Globery Gonçalves Bruce*
Corina Fátima Costa Vasconcelos**
Jadson Justi***
Maria das Graças Pereira Soares****
Universidad de Matanzas, Cuba
Email: amelis.perez@umcc.cu
RESUMO
O objetivo deste estudo foi a investigação de como se dá o processo de construção do conhecimento dos alunos do componente curricular Arte nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A pesquisa foi realizada em uma escola pública de Parintins, Amazonas, Brasil, cujos participantes foram quatro professoras que ministram aula de Arte nos anos iniciais. A coleta e produção de dados ocorreram por meio da observação direta e entrevista semiestruturada. Os resultados evidenciaram a falta de domínio por parte das participantes em relação aos conhecimentos específicos da área de Arte, reduzindo o seu ensino ao “fazer artístico”, expresso geralmente em atividades de desenho, pintura, dramatizações e coreografia. Conclui-se que não basta propiciar ao aluno um momento de expressão, acreditando que o ensino da Arte esteja sendo contemplada, é necessário potencializar a leitura e a contextualização para que o aluno possa desenvolver o conhecimento artístico, estético e cultural concomitantemente.
Palavras-chave: Ensino da Arte – Construção de Conhecimento – Educação.
LA ENSEÑANZA DEL ARTE COMO CONSTRUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO DE ALUMNOS
RESUMEM
El objetivo de esta investigación fue averiguar cómo ocurre el proceso de construcción del conocimiento de alumnos de la disciplina de Arte al inicio de la escolarización. La investigación fue realizada en una escuela pública de Parintins, Amazonas, Brasil, cuyos participantes fueron cuatro profesoras que ministra una clase de Arte. La recolección y producción de datos ocurrieron por medio de la observación directa y entrevista semiestructurada. Los resultados evidenciaron la falta de dominio por parte de las participantes en relación a los conocimientos específicos del área de Arte, reduciendo su enseñanza a la práctica artística, como por ejemplo: actividades de dibujo, pintura, dramatizaciones y coreografía. Se concluye que no basta con propiciar al alumno sólo un momento de expresión, es necesario potenciar la lectura y la contextualización para que el alumno pueda desarrollar el conocimiento artístico, estético y cultural.
Palabras clave: Enseñanza del Arte – Construcción de conocimiento – Educación.
THE TEACHING OF ART AS A CONSTRUCTION OF STUDENT KNOWLEDGE
ABSTRACT
The objective of this research was to investigate how the process of knowledge construction of students of the Art discipline takes place at the beginning of schooling. The research was carried out in a public school in Parintins, Amazonas, Brazil, whose participants were four teachers who teach Art class. The collection and production of data occurred through direct observation and semi-structured interview. The results evidenced the lack of mastery by the participants in relation to the specific knowledge of the Art area, reducing their teaching to artistic practice, such as: drawing, painting, dramatization and choreography activities. It is concluded that it is not enough to provide the student with only a moment of expression, it is necessary to enhance reading and contextualization so that the student can develop artistic, aesthetic and cultural knowledge.
Keywords: Art Teaching – Construction of Knowledge – Education.
Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Globery Gonçalves Bruce, Corina Fátima Costa Vasconcelos, Jadson Justi y María das Graças Pereira Soares (2019): “O ensino da arte como construção do conhecimento de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (septiembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/09/ensino-arte-conhecimento.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1909ensino-arte-conhecimento
1 INTRODUÇÃO
A Arte acompanha a humanidade em seu percurso histórico e social, sendo fundamental o seu estudo em diversas áreas para a compreensão do ser humano. É uma das formas de linguagem que o homem desenvolveu para comunicar percepções, sentimentos e concepções as quais potencializam sua ação de forma significativa na transformação do mundo e de si mesmo.
Ela não é somente impulso ou sentimento, mas envolve a compreensão da pessoa como ser racional, movido por emoções, sensações, percepções, sentimentos que servem como base para a construção do conhecimento. Assim, o ser humano é a junção dos dois mundos que se convergem: o racional e o sensível.
Conhecer a Arte não é privilégio de uma determinada classe de pessoas, pois suas manifestações fazem parte da cultura e seus fundamentos buscam a formação humana e a compreensão da realidade de forma ampla. A partir desse pressuposto, entende-se que o ensino da Arte na escola assume papel fundamental na construção do conhecimento por meio da produção artística, da leitura crítica e reflexiva da realidade do sujeito consciente.
Embora se reconheça a importância do componente curricular Arte como instrumento de mediação para a construção e aquisição do conhecimento, este tem sido um campo de produção humana que tem ocupado uma posição inferior diante dos demais componentes curriculares no contexto escolar, sendo desenvolvido somente como uma atividade complementar das demais áreas de conhecimento.
O lugar ocupado pela Arte nos currículos dos anos iniciais do Ensino Fundamental e sua redução a um “fazer artístico” são dissociados da construção do conhecimento. Isso foi presenciado durante as experiências dos proponentes deste estudo em suas práticas laborativas educacionais ao longo de suas vidas.
Essa realidade levou à seguinte problemática: Como o ensino de Arte tem sido desenvolvido na escola de modo a possibilitar a construção do conhecimento dos alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental em Parintins, AM? Para responder a esse questionamento, definiu-se como objetivo geral: investigar como se dá o processo de construção do conhecimento dos alunos do componente curricular Arte nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Definiu-se também, como objetivos específicos: a) levantar um breve histórico do ensino da Arte no Brasil; b) identificar as concepções dos professores sobre ensino da Arte no espaço escolar; c) analisar como o ensino da Arte é desenvolvido no contexto escolar de modo a possibilitar a construção do conhecimento das crianças na área.
O interesse pela temática deu-se a partir da constatação de que há poucos estudos que problematizam o ensino da Arte e sua relação com a construção do conhecimento na escola. Desse modo, acredita-se que esta pesquisa (engendrada na área de avaliação “ensino” segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) poderá suscitar novas reflexões e debates sobre o ensino da Arte em diversas áreas do conhecimento e, em especial, nos cursos de formação de professores.
1.1 UMA BREVE PASSAGEM SOBRE O ENSINO DA ARTE NO BRASIL
No século XVI, Portugal, na tentativa de encontrar uma nova rota para as Índias, os colonizadores desembarcaram em terras brasileiras. Ao aportarem, trouxeram consigo a sua cultura, impondo sua marca no processo de colonização, a aculturação e a catequese:
O processo de colonização abarca, de forma articulada, mas não homogênea ou harmônica, antes dialeticamente, esses três momentos representados pela colonização propriamente dita, ou seja, a posse e exploração da terra subjugando os seus habitantes (os íncolos); a educação enquanto aculturação, isto é, a inculcação nos colonizados das práticas, técnicas, símbolos e valores próprios dos colonizadores; e a catequese entendida como a difusão e conversão dos colonizados à religião dos colonizadores (Saviani, 2013: 29).
No processo de colonização e exploração das terras brasileiras, a cultura do invasor aporta nessas terras e a arte é incorporada por meio de suas expressões artísticas, como a música, o teatro, os ofícios manuais, entre outras.
A educação importada pelo invasor foi introduzida por meio da aculturação dos nativos, que eram vistos como povos selvagens e sem cultura, onde os missionários se encarregaram desse processo. Os colégios construídos pelos jesuítas tinham dois objetivos principais: ensinar aos pequenos índios a ler e escrever longe de suas famílias, arrancando sua cultura, e formar nativos para servirem a própria Companhia de Jesus, sem a devida preocupação com a valorização da cultura desses povos (Silva, 2011).
Os jesuítas foram a principal ordem envida às terras brasileiras para catequizar os nativos, cuja intenção era a expansão do cristianismo. Estes utilizaram instrumentos artísticos para introduzir o pensamento religioso.
Inicialmente os curumins aprendiam a ler e escrever ao lado dos filhos dos colonos. Anchieta usava diversos recursos para a atenção das crianças: teatro, música, poesia, diálogo em versos. Pelo teatro e danças, os meninos, aos poucos aprendiam a moral e a religião cristã. (Aranha, 2006: 141-142).
As crianças foram alvo fácil do processo de colonização, pois, instigadas pela curiosidade que a arte propiciava, inconscientemente iam incorporando a nova religião. Logo, o ensino da Arte passou a servir de instrumento catequético para os nativos, porque, dessa forma, era possível que os indígenas pudessem ser atraídos pelo fascínio do canto, do teatro, do desenho, da escultura, entre outras. Assim, eram imersos nos valores cristãos e a arte era utilizada pelos religiosos para o anúncio do evangelho. A maioria desses povos não sabia ler e escrever em latim, e a leitura visual era realizada por meio das imagens carregadas de simbolismo, facilitando a compreensão da escritura sagrada.
De acordo com a estrutura de ensino empregada pelos jesuítas, no século XVI, era formada pelos cursos de letras humanas, filosofia e ciências (ou arte), de teologia e ciências sagradas. Após os nobres terem aprendido a ler, escrever e contar, a arte passou a ter um destaque diante dessa categoria de estudo oferecida em grau superior. Para a camada social menos favorecida, era possível “[...] encontrar ‘escolas-ofícios’ para a formação de artesãos e outros ofícios, por iniciativa dos jesuítas [...]”, enquanto a elite recebia uma educação erudita longe dos afazeres manuais (Aranha, 2006: 166).
De acordo com Nascimento (2008), no auge da arte Barroca, as aulas nas oficinas eram ministradas por sacerdotes estrangeiros e com o tempo a coordenação das oficinas passou a ser feita por artistas leigos ou católicos fervorosos, os quais também se colocavam à disposição do trabalho de decoração das igrejas. O ensino partia sempre da cópia de modelos europeus com a temática religiosa, e algumas vezes os índios mesclavam os próprios traços. O pai, se dominava um oficio, era o mestre do seu próprio filho. Com isso, o ensino de Arte e de um ofício se perpetuava passando de geração a geração.
Entre os séculos XVI e XVIII, a educação jesuíta fora fundamental no Brasil com o ensino das Letras, da Retórica, das Artes, entre outras. Após esse período houve várias críticas sobre o sistema de ensino jesuítico embasado na Escolástica decadente, um dos motivos para a expulsão da ordem religiosa de diversos países (Aranha, 2006).
Segundo Wehling (2011), Dom João V (1689-1750) estava insatisfeito com o modelo de ensino empregado pelos jesuítas no Brasil. Com a nomeação de Marques de Pombal (1699-1782) como secretário português, as ideias Iluministas e reformistas passam a ser difundidas aos domínios de Portugal.
Aranha (2006: 198) relata que, além da crítica ao ensino jesuítico, Marques de Pombal acreditava que a Companhia tinha interesse em construir um “império temporal cristão”, na região onde foram criadas as missões.
Marques de Pombal pôs fim às práticas pedagógicas jesuíticas as quais acreditava serem ultrapassadas, expulsando os jesuítas do território português em 1759. Logo em seguida, todos os bens da Ordem foram confiscados, e o passo seguinte foi a introdução das Aulas Régias e a implantação da educação leiga, devolvendo assim a responsabilidade do ensino ao Estado. Diante dessa reforma pouco se falou do ensino da Arte no Brasil.
A arte passa a ter destaque com o deslocamento da Corte Portuguesa para terras brasileiras em 1808, onde ocorreram inúmeras transformações na estrutura política, econômica e cultural do país, para assegurar o bem-estar da nobreza nessas terras. Proença (2007) explica que o Brasil, nesse momento da história, recebeu uma forte influência europeia por meio da assimilação e imitação da cultura, cujo processo se tornou ainda mais acentuado com a chegada da Missão Artística Francesa a convite da Corte Real.
A Missão Artística Francesa chega ao Brasil em 1816, e com ela os antigos membros do Instituto Francês, a qual tinha como objetivo a fundação da Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro, sendo inaugurada sob o encargo do Estado.
[...] a escola começou a funcionar em 1826 sob o nome de Escola Imperial das Belas-Artes, não só o nome havia sido trocado, mas, principalmente sua perspectiva de atuação educacional, tornando-se o lugar de convergência de uma elite cultural que se formava no país para movimentar a corte, dificultando, assim, o acesso das camadas populares à produção artística. (Barbosa; Coutinho, 2011: 7).
O ensino das Artes torna-se elitizado no país, e se reconfigura distinto do que foi no início da colonização, se distanciando da produção religiosa. Para a nobreza, o desenho serve para distração e ocupação do tempo ócio, não como profissão, mas para aguçar o bom gosto estético.
Com a Missão Artística Francesa, o processo pedagógico do ensino da Arte no Brasil passou a ser sistematizado, voltado para a formação de artistas. O ensino era influenciado pelos padrões convencionais da academia neoclássica e romântica, ou seja, a cópia da moda francesa e a contextualização a temáticas nacionais, como as guerras, a vida dos indígenas, os retratos de personagens, entre outros.
A Academia inaugurou no país o ensino artístico em moldes formais, em oposição ao aprendizado empírico dos séculos anteriores. Estruturada dentro do sistema acadêmico, vai fornecer um ensino apoiado de modo geral nos preceitos basicamente do classicismo: a compreensão da arte como representação do belo ideal; valorização dos temas nobres, em geral de caráter exemplar, como a pintura histórica; a importância do desenho na estrutura básica da composição; a preferência por algumas técnicas, especialmente a pintura a óleo, ou de alguns materiais, sobretudo o mármore e o bronze, caso da escultura. (Pereira, 2008: 15).
Apesar da denominação de Academia, isso não impediu que artistas passassem a buscar alternativas para a representação artística. Não fixando no neoclássico ou no romantismo, mas em tentativas de respirar algo de moderno.
Após Dom Pedro II (1825-1891) assumir o poder, procurou-se “[...] dar ao país um desenvolvimento cultural mais sólido, incentivando as letras, as ciências e as artes [...]”, porém de cunho conservador na postura neoclássica (Proença, 2007: 215). Com isso, vários pintores brasileiros que frequentavam a Academia foram encaminhados a Paris, para aperfeiçoar os estudos no campo artístico, e trouxeram cada vez mais a influência de técnicas e a composição das obras inspiradas no estilo francês.
Na metade do século XIX, os artistas tiveram contatos com outros movimentos artísticos que efervesciam na arte parisiense, como o impressionismo, o pontilhismo e o futurismo. É o momento das grandes manifestações artísticas no país, uma mudança com o intuito de romper o ensino enraizado na concepção do ensino acadêmico da Arte.
Em 1880, o Brasil sofre novamente mudanças no contexto político, econômico e cultural, com a abolição da escravatura e o surgimento da República ligados ao pensamento positivista; era preciso a modernização do país que dependia das exportações do café e da importação de produtos e serviços dos países europeus (Proença, 2007).
A Academia de Belas Artes também passa pelo processo de críticas e reformas em consequência da dificuldade de financiamento e após várias pressões “[...] em 1890, sai o decreto com a sua reformulação, criando a Escola Nacional de Belas Artes [...]” não havendo, no entanto, mudanças significativas no modelo curricular e nos métodos de ensino (Pereira, 2008: 56). Apesar disso, os conflitos para novas reformas na estrutura de ensino continuaram com o desejo de modernização.
Ferraz e Fusari (2010: 25) fazem uma breve contextualização da história da Arte no Brasil a partir dos séculos XIX e XX, vinculando o ensino da Arte com as tendências pedagógicas, com a pedagogia tradicional presente desde o século XIX, baseado em modelos reduzidos à cópia do natural e à imitação:
[...]. Esta atitude estética implica a adoção de um padrão de beleza que consistem sobretudo em produzir-se, em oferecer-se à percepção, ao sentimento das pessoas, aqueles produtos artísticos que se assemelhem com as coisas, cores, com seres, com fenômenos de seu mundo ambiente [...].
Nesse momento histórico, o mundo está diante do avanço industrial, o que exige a necessidade de mão de obra especializada para alavancar o processo das ideais positivistas. Os filhos de operários, que estudam nas escolas públicas, recebem aulas de desenhos geométrico e linear, técnicas com o sinônimo de industrialização (Ferraz; Fusari, 2010).
Em 1922, o campo artístico revigora-se no país com a divulgação da Semana de Arte Moderna, uma nova visão de arte que busca romper com os pressupostos acadêmicos. No início do século XX, o ensino do desenho continua a ser instrumento de qualificação para o trabalho, principalmente nas classes menos favorecidas. O ensino do desenho entre 1930 e 1970 se estabelece nas práticas do desenho natural, decorativo, geométrico e pedagógico, práticas fundamentadas no teórico e cientifico. Além do desenho houve a introdução da música, dos cantos orfeônicos e dos trabalhos manuais (Ferraz; Fusari, 2010).
Na década de 1930, o reflexo do Escolanovismo (Escola Nova, também chamada de Escola Ativa ou Escola Progressiva), chega ao Brasil, sendo introduzido no ensino, com o intuito de romper com os métodos tradicionais, afirmando-se na supervalorização da pessoa, de seu estado psíquico, espontâneo, o desenvolvimento natural do ser, a “livre expressão”, na criação, centradas no interesse e na individualidade artística, gerando uma atenção ao desenho infantil.
Autores como John Dewey (a partir de 1900), Viktor Lowenfeld (1939), nos Estados unidos, e Herbert Read (1943) na Inglaterra, influenciam também as mudanças que vão ocorrer no trabalho de professores de Arte brasileiros, firmando em alguns grupos a tendência escolanovista. (Ferraz; Fusari, 2010: 34).
Esses são alguns dos autores estrangeiros que influenciam diretamente as concepções do ensino da Arte e a prática pedagogia dos professores de Arte contribuindo com a visão escolanovista.
Na década de 1960, esses métodos da “livre expressão” passaram a sofrer críticas. Tal concepção afirma que para a criança tudo é permitido fazer, o aluno tem um mundo que precisa ser externado e não reprimido, e, assim, não deve haver qualquer interferência em seu trabalho, tudo parte de seus interesses. O professor é um mero observador e motivador de situações para a produção artística.
Nas décadas de 1960 e 1970, o ideário tecnicista chega ao Brasil vindo ao encontro de expansão tecnológica, fortalecendo-se com práticas de uma escola eficiente e profissional para o mercado de trabalho.
O esforço de vários artistas no país foi fundamental para que o ensino da Arte passasse a ser introduzido no contexto escolar os quais, como forma de resistência, passaram a ensinar em seus ateliês e pequenas escolas.
Em 1971 passa a vigorar a Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, que trata da reforma do 1º Grau e 2º Grau, a partir da qual foi introduzida a Educação Artística no currículo escolar, configurando-se em conteúdo como desenho, música, trabalhos manuais, canto coral e artes aplicadas (Brasil, 1971).
Em 1986, houve uma manobra para retirar o ensino da Arte do currículo escolar. Barbosa (2005) descreve a aprovação da reforma do ensino no Brasil pelo Conselho Federal de Educação, propondo a extinção da Educação Artística aprovada pela maioria dos presentes no Encontro de secretários de educação no Rio Grande do Sul. Esse foi um momento difícil para a Arte no ensino público, impedindo que as pessoas pudessem desenvolver todas as suas capacidades para garantir a sua própria dignidade e o acesso aos conhecimentos artísticos.
Porém, no ano seguinte, com a aprovação do novo Conselho de Secretários de Educação, o ensino da Arte passa a ser novamente discutido; e um dos projetos apresentados pelo Conselho propunha a obrigatoriedade das Artes na escola (Barbosa, 2010b). Os debates foram intensos, pois havia uma corrente brasileira que era contrária ao retorno da Arte ao currículo das escolas brasileiras.
Nas décadas de 1970 e 1980, o ensino da Arte recebe influências progressistas estimuladas por Paulo Freire (1921-1997) e Ana Mae Barbosa com a Abordagem Triangular, métodos que futuramente serviram como base para a construção do Parâmetro Curricular Nacional de Arte em 1997, revestidos de outras nomenclaturas como “[...] produção, apreciação e reflexão (da primeira a quarta séries) ou produção, apreciação e contextualização (da quinta a oitava séries) [...]“ (Barbosa; Coutinho, 2011: 32).
Na década de 1990 ocorreram mudanças significativas na educação com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que regulamenta o ensino no Brasil. Com isso, o ensino da Arte se estabelece como obrigatoriedade pela LDB em seu artigo 26, § 2º, no currículo da educação básica. Isso ocorreu por pressão de educadores contra a versão anterior da LDB, que retirava a obrigatoriedade do ensino da Arte (Brasil, 1996).
Em 1997, o Ministério da Educação e do Desporto organiza uma proposta curricular por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Esse documento contém propostas curriculares de 1ª a 8ª série do Ensino Fundamental, nas várias áreas do conhecimento, e passou a servir de base para construção de diversos currículos pelo país.
Em uma das áreas encontra-se “Arte”, a qual se configura em quatro linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Apresenta o desenvolvimento artístico e estético, no qual “[...] o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas.” (Brasil, 1997: 19).
O PCN de Arte apresenta o processo histórico do ensino de Arte no Brasil, os objetivos, conteúdos, métodos de avalição e as orientações didáticas. Os conteúdos devem ser trabalhados conforme a necessidade na relação do contextualizar, o fazer e o apreciar, importantes para a o desenvolvimento artístico do aluno.
Depois de vinte anos, por causa da exigência do Plano Nacional da Educação, da LDB e da Constituição Federal de 1988, em 20 de dezembro de 2017 foi promulgada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que abrange da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. A BNCC estabelece objetivos e direitos de aprendizagens essenciais, estipulando competências, habilidades, atitudes, valores a serem desenvolvidos no ensino e em todo o território nacional (Brasil, 2017a, 2017b).
Para o Ensino Fundamental apresenta cinco áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Religioso. Cada área do conhecimento possui competências especificas, unidades temáticas e habilidades as serem desenvolvidas.
Em uma das Áreas do Conhecimento do Ensino Fundamental dos anos iniciais encontra-se a área das Linguagens, que comporta os seguintes componentes curriculares nos anos iniciais: Língua Portuguesa, Arte e Educação Física. Essa área envolve as diversas linguagens, como “[...] verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e, contemporaneamente, digital [...]” (Brasil, 2017: 61).
Diante do exposto, menciona-se que a BNCC organiza o Componente Curricular Arte estabelecendo uma ligação entre as linguagens de forma progressiva para dar continuidade ao que já foi desenvolvido da educação infantil. São estipuladas seis dimensões: criação, crítica, estesia, expressão, fruição e reflexão, dimensões que ajudam no processo ensino e aprendizagem do aluno no campo das Artes, sem hierarquização, mas uma interligação entre elas. Além disso, abre a possiblidade de introduzir os conhecimentos locais à relação do ensino e à realidade do aluno, diferente do PCN que apresenta apenas sugestões sem a progressividade dos conhecimentos.
Essas linguagens, ao longo do Ensino Fundamental, ajudam os alunos
[...] a expandir seu repertório e ampliar sua autonomia nas práticas artísticas, por meio da reflexão sensível, imaginativa e crítica sobre os conteúdos artísticos e seus elementos constitutivos e também sobre as experiências de pesquisa, invenção e criação. (Brasil, 2017: 195).
É possível identificar que, além do “fazer artístico” e das habilidades, a Arte parte para a compreensão do contexto social e de suas várias relações e manifestação culturais, por meio da pesquisa, e a criticidade do aluno sobre a realidade.
1.2 A CONCEPÇÃO DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL: BREVES REFLEXÕES
O processo de escolarização é fundamental na aquisição dos patrimônios culturais, bem como para o desenvolvimento integral do aluno. O ensino e a aprendizagem que ocorrem neste espaço de formação são fundamentais para a construção do cidadão e da sociedade.
O ensino da Arte no contexto escolar foi influenciado ao longo da história por correntes filosóficas e pedagógicas com a intenção de estabelecer o que ela devia ensinar. Assim, o ensino da Arte se estabeleceu nas instituições escolares, de início apenas como recreação, demorando para se situar como uma área de conhecimento.
A Arte brasileira “[...] na escola, na sociedade, foi marcada pelo estigma de ser uma disciplina de menor importância, compreendida fragmentadamente na sua função educativa e relegada, em muitos momentos, ao papel de aula recreio [...]” (Penteado; Cardoso Júnior, 2014: 219-220). Nessa perspectiva, o ensino da Arte torna-se irrelevante perante outros componentes curriculares, pois existem poucas pesquisas que trazem a discussão da Arte como prática na construção do conhecimento. O ensino da Arte apresenta-se como a execução de técnicas e o desenvolvimento das habilidades motoras desconectadas da capacidade cognitiva.
O ensino da Arte esteve longe de ser pensado como um componente curricular de relevância no contexto da escola pública. Os estudos sobre a Arte no Brasil passaram a buscar novas concepções para sua fundamentação em seu caráter relevante ao ensino, e trouxeram a influência de autores, modificando a forma de pensar suas práticas de ensino artístico.
A preocupação do ensino da Arte não era com o processo educativo ou artístico, mas com o desenvolvimento de uma habilidade por meio da disciplina Desenho, ensino baseado nos modelos norte-americanos de Walter Smith (1836-1886), trazidos por Rui Barbosa (1849-1923) (Barbosa, 2008). O desenho geométrico na escola pública passa a ser uma das modalidades atrelada ao desenvolvimento industrial para alcançar o progresso por causa da revolução industrial.
O conceito de Arte pós-guerra está ligado a Bauhaus, uma escola de design, arquitetura e arte moderna, com a busca da resolução estética dos problemas da vida diária. O Design passa a ter relevância na produção de ideias inovadoras para a produção industrial, fato que influencia diretamente o ensino para a formação de mão de obra especializada (Barbosa, 2010a).
Com o Modernismo no país, em consequência das inúmeras manifestações artísticas, o ensino da Arte volta-se para a sensibilidade, com isso é necessário que a pessoa possa expressar seus sentimentos, e o contato com o trabalho artístico gera sensações valorativas (Barbosa, 2010a).
Nesse momento, o ensino da Arte passou a ter influência das ideias de John Dewey, em Art as Experience (1934), difundidas por Anísio Teixeira (1900-1971), que inspirou as ideias da Escola Nova no Brasil. Dewey apresenta a Arte a partir da “experiência” e o centro está no aluno com a potencialidade de seu desenvolvimento de forma progressiva (Ferraz; Fusari, 2010). Porém, as ideias de Dewey, em foram interpretadas erroneamente por José Scaramelli (1894-1955), na coleção Escola Nova Brasileira (1931), com a Reforma de Antônio Carneiro Leão (1887-1966) e difundida no país, e a Arte passou a ser coadjuvante no ensino, simplificada por meio da “experiência consumatória”, a qual se funda no fazer artístico para organizar e fixar o aprendizado de outras disciplinas; o desenho era último instrumento para explorar determinado assunto como produto final (Barbosa, 2008).
Barbosa (1998: 21) interpreta o que é “experiência” para Dewey. “[...] Experiência, para Dewey, é a interação da criatura viva com as condições que a rodeiam”. A experiência é significativa, quando o “fazer artístico” é resultado de um processo qualitativo, vivenciado e controlador da produção. A experiência artística unifica o intelectual emocional e prático, e torna-se uma experiência estética que se materializa por meio do “fazer artístico”. Porém, essa definição de experiência influenciou o ensino da Arte de forma reduzida, afirmado à “livre expressão”.
Segundo Penteado e Cardoso Junior (2014), autores como Dewey apresentam a experiência estética sem a necessidade de ser racionalizada; enquanto Read contribuiu com a arte da sensibilidade; na década de 1950, a influência dos pensamentos de Brittain e Lowenfeld propõem o desenvolvimento da capacidade criadora do aluno no ensino da Arte. Lowenfeld influenciou diretamente o movimento Escolanovista, acreditando que a Arte na educação precisa respeitar as fases do desenvolvimento natural da criança de forma integral, além de considerar a pessoa a geradora de suas emoções as quais emergem da experiência pessoal.
Barbosa (2008) descreve que o livro de Victor Lowenfeld intitulado Desenvolvimento da Capacidade Criadora (1947; Creative and Mental Growth; Desarrollo de la Capacidad Creadora), traduzido para o espanhol, passou a ser comparado como a “bíblia” para os arte-educadores. Sua contribuição foi a valorização da expressão artística da criança.
A Arte desempenha um papel potencialmente vital na educação das crianças. Desenhar, pintar ou construir constitui um processo complexo em que a criança reúne diversos elementos de sua experiência, para formar um novo e significativo todo. No processo de selecionar, interpretar e reformar esses elementos, a criança proporciona mais do que um quadro ou uma escultura; proporciona parte de si própria: como pensa, como sente e como vê. Para ela, a arte é atividade dinâmica e unificadora. (Lowenfeld; Brittain, 1977: 13).
Augusto Rodrigues (1913-1993) traz a influência de Hebert Read, divulgando suas ideias sobre Arte pela Educação no país. “Em A educação pela arte, obra publicada pela primeira vez em 1943, discute a questão do objetivo da educação [...], deve residir na liberdade individual, [...]” (Ferraz; Fusari, 2010: 36).
O ensino da Arte passa a incorporar a psicologia e o desenho da criança passa a ser supervalorizado em seu ato de “livre expressão” criadora, no reconhecimento da autoestima e de si. Alguns professores chegam a exercer as ideias da “livre expressão” ao extremo, por acreditarem que o processo criativo do aluno não deve ser interferido para que não seja prejudicado (Ferraz; Fusari, 2010: 37).
Contrapondo-se a essa concepção surge o pensamento pós-moderno. Barbosa e Coutinho (2011) apresenta as ideias de Elliot Eisner (1933-2014), em Estrutura e Mágica no Ensino de Arte (1997), que, preocupado com o ensino da Arte norte-americana, procura dar a este um conteúdo específico:
Em resumo, desenvolvemos a ideia de que a arte tem conteúdo especifico a oferecer, algo inerente às artes. Afirmamos que o aprendizado artístico compreendia mais do que a habilidade de utilizar matérias de arte, e conceituamos o papel do professor de forma ativa e exigente, e não simplesmente um fornecedor de materiais e um apoio emocional. (Barbosa; Coutinho, 2011: 80).
Para Eisner, a Arte Educação tem um caráter cognitivo, “[...] para o desenvolver forma sutis de pensar, diferenciar, comparar, generalizar, interpretar, conceber possibilidades, construir, formular hipótese e decifra metáforas [...]” (Barbosa, 2010a: 17).
Rudolf Arnheim (1904-2007), em Arte e Percepção Visual (1954), também possui uma concepção da Arte como cognição (Barbosa, 2010a). Para esse autor a percepção gera o conhecimento, e sua concepção é fundamental na afirmação da arte como conhecimento no pós-modernismo.
Em 1964, com o processo da Ditadura no Brasil, houve a perseguição desse processo de experiência da Arte nas escolas, estabelecendo-se o ensino da arte voltado para temáticas que ressaltassem datas comemorativas ou festejos.
Outra concepção do ensino da Arte passa a ser incorporada: “[...] a arte como linguagem aguçada dos sentidos transmite significados que não podem ser transmitidos por meio de nenhum outro tipo de linguagem, tal como a discursiva ou a cientifica [...]” (Barbosa, 2010a: 99). Com o desenvolvimento das Artes Visuais, a imagem passou a ter importância na construção de linguagem visual, fruto da conversão social de forma simbólica. A leitura da obra de arte foi incorporada ao ensino da Arte, assim o aluno passa a ter conhecimento da cultura visual, acontecimento este que contribuiu para a democratização do ensino artístico e da cultura no Brasil.
A Arte continua a responder às exigências da transformação social no século XX e o ensino da arte se incorpora como “[...] expressão pessoal e como cultura, é importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual [...]” (Barbosa, 2010a: 99). A percepção artística possibilita a compreensão da realidade e das diversas manifestações culturais.
O ensino da Arte é indissociável do meio social, pois tudo que o ser humano produz é construído no contato com a realidade de forma direta ou indireta. A Arte se constrói a partir das impressões que são sintetizadas da cultura pela pessoa. O contato sensível com o mundo o torna perceptível ao mundo físico e racional. Ideias são elaboradas e absorvidas para serem manifestadas de forma natural ou reproduzidas pelas pessoas.
Barbosa (2010a: 17) explica que os pensamentos de Arnheim reforçam o ensino da Arte por meio de regras “[...] a gramática visual subjacente a todas as operações envolvidas na cognição, como recepção, estocagem e processamento de informação, percepção sensorial, memorização, pensamento, aprendizagem [...]”. A Arte deixa de ser uma mera aplicação de técnica, e logo se pensa que é necessário que haja o conhecimento da gramática visual que envolve a questão sensorial e a cognição. Essa é uma nova visão que é introduzida no ensino da Arte e que tenta romper o fazer artístico ligado meramente à execução técnica.
“O pós-modernismo retoma o conceito embebendo-o em um contextualismo esclarecedor, que amplia as noções de experiência e lhe dá densidade cultural [...]” (Barbosa, 2010a: 11). A cultura relaciona-se com a expressão artística e passa a ser introduzida no ensino, resquícios dos pensamentos de Eisner que dão ao ensino da Arte o grau de cognição, a valorização da cultura visual e introduz o pensamento multicultural.
O ensino da Arte, apesar do avanço, torna-se um componente curricular que tem conteúdo próprio, no entanto ainda está atrelado aos movimentos artísticos europeus, determinando um padrão a ser seguido e legitimado como cultura universal.
Essa narrativa hegemônica da história das artes visuais na escola, caracterizada pelos conflitos culturais existentes na contemporaneidade e pelo intuito de seu apaziguamento no campo do currículo escolar, até pelas determinações legais incluídas recentemente na LDB 9.394/96, vem pouco a pouco absorvendo as tradições artísticas não europeias e/ou não eruditas, denominando-as de acordo com um tipo (tais como arte africana, arte indígena, arte popular, entre outras) que nos levam ao questionamento de efeito de ilusão universalidade e multiculturalidade proporcionando por essas apropriações curriculares [...]. (Penteado; Cardoso Junior, 2014: 223).
Penteado e Cardoso Junior (2014) fazem uma crítica à introdução da cultura por meio do ensino da Arte no currículo das escolas no Brasil. O discurso hegemônico está presente de forma explícita na prática e na seleção de conteúdos ditos universais que compõem o currículo do ensino das Artes, a cultura europeia de forma erudita que dita determinados padrões descontextualizados, sem possibilitar ao aluno o conhecimento amplo das manifestações artísticas de outros povos. Com a dimensão da Lei n. 9.394/1996, o aluno passa a ter o conhecimento diversificado da cultura, o respeito à identidade e a valorização das diversas formas de expressão cultural, o que dá ao ensino da Arte uma configuração significativa para leitura crítica e produção artística no contexto escolar (Brasil, 1996; Penteado; Cardoso Junior, 2014).
A multiculturalidade no ensino da Arte rompe a visão restrita da concepção artística e passa focar na compreensão e o respeito às manifestações culturais de todas as classes. “[...] Foi o multiculturalismo com base na diferença de classes sociais que primeiro eclodiu no Brasil [...]” (Barbosa, 2010a: 15). Esse processo passou a se configurar somente após a ditadura, buscando de forma crítica a discussão da manifestação da cultura popular e a relação com o processo artístico.
Com a criação dos PCNs, a Arte passa a incorporar as várias concepções:
A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido às experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. Aprender arte envolve, basicamente, fazer trabalhos artísticos, apreciar e refletir sobre eles. Envolve, também, conhecer, apreciar e refletir sobre as formas da natureza e sobre as produções artísticas individuais e coletivas de distintas culturas e épocas. (Brasil, 1997: 15).
O ensino da Arte parte da sensibilidade, da experiência pessoal, percepção, reflexão, imaginação e do processo cultural na relação com outros povos. São princípios que a maioria dos autores expressa como ideias para o desenvolvimento do trabalho artístico em sala de aula. A Arte passa a ligar-se à realidade do aluno com a produção histórica e social de forma prazerosa na construção do conhecimento do estudante.
Na nova BNCC, o componente curricular Arte está centrado nas seguintes linguagens: Artes visuais, Dança, Teatro e Música.
[...] Essas linguagens articulam saberes referentes a produtos e fenômenos artísticos e envolvem as práticas de criar, ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas artísticas. A sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções e as subjetividades se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em Arte. (Brasil, 2017: 191).
Semelhante ao que já era proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, a BNCC também sustenta a concepção crítica de que o ensino da Arte precisa ir além da assimilação de códigos e técnicas, entre outros. A Arte deve emergir da prática social do estudante para que este seja protagonista do ato de criação, compreendendo-o como portador de saberes e vivências artísticas.
1.3 O ENSINO DA ARTE E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: ABORDAGEM TRIANGULAR
A construção do conhecimento por meio do campo artístico no ensino brasileiro recebeu influência de várias correntes pedagógicas, as quais até hoje orientam a prática pedagógica de professores que ministram o componente curricular Arte nas escolas.
O ensino da Arte é permeado de desafios em sua consolidação como área de conhecimento curricular. Esses desafios estão relacionados às concepções de ensino da Arte, construídas ao longo de seu processo histórico no contexto das escolas. Tourinho (2012: 34-35) indica alguns desses desafios:
Assistimos à despolitização deste ensino (implicações de questões como classe social, idade, gênero e etnia em relação aos conteúdos e a prática escolares); à descorporificação do aluno (anulação do corpo como presença física e sensível em sala de aula); a descontextualização da atividade artística (adoção de certos cânones artísticos para fazer e para o apreciar Arte) e à desculturalização da aprendizagem e do próprio ensino – ausência de conhecimento teórico e prático da educação e da Arte e da sua função pedagógica na escola.
Esses são alguns desafios que o ensino do componente curricular Arte enfrenta na atualidade. Principalmente no que tange ao conhecimento teórico e prático, desconexo na prática pedagógica em sala de aula. É preciso dar consistência a esse componente curricular, possibilitando sua afirmação como área de conhecimento. O componente curricular Arte necessita de uma proposta para tentar reverter tal situação no contexto escolar, para não se tornar apenas uma atividade que complementa o currículo.
O processo de repensar o conceito do ensino da Arte a partir de uma perspectiva educacional surge no século XX, pois a livre expressão já não comportava o ensino da Arte como campo epistemológico. Na Inglaterra, esse processo iniciou nos anos de 1950 e se consolida nos anos de 1960. Os ingleses manifestaram-se por meio do Critical Studies, o qual busca uma apreciação mais da leitura, análise e o reconhecimento da obra a partir do universo histórico, estético e técnico na formação do estudante na Arte Contemporânea (Rizzi, 2012). Para o autor, nos Estados Unidos, a Discipline Based Art Education foi desenvolvida por uma equipe de pesquisadores norte-americanos ao verificar a perda de status da Arte como área de conhecimento, elaborando, assim, uma proposta curricular introduzindo disciplinas como Produção de Arte, Crítica de Arte, Estética de Arte e História da Arte enfatizando a cognição. O México recebeu também influências da corrente norte-americana e criou as Escuelas al Aire Libre, mobilizando a valorização do artesanato e a ligação com a gramática visual. A Abordagem Triangular é resultado da deglutição dessas três abordagens epistemológicas (Barbosa, 1998, 2008).
Tais iniciativas buscavam reverter a situação em que o ensino da Arte se encontrava nas escolas. A intenção não era banir a livre expressão, mas dar um caráter epistemológico ao ensino da Arte, que deixa de ser apresentada somente como o “fazer artístico”, e passa a ser estudada a partir da filosofia, sociologia, antropologia e psicologia. São estudos que posteriormente possibilitaram uma construção epistemológica para o ensino da Arte e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo do sujeito.
Na livre expressão, o ensino da Arte parte da emoção, realizada na escola por meio do “deixa fazer”, sem que haja uma interferência do adulto. No entanto, é necessário que o sujeito compreenda e tenha consciência de suas ações.
Na década de 1980, o ensino da Arte no Brasil também buscou uma nova forma de conceber a Arte no processo ensino-aprendizagem a partir dos estudos de Ana Mae Barbosa, influenciada principalmente pelas ideias da Discipline Based Art Education. Inicialmente, ela idealizou a Metodologia da Abordagem Triangular, e anos mais tarde a própria autora corrige a nomenclatura definindo-a como Abordagem Triangular, agregando um caráter mais livre sem uma imposição metodológica (Bredariolli, 2010).
A gênese da Abordagem Triangular inicia-se em 1983, em Campos do Jordão, em caráter experimental. Entre 1987 e 1993, o processo epistemológico consolidou-se no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Já em 1989 a 1992, a proposta foi introduzida nas escolas municipais de São Paulo, sendo o então Secretário de Educação, na época, Paulo Freire (Barbosa, 1998).
A Abordagem Triangular configura-se como uma proposta pedagógica para a construção do conhecimento a partir do ensino da Arte no contexto escolar. É a possibilidade de se reconstruir o conceito de Arte no processo ensino-aprendizagem. “Na realidade, Ana Mae Barbosa colocou em xeque o paradigma modernista de que arte não se ensina e, por causa disso, provocou tantas reações adversas. [...]” (Azevedo, 2010: 91).
O pensamento modernista tinha um caráter conformista sobre o ensino da Arte, valorizava apenas a livre expressão, enquanto o pós-moderno busca introduzir uma linguagem visual ampla do ensino da Arte. Isso gera uma oposição de arte-educadores à nova proposta apresentada por Ana Mae Barbosa para o ensino da Arte no Brasil.
[...]. A Proposta Triangular foi sistematizada a partir das condições estéticas e culturais da pós-modernidade. A pós-modernidade entre arte/educação caracterizou-se pela entrada da imagem, sua decodificação na sala de aula junto à já conquistada expressividade. (Barbosa, 2008: 13).
Com a introdução da leitura da imagem, o ensino da Arte precisou ser reconfigurado. A natureza etimológica da proposta parte da ideia da “antropofagia” que “[...] propunha que os artistas brasileiros conhecessem os movimentos estéticos modernos europeus, mas criassem uma arte com feição brasileira [...]” (Proença, 2007: 236). A antropofagia fora gerada no modernismo, e, logo, pensa-se na influência do pensamento de vários autores estrangeiros e na criação de algo próprio a partir dos estudos de Ana Mae Barbosa.
A proposta de Ana Mae Barbosa parte da alfabetização cultural. “A leitura social, cultural e estética do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leitura verbal [...]” (Nascimento, 2008: 28). A ideia era fazer a ligação do fazer artístico, a leitura da obra de arte e sua contextualização, respeitando as condições do aluno na construção de seu conhecimento e aquisição do patrimônio cultual. A proposta centra-se no aluno e nos conteúdos, conservando a expressão e o processo intelectual.
A Proposta Triangular é construtivista, interacionista, dialogal, multiculturalista e é pós-moderna por tudo isto e por articular arte como expressão e como cultura na sala de aula, sendo esta articulação o denominador comum de todas as propostas pós-modernas do ensino da arte que circulam internacionalmente na contemporaneidade. (Barbosa, 1998: 41).
Não se trata de enaltecer uma determinada teoria do conhecimento, mas de inter-relacioná-la no processo de construção do conhecimento por meio do ensino da Arte. A partir desses pressupostos, Ana Mae Barbosa estrutura a Abordagem Triangular embasada em três princípios: a produção, a leitura e a contextualização.
A Abordagem Triangular guarda a ideia da “pedagogia problematizadora” de Paulo Freire, por isso a “leitura”, aliada a contextualização daquilo que é “lido”, deve ser entendida como “questionamento, busca, descobertas, e não como preleção discursiva, um equívoco interpretativo, assim como o de considerá-la uma Metodologia [...]. (Bredariolli, 2010: 36).
Os três princípios básicos da abordagem devem estar interligados e não possuem uma ordem preestabelecida a ser seguida metodicamente, pois a Abordagem Triangular é uma proposta para o docente desenvolver o ensino da Arte em sala de aula a partir da compreensão da Arte como campo epistemológico que possibilita a formação crítica e transformadora dos sujeitos.
Parte-se então da “produção artística” ou do “fazer artístico”, entretanto, o processo de produção artística não é algo simplificado, construída de forma mecânica e desenvolvida a partir da aquisição técnica. Todo processo de produção perpassa por uma elaboração e concepção de uma ideia que resulta na obra artística. O fazer artístico está intimamente ligado ao pensamento, às ideias, sendo resultado também das experiências vivenciadas pelo autor da obra. A visão do aluno é inferida a partir do contato social que é concretizado com o fazer arte.
A Arte na educação não se reduz a um conhecimento simplificado, pois “[...] quando os alunos criam com linhas, cores, palavras, gestos, movimentos e sons, desenvolvem uma atividade que está diretamente ligada à necessidade de construir um conhecimento do mundo e de comunicar esse conhecimento a outros.” (Almeida, 2001: 20). É a forma de expressar suas sensações e descobertas no ato de experimentação ao dialogar consigo e com o espectador, imprimindo seu modo de ver a realidade. A obra não consiste em dar forma à matéria, mas é uma estrutura idealizada e rica de concepções.
A “leitura” é outro princípio básico que caracteriza a Abordagem Triangular. No ato de ver algo significativo, a pessoa emite um juízo de valor estético que também está relacionado com o contexto sociocultural. A leitura parte do reconhecimento e compreensão da imagem e da percepção da construção simbólica que a imagem de forma explícita e/ou implícita comunica aos olhos do observador. É um ato de refletir sobre o que se vê, fazendo a relação com o que já se possui de conhecimento, agregando novos atributos intelectuais as nossas experiências.
[...] leitura da obra de arte é questionamento, é busca, é descoberta, é o despertar da capacidade crítica, nunca uma redução dos alunos a receptáculos das informações do professor, por mais inteligentes que eles sejam. A educação cultural que se pretende com a Proposta Triangular é uma educação crítica do conhecimento construído pelo próprio aluno, com a medicação do professor, acerca do mundo visual e não uma “educação bancaria”. (Barbosa, 1998: 40).
A leitura visual permite o desenvolvimento da criticidade do aluno, a intepretação subjetiva e objetiva e o desenvolvimento do senso estético, contribuindo para a reconstrução da percepção da obra. A leitura não se limita à descrição visual da obra, mas ao diálogo entre o aluno e a obra de forma interativa, recriando suas impressões e formando sua opinião sobre o que é estudado.
A contextualização é a obra no tempo e espaço, pertencente a um contexto histórico, social e cultural. O trabalho artístico é produzido na realidade, o sujeito que produz faz parte da história, e a obra artística é a síntese do artista de forma objetiva e subjetiva. Para a compreensão do trabalho artístico ou das manifestações culturais é necessário ir ao encontro da Arte que se revela na dimensão histórica, social e cultural. Contextualizar é compreender que a Arte não é alheia ao processo social ou que pertence a uma classe privilegiada, mas é a compreensão crítica da realidade da qual a obra ou manifestação artística se projetam.
É diante da contextualização que a História da Arte possibilita o encontro do espectador e a obra. “O eixo da CONTEXTUALIZAÇÃO, que eu chamo de contextualizações, abarca as ações que focalizam, por meio da reflexão, os diferentes contextos da arte: a história, a cultura, circunstâncias, histórias de vida, estilos e movimentos artísticos.” (Machado, 2010: 66, grifo do autor).
A contextualização da obra de arte na Abordagem Triangular é ampla e relaciona tempo e espaço. É uma análise que introduz o aluno em um momento histórico e social em que a obra foi produzida pelo artista. Buscar compreender o passado e a dimensão crítica que a obra toma no presente, é uma intepretação cultural. A contextualização abre espaço para que o aluno possa se apropriar dos bens culturais que, muitas vezes, é negado no espaço escolar.
A produção, a leitura e contextualização precisam ser desenvolvidas conjuntamente, para que o aluno compreenda que a Arte não é somente desenhar, mas é apreciar, dialogar, interagir, refletir e conhecer.
A Abordagem Triangular apresenta-se como uma proposta para uma formação crítica do ensino da Arte, que busca romper com uma visão superficial do conhecimento artístico. Não é uma proposta para que o aluno possa conhecer o campo artístico, mas é primeiramente uma proposta para o professor que necessita do conhecimento teórico para o confronto com a realidade. A Arte passa a ser acessível a todos os alunos e não somente a uma minoria que desenvolveu certas habilidades artísticas.
2 METODOLOGIA
Esta pesquisa se propôs investigar como se dá o processo de construção do conhecimento dos alunos no componente curricular Arte nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Assumiu uma abordagem qualitativa, pois considera que a relação mundo e sujeito não pode ser medida quantitativamente. “A preocupação de quem adota essa abordagem é com a descrição da realidade tal como é em sua essência, sem o propósito de introduzir informações substanciais nela [...]” (Gressler, 2004: 43).
Esta pesquisa foi realizada em uma escola pública de Parintins, AM, Brasil, que atende crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. É uma instituição filantrópica que funciona em parceria com a Prefeitura do referido município. A escola localiza-se em um bairro periférico e apresenta grande importância para a comunidade, por priorizar o atendimento de crianças em condições de vulnerabilidade social.
Os participantes da pesquisa foram quatro professoras (seus nomes foram resguardados para a garantia do anonimato ético, logo, receberam nomes fictícios) que ministram aula de Arte de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. As participantes apresentam idade entre 34 e 55 anos e uma média de dez anos de experiência na docência, embora o tempo de trabalho na área educacional esteja entre 10 e 28 anos, destes, porém, alguns foram exercidos em outras funções, como gestão escolar, coordenação pedagógica, entre outras. É importante ressaltar que os anos em que assumiram como professoras, sempre lecionaram para os anos iniciais do Ensino Fundamental e, portanto, ministraram a disciplina Arte. A professora Eleonora ministra aulas para o 5º ano, Joana para o 1º, Carmem para o 2º e Isabel para o 3º e 4º ano, cujas aulas foram observadas, nas quartas-feiras, quintas-feiras e sextas-feiras, dias da semana em que o componente curricular Arte é ofertado na escola.
Para a coleta dos dados, utilizou a observação direta e entrevista semiestruturada. Por meio da observação direta, o pesquisador pode acompanhar “[...] in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações.” (Lüdke; André, 1986: 26). A observação foi realizada nas salas de aula das professoras, nos turnos matutino e vespertino, nos meses de outubro e novembro. Os fatos observados foram norteados por um roteiro de observação e registrados em caderno de campo.
As entrevistas semiestruturadas foram direcionadas a quatro professoras que ministram Arte no 1º ao 5º ano. Para Lüdke e André (1986), a entrevista semiestruturada ocorre a partir de um esquema, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o pesquisador faça as necessárias adaptações caso haja necessidade durante a coleta de dados. Assim, a entrevista foi conduzida a partir de um roteiro elaborado pelos proponentes deste estudo, cujo consentimento das professoras em participar da pesquisa deu-se por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A entrevista objetivou identificar as concepções dos professores sobre ensino da Arte no espaço escolar e analisar como ele é desenvolvido na escola de modo a possibilitar a construção do conhecimento das crianças na área.
A análise dos dados foi realizada considerando o referencial teórico compulsado e levou-se também em consideração a abordagem qualitativa adotada como método de controle para a condução da lógica da pesquisa.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 O ENSINO DA ARTE NA ESCOLA: O QUE PENSAM E DIZEM OS PROFESSORES?
Este tópico coloca em pauta a discussão em torno da construção do conhecimento por meio do ensino da Arte, trazendo para o cenário as concepções dos professores e o ensino dessa área epistemológica no contexto escolar. Os resultados apresentados foram produzidos a partir da observação direta em sala de aula e entrevista realizada com quatro professoras que ministram Arte na escola pesquisada.
No tocante à formação acadêmica, as professoras Eleonora e Joana têm formação em Normal Superior, sendo que essa última fez complementação em Pedagogia. A professora Carmem é licenciada em Pedagogia com especialização em Psicopedagogia e a professora Isabel possui graduação em Ciências Biológicas. Embora a maioria das docentes tenha formação para atuar nos anos iniciais, ainda se encontraram professores que não possuem formação na área, como é o caso da professora Isabel, contrariando o disposto no artigo 62, da Lei n. 9.394/1996, que determina:
[...] A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (Brasil, 1996).
Atualmente, os professores com habilitação para a docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental são aqueles com nível médio obtido no curso de formação de professores a cargo das Escolas Normais, licenciatura em cursos de Pedagogia ou Normal Superior, realizado nos Institutos Superiores de Educação.
O Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução n. 7, de 14 de dezembro de 2010, que fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos, regulamenta a seguinte questão:
Art. 31 - Do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, os componentes curriculares Educação Física e Arte poderão estar a cargo do professor de referência da turma, aquele com o qual os alunos permanecem a maior parte do período escolar, ou de professores licenciados nos respectivos componentes. (Brasil, 2010: 9).
No percurso da história da educação brasileira no século XX, o ensino da Arte não recebeu uma determinada atenção no currículo escolar e isso reflete também na formação do professor que ministra esse componente. Schlichta e Silva (2016: 89) afirmam que
O professor de arte dos anos iniciais do ensino fundamental não precisa necessariamente da formação especifica em arte. Já para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio é exigido curso de licenciatura relacionado a algumas modalidades artísticas, tais como artes visuais, teatro, dança e música.
Das participantes, apenas a professora Carmem fez formação continuada na área de Artes; as docentes Joana e Eleonora cursaram apenas as disciplinas ofertadas no período de formação inicial; e a professora Isabel não recebeu qualquer formação na área, visto ter formação em Ciências Biológicas.
A professora Carmem destaca que o curso de formação continuada, do qual participou, desenvolveu apenas discussões teóricas por meio de seminário e atividades práticas não foram realizadas, metodologia esta que, no seu entendimento, não contribuiu para melhorar suas aulas de Arte.
Por sua vez, a professora Joana ressalta que as políticas educacionais priorizam no currículo escolar outros componentes:
[...] A preocupação da Secretária Municipal é mais com as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências [...]. Arte, não se vê quase nada [...]. Arte foi incluída no PINAIC, mas não foi tão aprofundado os estudos [...]. Foi mais voltado para Matemática e Português, sobretudo questão de leitura e escrita. Na verdade, os índices baixos são nestas áreas [...]. A intenção deles são índices, simplesmente é assim.
A Arte não se configura como um componente curricular importante em relação a outras áreas do conhecimento. Barbosa (2010b) questiona a responsabilidade governamental que negligencia o acesso à educação de qualidade para o povo, principalmente a que se refere ao ensino da Arte nas escolas públicas. A Arte afeta a o processo de criação e divulgação de novas tecnologias de forma a encorajar um ambiente inovador dentro das instituições. Logo, pensa-se: Estarão interessados em educar a sociedade? Partindo dessa premissa, hipotetizam-se as razões da formação continuada de professores para o ensino de Arte ser quase inexistente ou oferecida de maneira superficial.
Assim, o professor traduz em sua prática pedagógica as experiências artísticas vivenciadas na vida escolar. Para Martins (2012: 56), os professores precisam “[...] conhecer desde os conceitos fundamentais da linguagem da Arte até os meandros da linguagem artística em que se trabalha [...]”. É na articulação teoria e prática que a Arte potencializa a construção do conhecimento e, consequentemente, a formação integral do sujeito, superando, desta forma, uma concepção de ensino da Arte baseado no fazer artístico.
As professoras entrevistadas revelaram suas dificuldades em trabalhar com o componente curricular Arte, como afirma a professora Isabel:
[...] o trabalho que realizamos com a Arte ainda está muito distante do que realmente ela representa [...]. Não tenho problema com Português ou Matemática, mas minha maior dificuldade é como introduzir no plano de aula os conteúdos de Arte. [...]. Eu vou dar um exemplo, a questão da música é muito difícil, porque nós não temos esse conhecimento. A questão do teatro, é outra questão muito difícil para quem não estudou Arte. Então, fazemos o que podemos dentro das nossas possibilidades [...]. Geralmente, juntamos o ensino de Arte com outras disciplinas, trabalhamos de maneira interdisciplinar.
Conforme demonstra a fala da professora, o ensino de Arte não é algo simples de se realizar, pelo contrário, assim como as demais áreas de conhecimento, requer uma formação adequada e que corresponda aos domínios de seu campo teórico-metodológico. Contudo, o que se percebe no relato da participante é uma formação que não corresponde a esse domínio, reduzindo o ensino de Arte na escola a uma execução de técnicas artísticas.
A professora Isabel menciona em seu relato que realiza um trabalho interdisciplinar no ensino de Arte, fato também relatado pelas demais professoras, como se destaca o relato da professora Joana:
O Componente Curricular Arte possui apenas 1 (uma) aula semanal e para haver um bom aproveitamento, muitas vezes, articulamos nossos planos de aula de forma interdisciplinar, geralmente relacionamos Arte com as outras disciplinas. E daí, trabalhamos a coordenação motora fina; adição, subtração; espaço e representação através do desenho; em ciências, estudamos os animais e com a Arte, fazemos dobraduras [...].
Embora as professoras afirmem realizar um trabalho interdisciplinar, o ensino de Arte acaba por assumir um caráter meramente instrumental, como destaca Almeida (2001: 11-12, grifo do autor):
[...] O desenho, por exemplo, serviria para “ilustrar os trabalhos de português, ciências, geografia”, e para “formar hábitos de limpeza, ordem e atenção”; desenho, música e dança podem desenvolver “a coordenação motora” e a “percepção auditiva”; o teatro e a música podem ajudar na aprendizagem ou na fixação dos conteúdos de outras disciplinas, assim como o “desenvolvimento da atenção, concentração”; a música também é lembrada por seu caráter disciplinador – “serve para as crianças ficarem quietas” – ou para distrair e acalmar os alunos: “é bom para relaxar”, e “serve para descansar a cabecinha das crianças”.
Nessa concepção, a Arte na escola é tratada como um campo esvaziado de conteúdo, e os professores, marcados por um processo de formação precário, não conseguem ter “[...] consciência clara de sua função e sem uma fundamentação consistente de arte como área de conhecimento com conteúdos específicos [...], não conseguem formular um quadro de referências conceituais e metodológicas para alicerçar sua ação pedagógica [...]” (Brasil, 1997: 26).
As professoras reconhecem a relevância do ensino da Arte para o desenvolvimento do aluno e de sua capacidade motora e intelectual, mas são conscientes de suas limitações quanto ao domínio dos conhecimentos específicos da área artística, o que interfere diretamente em suas práticas pedagógicas.
Para Ferraz e Fusari (2010: 51, grifo do autor), a prática e teórica artística e estética do professor de Arte “[...] deve estar conectada a uma concepção de arte, bem como, a consciência de sua proposta pedagógica. Em síntese, ele precisa saber de arte e saber ser professor de arte [...]”.
O docente não é um sujeito parcial no processo educacional, ele é um ser em construção que tem uma história e vive em um determinado contexto. Desse modo, as professoras participantes da pesquisa carregam consigo o entendimento do que seja Arte.
Para a professora Carmem, Arte “[...] é expressar o que se sente no momento em que se está vivendo e poder comunicar através do papel, de gestos, das cores [...]”. Joana concebe a Arte como um veículo por meio do qual a criança se expressa, se trabalham a timidez, a oralidade e o desenvolvimento humano. Isabel, por sua vez, conceitua a Arte como ludicidade e a professora Eleonora acredita na relação da Arte com a vida humana de forma mais ampla, ou seja, a Arte envolve o ser humano em todas as suas dimensões.
Frange (2012: 38) enfatiza as mudanças que ocorreram no conceito de Arte que também foram introduzidas no ensino:
A educação, por sua vez, está ancorada nas diferenças e nas diversidades “que somos e quem somos”. Não bastam a “livre expressão” (cantada e decantada nos anos 50 e 60), os “espontaneísmo” (compreensão banalizada e indevida do expressionismo), nem “a igualdade, liberdade e a fraternidade” (proposta pela Revolução Francesa). Os tempos em que vivemos exigem investimentos e diversificações, coerências e competências sociais e epistemológicas para que cada um seja construcional de sua “personalidade” coletivizada e que se conheça para que possa, nos Outros e nas Coisas, se reconhecer, quer na similitude, que nas diferenças e/ou nas divergências.
A influências dessas concepções chegaram à contemporaneidade, servindo como base para a prática pedagógica do ensino da Arte, estando, portanto, presentes nas falas das participantes. Daí o entendimento de Arte como expressão, veículo de expressão, ludicidade e Arte relacionada diretamente à vida humana.
Assim, a concepção de Arte como expressão, enunciada pelas professoras Carmem e Joana, é utilizada a partir do Escolanovismo, fundamentada no interesse do aluno por meio de sua espontaneidade, na “livre expressão” e do sentimento. “Os professores da linha da livre expressão, implicitamente, pressupõem que o aluno tem dentro de si um mundo de ‘Obra’ que precisa ser posto para fora, expresso, mas não exprimido [...]” (Ferraz; Fusari, 2010: 37).
A professora Joana compreende a Arte como uma forma dele desenvolver essa expressão, expressão de sentimentos, expressão de emoções, é nesse sentido que vê que a criança um imenso potencial, e que a Arte pode atingir todo esse potencial.
Verifica-se que nas palavras da professora há resquício da “livre expressão” adotado pela Escola Nova, na qual o aluno recebe todas as estimulações possíveis para se expressar artisticamente.
Para Duarte Júnior (1991: 66), a arte desperta na pessoa o ato de sentir, apesar de muitas vezes o aluno não ter oportunidade de expor sua visão de mundo a partir de suas percepções e sentimentos, e que “[...] Através da arte pode-se, então, despertar a atenção de cada um para sua maneira particular de sentir, sobre a qual se elaboram todos os outros processos racionais.”
O aluno é sensível à realidade, tudo que vê ou sente lhe provoca reações que são exteriorizadas. O resultado desse processo de reação no ensino da Arte não é instintivo, mas passa a ser a resposta imediata à proposta mediatizada pelo professor.
Nas aulas de Arte ministradas pelas professoras, é visível a ênfase no “fazer artístico” com prioridade para o desenho, dramatização de histórias, cantigas de roda, pintura da cópia de desenhos, elaboração de coreografia e apresentações. Essas técnicas artísticas são, em geral, utilizadas para a fixação dos conteúdos de outros componentes curriculares.
Nas aulas de Arte, os professores enfatizam um “saber construído” reduzido aos seus aspectos técnicos e ao uso de materiais diversificados (sucatas, por exemplo), e um “saber exprimir-se” espontaneístico, na maioria dos casos caracterizando poucos compromissos com o conhecimento de linguagem artística. Devido à ausência de base teórica mais fundamentada, [...]. (Ferraz; Fusari, 1999: 32, grifo nosso).
As participantes demonstraram, muitas vezes, preocupação com o processo prático da atividade artística em sala de aula, sem considerar os conteúdos de Arte que necessitam ser estudados.
A Arte como construção do conhecimento aparece apenas na fala da professora Eleonora, quando afirma que a Arte está presente em muitas coisas que que são feitas diariamente em sala de aula, e que ela faz parte da vida do ser humano e o ajuda a desenvolver sua oralidade, intelecto e até mesmo a prática do desenho.
A professora foi uma das poucas que mencionou o “desenvolvimento intelectual”, trazendo a compreensão de que o ensino da Arte em sala de aula não se limita à produção de atividades artísticas pelos alunos, mas abrange o desenvolvimento cognitivo. São reflexos do pós-modernismo, o qual valoriza a livre expressão, porém agrega a cognição, a Arte como condutora do conhecimento.
Na observação realizada nas aulas de Arte das professoras, pode-se perceber que suas práticas extrapolam o “fazer artístico”, entrelaçando-se a outros processos de aprendizagem do campo artístico, como o apreciar, a criação, a contextualização, porém realizados de forma bastante simplificada.
As professoras buscam elaborar os planejamentos para suas aulas de acordo com o que pensam sobre o que é Arte, baseadas em suas pesquisas e na consulta dos livros didáticos, estes últimos voltados basicamente para o fazer artístico. Essa realidade do ensino da Arte na escola requer reflexões sobre a sua compreensão como campo epistemológico, pois o homem produz arte, vive a arte e se constrói a partir dela.
3.2 O ENSINO DA ARTE E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: UMA ANÁLISE DA PRÁTICA DOCENTE
O professor que ensina Arte precisa ter clareza do que realmente seja Arte. Esta compreensão é fundamental para nortear sua prática pedagógica em sala de aula. Assim, no decorrer deste estudo, foi possível analisar a relação entre a prática docente e a concepção que o professor possui sobre o conceito de Arte e o seu ensino na escola. Como já discutido anteriormente, as participantes da pesquisa entendem a Arte como um fazer artístico, livre expressão, ludicidade e como fazer humano. Esses entendimentos, segundo Fischer (1976), refletem uma compreensão fragmentada e simplificada sobre o que seja a Arte.
Desse modo, o desenho e a pintura são bastante utilizados para a realização da maior parte das atividades artísticas em sala de aula. As temáticas são relacionadas a algumas datas comemorativas, como o Dia do Meio Ambiente, o Dia das Crianças, comemoração natalina e da família. Como atividade de pintura, geralmente são entregues aos alunos imagens ou figuras impressas.
Apesar de as práticas pedagógicos das participantes situarem-se sob uma abordagem tradicional do ensino da Arte, as figuras utilizadas servem de suporte para a contextualização e a crítica da realidade. Os alunos interagem durante as aulas, dialogando com suas experiências de mundo e o contexto social ao qual pertencem. São instigados a externar o que sentem ao ver a imagem e o que pensam sobre ela na relação com suas próprias experiências.
Observou-se também que a Arte se configura como suporte para as outras disciplinas e o desenvolvimento de habilidades. A maior parte das atividades realizadas nas outras áreas culmina com uma atividade artística: desenho, pintura, dramatização, dança, sendo o desenho o mais utilizado.
Por meio do desenho, o aluno exprime sua visão de mundo, por essa razão, este não pode ser visto na escola apenas como o resultado de um fazer meramente técnico, pois, como afirma Derdyk (2015: 34), “[...] a vivência da criança é base para a construção da sua linguagem gráfica, e o desenho é um instrumento que “possibilita a reflexão, abstração e conceituação.”
O desenho não é uma mera cópia, reprodução mecânica do original. É sempre uma interpretação, elaboração correspondência, relacionando, simbolizando, significando, atribuindo novas configurações ao original. O desenho traduz uma visão porque traduz um pensamento, revela um conceito. (Derdyk, 2015: 114).
O aluno ao desenhar uma imagem não está preocupado com a aparência das coisas, mas com a representação simbólica da ideia expressa por meio do desenho. “Desenhar objetos, [...] situações, animais, emoções, ideias são tentativas de aproximação do mundo. Desenhar é conhecer, é apropriar-se [...]” (Derdyk, 2015: 38).
Para as professoras Joana, Maria e Eleonora, o ensino da Arte pode potencializar o processo ensino-aprendizagem, na medida em que serve de suporte para ensinar o conteúdo de outras disciplinas; trabalha com as crianças a poesia, a música e o teatro; ajuda as crianças a perderem a timidez e desenvolverem a oralidade; além de possibilitar a descoberta de novos artistas. Para a professora Carmem, a Arte, por ser um leque de conhecimento, possibilita trabalhar a criança em suas dimensões física, emocional, intelectual e social:
[...] a Arte ele é um leque de conhecimento, quanto mais você ensina, mais surgem coisas [...]. Podemos trabalhar a criança em sua forma física, [...], temos o jeito de trabalhar a criança no seu emocional [...], e também trabalhar a criança no seu conhecimento tanto interior como familiar, quanto escolar de modo geral. Então a Arte nos proporciona isso.
O conhecimento artístico e estético trabalhado nas aulas de Arte aguça ainda mais a sensibilidade dos alunos. E, pela imaginação, eles extrapolam o mundo real e impulsionam a criação, que é fruto dos conhecimentos adquiridos em suas experiências sensíveis.
A emoção é movimento, a imaginação dá forma e densidade à experiência de perceber, sentir e pensar, criando imagens internas que se combinam para representar essa experiência. A faculdade imaginativa está na raiz de qualquer processo de conhecimento, seja científico, artístico ou técnico. A flexibilidade é o atributo característico da atividade imaginativa, pois é o que permite exercitar inúmeras composições entre imagens, para investigar possibilidades e não apenas reproduzir relações conhecidas. (Brasil, 1997: 30).
Observou-se em sala de aula o processo de imaginação dos alunos a partir da ilustração do poema O navio, de Cecilia Tavares. Primeiramente, os alunos expressaram oralmente o que já haviam elaborado em suas mentes e, depois, realizaram a ilustração. Ferreira e Silva (2001: 151) ressaltam que o desenho realizado pelo aluno na escola é produto de sua atividade mental, sendo reflexo da cultura e de seu desenvolvimento intelectual. “[...] O desenho é um processo complexo que envolve imaginação, realidade cotidiana, figuração, e tem como mediação a palavra [...]”.
Nas aulas de Arte das professoras, observou-se o uso de quatro linguagens artísticas: Artes Visuais (desenho e pintura), Música (exploração sonora do corpo), Teatro (dramatizações) e Dança (coreografias). Algumas atividades possuem caráter mais expressivo, outras, como a dança, estão ligadas muito mais com a técnica e a imitação de gestos e movimentos.
Está-se diante de um professor polivalente, que, além das outras áreas do conhecimento, precisa desenvolver as diferentes linguagens artísticas (Artes Visuais, Música, Teatro e Dança) no ensino da Arte. Cada linguagem artística possui fundamentos teórico-práticos distintos, o que torna o ensino da Arte um desafio para os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A professora Isabel, que ministra aula de Arte para o 3º (turno matutino) e 4º (turno vespertino) anos, durante a entrevista, afirmou que compreende a Arte como ludicidade, trazendo para o ensino de Arte uma questão importante, pois o lúdico faz parte do conceito artístico e possibilita ao aluno o desenvolvimento da imaginação e de sua capacidade criadora, além de tornar a aprendizagem um momento prazeroso.
Ensinar arte em consonância com os modos de aprendizagem do aluno, significa, então, não isolar a escola da informação sobre a produção histórica e social da arte e, ao mesmo tempo, garantir ao aluno a liberdade de imaginar e edificar propostas artísticas pessoais ou grupais com base em intenções próprias. E tudo isso integrado aos aspectos lúdicos e prazerosos que se apresentam durante a atividade artística. (Brasil, 1997: 35).
Para Prosser (2012: 55), com os jogos e a Arte obtêm-se muito mais rendimento e cooperação por parte dos alunos, e a atividade de aprender pode ser prazerosa: “[...] E, nesse contexto, a atmosfera de liberdade e de respeito propiciada pela arte tornar-se, de um lado, veículo de autoconhecimento e de autoconfiança; de outro, oportuniza a manipulação dos conteúdos e a fixação do aprendizado.”
O ensino de Arte no 3º ano, durante o período de observação, foi desenvolvido a partir de parlendas e paródias. As parlendas foram trabalhadas de forma lúdica por meio de leitura, canto, trabalho corporal, expressão facial e gestos. Era visível o interesse e alegria dos alunos que cantavam e se divertiam, interagindo com a professora e os colegas. Também foi solicitado pela professora que eles realizassem uma pesquisa sobre o gênero textual estudado e, por fim, o uso do desenho para ilustrar a atividade. Para finalizar, houve a socialização das parlendas pesquisadas e a leitura em sala de aula. O componente curricular Arte interligado à Língua Portuguesa, de forma interdisciplinar, contribuiu para o conhecimento dos gêneros textuais parlenda e paródia de forma atrativa, estimulando o interesse do aluno.
Nesse processo, a construção da paródia apresenta-se como “fazer artístico”, na medida em que possibilita a releitura de uma obra (cantigas populares). A paródia é um dos elementos musicais que ajuda a criança a pensar, realizar composições e resolver problemas.
A paródia consiste na recriação/releitura de uma obra já existente, a partir de um ponto de vista predominantemente cômico. Além de humor, a paródia também pode transmitir um teor crítico, irônico ou satírico sobre a obra original, por meio de alterações no texto ou na imagem do produto original, por exemplo. Por norma, as paródias são utilizadas como ferramentas para discutir assuntos polêmicos, mas de modo descontraído e menos tenso. (Ribeiro, 2016).
A paródia não se configura como uma cópia da música original e muito menos deve ser vista como algo inferior em sua elaboração. O aluno ao construir a paródia apropria-se de algo já existente e passa a colocar sua ideia, outras palavras, mas conserva a melodia da música original.
Outra proposta foi o teatro com “palitoches” realizado em grupo. Nesse trabalho coletivo foi interessante observar os conflitos que são gerados entre os alunos na organização e execução da atividade. A professora utiliza narrativas como A onça e o bode, A flauta e o sabiá, Brincando de teatro, O veado e onça-pintada e o Papagaio falador.
Ao participar de atividades teatrais, o indivíduo tem a oportunidade de se desenvolver dentro de um determinado grupo social de maneira responsável, legitimando os seus direitos dentro desse contexto, estabelecendo relações entre o individual e o coletivo, aprendendo a ouvir, a acolher e a ordenar opiniões, respeitando as diferentes manifestações, com a finalidade de organizar a expressão de um grupo. (Brasil, 1997: 57).
O trabalho com o teatro em sala de aula coloca o aluno em contato com o conhecimento dos elementos técnicos dessa linguagem em suas variadas facetas, como teatro de fantoche, palitoches, personagem, representação, dramatização, espectador, cenário, entre outros.
A atividade realizada com o teatro é parte do currículo e não está vinculada a mais uma apresentação pontual a ser realizada pela escola, configurando-se em um processo de construção dos alunos e do professor relacionado ao conteúdo artístico. O teatro produzido pelos alunos não se limitou às quatro paredes da sala de aula, mas foi apresentado para os alunos de outras turmas na quadra da escola.
A professora Eleonora também desenvolveu atividades em suas aulas de Arte a partir da linguagem teatral. O teatro como proposta articulou-se também aos conteúdos de Língua Portuguesa para trabalhar os gêneros textuais contos e fábulas, como: A Bela e a Fera (1756), Os Três Porquinhos (1853), Alice no País das Maravilhas (1865) e Aladim (1709).
Embora a professora Eleonora reconheça suas limitações quanto ao domínio dos conhecimentos específicos das linguagens artísticas, procura sempre relacionar o ensino de Arte com os conteúdos de Língua Portuguesa:
[...], eu sempre procuro desenvolver a Arte [...] ligando com Língua Portuguesa, como é o caso desse último bimestre [...], por meio de um texto, de um gênero textual, eu desenvolvo a Arte [...]. Os alunos podem ilustrar versos, estrofes e até mesmo dramatizar. É dessa forma que nós trabalhamos sempre em sala de aula a Arte. Ou por meio de desenhos livres, de produção de desenhos mesmos, observação de gravuras. É interdisciplinar, sempre ligando uma na outra, mas, às vezes, trabalhamos ela [Arte] de forma isolada.
O componente curricular Arte oferece aos docentes infinitas possiblidades para o desenvolvimento de sua prática pedagógica em sala de aula, por intermédio das linguagens artísticas (Artes Visuais, Música, Teatro e Dança), além de potencializar o aprendizado de outras disciplinas, como destaca a professora Eleonora: “[...] porque por meio do desenho eu vejo que ele desenvolve, depois de desenhar, ele vai falar o que desenhou, depois produz e escreve o que desenhou.” Daí decorre a necessidade da defesa da Abordagem Triangular, por esta assumir a característica de um sistema epistemológico e não metodológico do ensino da Arte.
Para as professoras, a maior dificuldade que enfrentam para ministrar as aulas de Arte está pincipalmente na falta de domínio dos conhecimentos específicos da área de Arte e das habilidades artísticas. A professora Joana descreve que no exercício do magistério, em algumas escolas, não teve tanta liberdade para realizar o ensino da Arte explorando outras experiências:
[...] teve escolas que se eu fosse para quadra com meus alunos na aula de Arte, ouvia, perda de tempo! Ou então, vou usar minha aula de Arte partindo de um vídeo, de um cineminha, também já foi falado para mim, perda de tempo, enrolação! Brincadeira em Arte também, já em duas escolas eu estava brincando e falaram na hora, não esperaram eu terminar: Professora, isso é enrolação! É perda de tempo! Sua aula tem que ser em sala de aula.
As dificuldades apontadas pelas professoras no ensino da Arte suscitam novas formas de pensar os cursos de formação de professores para os anos iniciais do Ensino Fundamental e, especificamente, para o ensino de Arte. Faz-se urgente também a superação do entendimento do ensino da Arte voltado para elementos práticos, como o desenho.
Por meio da Arte, o aluno pode ter acesso ao patrimônio cultural material e imaterial construído pela humanidade, e a Arte na escola é um desses espaços que propicia a Pedagogia. Não basta que o professor tenha uma formação específica se não desenvolver uma didática capaz de favorecer a compreensão e estimular o aluno na construção do conhecimento.
Assim, o componente curricular Arte deve garantir que os alunos conheçam e vivenciem aspectos técnicos, inventivos, representacionais e expressivos em música, artes visuais, desenho, teatro, danças e artes audiovisuais. Para isso, é preciso que o professor organize um trabalho consistente, por meio de atividades artísticas, estéticas e de um programa de teoria da História da Arte, inter-relacionados com a sociedade em que eles vivem (Ferraz; Fusari, 2010).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Arte no decorrer da história tornou-se fundamental para o homem compreender a si e o mundo que o cerca. Tal relevância é visível nas diversas formas de manifestações artísticas que circundam a vida cotidiana das pessoas. Entretanto, o ensino da Arte na escola não recebeu até hoje a importância que lhe é devida, pois seu ensino vem sendo marcado por concepções que a tratam como uma área esvaziada de sentido epistemológico.
Os professores que ministram o componente curricular Arte na escola pesquisada não possuem o domínio dos conhecimentos específicos da área, o que compromete o seu ensino, reduzindo-o ao “fazer artístico”, expresso geralmente em atividades de desenho, pintura, dramatizações e coreografia.
Por meio da interdisciplinaridade, os professores utilizam a Arte como suporte para trabalhar os conteúdos de outros componentes curriculares e o desenvolvimento de habilidades (coordenação motora; expressão oral e gráfica; expressão das emoções). Entretanto, nesse processo de integração de diferentes conhecimentos, não conseguem perceber que, no momento do fazer artístico, o aluno se apropria de conhecimentos que estão além do desenvolvimento motor, pois estão relacionados com a construção dos conhecimentos artísticos. Na realização de um desenho, pintura, na música ou na dança, o aluno não executa ações puramente mecânicas, pois, no ato de desenvolvimento dessas atividades, se apropria de suas vivências para responder o que lhe é proposto.
Não basta propiciar ao aluno um momento de expressão, acreditando que o ensino da Arte está sendo contemplado, é preciso potencializar o fazer, o ler e a contextualização para que ele possa desenvolver o conhecimento artístico, estético e cultural. Tais pilares que fundamentam a Abordagem Triangular contribuem para a superação de uma visão simplificada do ensino da Arte apoiado no fazer artístico, dando a essa área de conhecimento uma construção epistemológica.
Outro ponto a se levar em conta é a relação entre a concepção que os professores possuem do que é a Arte e o seu ensino em sala de aula. Desse modo, a Arte é concebida pelas professoras como “livre expressão”, ludicidade e tudo o que o homem faz. Tais entendimentos constituem o conhecimento artístico, porém, necessitam de uma sistematização, um estudo mais aprofundado, no sentido de compreender que a Arte, como campo epistemológico, possibilita o desenvolvimento do ser humano, em suas várias dimensões (cultural, psicológica, filosófica, estética e física).
As professoras justificam a relevância do ensino da Arte na escola para o desenvolvimento das diversas habilidades dos alunos, entretanto, uma prática pedagógica do ensino da Arte baseada no fazer artístico não conduz ao seu entendimento como campo epistemológico, negligenciando, dessa forma, os conhecimentos artísticos aos alunos.
Não basta ter um componente curricular como enfeite na escola, ficar na ilusão de que os alunos possuem o conhecimento da Arte como parte da vida e acreditar que qualquer coisa é Arte. É urgente e necessário que se abram espaços de discussão e que se coloque em pauta que Arte, como campo de conhecimento teórico-prático, é fonte de produção de novos conhecimentos sobre o homem e o mundo em que vive.
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