conhecimento dos alunos, como conhecer a história do judô, karatê, taekwondo e alguns de seus movimentos básicos como as quedas, rolamentos e outros movimentos.
A partir desse objetivo, podem-se trabalhar as técnicas de projeção (Nague Waza), as técnicas de amortecimento de quedas (Ukemis) e técnicas de domínio de solo (Ne waza – Técnicas de imobilizações, estrangulamentos e manipulação de articulação).
Fundamentado nas DCE’s, pode-se observar um rol de possibilidades para o trabalho do Judô como um conteúdo da Educação Física Escolar, principalmente durante o sexto e sétimo ano do Ensino Fundamental. Cabe assim, ao professor, a função de adaptar os conteúdos para que os alunos tenham acesso ao Conteúdo da Cultura Corporal.
No ano de 2017, foi publicada a Resolução NE/CP nº 2, que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e das modalidades da Educação Básica. Momentaneamente a BNCC compreende desde a Educação Infantil até os anos finais do Ensino fundamental.
Diferente dos PCN’s e das DCE’s que trazem para a discussão da Educação Física a Cultura Corporal, a BNCC traz como objeto principal da Educação Física a Prática Corporal. Estas práticas são aquelas realizadas fora das obrigações laborais, domésticas, higiênicas e religiosas, nas quais o sujeito se envolve com propósitos específicos, sem caráter instrumental (BRASIL, 2017, p. 209).
No que se refere ao Judô, a BNCC classifica seus conteúdos através das unidades temáticas, sendo que existem duas categorias em que o Judô se encaixa, sendo elas: Esportes, subcategorizado em Esportes de combate e Lutas. Os Esportes de combate são definidos como:
[...] modalidades caracterizadas como disputas nas quais o oponente deve ser subjugado, com técnicas, táticas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço, por meio de combinações de ações de ataque e defesa (judô, boxe, esgrima, tae kwon do etc) (BRASIL, 2017, p. 213).
Enquanto que a unidade temática de Lutas:
Focaliza as disputas corporais, nas quais os participantes empregam técnicas, táticas e estratégias específicas para imobilizar, desequilibrar, atingir ou excluir o oponente de um determinado espaço, combinando ações de ataque e defesa dirigidas ao corpo do adversário (BRASIL, 2017, p. 214).
Em relação à formulação dos conteúdos, através da BNCC nota-se a separação do conteúdo “Lutas” em dois grandes blocos: “Lutas do Brasil”, que devem ser ensinadas no 6º e 7º anos e as “Lutas do Mundo”, compreendidas no 8º e 9º anos, do Ensino Fundamental.
A partir do conteúdo do bloco “Lutas do Mundo”, podemos evidenciar as habilidades propostas para o 8º e 9º anos:
Pode-se assim compreender que, através da BNCC, não existe uma recomendação direta do ensino de Judô ou de qualquer outra Luta ou Esporte de combate. Fica à cargo do professor a escolha de qual “Luta do mundo” deverá ser trabalhada.
A partir das competências que devem ser desenvolvidas, pode-se perceber que, a maior parte das habilidades motoras, cognitivas, sociais e psicológicas relacionadas ao Judô pode ser trabalhada, se for seguida da orientação da BNCC.
É importante observar também as dimensões conceituais (o que se deve saber?), relacionar o histórico, midiatização, esportivização e a cultura. Incluir a dimensão atitudinal (como se deve fazer?) relacionado às atitudes de cuidado com o próximo, respeito às regras, à cultura. Por fim, a dimensão procedimental (o que se deve saber fazer?), através da utilização das técnicas, táticas e movimentos pertinentes ao Judô.
Tal orientação, realizada através das dimensões de ensino, pode ser adequada ao Judô, assim como em qualquer outra Luta. No trabalho de Alencar, Silva, Lavaoura e Drigo (2015), realizou-se a prática de uma proposta pedagógica do ensino de Lutas, no âmbito escolar. Esta passava pelas mesmas dimensões de ensino com vários componentes de lutas, mas que pode ser facilmente adaptado e praticado no ambiente escolar a partir de uma temática mais específica, como o Judô.
Portanto, a BNCC não especifica o Judô como conteúdo específico da EFE, mas a partir desse documento, podemos verificar a possibilidade de trabalho de tal conteúdo a partir das Lutas do Mundo. Fica a critério do professor, assim, a escolha da modalidade esportiva a ser trabalhada.
Outro ponto a se destacar é que ainda no 8º e 9º ano existe a possibilidade de se trabalhar o Judô a partir dos Esportes de Combate, previsto como conteúdo para esses anos.
Na revisão bibliográfica realizada para o presente estudo, foram identificados artigos que versavam a respeito das dificuldades para o ensino de Lutas no âmbito escolar. Exemplos deles são os trabalhos de: Rufino e Darido (2011); Lacerda, et al (2015); Fonseca, Franchini e Del Vecchio (2013); Rufino (2016); Alencar, Silva, Lavoura e Drigo (2015).
Em resumo, as principais dificuldades encontradas pelos professores são basicamente três: a falta de infraestrutura; a não experiência por parte dos docentes e o medo de desenvolver a violência através da prática. Para facilitar a organização, será desenvolvido um tópico para cada um destes pontos, possibilitando, dessa forma, encontrar possíveis soluções para os problemas encontrados pelos professores durante a prática docente.
Falta de Infraestrutura
Não se pode negar que o trabalho com as lutas e, de maneira específica, o trabalho com o Judô, no âmbito escolar, demanda uma gama de materiais que nem toda escola tem acesso. A necessidade de tais materiais se faz a partir do pressuposto em que o professor deve oferecer segurança aos seus alunos, durante a prática de qualquer elemento da Cultura Corporal. Nessa perspectiva, materiais como colchonetes, ou tatames são necessários para possibilitar a prática da atividade.
A partir disso, existe a dificuldade encontrada pelo professor, no âmbito escolar, como advoga Alencar, da Silva, Lavoura e Drigo (2015), que constatam que a infraestrutura inadequada, a falta de espaço, material e vestimentas desapropriadas, são fatores que fazem com que o conteúdo de lutas seja um tanto ausente no âmbito escolar.
Ainda com base nos mesmos autores citados acima, podemos identificar algumas saídas para a falta de infraestrutura. A boa vontade e a criatividade dos professores no momento de realizar seus planos de aulas é um aspecto essencial. Vale ressaltar que as aulas de Educação Física não são somente práticas, portanto, conteúdos a respeito do histórico, evolução e técnicas podem ser trabalhados em sala de aula, a partir de materiais como quadro negro e giz, material multimídia, jogos de adivinhação, trabalhos de pesquisa, entre outros.
Outra saída sugerida para esse problema é a adaptação das aulas, a partir da substituição das peças de tatames por colchonetes ou até mesmo a realização de técnicas sem o uso da projeção, para evitar quedas e oferecer aos alunos maior segurança.
Falta de experiência prévia
O fato de não se ter praticado o Judô é um dos maiores medos dos professores no momento da realização das aulas. Um estudo realizado no ano de 2013 por Fonseca, Franchini e Del Vecchio analisou o conhecimento declarado pelos docentes a respeito do conteúdo Lutas, Artes Marciais e Modalidades Esportivas de Combate, da cidade de Pelotas-RS. A partir do estudo os autores verificaram que 46,25% dos professores não trabalhavam com a temática devido à falta de instrução.
Uma das saídas para essa defasagem de instrução é a formação continuada e a tentativa de apoio de membros da comunidade que possuam conhecimento efetivo da modalidade. Propõe-se também, a possibilidade de visitas às academias ou escolas que possuam aulas regulares de Judô, para que exista a vivência por parte dos alunos.
Violência
As lutas podem ser definidas como embates corporais (LORENZO, SILVA e TEIXEIRA apud RUFINO e DARIDO, 2011). Nessa perspectiva, torna-se normal que exista o medo, por parte dos professores, de uma violência intrínseca à prática (LACERDA et al, 2015).
Vale ressaltar, no entanto, que, apesar de ser um fator substancial na hesitação por parte dos profissionais, a violência não é um fator intrínseco das lutas, mas sim um componente da realidade social na qual o indivíduo está inserido. Nota-se que, nesse sentido, o conteúdo de lutas pode ajudar no processo de educação para uma cultura da não violência (SO e BETTI apud LACERDA et al, 2015). Isso é possível através de um trabalho que demonstre os princípios filosóficos que permeiam a prática da Luta ou da Arte Marcial, demonstrando assim a diferença entre a luta e a briga.
Ao se trabalhar o Judô como conteúdo da EFE, o professor deve focar seu trabalho em explicar a filosofia da “não violência” e os princípios de respeito atribuídos à prática esportiva. Nessa perspectiva, deve ficar claro ao aluno que os princípios e a prática do Judô estão no caminho contrário da violência. Frisa-se que as Lutas caracterizam-se por uma regulamentação específica, a fim de punir atitudes de violência e de deslealdade (Brasil, 1998).
Através do presente trabalho, pode-se identificar a existência, em todos os documentos analisados, dos conteúdos relacionados ao ensino do Judô como conteúdo da Educação Física Escolar. Dentre eles, as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná é o documento que apresenta maior ênfase no Judô como modalidade de ensino.
Vale lembrar que os outros documentos analisados também dão ênfase ao conteúdo de Lutas em geral (ou modalidades Esportivas de combate), deixando, assim, o conteúdo em aberto como “Lutas” ou “Lutas do mundo”, cabe, então, ao professor a escolha de um tema mais aprofundado dentro deste bloco temático.
Também se verificou a existência de dificuldades para se trabalhar com o Judô no âmbito escolar. Todavia, com o empenho dos professores e o apoio da equipe de coordenação e dos demais membros da sociedade, tais problemas podem ser minimizados.
Portanto, o trabalho com o conteúdo de Lutas ou Modalidades Esportivas de Combate, no âmbito escolar, se torna possível e possui em sua prática benefícios para o desenvolvimento integral do aluno. Benefícios desde aspectos físicos a aspectos cognitivos, sociais e psicológicos.
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