Revista: Atlante. Cuadernos de Educación y Desarrollo
ISSN: 1989-4155


NOTAS SOBRE AS TEORIAS SOCIAIS DE DURKHEIM, MAFFESOLI E BORDIEU E A FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO

Autores e infomación del artículo

NOVELLO, Rejane *

SCHROEDER, Tânia Maria Rechia **

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

Email: rejane.novello1978@gmail.com


RESUMO

O presente trabalho, reúne considerações acerca das teorias sociológicas elaboradas por Émile Durkheim (1858 – 1917), Michel Maffesoli (1944 -) e Pierre Bordieu (1930 – 2002), relacionando seu pensamento às concepções dos autores com relação a educação formal. Com o intuito de refletir sobre os problemas educacionais atuais, articulamos os conceitos dos três franceses quanto à educação: o primeiro julgando a educação como os demais fatos sociais, um produto da história e como parte integrante dos aspectos que constituem a consciência coletiva, uma instituição que exprime os comportamentos exigidos dos cidadãos; o segundo expressa a necessidade de reformularmos a educação devido às mudanças ocorridas no processo de socialização dos discentes frente os avanços tecnológicos e o desenvolvimento das tribos; o terceiro, mas não menos importante, delata a relação intrínseca entre a educação formal e a reprodução da estrutura social de classes.

Palavras-chaves: Sociedade, Educação formal, Escola, Transformação, Teorias sociais.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

NOVELLO, Rejane y SCHROEDER, Tânia Maria Rechia (2019): “Notas sobre as teorias sociais de Durkheim, Maffesoli e Bordieu e a função da educação”, Revista Atlante: Cuadernos de Educación y Desarrollo (agosto 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/atlante/2019/08/notas-teorias-sociais.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/atlante1908notas-teorias-sociais


INTRODUÇÃO

No decorrer dos estudos conduzidos no Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus de Cascavel-PR, sobre as teorias sociais e educação na história contemporânea, refletimos sobre o papel da educação institucionalizada e levantamos um questionamento desafiador e perspicaz: a escola transforma a sociedade? Assim, fez-se necessário aprofundar e debater sobre diversos teóricos, a fim de tentar compreender e interagir sobre suas ideias, pensamentos e contribuições para a educação e a sociedade como um todo. Pretendemos emoldurar nossa reflexão pela seleção de três autores em particular, quais sejam Durkheim, Maffesoli e Bordieu. Devido à natureza do documento, a brevidade nos impossibilitou de aprofundar alguns temas, porém, de forma geral, nossa análise, estudos e debates em sala, proporcionou melhor entendimento da questão inicial.
Preliminarmente é necessário elucidar algumas questões gerais acerca do pensamento dos três autores. De acordo com Durkheim a sociologia é a ciência que tem como objeto as instituições presentes na sociedade. Por instituição o autor entende um conjunto de princípios e comportamento que cimentam a sociedade. As instituições são influenciadas pelas circunstâncias históricas e entre elas está a educação formalizada.
Maffesoli, autor que descreve a pós-modernidade, assume a premissa de que estamos diante de um empasse, a noção de mundo que prevaleceu no ocidente está em xeque, a complexidade das relações sociais, a contradição do surgimento das tribos e ao mesmo tempo da massificação exige que pensemos a sociedade em bases igualmente complexas, pois, tais relações, em congruência com a disseminação da tecnologia transformou profundamente os processos de socialização, necessitando a educação, por isso, um processo de reformulação.
Bordieu é mais incisivo. A desconfiança direcionada à educação é a marca de sua obra que postula a intrínseca relação entre o sistema educacional e a manutenção das desigualdades sociais, encontrando um ponto em comum com Durkheim, compreendendo que a educação não é capaz de promover a mobilidade social.
Independente da perspectiva aceita como mais adequada, através da ótica dos autores podemos constatar a necessidade não apenas de refletir sobre a função da educação em nossos dias, mas a exigência social de um novo modelo de educação que privilegie a ciência em seu âmbito teórico e prático e promova realmente a equiparação social através do acesso a tal conhecimento.

DURKHEIM: O CONCEITO DE EDUCAÇÃO, A NATUREZA DO ATO EDUCATIVO E A REPRODUÇÃO SOCIAL

Invariavelmente, o termo educação foi utilizado para especificar a influência da sociedade e ou da natureza sobre o juízo humano. A abrangência tanto da interferência social, quanto dos aspectos naturais em um mesmo termo, conduzem peremptoriamente à considerações incongruentes com relação à educação. Conforme Durkheim (2012), teórico positivista, a palavra deve ser utilizada quando refere-se à ação dos homens maduros sob indivíduos mais novos. A afirmação do autor é relevante para compreendermos de que forma o autor conceitua a educação, ou seja, qual o tipo de atitude ele está aludindo quando utiliza a palavra.
Mas qual é a essência do ato educativo? Durkheim (2012) aponta duas respostas históricas e tecendo considerações sobre elas antevemos quais seriam os objetivos que a educação formal deve desempenhar segundo ele. Em primeiro lugar destaca uma concepção holística da educação, cujo papel seria elevar exponencialmente as capacidades humanas, de forma tão harmoniosa que o educando se aproximasse da perfeição. Em segundo lugar, destaca uma concepção que denomina utilitarista, cujo objetivo seria converter o discente em um instrumento de sua própria felicidade. Para o autor entretanto, a primeira esbarra na impossibilidade de ser efetivada, pois, embora nobre, o objetivo é contrário à própria organização social, que está conectada com as aptidões específicas de cada um. Em outras palavras, formar um ser humano integral é inviável, porque, a formação deve ser conduzida de acordo com as habilidades que cada um possui e o papel que pode desempenhar socialmente.
De fato, cada profissão constitui um meio sui generis que demanda aptidões e conhecimentos específicos, um meio no qual predominam certas ideias, usos e maneira de ver as coisas; e, já que a criança deve estar preparada com vistas à função que será levada à cumprir, a educação, a partir de determinada idade, não pode mais continuar a mesma para todos os sujeitos aos quais ela se aplicar. (DURKHEIM, 2012, p. 51)
A segunda concepção choca-se com problemas não menos relevantes de ordem teórica, o fato de a felicidade ser essencialmente subjetiva e individual. Para Durkheim (2012), neste caso o problema agrava-se pois, além de o objetivo da educação nesse caso ser obtuso, ele ainda está sujeito à individualidade de cada homem.
O ponto de contato entre as duas teorias seria o fato de ambas considerarem que existe uma educação ideal, aplicável a qualquer ser humano e a tentativa de especificá-la, de determinar o objetivo mor da educação. De acordo com Durkheim (2012), a história está na contramão dessa premissa. Ao longo da história, conforme a conjuntura social se alterava, modificava-se igualmente a natureza do ato educativo. Ora, se há uma educação ideal, um objetivo superior ao qual a educação deve submeter-se, por que a alternância de sistemas? Estariam todos os teóricos da educação, desde os gregos antigos, até os mais recentes pesquisadores equivocados com relação ao papel da educação?
Sob estas diretrizes podemos depreender que, a mensagem que Durkheim (2012) está querendo transmitir é a de que, a educação se moldou ao longo da história, à organização social, se a educação sofreu alterações foi para atender a demanda social, formando e incutindo os valores e habilidades necessários à manutenção daquela sociedade em questão. Transposto para o nosso período histórico, o problema nos leva a reflexão de propostas educativas contra-hegemônicas e ou alternativas, pois, se elas são realmente levadas à cabo, será que não estão igualmente atendendo à demanda dos papeis sociais? Ou a sociedade não se opõe à um tipo específico de educação que vai contra sua própria organização estrutural?
A fonte do problema segundo Durkheim (2012), é um equívoco histórico quanto à natureza e a finalidade da educação. Com base nisso, poderíamos argumentar que, toda sorte de sistemas educacionais, ou propostas curriculares pautadas em condições de vida ainda inexistentes ou almejadas, consistiriam em propostas virtuais, para não usarmos os termos utópicas ou enganosas, devido a suas raízes inexistentes. De acordo com essa linha de raciocínio, se as bases sob as quais se assentariam essa determinada proposta inexistem na prática, sua origem, seus princípios, bem como seus métodos não teriam justificativa e ou aplicação, condenando toda sorte de propostas educacionais transformadoras, visionárias ou reformistas à um limbo de tentativas fracassadas, que não deveriam ter nem saído do papel.
Conforme Durkheim (2012), “[…] em qualquer época, existe um tipo regulador de educação do qual não podemos nos distanciar sem nos chocarmos com vigorosas resistências”. (DURKHEIM, 2012, p.48). Porque, a sociedade produz os valores que a educação reproduz, de acordo com sua própria urgência. Historicamente, a educação está atrelada à religião, política, economia, ao estágio de desenvolvimento da ciência, entre outros fatores. Não é possível pensá-la, ou compreendê-la fora de seu contexto.
Esse enunciado é ratificado por Caires (2013). Em artigo intitulado Educação profissional: diálogos com Durkheim, Weber e Marx, a autora fixa como objeto de estudo a educação profissional brasileira na década de 1990, as políticas sociais implementadas nesse período são concomitantes à intensificação do capitalismo internacional, justificando seu interesse. Segundo a autora, as políticas sociais, entre elas a educação, assim como a conjuntura histórica sob a qual elas se assentam, prevalecem aspectos da teoria sociológica de Durkheim, justamente no que tange à reprodução da ordem social. Aferindo a teoria dos autores citados ao objeto selecionado, a autora elenca ainda elementos da teoria Weberiana, confrontando-os com a perspectiva marxista, que prevê uma formação humana integral, pautada na compreensão do trabalho como atividade consciente e livre, ou seja, conectada à sua natureza.
A despeito de nosso interesse por Durkheim, o estudo supracitado nos interessa por outra razão. Conforme Caires (2013), as mudanças ocorridas no plano econômico mundial na década de 90, refletiram em alterações na legislação acerca da educação profissional, que oscilou ora atrelando-se ao ensino médio regular, ora desarticulando-se deste, havendo a possibilidade de sua oferta acontecer em paralelo e ou sequencialmente ao ensino médio, garantido mais flexibilidade quanto à sua oferta e organização curricular no interior das instituições. Por outro lado, não podemos negar que a universalidade do ensino superior ainda é uma meta longe de ser alcançada, adquirindo relevância o ensino técnico para determinadas camadas da classe trabalhadora. Estamos diante de uma questão dúbia em sua origem e papel a cumprir na sociedade. Ao mesmo tempo que o ensino profissional pode desviar o indivíduo de sua formação integral, sua oferta integrada ao ensino médio regular representa uma melhoria no ensino. Nesse sentido a autora destaca:
Em decorrência disso, passaram a coexistir três formas de oferta da EP. Uma delas, o Ensino Integrado, possibilita melhores condições para uma educação tecnológica alicerçada na formação humana integral, cidadã e crítica. As formas concomitante e subsequente, muitas vezes, desenvolvidas em módulos fragmentados, acabam por manter uma relação mais próxima com a formação, focada apenas no mercado de trabalho e se afastam de uma educação mais humanista e reflexiva. (CAIRES, 2013, p.11)
O texto oficial que inaugura a escola profissional no Brasil, elaborado na gestão do então presidente Nilo Peçanha – que assumira a presidência por aproximadamente um ano e meio, entre 1909 e 1910, por ocasião da morte de Afonso Pena – aborda o problema justamente sob os dois ângulos, anuindo que o objetivo da política é assegurar uma oportunidade de profissionalização às camadas menos favorecidas por um lado, e que tal modalidade de ensino deverá atender à demanda industrial local por mão de obra qualificada. O grifo de Caires (2013), sobre o texto oficial acima, segundo a autora encerra profundas semelhanças com os pressupostos de Durkhein, pois, ambos pressupõem uma educação classista, em que o objetivo é preparar o indivíduo para o papel social que desempenhará. Em oposição à concepção de formação integral humanista que prevaleceu após o Renascimento, esta disposição tem como princípio atender à demanda econômica por mão de obra capaz e social, evitando a população de desempregados que geraria um desequilíbrio nesse âmbito, não sendo capaz de ocupar vagas de emprego, bem como favorecer a acumulação e capital por parte dos patrões e consumir os produtos e serviços oferecidos, movimentando assim a economia.
O arranjo social é o núcleo da teoria de Durkheim segundo a qual os indivíduos integram um organismo, todas as suas ações devem prever a continuidade desse organismo, interdependendo-se, em detrimento das particularidades para o benefício de toda a sociedade. Caires (2013) afirma que entre os interesses do sociólogo francês, não estavam os conflitos oriundos das desigualdades sociais, essas contendas eram tratadas de forma tópica, necessitando de correção para a retomada da ordem vigente. É nesse sentido que Durkheim analisa a questão da divisão do trabalho social, problemática ligada atualmente à oferta da educação profissional, pois reconhece a secção entre a formação profissional e a formação que chamamos de integral em benefício da sociedade, haja vista que cada indivíduo deve exercer seu papel de acordo com as exigências da conjuntura social em prol do todo e em detrimento próprio.
O caráter ambíguo da educação foi explorado por Durkheim, que esclarece a questão nos seguintes termos. Pesquisando o conceito de educação, o autor francês comparou os modelos educativos que existiram até a sua contemporaneidade. Requestando o que havia de comum entre eles, julgou encontrar nas similaridades seu conceito. Segundo Durkheim (2012), a educação tem em si aspectos particulares e também genéricos, mais globais. O raciocínio do autor parte do pressuposto de que a educação sempre se realizou de maneira específica segundo a classe social a que era direcionada e mesmo o lugar de onde partia tal educação, logo admite uma educação diferente entre as áreas rurais e urbanas, entre os patrões e subalternos por exemplo.
Inteligentemente, Durkheim (2012) afasta as críticas da impossibilidade de aceitação moral de uma educação classista questionando que, se o determinismo da classe e ou ambiente que prevalece sobre os indivíduos fosse excluído do processo educativo, esse se tornaria automaticamente mais democrático e equitativo? Refletindo a partir da atualidade é fácil e sedutor concordar com o sociólogo francês. Vivemos sob a égide da igualdade de direitos, da igualdade jurídica já levantada na Revolução Francesa, salvaguardadas as devidas variações teóricas e estruturais, vivemos em uma nação cujo Estado é socialista, até muito recentemente tínhamos na presidência, líderes que se orgulhavam de alardear o combate e diminuição da pobreza, sem adotar bandeira a questão que fica é: e a educação no interior dessa conjuntura? Se tornou mais equilibrada? Para Durkheim (2012) a única possibilidade de uma educação dessa natureza efetivar-se está já no passado, na pré-história, momento em que os homens não tinham distinções. Depreende-se daí a premissa de que a educação deve refletir a organização social, ainda que esta seja desigual.
Reflexões à parte, retornemos ao nó teórico da natureza ambígua da educação segundo Durkheim (2012). O autor delineia o papel cultural que a escola tem a cumprir. Sem embargo da educação classista, o francês anui que todos os indivíduos de uma determinada sociedade em idade escolar devem apreender certos valores e que cabe à educação assegurar essa transmissão. Como exemplo o autor cita a religião, que embora pessoas sejam de níveis sociais diferentes, partilham de valores religiosos iguais. Entretanto, a preocupação de Durkheim não é humanista mesmo que aparente ser. Os valores que a escola deve obstinar nos discentes são aqueles essenciais a manutenção do espírito coletivo, qual seja, o de uma sociedade dividida em classes.
Durkheim (2012), assente a tese de que toda sociedade elabora um ideal de homem – uma das similaridades que o autor encontrou nos diversos modelos educativos estruturados ao longo da história da educação - e que tal conceito tem caráter universal, porém, em algum ponto esse arquétipo sofre alterações. Este protótipo é o eixo da educação, cuja função é transmitir os valores e comportamentos desejados e exigidos pela sociedade para todos os seus membros e por outro lado, fazer penetrar os valores exigidos do indivíduo de acordo com sua posição social. Portanto, a educação é uma espécie de cimento social, assegurando paralelamente a homogeneidade tácita, o espírito coletivo e nacional e também diversificando-se, particularizando-se para atender à demanda das diferentes classes sociais.

MAFFESOLI: A CRISE DO PARADIGMA, A BREVIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS ATUAIS E O ALUNO NÔMADE

            Émile Durkheim (1858 – 1917) e Michel Maffesoli (1944 - ) têm outras semelhanças além da nacionalidade francesa, ambos são considerados pioneiros na área que estudaram e estudam, respectivamente. Durkheim é frequentemente citado juntamente com Karl Marx e Max Weber como um dos elementos basilares da ciência social moderna. Através da disciplina de sociologia que ele próprio fundou e em meio as mudanças sociais operadas no limiar do século XX, Durkheim preocupou-se em analisar a organização social, bem como suas estruturas numa perspectiva positivista.
Por sua vez, Maffesoli, nosso contemporâneo também se fez notório pela inovação de sua obra e popularização de conceitos como tribo urbana. Entretanto, aos estudiosos e leitores acostumados à sociologia tradicional e ou consagrada, para não parecermos pejorativos ou parciais, as ideias de Maffesoli podem parecer paradoxais e representar mesmo um desafio de interpretação, do ponto de vista do leitor e do ponto de vista do cientista social.
Na introdução da obra que tomamos como referência para o presente trabalho, Maffesoli (2014) afirma que escreve no fim da Era Moderna, esta primeira afirmação já revela uma das premissas do autor, ao passo que confronta a compreensão da ciência social tradicional. A afirmativa do francês revela sua compreensão histórica, segundo a qual vivemos em um período após a modernidade, denominado correntemente como pós-modernidade. Aparentemente uma solução puramente teórica, tal compreensão tem implicações na obra do autor que esclarece na referida introdução, que seu objeto de estudo, qual seja a existência social, demanda considerações peculiares sobre determinados conceitos e categorias cristalizadas. Dentre elas, Maffesoli (2014) furta-se à segmentação tradicional das disciplinas científicas e de sua “sensatez”, que segundo ele, embora fundamental é desdenhável.
Não obstante, o próprio autor justifica suas escolhas e assume o risco afirmando que sua opção o tira do solo seguro que oferece tal divisão do saber, pois, seu objeto não encaixa-se nas categorias utilizadas em tais divisões. Por meio dessas assertivas antevemos a perspectiva do sociólogo. A nítida inconsistência com que poderiam acusar o autor, alguns desavisados é resultado de seu entendimento dos rumos da sociologia, mais abrangente, mas globalizante, para não dizermos genérica, intentando
[…] mostrar o deslocamento de importância que está ocorrendo, de uma ordem social essencialmente mecanicista para uma estrutura complexa a dominante orgânica. Assistimos à substituição da história linear pelo mito redundante. (MAFFESOLI, 2014, p. 5)
Além de revelar a verve, polêmica para alguns e transgressora para outros, de sua obra, a citação indica uma apreensão da sociedade totalmente oposta à dos historiadores marxistas por exemplo, além de revelar alguma afinidade com seu conterrâneo Durkheim, ao referir-se à sociedade com o termo orgânica, que nos remete as ideias do funcionalismo do pai da sociologia. Nesse sentido, Maffesoli (2014) anota que a despeito das estruturas sociais hegemônicas, há fatores subentendidos no cerne da existência humana que garantem a manutenção da convivência em sociedade.
Speller (2004), articula as ideias de Edgar Morin e Michel Maffesoli em um estudo sobre mulheres professoras em um determinado município do estado do Mato Grosso, cujo a migração por ocasião da atividade econômica do garimpo de minerais preciosos engendrou uma conjuntura social peculiar e complexa, permeada de conflitos entre índios, empresas exploradoras e donos de terras. O artigo, apesar de breve é relevante para nós devido a seu objeto, logo, depreendemos algumas considerações sobre a educação e a sociedade em Maffesoli.
Conforme Speller (2004), professores e alunos – não restritos à região estudada – enfrentam, devido a migração, um desenraizamento que tem como consequências a ausência de referências simbólicas – paradigma, conceito que explicitaremos mais à frente – e a falta de identidade com a cultura local. Entretanto, no local pesquisado, tais condições estabelecem uma rede de união e solidariedade, corroborando a premissa de Maffesoli quanto a um elemento tácito que mantém a unidade social.
As novas e transitórias condições de vida forjam um novo sujeito e por sua vez um novo modelo de aluno, uma espécie de nômade, “[…] o nômade seria aquele que não se cristaliza, não se torna rígido, ludicamente criando e deixando criar o novo […] sem prender-se a rótulos e estereótipos”. (SPELLER, 2004, p.45)
Nesse sentido, a autora explícita o que Morin e Maffesoli compreendem como paradigma. Todos nós interpretamos a sociedade na qual vivemos através de conceitos que chegam até nós por meio da cultura, via linguagem. Este conteúdo lógico, ideológico e simbólico presente em nossa consciência é o que os autores consideram como paradigma e através dele que discernimos o mundo que nos cerca, selecionando as categorias e conceitos fundamentais para a cultura do meu grupo e excluindo as restantes. Segundo Morin e Maffesoli, atualmente prevalece um novo paradigma que entre outras coisas, refuta a lógica dialética, que compreende os fenômenos em polos diametralmente opostos. Nas palavras de Speller (2004),
O autor preconiza um paradigma complexo dialógico de implicação/distinção/conjunção em oposição ao paradigma ocidental cartesiano, vigente desde o século 17 que separa, procedendo por disjunção, sujeito e objeto, alma e corpo, espírito e matéria, qualidade e quantidade, finalidade e causalidade, sentimento e razão, liberdade e determinismo, existência e essência. (SPELLER, 2004, p.47)
Para Speller (2004), o paradigma que precisa ser deixado para trás, em busca da ordem renuncia à complexidade da existência humana, por isso a perspectiva dos autores faz-se necessária para compreender o cenário atual. Essa assertiva representa justamente o principal ponto de contato entre as teorias de Morin e Maffesoli, que consiste na crítica à divisão e organização tradicional da ciência e seu entendimento do que é a verdade. Para os sociólogos, tal organização exclui fatores predominantes da vida como a subjetividade e o acaso, furtando do âmbito científico tudo aquilo que não pode ser medido ou determinado. Intentando atingir a total ordenação dos fenômenos, a total explicação, os cientistas eliminaram o que há de cabalístico, para usar um termo corriqueiro na obra de Maffesoli.
A ciência tradicional entende a sociedade e os fenômenos naturais em uma lógica cartesiana e ou newtoniana, à exemplo da lógica matemática, ou seja, os fenômenos da realidade são equiparados e compreendidos em tal perspectiva. Maffesoli realiza a crítica de tal noção que considera determinista e mecanicista e compara a busca por razões primordiais empreendida pelas ciências com a busca e explicação dos fenômenos através da religião. De forma geral, o que o francês quer expressar é uma crítica a ciência como está organizada, pois, para ele, ela não abrange a complexidade do real, que para ser entendida necessita de uma metodologia igualmente complexa, que articule disciplinas, conceitos e categorias e os considere de maneira aberta. Segundo o autor passamos por uma crise do paradigma ocidental, pois o que está em jogo na realidade é uma relativização da verdade, que de acordo com as ideias de Maffesoli (2014) é produto da situação.
Em resumo, a teoria de Maffesoli (2014), intentar decifrar a relação paradoxal entre a massificação e a proliferação das tribos. Essa relação é o que constitui os caracteres sociais de nosso tempo segundo o autor, que explica, diferenciando suas ideias das de Marx por exemplo, ao considerar a massa sem identidade, em oposição a categoria de classe operária que desempenha um objetivo na história, a massa não cumpre tais objetivos, por isso utiliza o conceito de tribo, conforme o autor,
Trata-se da tensão fundadora que me parece caracterizar a socialidade deste fim de século. A massa, ou o povo, diferentemente do proletariado ou de outras classes, não se apoiam em uma lógica de identidade. Sem um fim preciso, eles não são os sujeitos de uma história de marcha. A metáfora da tribo, por sua vez, permite dar conta do processo de desindividualização, da saturação da função que lhe é inerente, e da valorização do papel que cada pessoa (persona) é chamada a representar dentro dela. (MAFFESOLI, 2014, p. 10).
Assim, a transitoriedade latente em sua obra reflete-se até na utilização da palavra tribo, que não vem unida ou próxima a compreensão de conceito, mas sim, de metáfora, em que cada pessoa (persona), desempenha um papel específico, mais autônomo do que aquele desempenhado por uma classe.

BORDIEU: RELAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO FORMAL E A ESTRUTURA SOCIAL DE CLASSES

            Para Bordieu (2007), a sociologia da educação conserva como objeto a relação entre reprodução cultural e reprodução social. Logo, seu objetivo específico seria mensurar a influência da educação formal na manutenção das estruturas sociais. Com o intuito de compreender essa relação o autor utiliza o conceito de habitus, que encerra a interdependência entre as estruturas e a ação.
A relação entre a educação com as estruturas que sustentam a sociedade não é usualmente considerada pelos sociólogos, porém, seu estudo acrescentaria luz sob o funcionamento de tais sistemas sociais. Sobre o assunto ele anota,
[…] é preciso conhecer as leis segundo as quais as estruturas tendem a se reproduzir produzindo agentes dotados do sistema de disposições capaz de engendrar práticas adaptadas às estruturas e, portanto, em condições de reproduzir as estruturas.” (BORDIEU, 2007, p.296)
Outra afirmação contundente do autor com relação à educação formal é a de que, ela substituiria, em regimes democráticos, a hereditariedade do poder, fomentando as estruturas que garantem a alienação do poder à uma determinada classe. (BORDIEU, 2007). Não obstante, constatamos uma posição do francês oposta ao liberalismo e os valores que o determinam.
Astutamente, Bordieu anui que a função social da educação de legar às gerações pueris o capital cultural herdado historicamente pela civilização – noção consagrada por Durkheim – esconde o papel bem delineado de reprodutora cultural dos valores essenciais à sociedade de classes que a educação formal cumpre atualmente.
Por mais democrático que possa aparentar ser, a justificativa de que a escola teria a função de transmitir o capital cultural é vil, devido a própria natureza desses bens e o meio de usufruir deles. Muito embora o acesso ao conhecimento historicamente acumulado seja garantido as classes desfavorecidas por algumas vias – hoje em dia poderíamos mesmo citar a internet, que oferece entre outras coisas visitas on-line à museus, vídeos com concertos musicais e óperas, sendo que o acesso à rede é praticamente universal em nosso país e também propostas educacionais que privilegiam o acesso ao conhecimento – a sua fruição só é feita mediante a apreensão dos instrumentos e códigos utilizados na sua produção, ou seja, os bens culturais historicamente produzidos é verdadeiramente apreendido apenas por aqueles que detém o referencial simbólico necessário à sua compreensão, a classe dominante. Nesse sentido, a produção e apropriação dos bens culturais percorre um caminho cíclico, retornando sempre à sua origem, perpassando pelas classes sociais desfavorecidas sem efeito algum. (BORDIEU, 2007)
Não obstante, podemos afirmar conforme Bordieu (2007) que o acesso e fruição dos bens culturais estão atrelados à distribuição do capital econômico. Em outras palavras, o nível de utilização dos bens culturais corresponde à classe econômica na qual o indivíduo se encontra, que segundo Bordieu são três: a inferior, integrada pelos trabalhadores rurais e operários em geral; a média, cujo os integrantes são funcionários com formação técnica; e a superior, integrada por profissionais liberais e administradores de alto escalão.
A assertiva de Bordieu encerra outro debate que já havíamos citado brevemente no tópico sobre Maffesoli, a massificação. Nesse caso em específico a massificação da cultura, que com essa natureza é considerada inferior, como o cinema e ou livros de cunho estritamente comerciais. Ou seja, todo o sistema engendra uma diferenciação da cultura popular para a cultura hipoteticamente superior, àquela que mereceria realmente ser consumida e desejada por quem está abaixo na pirâmide social. À época em que escreveu Bordieu, a estrutura social refletia igualmente não só o acesso à cultura na forma de bens de consumo, mas igualmente, como parte integrante da cultura o acesso à universidade. Atualmente com a efetivação de políticas de ações afirmativas em âmbito nacional, teríamos no segmento de educação superior pública, revertido esse quadro parcialmente? Ou ainda assistimos as vagas nas universidades públicas serem destinadas aos membros da classe superior?
Todavia, a função da escola estaria erroneamente posicionada no centro de irradiação do conhecimento científico? Não, concordamos que o papel da escola seja nuclearmente este, porém, o autor justifica porque, ele não é concretizado, pois “[…] a ação do sistema escolar somente alcança sua máxima eficácia na medida em que se exerce sobre indivíduos previamente dotados pela educação familiar de uma certa familiaridade com o mundo da arte.” (BORDIEU, 2007, p.304)
Ao longo de sua obra, Bordieu (2007) pretende denunciar o aparato educacional que em sua visão age no sentido de reproduzir os valores culturais essenciais à manutenção da classe hegemônica no poder, valorizando práticas educativas desiguais em seu conteúdo, mas igualitárias em sua forma. Nesse sentido, concordamos com o autor que indica que a escola, como a descreve não tem a capacidade de promover nenhum tipo de ascensão social, pois, a distinção entre as classes não é uma problemática abordada pela educação institucionalizada.

           
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A despeito das transformações nas relações sociais proporcionadas pela tecnologia, assim como as mudanças das forças produtivas operadas pelo avanço inexorável da tecnologia, ainda vivemos sob a égide do capitalismo. Não raramente essa premissa é posta à prova devido à complexidade e fugacidade que a existência humana se configurou. A educação está no olho do furacão, em torno dela orbitam novos métodos, novas propostas, novas tecnologias, críticas, debates, enfim, um sem número de interferências. O fato é que as mudanças históricas recentes ocorreram com a mesma velocidade da internet e a escola infelizmente mostrou-se incapaz de acompanhá-las. Nesse ponto concordamos com os três autores citados, pois, o que todos têm em comum é o discurso, independente da finalidade que querem dar a ela, de iminente reforma no sistema educativo.
O ceticismo de Bordieu expresso na sua denúncia do papel reprodutor da educação nos leva a seguinte questão: basta garantir o acesso aos bens historicamente produzidos? Ou é necessário conduzir os educandos nos meandros do universo semântico que possibilita desfrutar tal capital? Como fazer isso? A proposta classista e pragmática de Durkheim nos conduz a não menos relevantes indagações como: qual é o verdadeiro papel da educação técnica na atualidade? Proporcionar uma formação profissional a quem precisa e não tem acesso? Ou garantir que os educandos sejam privados de uma educação integral através dessa ressalva? Por fim, as ideias de Maffesoli nos levam a questões mais gerais sobre a sociedade: será que não estamos realmente vivendo em uma nova era em que todas as relações sociais não estão mais enquadradas nos moldes que a física newtoniana previu? E como nos descreve o autor, estamos existindo em uma socialidade com estrutura mais orgânica, em que as pessoas (personas) representam diferentes papeis, nas diferentes tribos que fazem parte, sem perder seu individualismo, agraciando o belo e o prazer? E que a escola de fato, como se apresenta hoje, está falida?
Portanto, nossa tríade francesa, seja por um viés ou outro, condena o sistema educativo institucionalizado, ora por sua função reprodutora dos valores da classe hegemônica, ora pela impossibilidade de garantir uma educação igualitária, ora pelo descompasso com relação à conjuntura atual.

REFERÊNCIAS

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TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

*Mestranda em educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste Campus Cascavel/PR. E-mail: rejane.novello1978@gmail.com. Endereço postal: Travessa Intendência, nº 24, Região do Lago, CEP: 85.812-370, Cascavel/PR.
**Professora Associada do Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioste Campus Cascavel/PR. E-mail: tania.rechia@hotmail.com. Endereço postal: Rua Firenzi, nº 580, CEP: 85.808-460, Cascavel/PR.

Recibido: 01/08/2019 Aceptado: 09/08/2019 Publicado: Agosto de 2019

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